- 1 Divisão regional do Estado do Rio de Janeiro segundo a Lei n° 1.227/87, que aprovou o Plano de Dese (...)
1O petróleo tem um peso enorme na economia e nas relações desta com a política, em todo o mundo. O avanço da exploração do petróleo no Brasil é um hoje um processo muito complexo com implicações e dimensões que no passado não eram consideradas. É neste contexto que o petróleo muda definitivamente o Norte Fluminense, para o bem e para o mal. O petróleo não sendo sujeito, e sim objeto, serve de instrumento para que as pessoas se articulem nos lugares, alterando as práticas sócio-espaciais e a ocupação do território, na produção de novas territorialidades. Conhecer esse movimento do capital sobre o território é um exercício para se compreender a relação da política e do poder sobre os lugares. Nesse casso, lugares específicos como o litoral fluminense, desde o Norte, Baixadas Litorâneas, Metropolitana e Costa Verde, ao Sul1.
- 2 Fernand Braudel (1902-1985), historiador francês; Giovanni Arrighi (1937-2009) e Milton Santos (192 (...)
2Não há no presente como compreender a conjuntura regional envolvida em crises e oportunidades sem visitar o chamado nível superior da economia, conceito construído e desenvolvido por Braudel, Arrighi e Milton Santos2, em diferentes dimensões e contextos. A partir dos marcos teóricos desses autores, o esforço desse texto foi o de tentar compreender a correlação entre os agentes dessas poderosas articulações, que envolvem nações, grandes corporações internacionais, estatais e privadas, gestores públicos, com reflexos diretos na realidade econômica e social fluminense. E, assim, juntando informações e dados coletados em inúmeras pesquisas empíricas, ainda em andamento, é que se tentou construir interpretações em diferentes dimensões. Estas pesquisas buscam levantar os motivos e as razões que colocariam esse espaço regional, como mais um, entre outros, que vivem controlados e observados com lupas, como parte das regiões que vivenciam as tensões da geopolítica da energia mundial. Isto parece se dar, num contexto bem próximo daquilo que Scott et al. (2001) dizia que as cidades-regiões funcionam, cada vez mais, como nós espaciais essenciais da economia global e como atores políticos específicos na cena mundial.
3Não se trata de uma escolha ou opção regional, e sim um desdobramento decorrente de uma formação geológica, hoje conhecida como uma das mais importantes fronteiras petrolíferas do mundo. Sua descoberta só se tornou possível por decisões políticas que superaram grandes dúvidas e desconfianças. Assim, essa nova fronteira exploratória no Brasil, conhecida como as reservas do pré-sal, foi anunciada no ano de 2006, embora só confirmada amplamente, em 2008.
4Os dados oficiais sobre a ampliação das reservas petrolíferas nacionais provadas saíram de 11,5 bilhões de barris, na virada do século, para 16,6 bilhões de barris, segundo a Petrobras, a partir dos critérios definidos pela Agência Nacional de Petróleo (ANP).3 Há quem garanta, como o economista José Mauro Moraes, do Ipea, que as reservas brasileiras, já seriam cerca de 55 bilhões de barris em 2015. Isto, nos colocaria como a décima maior reserva, com potencial para no prazo de uma década estar entre os quatro maiores produtores mundiais, atrás somente da Arábia Saudita, Rússia e EUA. Assim, com as reservas do pré-sal saímos de um patamar de vida útil e utilização das reservas de um prazo de 20 anos, para o potencial de reservas para 60 anos.4
5Desta forma, a formação geológica do estado e a conjuntura política colocou o país, o estado e a região no olho do furacão, vivendo a partir desse fato, um forte rebatimento sobre a economia e a política nacional e estadual com reflexo para todo o território.
6As reservas da camada do pré-sal atingem também a área delimitada e definida como Bacia de Campos, embora, a maior parte das reservas provadas do pré-sal sejam na Bacia de Santos e do Espírito Santo. Até então, a Bacia de Campos era a base operacional com maior atividade de exploração (perfuração e produção) no Brasil, mas, agora em 2015, a Bacia de Santos avança, não apenas, em termos de produção, mas, revelando uma alta produtividade de seus poços e campos, bem acima das mais otimistas estimativas. É neste contexto que é oportuno não apenas conhecer e compreender esta conjuntura econômico-política regional, como também resgatar o processo histórico e vinculando-o, tanto ao diagnóstico, quanto às bases para a formulação de propostas sobre o desenvolvimento regional.
- 5 “Tomar o elevador é o título do prefácio de autoria de Fernando Haddad, no livro “A ilusão do desen (...)
7Antes de “tomar o elevador”5 para entender as finanças, o mundo das corporações e os preços do petróleo e suas relações com a geopolítica mundial da energia, talvez seja oportuno relembrar a nesga de internacionalização, ou o “olhar” que a região já teve para o mundo como um todo. Isso se deu bem antes do “ouro negro”, nas profundezas do mar, passar a fazer parte de nosso cotidiano, como acontece no presente.
8Assim, banhando nas águas de Braudel, vale um breve esforço de resgate em nosso processo histórico para trazer à tona fatos de pouco mais de um século que, pela primeira vez, nos fez olhar o mundo como um todo, a partir da realidade regional.
9Um rápido mergulho temporal em nossa história permite afirmar que não é a primeira vez que a região “se internacionaliza” por conta das oportunidades geradas pela economia regional. Involuntariamente, talvez pela valoração maior, e mais comum do presente, o processo histórico passe razoavelmente despercebido para muitos, mesmo considerando que se trata de naturezas distintas, embora já relacionadas ao mercado global.
- 6 Os termos “região petrorrentista” ou “municípios petrorrentistas” foram atribuídos pelos pesquisad (...)
- 7 Fonte: Paranhos, Paulo, 2008. “O Açúcar no Norte Fluminense”. Autor cita “Decreto Legislativo nº 26 (...)
10Afirmar que só agora, na virada do século, a região petrorrentista6 vive algum tipo de relação com o mundo, num processo de internacionalização, talvez, seja uma desconsideração com a própria história da região. No final do século XIX (1875)7 os capitais ingleses financiaram a estruturação de nossos engenhos centrais em troca da produção açucareira. Daí em diante, já com parte da produção sendo exportada, o acompanhamento do preço do açúcar no mercado internacional passou a ser uma constante.
- 8 Fonte: Jornal “Porto Maravilha”. Prefeitura do Rio, Instituto Pereira Passos, Novembro de 2010, Nº (...)
11Logo após a proclamação da República, na primeira década do século XX, sob a Presidência do Rodrigues Alves e do prefeito da capital federal, Rio de Janeiro, Pereira Passos, o porto do Rio foi ampliado e modernizado com a construção do cais para 3,3 km e 17,5 ha de retroárea e a construção de 20 armazéns principais8. Esses armazéns visavam ampliar a área de estoques para embarque e exportação do açúcar vindo do Norte Fluminense e do café levado do Noroeste e do Sul Fluminense para o Porto do Rio, para daí seguir para o exterior, especialmente, entre 1914 e 1918, período da Primeira Guerra Mundial, atendendo a Europa, neste período de reduzida produção agrícola.
12Assim, em Campos, neste período, pré e pós Guerra, o Café High-Life, no centro de Campos recebia atrações e era animado com companhias teatrais que vinham do Rio e de São Paulo, e até do exterior. Os preços internacionais do açúcar eram diariamente monitorados. Eram pautas dos jornais locais, assim como o frisson atual que se tem com o acompanhamento os preços do barril de petróleo e com as receitas dos royalties do petróleo.
13Um século depois, já na primeira década do século XXI, várias vezes os conflitos árabes eram, senão comemorados, bem assimilados, por conta das oscilações para cima no preço do barril, que muitas vezes, vinha acompanhado por aumento do valor do dólar no país, engordando as quotas dos royalties para os municípios e estados produtores.
14A identificação que as crises mundiais mexiam com a realidade local/regional já era percebida há algum tempo. O escritor Osório Peixoto em seu último livro em vida, editado em 2003 “500 anos dos Campos dos Goytacazes” atribuiu o título a um dos capítulos, fazendo referência à realidade local no início do século XX: “O açúcar sobe com a guerra e Campos cresce”. Nesse mesmo capítulo Osório cita as palavras do engenheiro e “ex-usineiro” Jorge Renato Pereira Pinto, que também teria se referido à época dizendo: “o açúcar é indústria da guerra, só dá lucro quando o mundo se destrói nas guerras.”
15Interessante registar que a mesma observação passou a ser feita no início desse século XXI, quando conflitos regionais, especialmente na região do Oriente Médio surgiam, gerando tensões mundiais e pressões sobre o preço do petróleo. Os mesmos questionamentos da contramão do mundo surgiam junto dos questionamentos sobre os usos indevidos das receitas dos royalties, oriundos da produção petrolífera no mar.
16É evidente que há diferenças sobre a situação há um século, quando a região e sua população observavam as oscilações no preço do açúcar, para balizar os valores do comércio e a produção regional de olho nos preços e nos possíveis lucros. Assunto de quem podia à época controlar os meios de produção.
17Há um século se tinha a concretude e a vivência com a terra e com o plantio da cana. Os trabalhadores, agricultores e todas as pessoas viam a cana crescer e depois colhiam para a industrialização e para obtenção do dinheiro. Na conjuntura atual, o petróleo é ainda hoje, não um produto concreto e real, mas uma “coisa abstrata” para a maioria da população.
18Quando petróleo foi descoberto na Bacia de Campos, na década de 70, tudo era indagação. Como tirar do fundo mar o óleo? Como implantar “fábricas de petróleo” em alto mar? Viagem de barcos e helicópteros, tudo era abstração e novidade em meio às novas tecnologias. Instaladas geograficamente distantes das pessoas, que ainda hoje, em sua maioria, sequer conhece o cheiro do óleo, as plataformas e sondas estrangeiras começaram a ser contratadas.
- 9 Lista completa das petroleiras que produzem petróleo no Brasil divulgada pela Agência Nacional de P (...)
19Assim, no final da década de 80, o convívio com os estrangeiros (“gringos”) começou na base administrativa da Petrobras, no município de Macaé. Ingleses, americanos, holandeses foram se ampliando na medida que a década de 90 chegava. A produção era pequena comparada ao que se tem nos dias atuais. Nesse período, a quantidade de sondas e plataformas cresceu enormemente. Além disso, depois da Lei do Petróleo - que quebrou o monopólio da exploração e criou uma agência reguladora (ANP) -, os leilões de campos e áreas passaram a ser chamados de rodadas. Assim, as petrolíferas estrangeiras passaram a atuar no país a partir do final da década de 90, exatamente quando a produção passou a crescer quase que exponencialmente, junto das participações especiais e dos royalties pagos à União, aos estados e aos municípios.9
20Desta forma, na primeira década do século XXI, a descoberta das reservas do pré-sal e a presença de especialistas do ramo para conhecer e trabalhar na região continuou a crescer. Da mesma forma, diversos técnicos que ganharam experiência no trabalho offshore se transformaram em “global-workers”, contratados pelas empresas – “players” – especializados no setor, como a Transocean, Sculumberger, Halliburton, etc. Assim, a internacionalização da região e de sua comunidade foi seguindo a trilha e a realidade impostas pelo capital e pelas corporações transnacionais que operam nessa poderosa cadeia produtiva.
21A presença de trabalhadores estrangeiros na região foi pontual até a aprovação e a entrada em vigência da Lei do Petróleo. A partir daí, com o fim do monopólio e a participação de petrolíferas estrangeiras nos trabalhos de exploração diretos, em áreas obtidas em leilões da Agência Nacional de Petróleo, o quadro começa a mudar. Até ali a presença de estrangeiros era pontual e sempre ligada à contratação de sondas, plataformas e/ou especialistas técnicos para atender às demandas das atividades da Petrobras. Desta forma, na virada do século, a partir de 2000 é que esse número cresce. É difícil identificar a quantidade exata de estrangeiros atuando na Bacia de Campos e Macaé, porque muitos são legalizados como se tivessem base no Rio, onde estão as sedes e o setor de recursos humanos de quase todas essas empresas.
- 10 Dados da Coordenação Geral de Imigração – Trabalho Estrangeiro - CGIg/MTE: “Autorizações concedidas (...)
- 11 Ver também: http://www.macaeoffshore.com.br/revista/internas.asp?acao=capa&edicao=29.
22A partir daí, o número de trabalhadores estrangeiros atuando no setor de óleo e gás (atividades diretas e indiretas) vem crescendo paulatinamente e tem o seu pico de registros no ano de 2011, com 23 mil novas permissões de trabalho pelos dados do Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE). Entre 2010 e 2014 esse número total no Brasil chegou 80.147 permissões de trabalho concedidas pelo MTE. Especificamente, no município de Macaé, no ano 2013 esse número foi de 1.083 permissões. Em todo o estado do Rio de Janeiro, em 2014, o número foi de 13.957 (92%) do total de 15.117 permissões para trabalho temporário para atuar embarcado, ou seja, a bordo de embarcações estrangeiras ou plataformas no Brasil. Desses 3.500 (23%) eram filipinos; 1.553 (10%) do Reino Unido; 985 (7%) indianos e 765 (5%) americanos e outras nacionalidades. A pouca expressão de permissões dadas para trabalho em Macaé, como já dissemos, deve-se se explicar com os registros de empregados feitos nas sedes de suas empresas, na capital10-11.
23Um novo salto nesse processo com a presença de trabalhadores estrangeiros, no mundo do trabalho regional acontece a partir de 2009/2010, com a construção do porto do Açu. Numa fase mais adiantada da implantação do porto, empresas holandesas e belgas foram contratadas para os trabalhos de dragagem dos canais de acesso para os terminais 1 e 2, para a construção (dragagem) do canal artificial do terminal 2 e ainda para a montagem dos píeres e quebra-mar desses mesmos terminais através de diques flutuantes de montagem de caixões. Assim, a tecnologia espanhola das empresas Acciona e depois também com a FCC trouxeram da Europa não apenas os seus equipamentos, mas também os técnicos para sua operação, assim como os gerentes para todo o trabalho na região.
24Nos anos que se seguiram 2012, 2013 e 2014, outras empresas estrangeiras foram se instalando na retroárea do Açu, com gerentes estrangeiros vinculados às suas matrizes. Esse foi o caso da francesa Technip, a americana National Oilwell Varco (NOV), a inglesa Intermoor, do grupo Acteon, a finlandesa Wartsila, e ainda em implantação a base portuária da americana Edison Chouest Offshore (Eco), todas com píeres e saída para o mar, através do canal, junto ao terminal 2. As cinco possuem em comum, a atuação no fornecimento de produtos e serviços de apoio à exploração offshore de petróleo.
25Há ainda a registrar no Açu a presença de outra empresa estrangeira do segmento de extração e exportação de minério de ferro, o grupo britânico Anglo American, que opera junto com a Prumo Logística Global S.A. (sucessora da LLX), que é a atual controladora do Porto do Açu, a “joint-venture” Ferroport, que atua na operação da chegada do mineroduto e no beneficiamento (filtragem e secagem) para posterior embarque e exportação do minério pelo Porto Açu.
26Evidente, que as relações com o mundo global, nos dias atuais, são imensamente maiores que há um século. Saiu-se de um período em que a relação era de financiamento da produção agrícola e modernização das usinas e preocupação com os preços do açúcar e da cana (mas com o controle da produção decidida na região e sobre o território) para uma outra realidade. Uma economia contemporânea globalizada, a produção e as decisões instantâneas, o gerenciamento monitorado online e com ações diretas sobre o território, aí compreendido não apenas a área, mas, todo o contexto de trabalhadores, fluxos de pessoas e materiais e relações de poder sobre a região.
27Dessa forma, é também possível identificar que a cadeia produtiva do petróleo que é global, com especializações e nichos de tecnologia nos EUA e Europa (especialmente), foi abrindo brechas, com as aberturas de mercados possibilitadas pelas novas legislações. Junto foi se observando o declínio da economia canavieira afogada em problemas de diversas espécies.
28A emergente e global indústria petrolífera, sob a forma de consórcios com empresas brasileiras ou outras estrangeiras, sozinhas, com apoios, ou não, de fundos financeiros estrangeiros, foi aportando capital fixo sobre o território, de maneira crescente na região, nestes últimos quinze anos. Inicialmente em Macaé e agora, também e suplementarmente, no município de São João da Barra, mais ao norte, junto ao Porto do Açu. Diante da ausência de um planejamento regional público, ou público-privado que considerasse um ordenamento e uma visão integrada com preocupações socioambientais, para evitar ou mitigar impactos, elas se espalham e vão controlando e usando o território (Santos, M. 1998), que assim passam a ser controlados cada vez à distância pelas corporações transnacionais. Assim, mesmo que a presença física e em termos absolutos de estrangeiros possa não ser ainda tão grande, é fato que a região foi se internacionalizando e entrando mais profundamente no radar dos interesses dos lucros e da movimentação da geopolítica da energia.
29O petróleo, nomenclatura de origem grega (óleo da pedra), descoberto milhares de anos antes de Cristo, só veio a ser transformado com a Revolução Industrial do século XIX. Dessa forma, ainda de origem do xisto, passou a ser refinado, como etapa de um processo industrializado, na metade desse mesmo século, quando novas reservas foram descobertas. A primeira descoberta em solo americano se deu em 1859, no estado da Pensilvânia. Ainda no século XIX, a produção americana cresceu, assim como as novas áreas de extração na Arábia e no Irã, que hoje possui a quarta maior reserva do mundo. Porém, foi na Venezuela em 1875, que a extração de petróleo passou a ser sistemática e profissional, mesmo que em pequenas quantidades e bombas manuais e a seguir também iniciou seu beneficiamento com pequena refinaria.
30No início do século XX foi criada no Irã, próximo à fronteira com o Iraque, a Anglo-Persian Oil Company, hoje a quarta maior petroleira mundial, que hoje é a inglesa, BP (Britsh Petroleum). A seguir, em 1932 campos petrolíferos são descobertos no Canadá, que hoje é a terceira maior reserva mundial de petróleo. Nesta mesma época, as reservas na Arábia Saudita começam a surgir, através de exploração americana. Hoje, a Arábia é a segunda maior reserva do mundo, já que em 2010, a Venezuela com novas descobertas, passou à frente do país árabe. Na figura 1 abaixo é possível visualizar os dados sobre as reservas provadas, em julho de 2014:
- 12 Infográfico publicado junto à reportagem “Próximos 12 anos vão exigir investimentos de US$ 500 bilh (...)
Figura 1: Reservas provadas de petróleo no mundo. Dados da Petrobras /ANP/EPE e IHS12 - Arte Maycon Lima, 2015.
- 13 Fonte: Valor, 31 de março de 2015, P. A12, Lamuci, Sérgio.
31A história do petróleo tem uma relação direta com a Inglaterra e com os EUA. Será nesse, na década de 40, que o país, no norte das Américas, terá, até os dias atuais, o maior crescimento percentual (relativo) anual de sua produção. Nessa época o EUA alcançou um crescimento anual de 16,2%. Porém, agora, nos últimos três anos (2012-2014), os EUA voltam ter grandes aumentos na produção interna de petróleo13.
32Desta forma, será no início da segunda década desse século que os EUA passa por novo “frisson” de produção interna de petróleo, agora, ancorado com o “shale gas” e o “shale oil” (gás e petróleo de xisto). Em 2014, os EUA produziram um total de 8,7 milhões de barris em média, ficando, em termos de produção mundial, na terceira posição, só atrás da Arábia Saudita e da Rússia. Na figura 2 abaixo é possível ver a lista das nações que em 2013, mais produziam petróleo no mundo:
- 14 Fonte: El País em 29/10/2014, Alicia Gonzélez. “Rumo a uma nova ordem petrolífera global”. Disponív (...)
Figura 2: Principais produtores mundiais de petróleo. Fonte: El País em 29/10/201414. Arte Maycon Lima, 2015.
33Depois da Segunda Guerra Mundial (IIGM), o movimento de descolonização se espalhou pelo mundo, fortemente vinculado, ao direito das nações usarem seus recursos naturais, em especial o petróleo, a favor do seu próprio desenvolvimento. Esse fenômeno foi gerando de maneira gradual e sequencial, a expulsão de petroleiras americanas e europeias, num movimento que mais adiante resultou na criação da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) na década de 60, numa conferência em Bagdá. A reação era especialmente contra os EUA, já na época, o maior consumidor de petróleo do mundo.
34A Opep surge assim, de uma articulação das nações com as maiores reservas como a Venezuela e Arábia Saudita, junto com outros países árabes, especialmente, o Irã, Iraque e o Kuwait. A Opep só obtém força mesmo na década de 70, quando consegue unificar a política petrolífera dos países produtores, definindo de forma especial, os preços e os volumes de produção aos países produtores. Criticado como um cartel, a Opep na prática conseguiu impor, na maior parte do tempo, maiores preços ao petróleo no mercado mundial, alterando de vez a geopolítica mundial. Hoje a Opep reúne doze membros. A sequência temporal de entrada dos países na Opep foi: seis nações no Oriente Médio (Arábia Saudita, Iraque, Irã, Kuwait, Catar e Emirados Árabes Unidos); quatro países na África (Líbia, Argélia, Nigéria e Angola) e duas nações na América do Sul (Venezuela e Equador).
35A criação e a forte articulação inicial da Opep mexeram e alteraram a vida na maioria das nações, em especial nas que mais importavam petróleo no mundo, localizadas no Ocidente, constituindo uma era que passou a ser conhecida como do “Choque do petróleo”. O maior impacto decorre da chamada segunda crise do petróleo, que acontece em 1979. Ela impacta fortemente os EUA e os países da Europa que entram em forte e grave depressão econômica. Muitos permaneceram por quase toda a década de 90 nesta situação. A partir daí, diversas nações começam a se movimentar para reduzir a dependência do petróleo da Opep. Os valores mais altos abrem espaços para que reservas internas, inexploradas dessas nações passassem a ser usadas, mesmo com maiores custos de produção. Os exemplos mais significativos que evidenciam essa fase são os casos dos EUA, Canadá e do Brasil.
36A figura 3 abaixo ajuda a mostrar como os conflitos regionais se transformaram em problemas geopolíticos mundiais, em função da disputa por petróleo como fonte de energia. Mais adiante esses fenômenos, relacionando as crises e sua interferência na economia brasileira serão detalhados.
- 15 Mais detalhes disponíveis em: http://energy.gov/eere/vehicles/fact-859-february-9-2015-excess-suppl (...)
Figura 3: Preço mundial do barril de petróleo entre 1970-2014 e conflitos mundiais. Fonte: Energy.gov15
37Para facilitar uma melhor leitura deste processo é oportuno pontuar os fenômenos com breves explicações e detalhamentos. Ela permitirá uma análise histórica-política-econômica e social relacionando os preços a outras questões, dessa importante cadeia produtiva, sob uma ótica da geopolítica mundial:
- 16 Os ciclos longos são estudados sob a concepção do Kondratiev (1926), ou dos ciclos históricos de Br (...)
- 17 O petróleo para efeito de valor e preço podem ser do tipo “Brent” ou “WTI”. O petróleo Brent foi ba (...)
38A questão do preço do petróleo no mundo é uma questão complexa que convolve muitas dimensões. Essa questão vale ser observada em ciclos mais longos. Esse autor desconhece a existência de estudos nessa linha, à luz dos ciclos longos de Kondratiev16. De forma bem superficial, observando pela ótica dos ciclos longos é possível perceber que apenas nos períodos, entre o final de década de 70, início dos anos 80 (após a revolução no Irã e guerra Irã-Iraque), e mais recentemente, entre 2005 e início de 2014 (crise financeira de 2008 – o maior pico de preço até hoje - mais os conflitos no Egito, Líbia e Síria entre 2011-2014), o preço do petróleo esteve em patamares acima de US$ 50/60 dólares, o barril17.
- 18 A crise do “subprime” nasceu nos EUA em 2006, com origem financeira e ligada a empréstimos (hipotec (...)
39Na maior parte do tempo, especialmente, nas três últimas décadas (1984-2014), o preço esteve abaixo dos US$ 50/60 o barril. Assim, a crise de preço entre o final de 2014 e este início de 2015, pode se dizer que seria mais regra do que exceção. Ou, sendo mais realista, em quatro décadas, os períodos estariam quase que igualmente divididos, entre preços mais altos, próximo aos US$ 100 – com picos de US$ 130 e US$ 140 - e preços mais baixos, próximos dos US$ 50/60, o barril (brent). O período que diverge dessa realidade é exatamente o da última década de março de 2005, a março de 2015, quando o preço do barril de petróleo atinge um de seus últimos picos em julho de 2008, quando chegou próximo dos US$ 140, o barril, simultaneamente, um pouco antes da crise de 2008, do “sub-prime”18 americano, que gerou repercussão, em todo o sistema financeiro mundial. Depois, nova crise na Líbia iniciada em 2011/2012 eleva novamente o preço que tinha caído ao patamar dos US$ 50/60, a valores acima de US$ 100, o barril.
40Algumas outras observações pontuais na linha do tempo do gráfico acima, contribuem para uma melhor leitura da geopolítica da energia: Guerra do Iraque em 2003; Em 2005, greve na petroleira venezuelana PDVSA, dólar mais baixo e uma série de cortes de produção da OPEP que atinge 4,2 milhões de barris.
41A partir de 2005/2006 tem-se maior crescimento asiático e importação da China. Em 2007, ainda se tem uma baixa reposição de estoques de produção de petróleo; depois com a crise de 2008, se tem uma recessão. Logo a seguir caminhando para 2010, o petróleo volta a subir com reeleição do presidente do Irã Ahmadinejad e com a informação de que os EUA possuiriam um plano para atacar o Irã. Assim, em abril de 2011 o preço do barril já tinha subido para US$ 123.
42Ainda em 2011, o levante líbio e, logo a seguir, o movimento se expande para o Egito e se tem a chamada “Primavera Árabe”. Toda essa sequência de fatos ajuda a manter o preço elevado, que atinge em março de 2012, o valor de US$ 124,93 que sustenta, três anos depois, agora em março de 2015, como o último pico de preço do petróleo. Esse faixa de preço se mantém até junho de 2014, quando estava cotado a US$ 111,87.
43De junho de 2014 em diante, o preço do barril de petróleo no mercado internacional segue um roteiro de queda que chegou ao mínimo de US$ 48,42 em janeiro de 2015. Esse valor só não é menor do que os US$ 41,58 de dezembro de 2008. As justificativas para esse movimento que já dura quase um ano são diversas. Uma das razões é o aumento da produção dos EUA com a exploração do “shale gas”, ou petróleo de xisto que já comentamos acima.
44Outras questões geopolíticas levam a um suposto “acordo extraoficial” entre EUA e Arábia Saudita, que contribuem para o aumento da produção e consequente redução dos preços. Essa versão, em novembro de 2014, ganha reforço de interpretação quando a Opep decidiu, em assembleia dos países produtores, não reduzir a produção gerando significativos excedentes, diante da demanda equilibrada ou ligeiramente declinante no mundo. A versão foi ainda sustentada com a interpretação de uma “nova guerra fria” entre EUA e Rússia, grande produtor, que tem sua economia fortemente dependente do petróleo e do gás exportados. Com os preços mais baixos no mercado internacional a Rússia enfrenta crise e tem que cuidar de sua política interna, e indiretamente retoma, uma nova disputa com os EUA, através da contenda regional com a Ucrânia defendida pelos americanos.
45Há quem veja na questão não um acordo EUA-Arábia Saudita e sim, mais uma “queda de braço”, entre os EUA e a OPEP. Por esta hipótese, haveria uma disputa, em que a Arábia estaria apostando numa incapacidade dos EUA em sustentar seu crescimento de produção com o “shale gas”, que sabidamente tem maior custo de produção que o petróleo árabe. Essa relação EUA-Arábia Saudita parece ser chave para se entender o fenômeno atual de excesso de produção e de disputa por mercados de petróleo, em meio também, à concorrência com as chamadas energias de fontes alternativas (eólica, solar, biomassa, etc.), que não teriam condições de competir, com a energia do petróleo, na faixa dos US$ 50, o barril.
46Assim, também se atingiu e limitou os esforços de exploração de novas fronteias de produção de petróleo e gás. Essa estratégia poderia ser apenas uma hipótese, mas ela ganhou força com a declaração de Harry Tchilinguirian, “estrategista chefe global do mercado de commodities de um dos maiores bancos europeus, o francês, BNP Paribas que disse em vista ao Brasil, numa entrevista, no dia 6 de março de 2015, ao jornal Valor: “Petrobras e pré-sal também estão na estratégia da Opep”. Tchilinguirian disse ainda:
- 19 Matéria no Valor, em 6 de março 2015, de Rodrigo Polito: “Petrobras e pré-sal também estão na estra (...)
“A maior preocupação da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) que decidiu em novembro deixar o preço do petróleo recuar, não é a expansão da exploração de petróleo e gás não convencionais, o "shale oil" e o "shale gas" nos EUA, e sim, as grandes petroleiras e seus investimentos em área de custo mais alto de produção, como a Petrobras e o pré-sal brasileiro. A estratégia liderada de fato pelo seu maior produtor, a Arábia Saudita, é fazer com que, devido ao baixo preço do petróleo, as grandes companhias desistam de seus investimentos de custo mais alto. Com isso quando houver escassez de oferta nos próximos anos e o preço de petróleo voltar à trajetória de crescimento consistente, as empresas terão dificuldades em retomar os projetos com rapidez, abrindo espaço para a Arábia Saudita e sua estatal, Saudi Aramco”... “Os EUA não são questão para a Opep. Mas se você olhar os grandes investimentos, no Brasil, no Canadá, em água profundas no Reino Unido e no Golfo o México, as companhias envolvidas nessa área vão cancelar seus projetos [com a quedas do preço do barril de petróleo] e não serão capazes de retomá-los quando o preço alcançar US$ 100 [o barril], porque estamos falando de um ciclo de cinco anos [para por os projetos em operação novamente].19"
47Assim, se observa de forma clara, através da fala direta de um banqueiro, o interesse que as reservas e a estratégia de produção petrolífera do Brasil despertam a nível mundial.
- 20 Matéria no Valor, em 8 de abril de 2015, de Claudia Schuffner: “Shell anuncia acordo para compra do (...)
- 21 Matéria do Valor, em 8 de abril de 2015, de Daniela Mebak: “Com BG, Shell espera produzir 550 mil b (...)
- 22 Matéria do Valor, em 24 de abril de 2015, de Andrea Jubé: “Shell reafirma confiança na brasileira”.
48Outro fato que corrobora com a avaliação sobre as estratégias da Arábia Saudita, a respeito das reservas do Pré-sal petrolífero brasileiro, foi o anúncio da megafusão da petroleira Shell, com o grupo britânico petrolífero, BG20. Todas as reportagens que se seguiram a este anúncio da Shell afirmaram, categoricamente, que os principais motivos que redundaram na aquisição, eram os ativos da BG no Brasil, e pelo fato da Shell, a terceira maior petrolífera do mundo ficar ainda mais próxima da Petrobras na exploração do Pré-sal21. As falas realçaram o fato de que teria sido até aqui a primeira e única vez que esta petrolífera, de origem holandesa (hoje, uma multinacional anglo-holandesa) adquiria um grande ativo, já que até então, era sua estratégia crescer com os seus próprios ativos e não com aquisições de terceiros. Os discursos oficiais do presidente da mundial da Shell enalteceram o fato, de após a aquisição do grupo BG no Brasil, a Shell atuar no Pré-sal, junto da Petrobras, mesmo, num momento delicado de sua gestão com as investigações de desvios de recursos e superfaturamentos de contratos22. Após reunião, no dia 23 de abril de 2015, com a presidente Dilma Rousseff e o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, em Brasília, o presidente mundial da Shell, Ben van Beurden afirmou:
“A Shell como a parceira líder da Petrobras "por muitas décadas" poderá "quadruplicar" as operações da companhia no Brasil. "Temos confiança no clima de investimentos no Brasil”.
49Esta conjunção de fatos e fatores ajudam a compreender os interesses comerciais pelas reservas brasileiras e explicam as pressões geopolíticas mundiais que estão em curso. Essa realidade também contribui para a compreensão das disputas, que identificam no preço do barril, uma das principais armas dessa contenda. Assim, até o final abril de 2015, apesar dos avanços das petroleiras sobre o controle das reservas mundiais, o preço do barril do petróleo se manteve baixo, porém, já na casa dos US$ 60, tendo fechado o mês a US$ 66, o barril. Também não pode ser visto como coincidência, que o rebaixamento do preço internacional do barril de petróleo, tenha acontecido junto da caída de preço, de quase todas as outras commodities minerais, e também do agronegócio. As causas derivadas podem ser excesso de oferta, aumento de estoques dos maiores consumidores e a ligeira redução das demandas, mas, aparentemente, a atuação das grandes “traders”, do setor financeiro e dos poderes políticos. Enfim, a explicação estaria na relação entre produtores, intermediários e consumidores, como diz Dowbor (2013), e/ou na geopolítica, conforme a concepção de Vesentini (2004) e/ou no Sistema Mundo de Wallerstein (2007).
- 23 Relato histórico com uso de diversas fontes descrito por João Pimentel no blog “Campos dos Goytacaz (...)
50A história das pesquisas de exploração e de produção de petróleo no Brasil são relativamente conhecidas. Em diversos lugares do Brasil foram feitas explorações, entre o final do século XIX e início do século XX, até se descobrir petróleo nas terras da Bahia. A primeira prospecção conhecida de petróleo no Brasil, se dá no município de Bofete, SP, entre os anos 1892 e 1896. Nessa ocasião se chegou a perfurar a uma profundidade de quase 500 metros, onde só se encontrou água sulfurosa. Vinte anos depois, a região Norte Fluminense viveu uma experiência semelhante. Em março de 1922, o coronel gaúcho Olavo Alves Saldanha resolve procurar petróleo, em sua Fazenda Boa Vista, que possuía 2,2 mil alqueires e tinha sido adquirida em março de 1918. Para isso, Saldanha, se associou ao grupo do Henrique Laje de Niterói para realizar as primeiras sondagens na Baixada Campista, em área bem próxima ao balneário campista do Farol de São Tomé. Para isso um técnico americano já experiente em procura de petróleo foi trazido para orientar as prospecções. Um ano depois, problemas técnicos e uma explosão foram determinantes para que a prospecção fosse interrompida, quando a mesma seguia numa profundidade de cerca de 200 metros. Sem resultados e com desentendimentos entre os empreendedores da exploração, a mesma foi encerrada em 192323.
51A descoberta propriamente dita para o petróleo, e estabelecida, como marco no Brasil, aconteceu no ano de 1939, no estado da Bahia, na localidade de Lobato, próximo a Salvador, mais uma vez com a participação de técnicos americanos. Assim, só após a Segunda Guerra Mundial, o assunto passou a ter uma discussão ampla na sociedade e, por conta da presença de interesses estrangeiros, é lançada a campanha do “O petróleo é nosso”. Todo esse movimento remeteu à decisão a respeito do monopólio estatal sobre toda a cadeia produtiva do petróleo e do gás. Isto acabou culminando também, com a decisão pela criação da Petrobras, em 1953, no segundo governo Vargas. O monopólio só foi suspenso em 1995, por uma Emenda Constitucional patrocinada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso.
- 24 Fonte livro: “Petróleo em águas profundas – Uma história tecnológica da Petrobras na exploração e p (...)
52A crise mundial do petróleo deu argumentos para o Brasil, através da Petrobras, intensificar as pesquisas de exploração e perfuração de poços. Assim, ela avançou para o litoral e redundou na descoberta, em 1974, do campo de Garoupa, na Bacia de Campos. As idas e vindas dos preços do petróleo no mercado internacional, quase paralisaram a exploração, na Bacia de Campos, que já tinha começado a produzir, porém a custos mais altos que o valor do óleo importado. O início efetivo da produção de petróleo offshore se dá em 1977, no campo de Enchova, a uma profundidade de cerca de 120 metros, com um sistema chamado de antecipado24.
53A decisão em manter a exploração e a produção nacional foi decisiva para a indústria petrolífera brasileira. Isso permitiu que ela ganhasse um novo patamar, em volume de produção, no final da década de 90, já sob a égide, da nova Lei do Petróleo e da repartição dos royalties e participações especiais, para estados e municípios confrontantes e limítrofes do litoral. O fato dá origem aos estados e municípios petrorrentisas e à economia dos royalties, como subproduto da economia do petróleo que falaremos adiante.
- 25 Fonte: Petrobras: http://www.petrobras.com.br/pt/nossas-atividades/areas-de-atuacao/exploracao-e-pr (...)
54Em 2006, a Petrobras confirma a descoberta das reservas na camada do pré-sal, no litoral brasileiro. A nova reserva se situa a uma distância de cerca de 300 km da região Sudeste, com área total da província 149 mil km² e se estende, desde o estado de Santa Catarina, até o Espírito Santo25. A reserva a uma profundidade entre 4 mil e 10 mil metros, já produz hoje, maio de 2015, o equivalente a 800 mil barris de petróleo, de excelente qualidade. A figura 4 abaixo elaborado pelo Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, usa dados reais 2003-2014 e previsões até 2020, destaca a produção da reserva do Pré-sal, mostrando, sua evolução paulatina a partir de 2011, enquanto a do pós-sal (ou já chamando de “não pré-sal” se reduz ao longo do tempo. De certa forma, a nova nomenclatura utilizada, já dá uma mostra de leitura que o banco faz do cenário.
- 26 Disponível em: <http://www.economiaemdia.com.br/EconomiaEmDia/pdf/infset_petroleo_e_derivados.pdf>.
Figura 4: Produção de Petróleo no Brasil entre 2003-2010. Fonte do gráfico: Apresentação (slide 78/149) do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, com dados da Petrobras. Fevereiro de 2015.26
55Na figura 5 abaixo é possível ver a evolução do comércio de petróleo realizado pelo Brasil entre exportações e importações. O aumento da produção tem sido acompanhado também do aumento da demanda de consumo. A necessidade simultânea de exportação e importação está ligada ao fato de que parte do petróleo produzido na Bacia de Campos é mais pesado e parafinado, exigindo plantas e processos de refinarias específicas. Essa troca no mercado internacional sempre gerou déficit e levou à decisão da Petrobras adquirir refinaria no exterior, para processar esse óleo mais pesado que exige instalações e processos distintos. Junto disso, em função do aumento do consumo, a Petrobras também decidiu fazer ampliações em algumas refinarias já existentes no Brasil, e também deu início ao planejamento para a construção de quatro novas refinarias: Comperj em Itaboraí, RSNET, junto ao Porto de Suape, em Pernambuco e Premium I e Premium II, no Maranhão e Ceará, respectivamente. No início de 2015, quando da crise dos preços internacionais do petróleo e dos problemas financeiros da empresa, decorrentes da Operação Lava Jato, o Conselho de Administração decidiu suspender os projetos de construção, cujas áreas já estavam adquiridas e terraplanadas.
Figura 5: Exportação e importação de petróleo e derivados no Brasil entre 2007-2015. Fonte: Fonte da Imagem: Apresentação (slide 145/149) do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, com dados da Petrobras. Fevereiro de 201527
56Em 2015, o Brasil dispõe de 17 refinarias, sendo 13 da Petrobras, incluindo a RSNET em Pernambuco, cuja produção através do primeiro trem de refino se deu ainda em 2014. Em 2012, as refinarias no brasil processaram 117,5 milhões de m³, equivalente a 98% de suas capacidades instaladas. O maior processamento das refinarias do Brasil acontece na Refinaria de Paulínia com 23,4 milhões de m³, equivalente a aproximadamente 20% de todo o refino atual do país. Desta lista ainda não está incluída a refinaria do Comperj, cuja primeira fase ainda não concluída, estando agora em maio de 2015, com 86% das obras executadas e interrompidas como decorrência da suspensão dos contratos com as empreiteiras envolvidas nas investigações da Operação Lava Jato.
57Como já visto, embora a produção se inicie em 1954, em terra, o seu maior incremento vem com o início da produção na Bacia de Campos. A primeira perfuração na Bacia de Campos acontece em 1971. A primeira grande descoberta do campo de Garoupa se dá em 1974, tendo o início da produção comercial três anos depois. Porém, por vinte anos o crescimento da produção é razoavelmente lento. Só a partir da segunda metade da década de 90, ela começa a crescer de forma significativa com a entrada em produção dos maiores campos. A seguir entra em cena a ANP e os leilões com a oferta das áreas para exploração. A descoberta do pré-sal é anunciada em 2006. Seis campos gigantes do Pré-sal aparecem desde 2008, na lista das dez maiores descobertas do mundo.
Tabela 1. As dez maiores descobertas de petróleo do mundo.
Figura 6: Mapa das dez maiores descobertas do mundo. Arte Maycon Lima.
- 28 Apresentação (slide 103/149) do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, com dad (...)
58Como já comentado, o banco Bradesco monitora de perto o setor de óleo & gás, em função dos seus interesses financeiros, por conta da captação e investimentos que realiza em projetos petrolíferos, através de vários de seus fundos. Por isso mantém equipes e um departamento de pesquisas e estudos econômicos, com consultores especializados no setor de petróleo. Numa apresentação como síntese do relatório “Petróleo e derivados”, de fevereiro de 2015, se lê a afirmação que: “estimativas da Petrobras indicam reserva entre 40 e 70 bilhões de barris de petróleo na camada Pré-sal, localizadas nas Bacias de Santos, Campos e Espírito Santo. Confirmadas as reservas de 40 bilhões de barris, o Brasil passaria a deter aproximadamente 3,5% das reservas mundiais (hoje possui 0,9%)”28.
- 29 Para Lukács, (1967, p.240) a categoria totalidade significa que a realidade objetiva é um todo coer (...)
59Assim, é oportuno destacar alguns momentos que marcam essa entrada do Brasil num contexto geopolítico da energia no mundo, para que seja mais ampla e didática a interpretação deste ciclo de 40 anos (quase um ciclo completo de Kondratiev), ainda com a preocupação de não perder a noção de totalidade29. Assim abaixo segue a Tabela 2 e o Infográfico 1 com os marcos temporais da exploração de petróleo offshore no Brasil
- 30 A Operação Lava Jato foi denominada pela Polícia Federal e do Ministério Público do Paraná por cont (...)
Tabela 2: Tabela dos Marcos temporais da exploração de petróleo offshore no Brasil. Elaborada pelo autor com resumo dos marcos temporais. Obs.: Sobre Operação Lava-Jato30
Infográfico 1: Elaborado pelo autor a partir da Tabela 2 com resumo dos marcos temporais da exploração de petróleo offshore no Brasil. Arte Maycon Lima.
- 31 Uma forma de identificar os períodos dos mandatos dos últimos presidentes da República do Brasil: F (...)
60No plano nacional, a descoberta do Pré-sal é, sem dúvida, o marco mais importante do setor, desde a descoberta do petróleo na Bahia e da criação da Petrobrás na década de 50, há sessenta anos. Outro ponto que merece destaque foi a decisão do governo Lula-231 de encaminhar o projeto ao Congresso Nacional, e depois lutar pela sua aprovação, substituindo o regime de concessão de exploração dos campos, pelo regime de partilha de produção petrolífera, mais apropriado para nações com altos reservas e grandes volumes de produção. Essa decisão, como já comentado, fez surgir resistências dentro e fora do país, num processo que parece misturar as questões sobre o poder que a geopolítica do petróleo sempre remete.
61É da natureza do setor de óleo e gás ser fortemente ancorado em altos investimentos, de realizar grande aporte de capital fixo sobre território e em se articular com o poder político, para a maioria de suas decisões e frentes de atuação. Um caso visível dessa realidade foi sobre a localização do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), entre 2005 e 2006, através da disputa entre os municípios de Campos e Itaguaí que acabou redundando numa “decisão salomônica” a favor de uma terceira opção que foi Itaboraí. Esse tipo de situação se identifica também com os grandes projetos de investimentos (GPI) do setor privado, se estende também na disputa por menores marcos regulatórios, negociações e barganhas nos licenciamentos, menores cargas de impostos, busca de financiamento com a baixos juros, consórcios e/ou Parcerias-Público-Privada (PPPs), etc. Em troca o empreendedor promete empregos e dinamismo econômico local/regional. Este processo leva muitas vezes, à interferência nas escolhas, no debate político nacionais, ou de “mercados comuns entre nações, financiamentos de campanha, cobranças por legislações favoráveis nos parlamentos, num processo cada vez mais naturalizado e banalizado, como movimento de grandes volumes de recursos financeiros.
62Há nesse processo uma grande preocupação com os riscos do aporte de capital fixo sobre o território, ao contrário daqueles que circulam pelo sistema financeiro. Além das instalações exigirem grandes somas de dinheiro, para colocar de pé os grandes projetos de engenharia, ele é o que sofre mais riscos de perda de valor (Harvey, 2013, p. 483). Esse é um outro motivo que explica, o interesse direto do capital em sua articulação e relação com o poder político, pois ele acaba sendo, uma espécie de garantia, de fiança no apoio e na continuidade dos projetos, o que acaba por contribuir com a diluição dos seus riscos. Esse é o caso mais específico em que o empreendedor busca apoio, ou financiamento, para a construção de vias de acessos, ferrovias e portos, que se tratam daquilo que Marx chamou das Condições Gerais de Produção.
- 32 Veja em anexo o boletim de produção da ANP de abril, referente a fevereiro de 2015. A Petrobras pro (...)
63Isso vale em todo o mundo capitalista e desta forma também no Brasil, mesmo que no caso do setor de óleo no país, se tenha ainda a preponderância significativa da Petrobras32, uma empresa estatal. Mesmo com a ampliação das petrolíferas estrangeiras, ou privadas nacionais, na exploração e produção de petróleo no país, a Petrobras aparenta possuir enorme potencial para driblar, as crises de preços e de gestão, se mantendo forte e com reconhecimento internacional. Nesse processo, ela se favorece da exclusividade de operadora dos poços no Pré-sal, com garantia por lei de participação mínima de 30% nas concessões como operadora. Diante desse quadro é possível compreender que a Petrobras continue sendo alvo de pressões externas e internas, de diversas naturezas, mas em especial, daquelas decorrentes de sua ligação com o governo, pela sua condição de empresa de controle estatal, mesmo sendo de economia mista.
- 33 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2015/04/1612390-de-olho-no-oleo.shtml>.
64Observando o cenário vale observar a nota que o jornalista Janio Freitas publicou em sua coluna no dia 5 de abril de 2015 com o título: “De olho no óleo”33:
“O regime de partilha atual prevê a participação estrangeira. À Petrobrás é garantido um mínimo de 30%. Petrobras deixe de ter participação societária (mínima de 30%) nas concessionárias dos poços por ela operados. China, que a meio da semana concedeu-lhe US$ 3,5 bilhões em empréstimo. O senador José Serra já apresentou um projeto para retirada da exclusividade operativa da Petrobras nos poços. Justifica-o como meio de apressar a recuperação da empresa e de aumentar a produção de petróleo do pré-sal, que, a seu ver, a estatal não tem condições de fazer: “Se a exploração ficar dependente da Petrobras, não avançará”. O tema pré-sal suscita mais do que aparenta. As condições que reservaram para a Petrobras posições privilegiadas não vieram só das fórmulas de técnicos. Militares identificaram no pré-sal fatores estratégicos a serem guarnecidos por limitações na concessão das jazidas e no domínio de sua exploração. A concepção de plena autoridade sobre o pré-sal levou, inclusive, ao caríssimo projeto da base que a Marinha constrói em Itaguaí e à compra/construção do submarino nuclear e outros.”
65Didaticamente vamos repetir que, além disso, as grandes demandas por investimentos fazem crescer os financiamentos buscados no mercado, e consequentemente, as dívidas. Há enormes desafios por desenvolvimento tecnológico que atendam a produção entre 5 e 7 mil metros de profundidade, e em campos ainda mais distantes da costa. O esforço de estimular a indústria nacional e toda a uma cadeia de produção de equipamentos e serviços foi encaminhada e decidida, com a implantação da política de conteúdo nacional, que é mais fácil de ser visualizada no setor de construção naval, com a fabricação e montagens, de sondas, plataformas e embarcações de apoio, entre outras.
- 34 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Camada_pr%C3%A9-sal.
66Como já visto no marco legal e temporal da cadeia produtiva do petróleo no Brasil, ela muda seu paradigma, depois da descoberta das reservas do Pré-sal em 2006. A produção em pequena escala começa em 2008 e se amplia a partir de 201034. Essa mudança de paradigma mexe com a economia e com a política.
67O debate sobre os modelos de exploração de petróleo no país acirra o debate político e econômico nacional. Interessante observar que o setor industrial brasileiro pouco se movimenta para essa defesa, deixando transparecer um interesse em ganhos de importação. O debate político poderia ser traduzido de forma resumida no embate entre duas visões distintas, embora seja um ponto bastante discutido, tanto no campo da economia-política, quanto até da ideologia: “Nacional-social-desenvolvimentista x Neodependência liberal de mercado”. A primeira tenta “surfar sobre a onda da inserção global” diante dos riscos de ser capturado e “encaixotado” pelo vagalhão neoliberal, com a captura dos nossos excedentes pela economia globalizada. (Pessanha, et ali 2013) Esse debate porém, remete a outras reflexões.
68Antes de entrar numa avaliação econômico-espacial da influência desse processo sobre a realidade do estado do Rio de Janeiro, necessário se faz estabelecer, conceitualmente, a diferença entre a “Economia do Petróleo” e a “Economia dos Royalties”.
69A Economia do Petróleo é aquela cuja dinâmica está ligada às instalações e infraestruturas que servem à extração de petróleo, ao seu apoio, como as instalações portuárias, os estaleiros de montagem de sondas, plataformas e embarcações de apoio e movimentação de cargas. Também se inserem aí, as instalações das unidades industriais de produção de peças e equipamentos para a indústria do petróleo (perfuração, produção, circulação e beneficiamento), assim como todos os serviços agregados a essas demandas. Ela tem uma imensa capacidade de arrasto, formando uma cadeia acima e abaixo dessas atividades, que como já listado, envolve construção civil de infraestruturas, portos, obras civis, montagens, dutos, etc., cadeias de logística e transportes nas diversas modalidades (marítima portuária, rodoviária, ferroviária, dutoviária e aeroviária) e indústria naval (estaleiros) entre outras. A economia do petróleo envolve altos investimentos em capital fixo no território, ou em equipamentos e serviços. Ela tem enorme poder de alterar a dinâmica regional, tanto econômica, quanto social, ou seja as territorialidades onde se instala, ou exerce influência, direta ou indiretamente. A Economia do Petróleo tende a ser mais hierárquica e vertical sobre o ponto de vista espacial da cadeia produtiva. Já sob a ótica política e do poder ela não consegue ser tão centralizadora ou controladora tendo à horizontalização. No caso brasileiro, em especial no estado do Rio de Janeiro, ao longo do litoral, considerando tratar-se de extração offshore, que demanda bases portuárias, além da sede da Petrobras e todas as demais petroleiras, estarem na capital fluminense, também junto à costa sudeste.
70A Economia dos Royalties é derivada das receitas das participações governamentais (quotas mensais e quadrimestrais) devidas à União, estados e municípios. Estas receitas (rendas) são divididas em duas partes: as quotas mensais e as participações especais (PE). Esta última (PE) é paga em função dos campos com alta produção. Enquanto as quotas são mensais as PE são pagas em parcelas trimestrais. Com o tempo estas duas participações governamentais passaram ser chamadas genericamente e de maneira informal, simplesmente como: royalties do petróleo. Os royalties são pagos pelas empresas exploradoras (produtoras) por cobrança e fiscalização da Agência Nacional de Petróleo (ANP), conforme legislação nacional em vigor. Esta estabelece as regras e os critérios de rateio entre os entes federados e outras instituições como da Marinha e de ciência e tecnologia. Na prática a economia dos royalties, deriva da economia do petróleo e portanto, não existira sem a que lhe deu origem. Por isso, estamos também denominando-a como geradora da Economia dos Royalties. Como se vê a relação é biunívoca, de dependência, da segunda em relação à primeira (Economia do Petróleo), sem que o inverso seja verdadeiro. Mais importante é ainda é identifica-la como uma renda, uma “petrorrenda”. Mesmo chamando-a como Economia dos Royalties, tecnicamente, ela deve ser vista como ela é na realidade: uma renda. Renda vinculada a uma atividade produtiva e geradora desse valor, que inclusive é pago, tendo como base, o valor do barril no mercado internacional cotado em dólar americano. Na condição de renda governamental é administrada por governos e daí circula movimentando a economia. Ao contrário da Economia do Petróleo, a Economia dos Royalties tende a ser mais horizontal sob o ponto de vista espacial. Inversamente, na dimensão política ela hierarquiza o poder do gestor e controlador destas significativas receitas. No estado do Rio de Janeiro, especialmente nas cidades chamadas de produtoras, e também consideradas como petrorrentistas (pelo recebimento das rendas do petróleo), é difícil dizer que uma possa existir sem a outra, de forma exclusiva. Porém, é relativamente fácil perceber os entes federados onde há predominância, ou hegemonia, de uma ou outra economia.
71Abaixo está apresentada uma representação matricial (Tabela 3 e Infográfico 2) destes dois verbetes Economia do Petróleo e Economia dos Royalties vistos em distintas dimensões, em contraposição, para melhor compreensão da descrição feita acima: Econômica – Espacial – Política, Social e Cultural:
Tabela 3: Matriz Muldimensional da Economia do Petróleo e Economia dos Royalties.
Infográfico 2: Elaborado a partir da Tabela 3 Matriz Muldimensional da Economia do Petróleo e dos Royalties.
Arte Maycon Lima.
72Por exemplo: Macaé, base da Unidade de Negócios da Petrobras no Norte Fluminense é predominantemente um município com Economia do Petróleo. Enquanto isso, Campos dos Goytacazes, também no Norte Fluminense e município com a maior receita de royalties em valores absolutos do Brasil, seria predominantemente um paradigma da Economia dos Royalties. Porém, tanto um município, quanto outro, auferem receitas para os seus orçamentos da outra economia. Ainda assim, há algumas diferenças. Macaé vive mais da dinâmica da Economia do Petróleo, mas, tem receitas significativas dos royalties. Enquanto isso, Campos dos Goytacazes, tem uma predominância enorme da economia dos royalties, mas proporcionalmente, com menos rendas derivadas da economia do petróleo. A mais significativa talvez seja a moradia e os gastos dos seus habitantes que atuam nas plataformas, ou que exercem o movimento pendular de ida e volta, de seu domicílio em Campos, para o trabalho em Macaé, ou quinzenalmente nas plataformas da Bacia de Campos. Outra renda é derivada de algumas indústrias que vivem especialmente para fornecimento à Petrobras, por exemplo a fábrica de origem alemã de tubulações em aços especiais, Schulz, a Fundição Machado Viana com fabricação de grandes peças e serviços de solda especial e outras na área de automação, além de alguns outros serviços.
73A realidade não é diferente na maioria dos outros municípios petrorrentistas da região, com a predominância da economia dos royalties, como Rio das Ostras, Casimiro de Abreu, Búzios e Cabo Frio ao Sul e Quissamã, Carapebus e São João da Barra, ao Norte. Algumas dessas cidades criaram suas “Zonas Especiais de Negócio” (ZEN) e se esforçam para espichar a cadeia produtiva e a economia do petróleo para seus territórios. Esse movimento começou com Rio das Ostras e depois foi copiado, mesmo com nomes diversos, mas com a mesma lógica, de oferecer área (cedida ou alugada a baixos custos), e/ou redução de impostos (isenções) para puxar uma ponta da Economia do Petróleo para suas áreas, ampliando a dinâmica econômica. O movimento parece interessante se retirada a parte da indesejável guerra fiscal, porém, ela tende a evitar o adensamento e a concentração de atividades em uma única área ou município. Além disso, amplia a integração entre as cidades, abrindo espaços para o planejamento de politicas supramunicipais, infelizmente quase inexistentes na região, apesar da grande integração com movimentos das populações entre os mesmos (ver citar pesquisa do IBGE).
74Nesta linha de análise entre as economias do petróleo e dos royalties entre os municípios, a situação de Rio das Ostras mostra que o esforço da criação da Zona Especial de Negócio (ZEN), 2015 com quase 60 empresas - o que remete à ideia de criação de uma segunda ZEN – parece ter dado resultado no sentido de buscar um encadeamento e um arrasto com a cadeia do petróleo no vizinho município de Macaé.
75Um outro caso recente que merece ser observado é do município de São João da Barra. Ele é diverso do caso de Rio das Ostras, mas parece que tende a ser similar ao que Macaé viveu a partir da década de 80. O fato se dá, por conta da instalação do Porto do Açu e da base empresarial em seu entorno, que já aponta para uma dinâmica ligada à Economia do Petróleo.
76Esse fenômeno não se dá por planejamento, gestão governamental e nem de ordenamento territorial, mas, acontece, por conta da instalação do Porto do Açu, num empreendimento desenhado pelo governo estadual em 2000/2001, depois cedido ao empresário Eike Batista, que o estrutura sob a forma privada, com forte apoio público e inicia a sua construção em outubro 2007. Ainda em construção, o empreendimento do Porto do Açu com dois grandes terminais e uma área de 90 km², teve o seu controle acionário transferido para a holding Prumo Logística Global S.A. Isto se deu, a partir da derrocada dos negócios financeiros e acionários do seu antigo empreendedor, que desde outubro de 2013, seis anos depois de iniciadas as obras de implantação. Mesmo sem ter tido a sua primeira fase encerrada, gradualmente, as atividades de exportação de minério começaram em novembro de 2014.
77Assim, o Porto do Açu passou a ser parte da holding Prumo, que por sua vez é controlada pelo Fundo Financeiro americano EIG (EIG Global Energy Partners Company). Junto ao terminal 2 do Porto do Açu, se instala um “cluster” atualmente com cinco empresas estrangeiras (vide item 2.1), ligadas à cadeia produtiva do petróleo, para fornecimento de equipamentos e serviços de apoio à exploração offshore. Junto ao mesmo terminal também está sendo instalada a empresa americana Edison Chouest Offshore (Eco), que em abril de 2015 assinou contrato com a Petrobras, após extenso processo de licitação. A Eco foi contrata para atuar como base de apoio portuário para a movimentação de cargas, na exploração offshore da Bacia de Campos, através de 6 berços de atracação que estão sendo construídos.
78Esses fatos ligados à relação petróleo-porto-indústria naval instalados a cerca de cem quilômetros de Macaé, permitem interpretar que ali está se instalando um "novo hub de produtos e serviços da indústria petrolífera” no ERJ. Algumas vantagens do Porto do Açu para a cadeia produtiva do petróleo estão relacionadas à existência de: grande extensão de píeres (ainda em construção); dois terminais portuários licenciados; e de uma grande retroárea litorânea.
79A partir do conceito de Economia do Petróleo e Economia dos Royalties fica mais fácil interpretar o processo que vive os municípios da região Norte Fluminense. Tomando como base par análise os casos dos municípios de Campos, Macaé e São João da Barra. O primeiro, Campos, o maior município do interior fluminense e o que detém a maior receita de participações governamentais (royalties) no estado e no Brasil. Depois o município de Macaé, base de nossa análise como ligado à Economia do Petróleo, pela condição de sede da base operacional da Bacia de Campos, embora também com vínculo à Economia dos Royalties. Situação similar à que passou a ter desde o segundo semestre de 2014, o município de SJB, antes dependente da Economia dos Royalties e que paulatinamente, por conta das indústrias de apoio offshore instaladas, junto ao Porto do Açu, passa a ingressar e ingressar na cadeia produtiva do óleo e consequentemente, também à Economia do Petróleo. Assim, com os dados do Caged/MTE se pode observar um detalhamento na dimensão econômica a respeito da qualidade do emprego e da remuneração média da força de trabalho, por setor de atividades, no período do 1º quadrimestre de 2015 (janeiro a abril) nestes três municípios:
Tabela 4 – Salário Médio de Admissão da Força de Trabalho 1º Quadrimestre 2015.
Figura 7: Mapa com Salário Médio de Admissão da Força de Trabalho 1º Quadrimestre 2015, elaborado a partir da Tabela nº 4.
Arte Maycon Lima.
80A observação dos dados permite inferior alguns pontos que reforçam a interpretação do movimento que ocorre na região que forma o Circuito Espacial do Petróleo e dos Royalties: a) A preponderância da cadeia do petróleo na remuneração média dos trabalhadores da Economia do Petróleo em Macaé, bem acima daquela observada no mesmo setor em Campos. No caso do setor extrativo mineral em Macaé se refere ao petróleo e em Campos a outros minerais, especialmente areia e pedras. b) A evolução gradual da remuneração média da indústria de transformação em SJB (Porto do Açu) – R$ 2.147 - quando comparada não apenas ao município de Campos (polo regional) – R$ 1.205 - mas também de Macaé – R$ 1.917 - é muito significativa. É o dado mais significativo desta tabela. O fato reforça a hipótese da expansão do circuito espacial do petróleo até o Porto do Açu; c) Fato similar, é o valor da remuneração média no setor de Construção Civil em SJB (R$ 1.544) superando o valor médio da remuneração do setor em Campos (mesmo sendo polo regional) com R$ 1210, embora inferior ao de Macaé com R$ 2.144; d) Na área de Serviços, há o segundo dado mais significativo, embora seja a área de serviços muito diversificada. Trata-se muito possivelmente do arrasto da cadeia produtiva-logística (petróleo-porto) com a remuneração média em SJB (R$ 2.137), que chega até a ultrapassar, mesmo que pouco a de Macaé (R$ 2.112), e alcançando quase o dobre da remuneração média de Campos que registrou apenas R$ 1.177, onde o peso maior está em ocupações relacionadas à área de Saúde; e) No setor de Comércio os salários são muito próximos e baixos. Ainda assim, é possível intuir que a chegada da Economia do Petróleo em SJB, se juntando à Economia dos Royalties, a remuneração média, mesmo próxima é inferior à de Campos e não de Macaé. O fato parece reforçar a hipótese de que Campos, sendo polo histórico e concentrador do comércio na região parece ser arrastado pela maior dinâmica econômica de SJB.
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82A realidade deste movimento merece continuar a ser observada. De forma particular, a tendência da ampliação espacial da base da de apoio offshore na região, na direção Macaé-SJB. Assim, além de uma pequena base no Porto do Forno em Arraial do Cabo, operado pela Triunfo, a base da Petrobras em seu terminal de Imbetiba em Macaé, a região ganhou um novo polo com o Porto do Açu, em SJB. Na prática há uma extensão do corredor de fluxos materiais e de apoio às atividades de exploração offshore, antes quase que concentrada, no município de Macaé. Ali, por quatro décadas se deu início à produção offshore de petróleo na região Sudeste, ampliando sobremaneira a fronteira de exploração petrolífera no Brasil e agora, adensada pelo aumento das atividades de exploração “offshore” e “onshore”, uma nova base acaba sendo instalada. Não é possível compreender esse fenômeno de ocupação e de uso do território apenas localmente e nem regionalmente. A sua explicação está na dinâmica global dessa cadeia produtiva e em sua forma de instalação sobre o território. Esse é um fenômeno que carece de maior análise e aprofundamento. Segundo, Moraes (1985, p.3, apud da Silva 2013, p. 73), os circuitos espaciais de produção e os círculos de cooperação no espaço devem, então, ser discutidos na ótica da mundialização do espaço geográfico e da globalização das relações sociais de produção.
- 35 “Doença holandesa” é um processo que ficou por conta do processo de desindustrialização vivida pela (...)
83A distinção entre as economias do petróleo e dos royalties nos auxiliam, enormemente, a enxergar e entender os novos processos e dinâmicas territoriais, sobre esta região petrorrentista fluminense. Ela dá pistas sobre movimentação não apenas econômica. Por tudo que foi apresentado aqui, é possível também ter clareza sobre como a região foi se imbricando nesta cadeia, se internacionalizando e se vinculando, estruturalmente, à Economia Global. O eixo estruturante dessa ligação é a cadeia produtiva do petróleo, que é altamente centralizadora e com tendência de aniquilação das demais (e originárias) atividades de produção, trazendo em seu bojo, os riscos da doença holandesa.35
84Esse fenômeno em recente mutação merece ser observado com atenção em suas diversas dimensões e repercussões: empregos, arrecadação de impostos, indicadores sociais e ainda, na avaliação de cenários e tendências, etc. Pesquisas empíricas e sistemáticas vêm sendo feitas permanentemente, desde 2006, sobre esta realidade e se observa que quase todo esse processo decorre de uma decisão da instalação de capitas sobre o território, quase que completamente desvinculadas de planejamentos públicos mais amplos e integrados regionalmente, como destacado acima. Essa é mais uma característica dos empreendimentos relacionados a esta cadeia produtiva e sobre a sua forma de instalação sobre o território. A região que vive estas mudanças não consegue até agora, ter uma visão supramunicipal ou infrarregional que pudesse contribuir para a integração da população sobre o espaço para além dos municípios. Há uma quase completa ausência de preocupação pelo ordenamento e uso do território, para além dos interesses econômicos das corporações, pertencentes a esta cadeia produtiva. Nos lugares, as corporações se instalam, considerando a cidade como território próprio, quase exclusivo. Pessoas, ambiente, convívios, municípios e/ou regiões, se transformam em problemas a serem mitigados e/ou compensados pela força econômica.
85A partir da visão social-nacional-desenvolvimentista as intervenções na cadeia produtiva do petróleo se ampliam. Hoje já se estima que o PIB dessa cadeia chegue a 12%. Neste contexto de demandas para a produção offshore de petróleo no litoral brasileiro, toda uma estrutura começa a ser articulada, estimulando uma tríade dividida em investimentos de base e de infraestrutura: petróleo-porto–indústria naval. Na exploração e produção offshore de petróleo, esses setores não sobrevivem isoladamente.
86Assim, abaixo está apresentado na figura 8 o esquema do fenômeno exposto como a Tríade: Petróleo – Porto – Indústria Naval (PPIn).
Figura 8: Tríade “Petróleo-Porto-Indústria Naval”, concepção e elaboração do autor. Arte Maycon Lima.
87Essa tríade movimenta e exige volumosos investimentos e parcerias, além de também gerar alterações espaciais relacionadas ao desenvolvimento brasileiro e às suas regiões. No caso regional, ela está mais ancorada, incialmente, no estado do Rio de Janeiro (ERJ) com a Unidade de Negócios da Bacia de Campos, em Macaé, e com a sede geral da Petrobras, no município do Rio de Janeiro. Na sede é onde acontece a gestão administrativa e financeira. Hoje há que lembrar não apenas a sede da Petrobras, mas também de todas as demais petroleiras (estrangeiras e nacionais), além da ampla maioria de fornecedores e prestadores de serviços especializados está localizada na cidade do Rio de Janeiro. O fato confirma a tendência centralizadora do controle dessa tríade, que ancorada nas suas duas outras pernas, mesmo que paradoxalmente, suas atividades operacionais tenham se espalhado espacialmente, ao longo do litoral leste fluminense.
88Neste processo, a exploração e as demandas operacionais também, literalmente, se espraiaram, tanto na direção Sul, pela Bacia de Santos, quanto na direção Norte, em direção ao Espírito Santo, especialmente com a participação crescente da exploração das reservas do Pré-sal. Essa expansão espacial da parte operacional na área de petróleo cria, imediatamente arrasto, sobre as duas outras pernas da tríade: sistema portuário e indústria naval para a montagem de plataformas, sondas e embarcações de apoio. Assim, essa tríade produtiva (extrativa, industrial e logística) passa a ter uma forte presença no crescimento econômico brasileiro, com repercussão do desenvolvimento regional brasileiro. Assim, estados como Pernambuco, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, além de Espírito Santo, São Paulo, e no caso o Rio de Janeiro, origem a tríade passam a puxar outras cadeias produtivas interferindo fortemente na espacialização da economia brasileira.
89Tentando interpretar esse fenômeno, talvez não seja um risco muito grande, especular que o desenvolvimento econômico brasileiro se expande, territorialmente, a partir do litoral e dos projetos portuários, tendo agora entre outras cadeias produtivas, o eixo das demandas e das relações com a cadeia produtiva do petróleo. A relação petróleo-porto ou porto-petróleo, sem abandonar a outra ponta da tríade, dá formas a um novo processo de ocupação territorial e reorganização regional no Brasil, que carece de ser melhor estudada e sobre a qual ainda pesam muitas ameaças e problemas, em diversas dimensões. Impactos sociais e ambientais sobre as comunidades originárias, com desapropriações e remoções, são feitas, com significativos conflitos, desrespeito a direitos fundamentais e quase que à força. Processos violentos e de desintegração e fragmentação comunitárias, acabam sendo ampliados e fermentados com os conflitos gerados pela chegada de trabalhadores que acompanham essas empresas de construção e de montagens que vivem percorrendo o país. Novos arranjos populacionais são formados.
90Assim, se torna imperioso traduzir e decifrar os enigmas do capital sobre o espaço fluminense, sendo necessário e prudente recorrer a Harvey (2011, p.120). Ele chama a atenção que os enigmas do capital e seus processos de acumulação não existem fora dos respectivos contextos geográficos, e que por sua natureza, são bastante diversificados. Os dados e as análises dessa pesquisa, levam à interpretação de que está em curso a inserção da economia do Norte Fluminense à economia global, com profundas repercussões sobre o uso do seu território. De certa forma, esse processo amplia tanto econômica, quanto, espacialmente, os fenômenos já conhecidos na região metropolitana fluminense em direção das Baixadas Litorâneas e do Norte, pela faixa litorânea.
91A repercussão deste processo no estado do Rio de Janeiro acontece em escala ampliada, na medida em que em seu litoral, produz, há algum tempo, cerca de 80% da produção brasileira de petróleo. Assim, a ampliação dos fluxos e PIB ligado à base da tríade PPIn (petróleo-porto-indústria naval) foi ganhando musculatura. Similarmente, também se observa, no estado do Rio de Janeiro, um processo que Lefebvre (1999) chamou de implosão e explosão da cidade ou da metrópole, onde a força dos processos e fluxos acompanham esses movimentos. Também Lefebvre se referiu a esse processo, que parece estar em curso no espaço fluminense, lembrando que ele é entrelaçado e, simultaneamente homogêneo, fragmentado e hierarquizado (Lefebvre, 1999, apud Lencioni, 2015). A professora Lencioni também faz inferências sobre fenômeno similar, porém olhando ainda mais o todo. Assim, inclui o espaço fluminense, na indagação se não estaríamos diante da formação de uma megalópole entre Rio e São Paulo, sem deixar comentar sobre as aglomerações difusas (nebulosas).
92Lencioni também invoca Sassen (2005), quando ela expõe que a geografia da globalização pressupõe dois movimentos: o de dispersão e o de centralização. Eles parecem exprimir bem a atual realidade fluminense, com a dispersão espacial das atividades econômicas e operacionais da tríade e a centralização da gestão, com o controle das funções gerenciais e financeiras.
- 36 Discurso do secretário estadual Júlio Bueno no dia 4 de janeiro de 2015, em reunião junto com o gov (...)
93Observando alguns dos dados empíricos sobre essa realidade, é possível destacar alguns fatos. O discurso do secretário estadual de Desenvolvimento Econômico do estado do Rio de Janeiro, Júlio Bueno, que afirmou que a participação do setor de óleo & gás no PIB da economia fluminense aumentou e já poderia ser estimada em 30%36. Referências similares são repetidas, no final de 2014 e início de 2015, pelo presidente, e demais dirigentes da Firjan, ao se referirem às consequências dos problemas gerados na cadeia do petróleo e na tríade PPIn, a partir das crises com a redução do preço do barril do petróleo, consequente redução da receita dos royalties para o estado e municípios, mais os impactos da suspensão dos contratos entre a Petrobras e empreiteiras, oriundos das investigações da Operação Lava Jato.
94Retornando à análise espacial, se observa um movimento com a expansão da região metropolitana fluminense em direção às Baixadas Litorâneas e Norte Fluminense, passando por Itaboraí, Maricá, Cabo Frio, Arraial do Cabo e Rio das Ostras, até chegar à base da estatal, em Macaé. Com a implantação do Porto do Açu e do projeto portuário de Barra do Furado (no litoral entre Campos e Quissamã), se começa a perceber que esse enlace pode estar sendo ainda mais esticado, incluindo os municípios de Campos e São João da Barra. Certamente, há hiatos espaciais, junto com claros e maiores polos de atração. Eles centralizam o seu entorno, numa avaliação que merece ser aprofundada sobre o papel das cidades médias, como polos nesse movimento. A extensão desta rota, seja pelo litoral, ou em paralelo e um pouco mais para o interior, acompanhando o eixo viário da BR-101 (em fase de duplicação), não é incompatível com a forma usual de ocupação e fluxos materiais da expansiva cadeia produtiva do petróleo. Assim, no caminho entre a capital e o Norte se poderia tomar como polos depois do Rio e Niterói, os municípios de Itaboraí, Macaé, Campos e SJB. Estudos e pesquisas sobre essa movimentação espacial estão sendo empreendidos por este autor, em seu doutoramento, previsto para o início de 2016.
95Diversos autores, entre eles Natal (2004) e Oliveira (2008), identificaram desde a segunda metade da década de 90, a existência de uma inflexão econômica da metrópole e região metropolitana fluminense, em direção ao interior do estado. Isto se verificava tanto ao sul, com o polo metal-mecânico, automotivo e outros (Volta Redonda, Resende, Porto Real e Três Rios), na rota da rodovia Presidente Dutra, em direção ao estado de São Paulo, quanto na direção do Norte Fluminense, no caminho para o estado do Espírito Santo (Cabo Frio, Macaé e Campos), tendo como eixo econômico principal, as economias do petróleo e dos royalties.
96Se pode ainda observar e relacionar outros fatos que constatam outro e contrário movimento de refluxo do movimento em direção ao interior fluminense, com a reconcentração na Região Metropolitana (RMRJ). Eles são baseados nas: a) características centralizadoras, especialmente na gestão e no controle financeiro dessa cadeia produtiva; b) expansão das atividades offshore em direção ao sul da Bacia de Santos, e ao norte, em direção à Bacia do Espírito Santo, que tornaram a capital como centro espacialmente, equidistante das Unidades de Negócio da Petrobras; c) localização da sede da Petrobras, da ANP e das demais petroleiras que atuam no ambiente offshore; d) localização do Comperj, em fase de implantação em Itaboraí, na região metropolitana; e) a conclusão da primeira parte do Arco Metropolitano, ligando as duas partes da Baía de Guanabara, tendo de um lado, Duque de Caxias, onde está a Reduc e o Porto de Itaguaí, e de outro, Itaboraí onde se instala o Comperj.
- 37 Informação descrita no artigo “Avaliação dos Impactos dos grandes projetos de investimentos na dinâ (...)
97Estes cinco fatos podem ser considerados no conjunto como materialidade desse movimento espacial de reconcentração, em torno da região metropolitana fluminense, entre outros menos importantes. Um dos indicadores empíricos desse movimento é o resultado sobre os estoques de emprego nos municípios de uma e outra região. Este estudo foi empreendido em pesquisa desenvolvida em 2014, no Núcleo de Estudos em Estratégias e Desenvolvimento (NEED) do Instituto Federal Fluminense (IFF), coordenada pelo professor Romeu e Silva Neto com dados da RAIS e Caged (MTE). A pesquisa do NEED/IFF identificou que a participação do interior do ERJ, no estoque de empregos, cresceu de 21,3% em 2002, para 24,2% em 2011. Já entre os anos de 2012 e 2013, essa participação caiu de 24,0% em 2012, para 22,6% em 2013. Segundo o professor Silva Neto (2014, p.4), essa queda, embora pequena, pode estar relacionada com a concentração de investimentos na Região Metropolitana (RMRJ)37. O indicador acaba reforçado em outros dados do estudo prospectivo da Firjan, “Decisão Rio - Triênio 2010-2012”, onde já se observava que a concentração de investimentos previstos para a RMRJ, tinha crescido de 21,4% para 32,8%.
- 38 Publicação do IBGE (2015): “Arranjos Populacionais e Concentrações urbana do Brasil”.
98A movimentação espacial da região pode ser também atestada pelos dados do estudo do IBGE, divulgado em março de 2015, sobre os “Arranjos Populacionais e Concentrações Urbanas do Brasil”. Na análise de “tendências e aspectos relevantes da urbanização brasileira, o IBGE cita os arranjos “Macaé-Rio das Ostras-Rio”, “Macaé-Rio das Ostras-Cabo Frio e Macaé-Rio das Ostras-Campos”, os três arranjos com deslocamentos diários (movimento pendular) que superam 9 mil pessoas, em cada arranjo, especialmente para trabalho. Assim, também para o IBGE (IBGE, 2015, p.68)38 o dinamismo econômico da região “levará à criação de uma nova unidade urbana que somará mais de 1,2 milhão de habitantes”.
99A segunda perna da tríade são os sistemas portuários. Para Harvey (2011), em nível mundial, foi na década de 70 que o transporte marítimo sofreu uma verdadeira revolução, com o aumento da capacidade dos navios, ganhos em velocidade, diminuição do custo. Eles contribuíram assim para o encurtamento relativo das distâncias para as pessoas, as mercadorias e as informações. Nas últimas quatro décadas, o comércio mundial quadruplicou, e hoje, 90% dele se dá pela via marítima, que transporta dois terços do petróleo do mundo, num volume de mais de 2,4 bilhões de toneladas, utilizando cerca de 3.500 petroleiros. (Klare, 2012).
- 39 Portos públicos (organizados) em funcionamento: Angra dos Reis; Itaguaí; Rio; Niterói e Forno (Angr (...)
100O Brasil segue esta tendência no comércio com outros continentes. O porto está na origem e desenvolvimento do Rio, capital federal e agora, mais que nunca de todo o estado. Chamado por alguns de estado-porto, o estado do Rio de Janeiro com 635 quilômetros de litoral (7,5% dos 8,5 km de litoral de todo o país, terceiro maior em extensão entre os 27 estados da federação), possui hoje um total de 12 portos/TUP (Terminais de Uso Privado) em funcionamento, um a cada 63 km, entre portos públicos e TUPs. Se forem considerados os 2 em construção, mais os 5 projetados (e/ou fase de licenciamento), o número total pode chegar a 19 portos ou TUPs39. A maioria dos portos possui diversos e diferentes terminais. Se computados o número total de terminais instalados e funcionando, eles seriam cerca de 30, em maio de 2015. O assunto continua sendo pesquisado pelo autor.
101Até a nova lei dos portos (Lei Nº 12.813/2013), estes TUPs só podiam movimentar cargas próprias. Após a vigência da legislação que faz algumas exigências, a movimentação de cargas de terceiros foi autorizada. Assim, em todo o Brasil há, hoje, uma grande disputa entre os portos antigos (públicos ou TUPs) com seus vários terminais. Eles se organizaram, ampliaram a extensão dos píeres dos seus terminais, automatizaram a movimentação de cargas com os (portêneires e guindastes mais ágeis, potentes e automáticos), aumentam a profundidades dos seus canais de atracação e assim tentam ocupar um espaço maior na logística e na circulação de cargas entre os produtores e os consumidores. Neste processo, o Porto do Rio investiu mais de 1 bilhão, entre 2013 e 2015, nas diversas etapas citadas acima, e assim, se recoloca na disputa por maior movimentação de cargas e pela ampliação de sua ação na economia fluminense e nacional. Assim, o Porto do Rio, hoje possui dois terminais atuando no apoio portuário às explorações offshore de petróleo, dando conta do avanço das atividades da Bacia de Santos.
102Com os portos do Rio e Itaguaí liderando as maiores movimentações de cargas gerais e contêineres, o ERJ se aproxima da realidade do Porto de Santos, e avança na disputa com o ES, e dessa forma, amplia a centralidade portuária e logística da região sudeste, com o ERJ e ES disputando a complementariedade com a economia mineira, por este viés, no sudeste brasileiro. A grande novidade na ampliação das atividades portuárias fluminense se dá, por conta do apoio às atividades offshore que se espalha no litoral ao norte de Macaé, incluindo Açu e o ES e ao sul, passando por Cabo Frio, seguindo em direção à capital e ao litoral do estado de São Paulo já na Bacia de Santos, área da demanda da exploração do Pré-sal como já descrito. Esse é o fato novo que faz com que a infraestrutura portuária passe a ter uma importância cada vez maior. Por isso, ela compõe a tríade junto com os setores de petróleo e indústria naval que, por sua vez, também depende dos diques-secos e do apoio portuário para lançar as embarcações montadas ao mar.
103Um outro elo da tríade é a indústria naval (estaleiros). Historicamente, a indústria naval nasce no Brasil de forma mais estruturada - e não apenas com pequenas embarcações - exatamente no Rio de Janeiro, em 1846, com a Fundição e Estaleiros da Ponta d'Areia. Adquirida e dinamizada, a partir daí, pelo Irineu Evangelista de Sousa (depois Barão de Mauá, que adiante vai dar ao nome ao famoso Estaleiro Mauá), há um século montou esses “cluster” em torno da Baía de Guanabara (Rio e Niterói) que durante todo esse tempo atendeu às demandas de navegação no Brasil. Na década de 70 ela se ampliou enormemente com o PND-II, e também, chegou à Angra dos Reis com o estaleiro Verolme, quando o Brasil chegou a ser um dos maiores produtores navais do mundo.
104A demanda por novos sistemas portuários no ERJ se dá especialmente, pela alta capacidade de arrasto da Economia do Petróleo. Com suas demandas crescentes e prazos exíguos, para atender à exploração offshore, os espaços são abertos para a ampliação também da indústria naval, junto às bases portuárias de outros estados. Assim nascem novos estaleiros em Pernambuco, Rio Grande do Sul, Espírito Santo; Alagoas; Bahia e Santa Catarina. Desta forma se viu também, a expansão dos “portos-indústria” no país: Suape, em Pernambuco, Rio Grande, no Rio Grande do Sul. Na Bahia, Alagoas, Espírito Santo e Santa Catarina novas bases de construção naval foram surgindo junto a bases portuárias, visando atender a demandas específicas de projetos navais voltados às operações offshore, antes restritas quase unicamente no Rio de Janeiro. Junto ao Porto de Itaqui, no Maranhão e ao Porto de Pecém, no Ceará, também com a característica de porto-indústria, surgiram outro projeto da cadeia do petróleo: as refinarias (Premium I e II) e esboços de unidades termelétricas.
- 40 Reportagem do Valor em 29/01/2015, P. B4, de Daniel Rittner, “Firjan teme efeitos sobre setor naval (...)
- 41 Matéria de O Dia, em 07/06/2014, de Aurélio Gimenez: “Empresários, trabalhadores e governo discutem (...)
105Nas décadas posteriores de 80 e 90, a indústria naval viveu uma série de oscilações. No início do ano 2000, com o governo Lula-1, após as promessas na campanha de 2002, de não mais exportar empregos com construção de plataformas no exterior, a indústria naval ganha um imenso fôlego. O presidente da Firjan Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, em 28 de janeiro de 2015, em Brasília, disse o Brasil possuía 50 estaleiros, além de cinco novos em construção, com uma carteira de 400 obras, entre embarcações de apoio, plataformas de petróleo, navios nãos mercantes, navios de guerra e submarinos40. Em junho de 2014, o secretário estadual de Desenvolvimento do ERJ, Júlio Bueno disse, em seminário promovido pela Firjan e pelo Sindicato Nacional da Indústria Naval e Offshore (Sinaval): “saímos de sete mil empregos no país e quatro mil no Rio para 78 mil postos de trabalho, sendo 30 mil apenas em nosso estado”41. Em 2015, novamente, o presidente da Firjan, Eduardo Eugênio se referiu ao setor naval como tendo 22 estaleiros no Rio, dos 50 existentes no país, com 44 mil trabalhadores. “O Rio concentra o maior “cluster” do setor, são 260 empresas de navipeças e cerca de 50% de toda a mão de obra direta empregada no país”. (Nota de rodapé nº 41)
106Neste processo, além do adensamento das atividades da indústria naval no Rio, como já comentado, se expande para outros estados. No ERJ, os atuais estaleiros se expandem, especialmente em Niterói e São Gonçalo, onde novas unidades surgem. Até o antigo estaleiro Ishikawagima, no Caju, junto ao Porto do Rio, se reorganiza, operado pelo consórcio Enseada (Odebrecht, OAS, UTC e Kawasaki). Assim, no entorno da Baía de Guanabara (Niterói e Rio) em 2014 estavam instalados 20 estaleiros. Além destes, no ERJ possuía neste período, o estaleiro Verolme, em Angra dos Reis, repassado ao grupo Keppel Fels da Cingapura, que no Brasil adotou a denominação Brasfels, trabalhando na montagem de módulos de plataformas (FPSO) e na integração das mesmas. Outra base de construção naval se dá na direção norte do estado, junto ao terminal 2 do Porto do Açu, com o consórcio Integra que reúne a OSX e a Construtora Mendes Junior, também para a montagem de módulos e integração de plataforma, tipo FPSO para atuar na produção petrolífera nacional.
107Além da tríade, o ERJ, assim como o mundo, especialmente, as metrópoles crescem na economia dos serviços, em saúde, educação, turismo, lazer e eventos. Assim, dois grandes eventos esportivos, entre os maiores do mundo, neste ínterim são planejados para a capital fluminense, com repercussões para a toda a RMRJ: Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Desta forma, o Rio vê assim, a sua dinâmica econômico espacial se movimentar nas duas últimas décadas em movimentos significativos e robustos. Assim, mesmo diante dos vários problemas econômicos e políticos do país e da conjuntura mundial, eles não indicam para uma tendência de paralisia. Talvez, um freio para outra aceleração (implosão e explosão) e sempre uma nova retomada.
- 42 Reportagem de O Dia em 30/11/2014, de Luisa Brasil: “Crise institucional e queda do preço do petról (...)
108Em meio a esse processo, os municípios petrorrentistas têm um crescimento enorme de receitas. Observando os dados da ANP, pode-se afirmar que entre os anos 2000 e 2014, esses municípios auferiram receitas das rendas do petróleo de cerca de R$ 25 bilhões. Só o orçamento do município de Campos, na última década, superou a quantia de R$ 16 bilhões. Pela regra de rateio das participações governamentais, em vigência (sob a forma de liminar, por conta da mudança definida, após a nova Lei do Petróleo e sistema partilha, em 2013 - Lei Nº 12.734/2012, derivada da lei 12.351/2010) os valores somados recebidos pelos municípios (produtores mais os chamados limítrofes) se equivalem às parcelas recebidas pelo governo estadual, com ligeira vantagem para o ente estadual. O infográfico Nº 3 abaixo, do jornal O Dia, ajuda a mostrar a forte dependência que a economia fluminense tem da cadeia óleo e gás e reafirma o peso de 30% do PIB, informando ainda que, 18% só na atividade de extração petrolífera.42
Infográfico 3: A indústria do petróleo no Rio de Janeiro. Fonte O Dia, em 30/11/2014, de Luisa Brasil matéria: “Crise institucional e queda do preço do petróleo podem impactar caixa do estado”.
109Outra observação que merece ser destacada é a ampliação da disputa do ERJ, com o vizinho estado do ES, pelo porte de suas bases como centro de logística da Região Sudeste. A multiplicação dos projetos portuários no litoral, de um e outro estado nos últimos cinco anos, visando atender exportação mineral oriunda de Minas Gerais e o apoio portuário como base para exploração offshore de petróleo no litoral Sudeste, são exemplos reais e evidentes desta disputa que segue em curso, com vantagem temporária para o ERJ. Isto, sem deixar de observar a relação crescentes das economias fluminense e capixaba, com a do estado de Minas Gerais, podendo até ser considerada em algumas áreas como complementares.
110Com a tríade e as materialidades empíricas aqui demonstradas é possível perceber como espacialmente, o Norte Fluminense foi se aproximando da região da Baixada Litorânea (antiga região dos Lagos) e a seguir, criando, também, um vínculo de maior integração com a região metropolitana fluminense polarizada pela capital. A Figura 9 abaixo mostra essas conexões:
Figura 9: Mapa do Circuito Espacial do Petróleo e os Royalties no ERJ. Elaboração do autor.
111A partir desta realidade, este artigo sustenta que ao longo das últimas décadas, a região passou a viver um fenômeno paulatino e só agora mais perceptível espacialmente, que é derivado da instalação de capital fixo da cadeia produtiva do petróleo e dos royalties sobre o território. Santos e Silveira (1998) qualificam este uso corporativo do território, através de ações efetivas de um jogo de forças políticas econômicas e sociais, como elementos de especialização regional e de constituição dos circuitos espaciais de produção (SANTOS, 1986, P.121). Através deles se tem a circulação dos fluxos materiais e o encadeamento entre produção e consumo (consumo produtivo) das instâncias geograficamente separadas e em círculo de cooperação da tríade Petróleo-Porto-Indústria Naval (PPIn). Assim, é possível afirmar que se constituiu no estado do Rio de Janeiro, um “Circuito Espacial do Petróleo e dos Royalties” (CEPR-RJ) que está representado de forma ainda simplificada pelo mapa acima.
112Há neste circuito espacial (CEPR-RJ) em diferentes dimensões, um conjunto de trocas, movimentos simultâneos de dispersão e reconcentração, hierarquização de comandos e articulação de lugares dispersos geograficamente, ao longo de uma faixa paralela ao litoral do ERJ, com extensão aproximada de 400 km, que se estende do Rio-Niterói a Campos-São João da Barra, onde está localizado o Porto do Açu. No CEPR-RJ estão localizados 22 municípios, interligados por duas importantes rodovias, uma federal (em processo de duplicação e que se estende ao longo de todo o circuito: BR-101), duas estaduais: RJ-106 (de São Gonçalo a Macaé) e Via Lagos (Rj-124) que interliga a BR-101 até a RJ-106 (Rodovia Amaral Peixoto: Rio Bonito-Cabo Frio – RJ-124, já duplicada) conforme figura 10 abaixo:
Figura 10: Mapa das três principais rodovias do CEPR-RJ (BR-101 Norte; RJ-106 e Via Lagos). Arte Maycon Lima.
113Ao longo do CEPR-RJ há instalada seis universidades com 20 campi e mais de 60 mil alunos; 5 aeroportos (heliportos); 5 portos instalados (e 4 em projeto ou licenciamento); e, em seus hiatos, há um total de 60 unidades de conservação (UC) sendo 33 federais e 27 estaduais que se localizam entre as ocupações populacionais e produtivas existentes ao longo do CEPR-RJ com a magnífica área de 4.600 Km², sem considerar as 78 UC municipais. Está ainda em fase de levantamento e pesquisa o conjunto de instituições e de aparelhos estatais que se comunicam e se integram de forma relativamente sinérgica neste Circuito Espacial do Petróleo e dos Royalties. Talvez, seja ainda possível afirmar, sob o ponto de vista espacial, que se vive no presente, um processo que também poderia ser chamado como de “metropolização dos royalties”, assunto também a ser abordado em outra publicação. Desvendar, compreender, analisar e explicitar esses fenômenos em suas diversas nuances, características, potencialidades e ameaças é o desafio que a pesquisa desse autor segue se esforçando para desenvolver.
114Este texto se propôs em apresentar uma análise histórica-econômico-política-espacial sobre como a região norte fluminense foi se voltando para economia vinculada ao petróleo, e assim, se internacionalizando, ao longo destas últimas quatro décadas. Ao fazer esta análise, este texto buscou, numa dose de ousadia, ir para além das análises setoriais econômicas, regionais e espaciais. Assim, com interpretações mais totalizantes, se tentou superar a fragmentação, uma das características mais marcantes da contemporaneidade.
115A exposição se esforçou em apontar dados empíricos, que explicassem e sustentassem a percepção sobre as alterações nas dinâmicas econômicas, espaciais e sócio-políticas regionais. Da mesma forma, que é limitante cuidar de processos intrarregionais, só olhando a realidade de cada município, é também igualmente limitado, cuidar de um fenômeno mesorregional pensando apenas em cada região que já integra e se vincula a outra no estado do Rio de Janeiro, através do que chamamos do “Circuito Espacial do Petróleo e dos Royalties no ERJ”.
116O esforço desse relato parcial da pesquisa ainda em andamento, procurou ainda mostrar como todo esse fenômeno político-econômico-espacial não encontra quase nenhum vínculo com o planejamento governamental ou ordenamento territorial. A realidade atual também deixa evidente que os municípios envolvidos nesse circuito não têm conseguido lidar com tantas ramificações, dimensões, expressões e interligação supramunicipal. Na prática o capital fixo dos empreendimentos se aproveita dessa fragmentação regulamentadora. Assim, as corporações constroem saídas e alternativas para viabilizar as suas metas, pouco se reportando com as questões relativas aos impactos de natureza social e/ou ambiental. Desta forma, desprezam as oportunidades de integração dos seus enclaves econômicos, dirigidos de forma verticalizada, com a horizontal e dinâmica rede de empresas regionais.
117A condição de enclave ganha ainda mais realce com a verticalidade característica das três pontas da tríade (petróleo-porto-indústria naval), apresentada para melhor compreensão do fenômeno e da intercalação e encadeamento das atividades produtivas, que passaram a ser hegemônicas e mais fortes economicamente nestas regiões. Assim, verifica-se que independente da presença física de trabalhadores e/ou gestores estrangeiros na região, ela ficou irremediavelmente vinculada à Economia Global, com todos os ônus e eventuais bônus.
118Os problemas das perdas de receitas nos municípios petrorrentistas da região, com barril de petróleo mais barato e/ou do risco (iminente) da derrubada da liminar no STF que sustenta, o critério antigo de repartição dos royalties não têm como ser compensados, na mesma proporção, com novas receitas. Sejam elas de impostos ou outras fontes, porque as atividades econômicas locais nunca serão na mesma proporção desta renda dos royalties do petróleo, mesmo que houvesse um incremento muito significativo da dinâmica econômica local. A única exceção, não para compensar totalmente, mas uma parte desta renda, talvez ocorra no município de SJB, por conta das atividades “territorializadas”, junto à área do Porto do Açu. Vale, ainda observar, que na questão econômica, um apoio do governo do estado será ainda pouco provável, porque nessa situação de quebra da renda dos royalties, a gestão estadual também terá que conviver com uma menor arrecadação.
119Assim, os municípios da região estão saindo da era da abundância e da fartura para um período de carências. Esse caminho de volta e dificuldades é sempre muito doloroso, porque junto advém a indagação dos motivos de não se ter enxergado antes os riscos e agido, coletivamente de outra forma. O descarte de todas as opções levantadas pela sociedade de criação de um “colchão”, ou fundo para esse momento de aperto que, de alguma forma, se pressentia que chegaria, foi sempre retumbantemente descartado. Agora, o debate sobre a oportunidade da criação desse fundo, talvez volte a ser possível, diante da crise.
120Nessas conclusões vale recordar Milton Santos que lembra que é no lugar que as coisas acontecem, e que é do lugar que a resistência pode ressurgir e a partir do território é possível sair a vingança. Como se tentou mostrar neste texto, tudo isso, não pode estar dissociado das ações e das conexões nas demais escalas, numa visão sistêmica e totalizante. Assim, esse tipo de diagnóstico e de análises, sobre o uso do território (visto na concepção “miltoniana” - do Milton Santos - para além de terreno ou área física, mas de relações entre as pessoas e o espaço, e das pessoas com o poder) se prestam a atuar no campo das ideias (espaço mental, de Lefebvre) para horizontalmente (de novo Milton Santos) se transformar em alternativas de construção social no espaço.
121Em meio às carências locais e regionais já existentes, sempre foi mais fácil dizer onde e como não usar os recursos, do que afirmar categoricamente, as opções. Porém, algumas prioridades sempre foram e continuam a ser claras. A prioridade máxima às pessoas que mais precisam do Estado, de forma a inclui-los, educá-los e viabilizar sua ascensão social, reduzindo as desigualdades. Nessa linha, projetos nas áreas de infraestrutura e mobilidade devem ser também priorizados. Deve-se buscar meios de aperfeiçoamento e eficiência na gestão, em especial nas áreas de educação, saúde e transporte público.
122Não há saídas fora do diálogo amplo. É necessário ampliar e radicalizar a participação da sociedade nas decisões. Aproximar representantes de representados. Assim, se deve reestimular a participação social na definição das demais prioridades, em termos de setores, tempos e lugares. Sem as ilusões, ou ingenuidades de se pensar em consensos, e sim, em atender às maiorias, em termos econômicos, sociais e culturais.
123Em épocas de crise, os governos tendem a buscar diálogos e alguma cooperação, e isto pode ser o mote para reorganização das instituições da sociedade (universidades, sindicatos, associações de moradores e movimentos sociais e representação do setor produtivo). Na ocorrência desse processo, outra prioridade no plano regional seria da concepção de um planejamento integrado supramunicipal. Nesta linha se teria a chance de colocar em prática e de forma radical a ideia do Brandão (2012) de trabalhar as quatro dimensões: as inter-regionalidades (relação dos agentes econômicos nos supra-espaços urbanos regionais); as interurbanidades (rede urbana e sistema de cidades, as hinterlândias); as interestatalidades (ações estatais para além do Estado na região) e das inter-ramificações de setorialidade econômica (potência e arrasto das forças produtivas, das cadeias complementares, extra a tríade petróleo-porto-indústria naval (PPIn).
124Há carências evidentes também na falta de integração destas dimensões que precisam ser melhor diagnosticadas. Da mesma forma que seria desejável que as prefeituras se articulassem mais regionalmente, as regiões também poderiam ser mais integradas, na medida em se percebe que por conta do capital, e seus interesses, essa interação (diferente de integração) já têm bases e ações em curso. Não apenas as gestões governamentais ou estatais parecem significativamente dispersas e desconectadas, também outras instituições poderiam ter uma perspectiva de maior integração, mais “interinstitucionalidade”.
125Sob diferentes olhares se vê que há oportunidades para se buscar a cooperação em diversas dimensões, incluindo a gestão pública, porque na sociedade em que se vive o papel do Estado tem poder. Nesta linha pode-se visar maior eficácia da máquina governamental, através de acordos e consórcios, onde os municípios possam atuar de forma complementar, solidária e menos concorrencial. A diversificação econômica deve ser um objetivo, através de cadeias e não de financiamentos, ou parcerias pontuais em projetos isolados. Deve-se tem em mente que não se deve matar as economias tradicionais ou de pequenas redes, elas possuem sustentabilidade com baixos aportes de recursos e podem ser a salvação das regiões, talvez até da escala estadual, no período pós economia do petróleo e dos royalties.
126As soluções consideradas óbvias, como de cortes orçamentários, devem ser sempre partilhadas e discutidas, porque é deste debate que se pode tirar as prioridades e as gêneses dos projetos futuros. Há que se observar o papel dos novos polos da região, sem deixar de lado as aglomerações menores. As cidades médias cada vez mais têm potencial, porque nelas ainda se pode fazer o que nas metrópoles é quase impossível ou custa muito caro. Hoje, é mais claro que as cidades médias são ainda mais manejáveis em termos de infraestrutura, transportes e logística, o que se torna uma potencialidade a ser explorada. Não interessa a centralização ou hierarquização, mas, também, já se viu que o isolamento e a fragmentação, em nada colaboram. Nesta linha, se pode perceber que, embora as ações não tenham sido feitas para levar à integração, a realidade criada pela movimentação do capital e pela dinâmica econômica acabou criando interlocuções, que podem ser aproveitadas.
127Caminhando para encerrar, indo do regional para o nacional, em termos de projeto de nação, o maior desafio parece ser o de evitar a dependência mineral, na medida em que as estimativas no ano de 2014, já apontavam que a cadeia produtiva do óleo e do gás já alcançava 12% do PIB nacional e 30% do PIB do ERJ.
128Para o bem ou para o mal, a região sofre todos os rebatimentos da situação estadual e, especialmente, nacional. O quadro político conturbado aparenta estar deixando a nebulosa da interpretação de seu real diagnóstico de lado. Vive-se um grande dilema de caminhos e posições, acima dos “modelos”. A observação dos equívocos e êxitos dos mandatos FHC (1 e 2), Lula (1 e2) e Dilma (1) e agora Dilma (2), apontam caminhos que não são simples e nem claros, mas, complexos e que exigirão debates e enfrentamentos, na nossa ainda tenra democracia.
129Assim, há interpretações que o modelo “social-nacional desenvolvimentista” diferiria também pouco, do neodesenvolvimentismo colonizado, de favorecimento a grandes grupos econômicos nacionais ou estrangeiros, sejam do setor financeiro, do agronegócio e/ou das empreiteiras e empresas de serviços. Sem grandes mudanças para o setor trabalho e das grandes massas, em que pese a ascensão social, alguma redução das desigualdades e melhoria limitada da rede de serviços e equipamentos públicos à disposição da cidadania.
130Porém, de outro lado, parece que este caminho é significativamente bem diverso do que seria a “neodependência liberal de mercado” que surge, especialmente no momento pós eleitoral de 2014 e nas primeiras manifestações de rua, no início deste 2015.
131Assim, a luta se coloca, também, em diversas dimensões e disputa de poderes. Nesse sentido, não se pode deixar de considerar a disputa no campo das ideias, daquilo que Lefebvre chamou do “espaço mental”. É nesse campo que este artigo se propôs a enfrentar a difícil tarefa de tentar compreender a materialidade do real, para com a sua leitura, enquanto fenômeno, contribuir de forma humilde, mas crítica, para que mudanças radicais possam se efetivar na construção de nova realidade e sociabilidade.