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InicioNuméros134O basilisco e a «pena do saco» no...

Resúmenes

Se sabe, en la secuencia del artículo pionero de Paul Teyssier sobre la tradición manuscrita del Filodemo de Camões, que el ms. Luís Franco es, con respecto a la edición impresa en 1587, el testimonio con diferencia más fiable. Ahora, con base en algunas lecciones significativas, se puede afirmar claramente que el texto del impreso poco o nada tiene que ver con la voluntad del autor. El pasaje del Filodemo, al que nos referimos en particular, dice con respecto a un evento histórico, que ya fue señalado por D.ª Carolina Michaëlis: se trata de una mujer que, en Goa, fue condenada a la pena del saco (poena cullei) en el año 1546. Mientras que el ms. retrata fielmente el acontecimiento en todos sus detalles, incluyendo la lista de los animales empleados en la ejecución de la sentencia, el responsable del impreso se equivoca burdamente, hasta el punto de hacer referencia a una leyenda que, en este caso, quedaría por completo fuera de contexto.

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Notas de la redacción

Article reçu pour publication le 07/07/2018; accepté le 05/11/2018.

Texto completo

  • 1 Camões, Filodemo, § 88 da nossa edição (2018).
  • 2 Vasconcelos, 1934, p. 23.
  • 3 ‘Aldeão dos contornos de Goa’ (Bluteau).

1Referimo-nos, no presente artigo, à parte final do Filodemo de Camões, e nomeadamente ao relato de Monteiro, redigido em prosa. Essa personagem, em despeito da rudeza que a caracteriza, na hora de fazer alusão ao encontro erótico dos dois protagonistas no jardim, não pode deixar de sonhar com a Dioniza e o encanto da sua beleza de moça adolescente: «Quem me dera tê-la só meia-hora entre os meus braços! mesmo se tivesse de morrer como aquela parricida, a mim nada me importaria»1. O Monteiro alude a um evento acontecido uma dezena de anos antes, que ficara contudo bem impresso na imaginação popular. Como demonstrou D. Carolina2, a fonte deste passo do Filodemo encontra-se nas Lendas da Índia de Gaspar Corrêa, e precisamente no capítulo em que se relata a sentença de condenação pronunciada em Goa, no ano 1546, contra uma mulher culpada por ter mandado um canarim3, amante seu, matar ao próprio marido:

  • 4 A referência é a Corrêa (1495-1561), Lendas da Índia (1864, p. 577). Veja-se agora a edição de Alme (...)

pelo que, por sentença da Rolação foy levada ao cais da cidade, onde em hum panno pequeno foy metida em huma pipa, e meterão dentro com ella hum cão, e hum gato, e hum gallo, e hum bugio, e huma cobra, e fundarão a pipa, sómente huns buraqos de verruma abertos per que resfolgasse, e a puserão no mar vazando a maré, e a levou a justiça hum pedaço; ao que ella dava grandes brados, dizendo que a cobra a picava, e o bugio a mordia, e dentro todos fazião peleja. E sendo en meo rio largarão a pipa, que se foy enchendo d’ágoa, e assy com a maré foy pela barra fóra, que mais nom pareceo. E quando a puserão no mar derão hum pregão que dizia: «Justiça que ElRey nosso senhor manda fazer, que esta molher moyra morte natural antre brutos animaes por matar seu marido, e adulterar com gentio fóra da nossa santa fé, e seu dilito confessar à justiça denodadamente, e sem temor nem acatamento»4.

2No estado actual dos nossos conhecimentos, a nota de D. Carolina soa como uma ficha erudita destinada a ilustrar um evento algo extravagante, que tinha acontecido na província indiana do Império. Na verdade, a questão é bastante mais complexa, e para bem compreendê-la, é preciso fazer recurso a um conjunto de várias disciplinas, tais como a história do direito, a história antiga, a história das religiões, a antropologia.

  • 5 «facto de coriis sacco, qui culeus nominatur», conforme explica a relativa Interpretatio no código (...)
  • 6 Nas Institutiones de Justinião (533), que reproduzem essencialmente os escritos do jurista Gaius (m (...)
  • 7 «If the compiler of the compendium [Pauli Sententiae] is to be believed –and his record on the cont (...)
  • 8 Egmond, 1995, p. 173.
  • 9 O parricida «ea poena teneatur quae est legis Corneliae de sicariis» (Dig. 48, 9, 1; ver Nardi, 198 (...)
  • 10 Bartolotti, 2017, p. 29, n. 4. «Recent literature leaves open the question of whether the Lex Pompe (...)

3A forma de execução, dita empipar ou encubar, e poena cullei em latim5, Säcken em alemão, porventura já se encontrasse no texto da Lex Pompeia de parricidiis6, cuja promulgação se atribui a um dos três consulados de Pompeio, que se sucederam na primeira metade do séc. i a. C7. A Lex Pompeia é geralmente considerada como a primeira na qual o parricídio é posto em correlação com a pena do saco8. Porém, não é nada seguro que a essa mesma lei, que não faz senão remeter às sanções presentes na lex Cornelia de sicariis (82 a. C.)9, remonte a introdução dos animais, posto que as primeiras abonações nos textos jurídicos são posteriores de bem 600 anos10.

  • 11 Thomas, 1981, pp. 648-649. A lex Pompei «supone la salida definitiva del crimen parricidii del ámbi (...)
  • 12 Egmond, 1995, p. 173. Conforme uma tradição analística conservada por Cícero, Tarquínio o Superbo d (...)
  • 13 Livro XII das Pandectas, Dig. 48, 9, 9.

4O certo é que, por força da Lex Pompeia, a qualificação de parricida se aplicou a todo o homicídio de parente em linha directa ou colateral11. A pena do saco, em qualquer forma que fosse, provavelmente existia no direito costumeiro antes de passar a ser codificada na lei escrita12. Os detalhes encontram-se especificados, pela primeira vez, num texto do jurista Modestino13:

Poena parricidii more maiorum haec instituta est, ut parricida virgis sanguineis verberatus, deinde culleo insuatur cum cane, gallo gallinaceo, vipera, et simia, deinde in mare profundum culleus iactetur. Hoc ita, si mare proximum sit. Alioquin bestiis obiciatur secundum divi Hadriani constitutionem.

  • 14 Daguet-Gagey, 2006, p. 85; Scarborough, 2012, p. 229.
  • 15 Pauli Sententiae 5, 24, 1 (trata-se de um compêndio com base nos escritos do jurista severiano Iuli (...)
  • 16 Thomas, 1981, pp. 649-650.
  • 17 De clementia 1, 15; logo afirma (1, 23, 1) que, no tempo de Cláudio, se registou um enorme pico dos (...)

5Assim, Modestino parece atestar que a pena do saco já não se aplicava a datar da época do emperador Adriano14. Uma geração depois, o jurista Paulo também deixa entender que, no seu tempo, a pena do saco já caíra em desuso: «etsi antea insuti culleo in mare praecipitabantur, hodie tamen vivi exuruntur vel ad bestias dantur»15. Finalmente uma constituição de Constantino, com data de 318, parafrasea num estilo retórico e impreciso os dados essenciais da lei. Em concreto, o homicídio do próprio filho fica dali emdiante equiparado ao parricídio; além disso, reactiva-se a pena do saco, que o emperador Adriano tinha substituido, em certos casos, pela damnatio ad bestias16. Eis aqui o texto completo, no qual como, aliás, em Séneca17 o único animal mencionado é a serpente:

  • 18 O ms. R do código de Justinião (Berolinensis 273 do séc. xii) «inserisce prima cum cane et vipera e (...)

Si quis in parentis aut filii aut omnino affectionis eius, quae nuncupatione parricidii continetur, fata properavit, sive clam sive palam id fuerit enisus, neque gladio, neque ignibus, neque ulla alia solenni poena subiugetur, sed insutus culeo et inter eius ferales angustias comprehensus serpentum contuberniis18 misceatur, et ut regionis qualitas tulerit, vel in vicinum mare vel in amne proiciatur, ut omni elementorum usu vivus carere incipiat, ut ei caelum superstiti, terra mortuo auferatur (C. Theod. IX, 15, 1 = C. J. IX, 17, 1).

  • 19 «Le singe pourrait avoir été choisi par Claude comme symbole d’un crime contre nature ou inhumain, (...)
  • 20 Inst. Iust. 4, 18, 6. Cf. Egmond, 1995, p. 176; Radin, 1920, p. 126; Nardi, 1980, p. 124; Scarborou (...)
  • 21 O mesmo faz o Compendium historiarum de Cedreno (1058 d. C.), bem como outros muitos glossários ant (...)
  • 22 «Compte tenu de son apparition systématique dans la définition de la peine, le serpent est le seul (...)
  • 23 «Pline [nat. hist. X 62, 170] raconte que les petits de l’animal sortent du ventre de leur mère, av (...)

6Em resumo, e levando em conta que de nenhum animal se faz menção antes da primeira metade do séc. i a. C., as primeiras abonações concernem às serpentes, logo depois vem o macaco ou bugio19; o cão e o galo aparecem depois da época de Adriano, isto é, nos começos do séc. iii d. C.; finalmente, a lista completa dos quatro bichos só se encontra no Digesto e nas Institutiones de Justinião20. Contudo, nalgumas fontes (dentre as quais Isidoro, Et., V 27, 36) deixa-se de mencionar o cão21; em outras só se citam quer a serpente e o galo, quer a serpente e o bugio; e, em resumo, na maioria fala-se apenas das serpentes22, cuja natureza maléfica já se encontra mencionada em Plínio23.

  • 24 Ver Biavaschi, 2016.
  • 25 Ver Bukowska-Gorgoni, 1979, pp. 149-150.
  • 26 Até cerca de 1750, a pena figura espaçadamente nos tratados de direito romano (Egmond, 1995, p. 166 (...)
  • 27 «En la Lex romana Visigothorum hállase modificada la sanción en cuanto el criminal era encerrado vi (...)
  • 28 Partida VII, Tit. VIII, ley xii.
  • 29 Sánchez-Arcilla Bernal, 2013, p. 492.

7Na época pós-romana, tanto o código visigótico (Breviarium Alarici)24, como Isidoro de Sevilha, ou a legislação carolina, puderam funcionar como correias de transmissão, assim explicando o ressurgimento, no quadro da lei romana, da pena do saco25: «the comeback of the punishment in the 12th century formed part of a much wider revival, or reception, of Roman law. It appears in the commentaries of jurists glossing the Codex Iustiniani, the Digesta, and other 6th century compilations of Roman laws»26. É por esses trâmites, como já demonstrou Menéndez Pidal27, que o dispositivo do Código Teodosiano passa a ser integrado nas Partidas do rei Afonso o Sábio28 («Siguiendo la tradición del derecho romano, las Partidas recogieron la figura del parricidio, entendida como la muerte de una de aquellas personas que se encontraban dentro del núcleo familiar»)29:

mandaron los emperadores et los sabios antiguos que este atal que fizo esta nemiga, sea azotado ante todos públicamente, et desí que lo metan en un saco de cuero, et que encierren con él un can, et un gallo [et una gulpeya. Esc. 1. 2.], et una coluebra et un ximio: et después que él fuere en el saco con estas quatro bestias, cosan-o atén la boca del saco, et échenlo en la mar o en el río que fuere más cerca de aquel lugar do esto acaesciere.

  • 30 «Between about 1200 and the middle of the 18th century it was known in various parts of the German- (...)
  • 31 Arch. Hist. Nac., Inquisición de Toledo, Moriscos, 1536-1538, leg. 198, n° 207 (Menéndez Pidal, 190 (...)
  • 32 Díez de Salazar Fernández, 1989, p. 592; p. 592, n. 42: «La sustitución del mono por el gato debía (...)

8Em vários países da Europa, a pena do saco esteve no seu apogeu durante os séculos xv e xvi, e nos começos do séc. xvii30. A propósito, atesta-se em 1538, em Ávila, a condenação de Francisco de Villafranca, caldereiro, pelo homicídio da sua esposa, Bárbara Perejil. Após o anúncio ritual do pregonero, dispõe-se que o condenado «sea metido vivo en un saco de cuero y encierren con él un can e un gacto y una culebra e un ximio, y sy no se allare culebra y ximio que encierren con él dos gatos y dos canes, y después que fuere en el saco con estas quatro bestias, cosan la boca del saco y lo lançen de la puente abaxo en el rio de Adaja»31. Na sentença de um juiz basco, pronunciada no Fevereiro de 1567, um galo encontra-se em lugar do bugio 32.

  • 33 Sentença executada no dia 28 de avril de 1582; ver Ortego Gil, 1996, p. 248; 2000, p. 148, n. 22.
  • 34 Ortego Gil, 1996, p. 252. A maior gravidade da pena, sugerida por vários detalhes da sentença, expl (...)

9No dia 25 de Agosto de 1581, a Real Audiencia de Galicia condenou à pena de encubar certa Catalina Rodríguez de Rábade, pelo homicídio do próprio marido, mas isso só depois de ser a culpada sometida à pena do garrote: «así muerta sea metida en una pipa con los animales y en la forma acostumbrada y sea echada en la mar»33. Da mesma maneira, numa sentença pronunciada em Madrid, no dia 14 de Novembro de 1626, pelo merino de La Mezquita contra certo Andrés Castaño, culpado pelo homicídio de um clérigo, que era ao mesmo tempo seu sogro, dispõe-se que o culpado seja enforcado e, no dia seguinte, «sea quitado y metido en una cuba cosido en cuero de un buei y con él se metan dentro un gallo, un gato, una culebra o biboracón, otras sabandijas ponçonosas, y desta suerte sea echado en el rrio más cercano [...] de donde nadie le quite ni ynpida el curso que llebare con las águas»34.

  • 35 Também chamadas «ynsinias» (Ortego Gil, 1996, p. 259, n. 44). Trata-se, neste caso, de uma poena cu (...)

10O parricídio perpetrado em 1686 em Puentedeume por certo Pedro do Penedo foi também sancionado pelo enforcamento: e o corpo «se meta en un çerón de cuero, o en una pipa, dentro de la qual se echarán las figuras35 de un perro, otra de un gallo, otra de una culebra, y otra de un ximio».

  • 36 Observa Bartolotti, 2017, p. 34, com base em Plínio (nat. hist. VIII 80, 216), que o galo «a une te (...)
  • 37 Solórzano Pereira, por muito que consagre uma grande parte do primeiro livro da sua obra (do cap. X (...)

11Em resumo: no corpus das leis e sentenças atestadas na península ibérica desde a época romana até ao séc. xvii, nota-se certa flexibilidade na escolha dos animais. No texto de Modestino são quatro: cão, capão36, víbora, bugio, enquanto falta o gato, que foi provavelmente introduzido mais tarde37. Em Ávila (1538) é o gato que se encontra em vez do galo, cuja ausência é de considerar como excepcional. No País Basco (1567) empregam-se tanto o cão como o gato, enquanto falta o bugio, e isso por razões económicas evidentes. Em Madrid (1626) empregam-se gato, galo, e víbora, e o número de quatro alcança-se fazendo recurso a vermes peçonhentos, cuja espécie, aliás, não é especificada. Em Puentedeume (1686), por fim, trata-se simplesmente de quatro figuras, com exclusão da víbora.

  • 38 O gato também aparece, em vez do bugio, nos dispositivos de duas sentenças, a primeira das quais fo (...)
  • 39 Pradilla Barnuevo, 1621, f. 12: «deven ser açotados publicamente, y después deven ser metidos vivos (...)
  • 40 Elizondo, 1764, p. 287: «El parricida se castiga con la pena de horca, y después se mete en costal, (...)

12Com efeito, alguns dos animais eram quer dispendiosos, quer difíceis de encontrar: por isso na sentença de Ávila, onde os quatro animais se encontram cuidadosamente especificados, afinal coloca-se a hipótese «y sy no se allare culebra y ximio». O emprego do gato, mencionado nas sentenças de Ávila, Guipúzcoa, Madrid38, também está previsto nos dispositivos registados por Pradilla Barnuevo39 e por Elizondo40.

  • 41 Devido ao conhecido emprego de formulações genéricas («morra por ello», «morte cruel»), tanto nas O (...)

13Neste conjunto documentário, a sentença de Goa constitui um caso bastante excepcional, antes de mais porque é a única onde os animais empregados, em vez de quatro, são cinco, o que corresponde à suma de todas as variantes historicamente documentadas. É verdade que, localmente, não havia qualquer problema em encontrar bugios, monos, macacos. Contudo, este esforço de exaustividade é sinal inequivocável de um louco excesso de zelo na interpretação da lei; tanto mais numa época em que o direito costumeiro já se ia vindo a evoluir, neste caso, para uma aplicação puramente simbólica, no tocante aos detalhes mais crueis da pena41. A propósito, o pormenor mais desumano, ao mesmo tempo que o mais contrário ao direito costumeiro, corresponde, no relato de Gaspar Corrêa, à descrição da mulher que «dava grandes brados, dizendo que a cobra a picava, e o bugio a mordia, e dentro todos fazião peleja».

  • 42 Ortego Gil, 1996, p. 250, com remissão para Gómez, 1771, p. 98 (um dos «Libros de los escribanos de (...)
  • 43 «Apud nos igitur septempartitis legibus [...] fontes legum, bibliothecas omnium Philosophorum, et T (...)
  • 44 Vejam-se também Vela y Acuña, Tractatus de poenis delictorum, 1603, p. 165: «apud nos tamen quotidi (...)

14A execução prévia do parricida por garrote ou enforcamento, antes de submeti-lo à pena do saco, «no sólo estaba admitida en la práctica judicial, sino reconocida por la literatura jurídica»42. Junto com a supressão de alguns detalhes infamantes do dispositivo da pena (tais como a flagelação em público), isto servia para atenuar o seu carácter bárbaro e arcaico. É o que os juristas claramente insinuam: na Espanha, à diferença das outras nações, as Partidas eram universalmente tidas pela fonte suprema da lei43, podendo ser comparadas às XII tábuas romanas. Por isso, no caso da pena do saco, «Constantiniana sanctio ad verbum transcripta, quotidiana (heu dolor!) praxi observatur», com a única diferença «quod parricidae, prius quam culleo insuantur cervices laqueo franguntur»44. A razão deste procedimento é não apenas humanitária, como também religiosa:

  • 45 Conforme acrescenta o jurista, os culpados de parricídio «adhuc tamen verberibus neutiquam afficiun (...)

Raro enim in Hispania mortis supplicia, quae longis cruciatibus, et morosis doloribus vitam adimunt, imponuntur: ne reis, quibus eo in casu mors […] solatium esset et vita supplicium, impium aliquid in Deum effundendi, aut etiam desperandi occasio praebeatur45.

  • 46 Ver Correia, 1977, pp. 99-100, n. 1.
  • 47 Pradilla Barnuevo, 1621, f. 12v; vejam-se as Leyes de Recopilación, 1772, p. 401: «Mandamos que, qu (...)
  • 48 Sánchez-Arcilla Bernal, 2013, p. 494.

15Isto é, não se devia permitir que o condenado se deixasse cair no desespero46. Essa necessitade é também sublinhada por Pradilla Barnuevo: «Aora, porque no dessesperen los ahorcan, o dan garrote primero que los encuben, argum. de la l. 46. tit. 13. de las leyes de la Hermandad, lib. 8. Recop.»47. Em suma, a partir do séc. xvii, a literatura jurídica toda «coincide en que ya el culleum no se aplicaba a los parricidas de esta manera, sino que previamente se les ahorcaba o se les daba garrote antes de ser introducidos en el saco o, en su caso, en un tonel con los animales pintados en él»48.

  • 49 Em 1548, ano da sua morte, foi nomeado 4° Vice-rei do Estado da Índia.

16Cabe portanto concluir que, nos séculos xvi-xvii, uma aplicação ao pé da letra da pena do saco já se tinha, na Europa toda, por algo exceptional. O mesmo terá que dizer-se no tocante ao episódio alegado por D. Carolina, de que é preciso buscar uma explicação no plano histórico. Sabe-se o escrúpulo singular com que D. João de Castro, governador do Estado da Índia49, cuidava da própria imágem de vicário do Império. No mês de Novembro daquele ano 1546, depois de libertar do sítio dos Turcos a fortaleza de Diu, quis que o seu regresso a Goa, em Avril de 1547, tivesse como pano de fundo uma cerimónia o mais gloriosa possível:

  • 50 O autor era, na época, secretário do Governador.
  • 51 Martins, 2013, p. 201. Recorde-se, em particular, o poema ilustrado de Jerónimo Corte-Real O Sucess (...)

Num processo consciente de celebração de uma imagem de glória, a famosa entrada triunfal em Goa recheada de elementos simbólicos de analogia e reprodução dos triunfos romanos, magnífica e detalhadamente registada por Gaspar Correia50, seria repercutida inúmeras vezes em edições literárias que, invariavelmente, enobreceram e vanagloriaram a memória do Governador51.

  • 52 Martins, 2013, p. 201; «A ideia de um “verdadeiro” império clássico ganhou nos anos de governo de D (...)
  • 53 Martins, 2013, p. 231.
  • 54 Martins, 2013, p. 247. No séc. xvi, a reconstrução do triunfo romano foi realizada em todos os seus (...)

17A sua imagem pública «foi construída em conformidade com a recuperação humanista de celebridade e virtude dos grandes feitos da antiguidade»52. Após a vitória militar, Castro dispôs de cinco meses para planificar a sua «grandiosa encenação», no intuito de renovar as vitórias de Roma imperial «num paralelo [...] intermediado pelo espírito humanista-renascentista e pelo peso que a memória romana tinha na corte de D. João III»53. «O Triunfo de Goa, para além do parelismo estrutural com as entradas reais nas cidades do reino, teve uma inspiração simbólica poderosa, e que a transformou por completo: a matriz de celebração do guerreiro praticada na antiga Roma clássica»54.

  • 55 Carta a D. João III datada de 22 de Dezembro de 1547.
  • 56 O triunfo de Goa «foi um singular e importante evento cénico e simbólico que se repercutiu no imedi (...)
  • 57 Martins, 2013, p. 238.
  • 58 Corrêa regista «a existência de cadafalsos, ou seja, de estruturas efémeras animadas onde se exibia (...)
  • 59 Martins, 2013, p. 303.

18Ao cadáver do chefe inimigo, o triunfador mandou cortar a cabeça «e levar a Goa pera pôr no pelourinho por caso de neste tempo aver na cidade muita gente de todas as nações do Universo»55. Um dos momentos altamente simbólicos da cerimónia56, foi quando Castro se pôs encima da cabeça uma coroa triunfal «ao modo romano», como escreve Corrêa57. Nem deixou de exibir o seu gosto, aliás muito particular, pelo espectáculo58. Em suma, João de Castro «foi produtor de recursos imagéticos e simbólicos de absoluta singularidade, com expressão nos domínios cerimonial e pitórico»59.

  • 60 Ortego Gil, 1996, p. 145.

19Com a personalidade deste governador condiz, sem dúvida nenhuma, a interpretação não menos extrema que teatral da sentença cominada em Goa e executada, ainda que na ausência dele, no ano 1546. Na verdade, as disposições de garantia previstas nas Partidas em benefício do culpado «fueron desconocidas en no pocas ocasiones, sobre todo por los jueces interesados en vanagloriarse de su represión cruel para mantener la paz pública»60: e Castro, ou melhor dizendo, o juiz que o representou, era, claro está, um deles. No zelo cruel, com que a sentença foi posta em execução, não é difícil reconhecer o mesmo gosto teatral de quem, em Novembro do mesmo ano, ao pedir um préstimo público para a reconstrução da fortaleza de Diu, quis primeiro dar em penhor a sua própria barba, sob o pretexto de ela ser a única riqueza de que dispunha.

  • 61 Canc. III, 305 (Duarte da Gama a Joam Gomes d’Abreu), vv. 7-10: «Vossa pendença fareis / como fez E (...)
  • 62 Com efeito, «toda a tradição impressa, até hoje, liga-se à versão publicada em 1587, como se ela fo (...)

20Sem mencionar nem Menéndez-Pidal, nem qualquer outra fonte jurídica, D. Carolina reproduz o texto de Gaspar Corrêa exclusivamente no intuito de ilustrar um passo do Cancioneiro geral61 junto com outro do Filodemo, com referência, claro está, à versão impressa do texto62. Eis aqui, uma após a outra, as duas versões:

(A) tal que enfim pola ter meia hora nos braços dera meteren-me ao outro dia com galgo e cobra em pipa como patrecida, contanto que disese o pregão o porquê : (B) En fim que por mea ora de sua conversaçam, se podera sofrer hũa pipa com cobra & galo, & doninha, como a parricida.

  • 63 Cf., nos vv. 47-63 do Filodemo, a sua apaixonada descrição d’«o mais estremado cão / que nunqua mat (...)
  • 64 «Galo, em vez de gato pode ser erro de leitura, mas também variante, como se vê do trecho de Gaspar (...)

21Conforme vimos acima, os animais previstos pelo dispositivo da lei são normalmente quatro, que na descrição do Corrêa montam a cinco. Contudo, na lição do ms. Luís Franco (A), ficam reduzidos a dois. Apesar da imprecisão do seu resumo, Monteiro dá a ver que conhece o próprio trabalho63, pois, em vez do genérico cão, emprega galgo, termo técnico para designar um cão de raça, usado em corridas e na caça às lebres. O impresso (B) provavelmente remonta a um texto similar àquele do ms., pois muda galgo para a lectio facilior galo64, que também pertence, a partir do texto de Modestino, à lista dos animais empregados na pena do saco. O que, porém, não deixa de surpreender no texto da edição, é aquela doninha que se segue imediatamente após o galo: na verdade, como se poderá explicar a sua presença, posto que esse animal não encontra qualquer abonação na literatura jurídica consagrada à poena cullei?

  • 65 «Hoc tantum habemus in scriptis antiquorum, quod quoddam basilisci genus ab ovo generatur, quod gal (...)

22Existe, contudo, um denominador comum entre a doninha e o galo, que se encontra na tradição do bestiário antigo. É na Idade Média que o basilisco, de serpente peçonhenta, se torna monstro galiforme. Dizia-se que nascia de um ovo de galo velho65, chocado por um sapo ou uma serpente: por isso, nas imagens aráldicas, o basilisco é um monstro com cabeça e patas de galo, boca e rabo de serpente ou de dragão.

  • 66 Borniotto, 2004-2010, p. 25.
  • 67 De natura animalium 3, 31.
  • 68 Pode, como veremos, sobreviver, posto que antes se alimente de ruda. Numa ilustração atribuida a We (...)
  • 69 Bueno Sánchez, 1978, p. 69. Na opinião deste autor, «el habitáculo del basilisco sería un huevo de (...)
  • 70 Tradução de fray Vicente de Burgos (1529): veja-se Sánchez González de Herrero, 2008.
  • 71 Plínio, nat. hist. 8, 77-79 e Isidoro, Et. XII 4, 6-9; veja-se Moure, 1999, pp. 192-193.
  • 72 Pelas proprietades terapêuticas atribuidas à ruda ver Aristóteles, Problemata 20, 34.
  • 73 Bartolomeo Ânglico, 1494, Libro XVIII, cap. 14.
  • 74 Bueno Sánchez 1978, pp. 72-73.

23Beda é o primeiro a abonar a crença de que um galo, na sua velhice, é capaz de pôr ovo66. Como antídotos naturais do basilisco, Cláudio Eliano diz que o canto do galo provoca-lhe convulsões mortais67, enquanto Plínio indica a doninha, embora à custa da própria vida68. Na sua obra De proprietatibus rerum (ca. 1230), «que sería la Historia Natural más popular del Renacimiento»69, Bartolomeo Ânglico detém-se nas propriedades da doninha70: «Finalmente la comadreja lo mata, y el hedor de basilisco mata la comadreja71. E si ella come primero de la ruda72, o si ha comido ella no ha miedo dél»73. No capítulo dedicado ao galo (XII 17), o mesmo autor afirma que o basilisco nasce dum ovo de galo velho, «según dice Beda y Constantino». Contudo, no cap. XIX 79 (De los huevos de las serpientes) encontra-se a rectificação seguinte: «El sapo saca algunas veces los huevos del aspis y de ellos viene la serpiente que por su vista mata todo hombre, llamada Basilisco, y assí presto como nace mata al sapo por su vista, según dice Plínio, esta propiedad tocó Isaias a los XLI capítulos de su libro»74.

  • 75 Bueno Sánchez 1978, p. 74, n. 41.
  • 76 Dioscórides, 1555. Ver Dubler, 1955, p. 609.
  • 77 Aldrovandi, 1640, pp. 361-376.

24A crença do ovo posto por um galo, também abonada por Alonso López de Corella, foi criticada por Andrés de Laguna na sua edição de Dioscóride75: «Es vulgar opinión y ridícula, que el Basilisco nace del huevo de un gallo viejo, y así le pintan semejante a un gallo, con cola natural de serpiente, la cual forma de animal no se halla in rerum natura, de modo que la debemos tener por quimera»76. Ulisse Aldrovandi, que continua a acreditar na existentência do basilisco77, dedica

  • 78 Bueno Sánchez, 1978, p. 75.

dos de sus trece tomos a una curiosíssima Historia Natural de Serpientes y Dragones. Y en el Lib. II, Cap. II, encontramos quince inmensas páginas in-folio dedicadas al Basilisco, ilustradas con varios grabados, de los cuales el más famoso representa el «basilisco de Aldrovandi», que tiene ocho patas, escamas, cabeza de gallo, con largo pico y gran papada, y coronado con su atributo78.

  • 79 Prov. 23: 31, 32; Is. 29.
  • 80 Bueno Sánchez, 1978, p. 76.

25Outro nome com que se conhece o basilisco é, não por acaso, basilisco-cobra, cuja origem remonta até à Bíblia79. Que «el basilisco mata mirando» já o diz Mateo Alemán no Guzmán de Alfarache (1599). «El tema del basilisco se convierte en un lugar común de la literatura del Siglo de Oro y del Barroco. Los ojos esquivos de la dama serán como los del basilisco y matan con su mirada al rendido amante. En el Quijote se utiliza tres veces la palabra, en el capítulo XIV de la primera parte». Além disso, o tema encontra-se em Lope de Vega, que «usa y abusa de las metáforas sugeridas por el basilisco, que son repetidas a lo largo de todas sus obras […]. Quevedo dedica un romance de 68 versos al Basilisco (El Basilisco, animal tan ponzoñoso que dicen los naturales que mata con la vista80.

26Em conclusão, o responsável da edição impressa do Filodemo, por desconhecer completamente o evento histórico a que Camões alude, a partir de galgo introduz o par galo e doninha, que, associado com o cobra, sugere a imaginem de uma notíssima variante de basilisco. Claro está que a sua variante terá de ser considerada lectio facilior, e, enquanto tal, de modo nenhum poderá remontar ao autor: muito pelo contrário, trata-se de indício flagrante do processo de adaptação e arranjo que caracteriza o testemunho impresso.

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Notas

1 Camões, Filodemo, § 88 da nossa edição (2018).

2 Vasconcelos, 1934, p. 23.

3 ‘Aldeão dos contornos de Goa’ (Bluteau).

4 A referência é a Corrêa (1495-1561), Lendas da Índia (1864, p. 577). Veja-se agora a edição de Almeida, 1975.

5 «facto de coriis sacco, qui culeus nominatur», conforme explica a relativa Interpretatio no código visigótico (Nardi, 1980, pp. 14-15). Veja-se, porém, Solórzano, 1605, p. 50: «Non semper ex corio et utre bubulo culleum fieri, sed interdum ex lino, vel canabi, quin et e sparto».

6 Nas Institutiones de Justinião (533), que reproduzem essencialmente os escritos do jurista Gaius (metade do séc. ii d. C.), esta «nova poena» atribui-se explicitamente à «lex [...] quae Pompeia de parricidiis vocatur» (Inst. 4, 18, 6); ver Egmond, 1995, p. 174; Bauman, 1996, p. 24.

7 «If the compiler of the compendium [Pauli Sententiae] is to be believed –and his record on the content of laws is generally good– Pompey, far from abolishing the poena cullei, incorporated it in his law» (Bauman, 1996, p. 23).

8 Egmond, 1995, p. 173.

9 O parricida «ea poena teneatur quae est legis Corneliae de sicariis» (Dig. 48, 9, 1; ver Nardi, 1980, pp. 79-80): o texto, de 533, atribui-se ao jurista Aelius Marcianus (séc. iii).

10 Bartolotti, 2017, p. 29, n. 4. «Recent literature leaves open the question of whether the Lex Pompeia merely perpetuated the poena cullei for parricide (while possibly presenting a new list of the relevant degrees of kinship), reintroduced it after it had been abolished, restricted its infliction, or abolished it» (Egmond, 1995, pp. 174-175).

11 Thomas, 1981, pp. 648-649. A lex Pompei «supone la salida definitiva del crimen parricidii del ámbito de la jurisdicción doméstica» (Núñez, 2007, p. 580). Vejam-se os detalhes jurídicos em Nardi, 1980, pp. 69-73.

12 Egmond, 1995, p. 173. Conforme uma tradição analística conservada por Cícero, Tarquínio o Superbo destinou primeiro a poena cullei à punição do sacrilégio (Thomas, 1981, p. 676, n. 105). A lista das fontes, tanto literárias como jurídicas, relativas à poena cullei encontra-se em Bartolotti, 2017, p. 28.

13 Livro XII das Pandectas, Dig. 48, 9, 9.

14 Daguet-Gagey, 2006, p. 85; Scarborough, 2012, p. 229.

15 Pauli Sententiae 5, 24, 1 (trata-se de um compêndio com base nos escritos do jurista severiano Iulius Paulus).

16 Thomas, 1981, pp. 649-650.

17 De clementia 1, 15; logo afirma (1, 23, 1) que, no tempo de Cláudio, se registou um enorme pico dos casos de parricídio: «saepius culleos vidimus quam cruces» (veja-se também Nardi, 1980, pp. 83-84).

18 O ms. R do código de Justinião (Berolinensis 273 do séc. xii) «inserisce prima cum cane et vipera et gallo gallinacio et simia» (Nardi, 1980, p. 124).

19 «Le singe pourrait avoir été choisi par Claude comme symbole d’un crime contre nature ou inhumain, parce qu’il est un exemple de laideur. Le chien et le coq auraient été introduits par Constantin qui, poussé par le christianisme, les aurait vus comme symboles du mal car associés à certains cultes païens»: Bartolotti, 2017, p. 35, o qual remete para Radin, 1920, pp. 127-129 (na verdade, esse autor só oferece um resumo cronológico, redigido com zelo e abundância, das interpretações registadas por Solórzano).

20 Inst. Iust. 4, 18, 6. Cf. Egmond, 1995, p. 176; Radin, 1920, p. 126; Nardi, 1980, p. 124; Scarborough, 2012, pp. 229-230. Quanto aos outros elementos do ritual, «Cicero mentions the wooden soles and the wolf’s cap. The cart and the black oxen are first mentioned during Hadrian’s time, and the flogging with the virgae sanguineae occurs for the first time in Digesta (which tells us nothing about its age)» (Egmond, 1995, p. 176).

21 O mesmo faz o Compendium historiarum de Cedreno (1058 d. C.), bem como outros muitos glossários antigos (Nardi, 1980, pp. 124-125).

22 «Compte tenu de son apparition systématique dans la définition de la peine, le serpent est le seul animal pour lequel il est quasiment certain qu’il ait été usité […]. Animal malfaisant, sa seule mention pourrait faire référence aux autres bêtes, comme le croyait le juriste espagnol Juan de Solórzano Pereira au xviie siècle» (Bartolotti, 2017, p. 30).

23 «Pline [nat. hist. X 62, 170] raconte que les petits de l’animal sortent du ventre de leur mère, avant leur naissance et par impatience. Le fait de déchirer naturellement le ventre de leur mère fait des serpents des animaux parricides» (Bartolotti, 2017, p. 34; ver Díez de Salazar Fernández, 1989, p. 586, n. 20).

24 Ver Biavaschi, 2016.

25 Ver Bukowska-Gorgoni, 1979, pp. 149-150.

26 Até cerca de 1750, a pena figura espaçadamente nos tratados de direito romano (Egmond, 1995, p. 166).

27 «En la Lex romana Visigothorum hállase modificada la sanción en cuanto el criminal era encerrado vivo en el saco de cuero con serpientes; pero sin el gallo, el perro, ni el mono» (Menéndez Pidal, 1906, p. 163).

28 Partida VII, Tit. VIII, ley xii.

29 Sánchez-Arcilla Bernal, 2013, p. 492.

30 «Between about 1200 and the middle of the 18th century it was known in various parts of the German-speaking countries and in the Netherlands, France, Spain, and Italy» (Egmond, 1995, p. 160).

31 Arch. Hist. Nac., Inquisición de Toledo, Moriscos, 1536-1538, leg. 198, n° 207 (Menéndez Pidal, 1906, pp. 162-163, n. 4); «También se llegó en la práctica a emplear indistintamente el saco de cuero, o la cuba de madera, formas ambas que los cuentos populares conservaron con relación a parricidas y reos del delito de lesa humanidad» (pp. 163-164).

32 Díez de Salazar Fernández, 1989, p. 592; p. 592, n. 42: «La sustitución del mono por el gato debía ser necesaria a causa de la dificultad notoria de hacerse con aquel animal»; Egmond, 1995, p. 168: «After all, monkeys were rare and expensive».

33 Sentença executada no dia 28 de avril de 1582; ver Ortego Gil, 1996, p. 248; 2000, p. 148, n. 22.

34 Ortego Gil, 1996, p. 252. A maior gravidade da pena, sugerida por vários detalhes da sentença, explica-se porque «en el hecho venían a concurrir no sólo un parricidio, sino también un homicidio sacrílego» (p. 251). A sentença, contudo, foi anulada por vício de forma.

35 Também chamadas «ynsinias» (Ortego Gil, 1996, p. 259, n. 44). Trata-se, neste caso, de uma poena cullei «moderada con el previo ahorcamiento sin azotes; pero se le agravó [...] con el arrastramiento, no previsto en la mencionada norma, aunque sí para quienes mataban a traición o aleve» (pp. 257-258).

36 Observa Bartolotti, 2017, p. 34, com base em Plínio (nat. hist. VIII 80, 216), que o galo «a une tendance prononcée à se battre avec le serpent. Il terrorise même les lions. Le chapon, qui est plus précisément choisi dans la peine, est encore plus féroce». Ver Egmond, 1995, p. 179.

37 Solórzano Pereira, por muito que consagre uma grande parte do primeiro livro da sua obra (do cap. XIV até ao fim) à ilustração dos animais empregados na pena do saco, bem como do simbolismo de cada um deles, ignora totalmente o gato.

38 O gato também aparece, em vez do bugio, nos dispositivos de duas sentenças, a primeira das quais foi pronunciada no Maio de 1594 contra certa Else Koch no Brandenburgo, e a segunda em 1583, em Lípsia, contra uma tripla infanticida. Conforme um texto de 1625, na Saxónia tal substituição era explicitamente prevista pela lei (Egmond, 1995, pp. 168-169).

39 Pradilla Barnuevo, 1621, f. 12: «deven ser açotados publicamente, y después deven ser metidos vivos en una cuba, o costal, y dentro juntamente una mona, un gallo, y una vívora, y un gato, y desta suerte deven ser echados en el mar, o río más cercano [...] y es l. 12. tit. 8. Par. 7».

40 Elizondo, 1764, p. 287: «El parricida se castiga con la pena de horca, y después se mete en costal, o cuba con una mona, un gallo, una víbora, y un gato» etc.

41 Devido ao conhecido emprego de formulações genéricas («morra por ello», «morte cruel»), tanto nas Ordenações Afonsinas como nas Manuelinas, não se faz qualquer menção da poena cullei: ver Correia, 1977; Ribeiro, 2015, pp. 20-23.

42 Ortego Gil, 1996, p. 250, com remissão para Gómez, 1771, p. 98 (um dos «Libros de los escribanos de la Audiencia»).

43 «Apud nos igitur septempartitis legibus [...] fontes legum, bibliothecas omnium Philosophorum, et Themidos ipsius vera responsa, fremant omnes licet, possumus appellare» (Solórzano Pereira, 1605, pp. 98-99).

44 Vejam-se também Vela y Acuña, Tractatus de poenis delictorum, 1603, p. 165: «apud nos tamen quotidie practicatur [...] solum in hoc immutato, quod prius strangulantur»; Nardi, 1980, p. 44.

45 Conforme acrescenta o jurista, os culpados de parricídio «adhuc tamen verberibus neutiquam afficiuntur», e até «Ecclesiastica sepultura donantur. Quod licet contra leges ut diximus sit, iudices tamen conniventibus oculis pati, et usu etiam in impios receptam pietatem impedire non debent» (Solórzano Pereira, 1605, pp. 98-100).

46 Ver Correia, 1977, pp. 99-100, n. 1.

47 Pradilla Barnuevo, 1621, f. 12v; vejam-se as Leyes de Recopilación, 1772, p. 401: «Mandamos que, quando quier que los Alcaldes de la Hermandad condenaren a alguno a muerte con pena de saeta, no pueda persona alguna tirar saeta a ninguno de los que assí fueren condenados, sin que primero sea ahogado»; Ortego Gil, 1996, pp. 249-250, n. 18.

48 Sánchez-Arcilla Bernal, 2013, p. 494.

49 Em 1548, ano da sua morte, foi nomeado 4° Vice-rei do Estado da Índia.

50 O autor era, na época, secretário do Governador.

51 Martins, 2013, p. 201. Recorde-se, em particular, o poema ilustrado de Jerónimo Corte-Real O Sucesso do segundo cerco de Diu (1574).

52 Martins, 2013, p. 201; «A ideia de um “verdadeiro” império clássico ganhou nos anos de governo de D. João de Castro uma expressão muito palpável» (Martins, 2013, p. 204).

53 Martins, 2013, p. 231.

54 Martins, 2013, p. 247. No séc. xvi, a reconstrução do triunfo romano foi realizada em todos os seus pormenores no De Triumpho de Onofrio Panvinio (1557).

55 Carta a D. João III datada de 22 de Dezembro de 1547.

56 O triunfo de Goa «foi um singular e importante evento cénico e simbólico que se repercutiu no imediato em Portugal e na memória do império» e contribuiu potentemente «para consolidar a solução vice-reinal como modelo institucional do governo» (Martins, 2013, p. 263).

57 Martins, 2013, p. 238.

58 Corrêa regista «a existência de cadafalsos, ou seja, de estruturas efémeras animadas onde se exibiam actores em peças ou episódios temáticos, enquadrados por cenários alegóricos com toda a sorte de objectos e símbolos» (Martins, 2013, p. 246).

59 Martins, 2013, p. 303.

60 Ortego Gil, 1996, p. 145.

61 Canc. III, 305 (Duarte da Gama a Joam Gomes d’Abreu), vv. 7-10: «Vossa pendença fareis / como fez El-Rei Rodrigo, / mas em moimento vivo / com cobra nam entrareis».

62 Com efeito, «toda a tradição impressa, até hoje, liga-se à versão publicada em 1587, como se ela fosse digna de fé» (Azevedo Filho, 2002, p. 115).

63 Cf., nos vv. 47-63 do Filodemo, a sua apaixonada descrição d’«o mais estremado cão / que nunqua matou veado».

64 «Galo, em vez de gato pode ser erro de leitura, mas também variante, como se vê do trecho de Gaspar Corrêa» (Vasconcelos, 1934, p. 23, n.).

65 «Hoc tantum habemus in scriptis antiquorum, quod quoddam basilisci genus ab ovo generatur, quod gallus decrepitus et senescens ediderit», diz Thomas de Cantimpré, 1973 (De avibus, § 57), p. 205. Veja-se a tradução deste passo por Zamora, 2009, pp. 247-251. As fichas essenciais em torno à formação da lenda do basilisco estão reunidas em Bueno Sánchez, 1978; Moure, 1999; Borniotto, 2004-2010.

66 Borniotto, 2004-2010, p. 25.

67 De natura animalium 3, 31.

68 Pode, como veremos, sobreviver, posto que antes se alimente de ruda. Numa ilustração atribuida a Wenceslas Hollar, uma doninha, representada na hora em que está a lutar com um basilisco, aparece envolvida num ramo de ruda.

69 Bueno Sánchez, 1978, p. 69. Na opinião deste autor, «el habitáculo del basilisco sería un huevo de áspid robado por el mismo sapo incubador» (Moure, 1999, p. 195).

70 Tradução de fray Vicente de Burgos (1529): veja-se Sánchez González de Herrero, 2008.

71 Plínio, nat. hist. 8, 77-79 e Isidoro, Et. XII 4, 6-9; veja-se Moure, 1999, pp. 192-193.

72 Pelas proprietades terapêuticas atribuidas à ruda ver Aristóteles, Problemata 20, 34.

73 Bartolomeo Ânglico, 1494, Libro XVIII, cap. 14.

74 Bueno Sánchez 1978, pp. 72-73.

75 Bueno Sánchez 1978, p. 74, n. 41.

76 Dioscórides, 1555. Ver Dubler, 1955, p. 609.

77 Aldrovandi, 1640, pp. 361-376.

78 Bueno Sánchez, 1978, p. 75.

79 Prov. 23: 31, 32; Is. 29.

80 Bueno Sánchez, 1978, p. 76.

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Para citar este artículo

Referencia electrónica

Maurizio Perugi, «O basilisco e a «pena do saco» no texto impresso do Filodemo de Camões»Criticón [En línea], 134 | 2018, Publicado el 20 diciembre 2018, consultado el 09 diciembre 2024. URL: http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/criticon/4874; DOI: https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/criticon.4874

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Autor

Maurizio Perugi

Maurizio Perugi es Catedrático Emérito de Filología Románica de la Université de Genève. Entre sus publicaciones destacan las ediciones críticas de Arnault Daniel (Firenze, 2015), de la Vie de Saint-Alexis (Genève, 2014) y del Laudario perugino (Perugia, 2011). Es autor de varios ensayos sobre la Edad Media y la época moderna (trovadores occitanos, Roman de Renart, Dante, Petrarca, Camões, Pascoli y Fernando Pessoa / Ricardo Reis). En colaboración con Barbara Spaggiari, ha publicado los Fundamentos da crítica textual (Rio de Janeiro, Lucerna, 2004). Ha colaborado asimismo en varios de los volúmenes del Comentário a Camões, editados por Rita Marnoto (Coimbra-Genève, CIEC-CEL, 2012-2016). Dirige Filologia e Literatura, revista del «Centre International d’Études Portugaises de Genève» (CIEP).
mperugi@bluewin.ch
Centre International d'Études Portugaises de Genève, C.P. 3103 - 1211 Genève 1 (Suisse).

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