1A evolução da organização espacial do quadro urbano brasileiro na última década é marcada pela ampliação e adensamento das redes técnicas no território. Embora concentradas no litoral, quando se considera a densidade, o tamanho dos centros e a localização dos principais nós difusores da rede de cidades, as contingências dessa organização altamente centralizada são percebidas em mudanças na divisão territorial do trabalho, decorrente da descentralização produtiva e acentuação das desigualdades espaciais (IBGE, 2010b). Nesse contexto, as redes, apesar de percebidas como indutoras do desenvolvimento, trazem consigo o peso de um processo seletivo de lugares que reforça a hierarquia dos centros urbanos do país em negligência de lugares sem potencial para participar das lógicas de geração de riqueza.
2A primeira década do século XXI no país se encerra marcada pela crescente importância dos fluxos de informação, decorrente da instalação das redes de internet no território, processo que não foi sobremaneira uniforme, reforçando antigas ou criando novas centralidades. As consequências significativas na organização do território são, a princípio, mudanças nas áreas de influências das cidades e reforço da hierarquia nacional clássica, pela concentração dos nós metropolitanos. O exame das estruturas e das dinâmicas espaciais das redes de comunicação por internet se preocupa com a repartição dessas redes entre os lugares precisamente pelo seu caráter indutor da diferenciação espacial, já que são formadas por diversos dispositivos de interconexão dependentes de um macrossistema técnico, científico e informacional.
- 1 Sinergia é o valor agregado resultante da interação entre os elementos presentes no meio (CASTELLS, (...)
3No Brasil, a influência dessas redes sobre a transformação espacial de cidades e regiões resultou da demanda por uma comunicação em tempo real e dos objetivos da integração do território, que se deu mediante a implantação dos serviços privados de transmissão de dados. Emergiram, assim, novas formas de distribuição e concentração das instâncias da produção, da distribuição e da gestão territorial pela ligação de cidades selecionadas, uma modernização excludente da maioria da população (DIAS, 1995 apud SANTOS e SILVEIRA, 2001, p. 78). Portanto, não teriam essas redes de comunicação por internet, plenas de “sinergia”, uma configuração socioespacial própria e uma hierarquia urbana particular? 1
4A leitura das formas das redes é variada e reveladora das estruturas dos territórios, se consideradas como componentes essenciais do espaço. As redes que articulam diversas malhas territoriais podem ser analisadas pelo modelo de Christaller (1933) e sua teoria de lugares centrais, que tem base hexagonal com eixos triangulares. Um segundo modo de leitura é o da rede em “hubs and spokes”, feita de nós que desservem um grande número de centros e de vértices ligados a um nó ou hub, pois dele dependem para suas trocas com outros centros e territórios. Segundo Dunlop (2009, p.44) esse é o modelo de rede que mais tem se afirmado no contexto da Globalização, que se replica na organização da topologia da internet brasileira.
5Em um esforço para identificar o trabalho empírico sobre a organização de redes inteiras, Provan et al. (2007) realizaram uma extensa revisão da literatura, pela qual atribuíram a possibilidade de tipos diferentes de pesquisa de rede. Os pesquisadores observaram que é possível optar pelo estudo do impacto das dinâmicas e estruturas de redes numa perspectiva que concentra-se, em particular, na densidade, centralização e na existência de sub-redes. Os diferentes padrões de rede se diferenciam em sua forma, em geral, pelas estruturas do passado, que exercem efeitos mais fortes sobre o desempenho do que os atuais, já que o tempo pode modificar o fluxo da rede pela densidade ou mudança de centralização dos diferentes níveis de desenvolvimento do sistema (PROVAN et al., 2007, p. 502). Desse modo, a organização atual da rede é altamente dependente da formação das estruturas essenciais e dinâmicas de expansão, fazendo necessário avaliar o desenvolvimento do conjunto do sistema ao longo do tempo.
- 2 Para a análise espacial foram recolhidos dados referentes ao acesso à internet em todos os municípi (...)
6Como resultado de análise espacial das redes de internet no Brasil (GIRARDI, 2013), construímos um modelo gráfico da sua organização no território nacional pela transcrição geométrica da informação geográfica contida em dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010a) e da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL, 2012).2 De modo a compendiar os resultados dos diversos mapas que serviram de instrumento à análise espacial, optamos pela construção de um modelo, ou croqui de síntese, por ele possuir critérios que auxiliam na formulação do pensamento de pesquisa, implicados por escolhas das informações a serem consideradas, das modalidades de representação e das repartições espaciais que melhor evidenciam a organização do território.
7Por ser uma construção intelectual, o modelo é uma ferramenta de compreensão do mundo pela capacidade de análise dos territórios pelas lógicas que o compõem. Segundo Théry (2004, p. 179), o processo de análise da Modelização Gráfica é dedutivo de construção progressiva, que se inicia pela detecção das estruturas fundamentais do espaço, resultando num modelo teórico e complexo, que deve ser confrontado com a realidade.
8A modelização gráfica ou “coremática” foi originalmente proposta por Brunet (L'espace géographique, 1980), um método que distingue os elementos básicos da organização territorial por uma linguagem gráfica, capaz de avaliar a totalidade dinâmica do espaço pela composição de suas partes e as relações entre elas. Por meio dos “coremas” (Imagem 1) as estruturas espaciais são transcritas em formas geométricas simples, um modo formalizado de realizar uma leitura do espaço pela combinação de sete lógicas de controle ou dominação do espaço: malhas, redes de ligação, gravitação, contato, tropismo, dinâmica territorial e hierarquia. Cada lógica é interpretada por modos de representação básicos da Cartografia: pontos, linhas, áreas e redes.
9Um modelo gráfico da organização territorial de uma rede complexa, cujas estruturas fixadas ao território não dão conta da sua totalidade dinâmica, deve considerar a representação da sua realidade conexa e topologia informacional, o que sugere a necessidade de traduzir essas espacialidades da rede por meio dos coremas. A representação da internet no território, considerando sua estrutura informacional, tem na coremática possibilidades de análise justamente porque trata-se de um método de construção elaborada, de síntese e abstração, fundamental na apreensão e estudo de redes.
10A representação das espacialidades reticulares da internet, dos fluxos e das interações contêm outra complexidade. Traduzir as lógicas estritamente territoriais para lógicas híbridas, cujas dinâmicas espaciais se fazem de métricas topográficas que dão suporte a métricas topológicas, é um campo aberto mas pantanoso, que exige profundidade em questões amplas. Um exemplo de tradução de lógicas espaciais territoriais para reticulares foi pensada por Ebersold e Marchand (2009) no estudo da internet na China, a partir do ponto de vista de defesa do território (Imagem 2).
Imagem 1. Os 28 coremas segundo Roger Brunet (1980).
Fonte: Dutenkefer, 2010, p. 107.
Imagem 2. Tradução das lógicas espaciais para lógicas ciberespaciais
Fonte: EBERSOLD e MARCHAND, 2009. Tradução nossa.
11Para pôr em evidência as diferenças entre as lógicas de organização territorial e da internet, os autores (EBERSOLD e MARCHAND, 2009) utilizaram coremas numa tradução do que eles chamaram de “espaço real”, que seria o território, e do “ciberespaço” ou “espaço virtual”, que seria a realidade conexa da internet. Nessa leitura da gestão da internet pelo Estado chinês se observa que ela se deu sob lógicas semelhantes a estratégias territoriais, e foi organizada de modo que se tornasse a principal alavanca para o país emergir como uma potência mundial, mas que também preservasse a soberania nacional. Essa tradução serve de referência para construir uma visão da internet sob o ponto de vista da sua organização no território.
12Assim, com base em mapas coletados sobre a internet no país, sobretudo no Atlas Nacional do Brasil (IBGE, 2010b) e elaborados na dissertação de mestrado sobre o tema (GIRARDI, 2013), bem como no estudo de Motta (2012) sobre a topologia da internet no Brasil, propomos um modelo gráfico da organização da internet no território nacional, formado por um subconjunto selecionado e intuído das estruturas fundamentais de base territorial e informacional que mantém o funcionamento da rede no país e das dinâmicas da evolução dos acessos e da capilaridade da internet no Brasil no período entre 2007 e 2012.
13O primeiro passo para a construção do modelo é abstrair o contorno do território para construir graficamente o “discurso” da sociedade sobre aquele espaço. Desse modo, transformamos num simples quadrado, o que exige reflexões sobre a posição dos objetos e da divisão territorial, além de assim ser possível realizar comparações com outros modelos territoriais (Imagem 3).
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Imagem 3. Generalização da malha
Fonte: GIRARDI, 2013.
15Há um conjunto de equipamentos que compõe a infraestrutura de base da internet, formado tanto por aqueles de telecomunicações quanto os de informática. A arquitetura da internet é formada, sumariamente, por três camadas: a infraestrutura de telecomunicações (camada da rede física), a infraestrutura de internet (camada da rede de transporte) e os padrões de aplicação (camada da rede de aplicação). A camada da rede física é a infraestrutura de telecomunicações fixada nos territórios pela qual passa todo o tráfego de dados, que podem ser transmitidos por uma gama de redes: fios telefônicos, fibra ótica, satélites, microondas. A segunda camada é dos padrões e serviços técnicos formadores da linguagem que faz a internet funcionar e tomar forma, entre os fundamentais o TCP/IP (Transmission Control Protocol / Internet Protocol), o DNS (Domain Name System) e o SSL (Transport Layer Security). A camada da rede de aplicação se refere aos conteúdos e padrões de aplicação, que são propriamente as linguagens gráficas da “web”.
16O nível mais básico da internet é o backbone, formado essencialmente de ligações de fibra ótica, uma rede bem localizada no espaço, por onde o fluxo informacional circula. O backbone possui uma lógica hierarquizada de interconexão, que privilegia os nós centrais e metropolitanos. Anexadas a essa estrutura-base, outras redes de transmissão distribuem até os usuários (a “última milha”) os pacotes de dados, entre as quais a rede telefônica. A rede de backbone brasileira é composta por redes acadêmicas e privadas das empresas que atuam no país no mercado de longa distância, realizando ligações por cabos óticos terrestres e submarinos.
- 3 Para identificar a topologia do backbone, o autor (MOTTA, 2012) coletou as informações no Atlas das (...)
17A topologia do backbone de internet no Brasil se organiza em torno de alguns nós principais (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba), os hubs do eixo maior, que são ligados a spokes de eixos secundários (Uberlândia, Brasília, Salvador, Porto Alegre), que dependem dos hubs, mas também assumem uma posição central pois desservem conexão a outros vértices. Segundo Motta (2012, p. 24), a rede de backbone brasileira se constituía, em 2009, de 243 nós, correspondentes tanto ao ponto de presença da rede de cada empresa quanto ao município onde se localiza, perfazendo 565 pares de ligações, podendo haver ligações redundantes caso diferentes empresas liguem o mesmo par de municípios.3
18O backbone brasileiro possui mais de duas centenas de nós, mas são poucos aqueles que são mais centrais, de grande importância pelas ligações que perfaz na rede. São Paulo é o nó central principal, um hub com 73 ligações diretas, o maior grau do território (MOTTA, 2012). Sua robustez em processar altas quantidades de dados atinge seus intermediários diretos que são também hubs da rede nacional, seguido por Rio de Janeiro (48), Belo Horizonte (43), Curitiba (37) e Brasília, com 29 ligações diretas. Esses são os nós mais centrais da rede, os maiores núcleos em volta dos quais o restante dos nós tendem a tomar uma forma circular. Os nós com poucas ligações mas com um vínculo direto aos nós centrais têm posição secundária na hierarquia, como Uberlândia e Porto Alegre (MOTTA, 2012).
19A rede concentra esses nós sobretudo na região Sul e Sudeste, mas também no Nordeste, em relevo Fortaleza, Recife e Salvador, nós equivalentes a Goiânia e Florianópolis. Numa posição menos central, no Nordeste ainda há um nó de relevo à rede nacional, Maceió. Sobretudo no Norte, mas também a maior parte do Nordeste e Centro-Oeste, os nós estão isolados e interconectados por ligações frágeis, pois são pontas da rede: a hierarquia dos nós é determinada pela hierarquia das arestas, e vice-versa. A hierarquia da rede foi ordenada em seis classes (representada pelas variáveis visuais tamanho e cor), tanto as arestas segundo o número de ligações entre os nós, quanto propriamente os nós, de acordo com a quantidade de arestas que se conectam a cada um (Imagem 4).
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Imagem 4. Grafo e hierarquia dos nós e das arestas
Fonte: GIRARDI, 2013.
21Segundo o estudo de Motta (2012), em 2009 havia um total de 565 pares de ligações, o que revela quais são os nós centrais na rede pela conexidade das arestas. O caso mais exemplar é Curitiba, que apesar de ser um nó com menos ligações diretas do que Belo Horizonte, tem posição mais central na rede porque possui mais ligações com São Paulo do que a capital mineira. Belo Horizonte é um vértice de passagem entre as regiões Sudeste e Nordeste de um lado e o Nordeste e o Centro-Oeste, de outro (MOTTA, 2012).
22Para realizar todas essas ligações, o backbone é formado não apenas de fibra ótica, mas de equipamentos informáticos com funções específicas que permitem a circulação dos dados, notadamente os roteadores, instalados nos nós de cada backbone para realizar a comutação de pacotes de dados. Esses roteadores promovem um sistema autônomo e criam a infraestrutura necessária para a interconexão direta entre as redes que compõem a internet brasileira. Eles são chamados de Ponto de Troca de Tráfego (PTT), instalados nas regiões metropolitanas que apresentam grande interesse de troca de tráfego de internet, permitindo uma interligação de pontos de interconexão de redes (PIXes), comerciais e acadêmicos, de forma centralizada.
23Esses pontos se apoiam numa grande infraestrutura que acomoda tanto as plataformas para a realização da troca de tráfego entre os diversos backbones, como os equipamentos dos maiores provedores de infraestrutura de acesso, assegurando uma conectividade massiva, aliada a uma disponibilidade ainda maior destes serviços de acesso através da presença de rotas redundantes. A instalação dos PTTs permitiu não somente a integração das redes, como uma evolução nos serviços de internet no país. Esses equipamentos não são apenas um suporte pelo qual o usuário dispara/inicia todo e qualquer fluxo informativo, mas são os lugares onde acontece toda a captação, organização, processamento e distribuição dos fluxos de informação.
24Por isso, não por acaso, é junto aos PTTs onde são instalados os Centros de Processamento de Dados (CPD) (Data Center, em inglês), formados por equipamentos de processamento e armazenamento de dados de uma empresa ou organização. A localização dos CPDs no Brasil coincide com a localização dos PTTs, sendo aqueles com maior robustez localizados nos principais hubs e spokes da rede de backbone brasileira. Os CPDs representam um fator estratégico para um país, já que a tarefa de reunir e processar fluxos de informação geram riqueza ao território onde são agregados e processados. O fluxo informacional circula de acordo com a hierarquia da rede e as rotas escolhidas pelos pacotes de dados se baseiam nos PTTs, que funcionam interligados aos CPDs, onde toda a informação circulante é armazenada.
25O core da espacialidade territorial da internet reside no backbone, mas também nos protocolos de interconexão que permitem a integração dos equipamentos. Todas essas infraestruturas formam as “redes-suporte” das “redes-serviço”, pois permitem a computadores e dispositivos compartilharem informações, arquivos e recursos. O compartilhamento de dados se dá sobre estruturas fundamentais da internet que suportam a interconexão informacional, formada por protocolos.
26O mais elementar desses suportes informacionais é o padrão TCP/IP, que é em si a tradução do caráter híbrido da internet. Formado por um conjunto de protocolos, é um modelo de cinco camadas que perpassa por todas as estruturas da rede, desde a física, como nos modens e no USB, até aquela mais próxima do usuário, a interface com a web, como a camada de aplicação HTTP (HyperText Transfer Protocol Secure). O TCP/IP não tem necessariamente uma localização, pois está em todos os lugares que a rede passa já que faz parte de todo o conjunto da internet. Ele é a espinha dorsal informacional da rede.
27Com a utilização dos protocolos TCP/IP os computadores passaram a identificar-se na rede mundial através de endereços numéricos, porém, para facilitar a identificação a solução foi designar nomes para os computadores. Os “nomes de domínios” permitem o acesso um website, identificado por esse endereço armazenado em um servidor. A informação da localização destes servidores está em um servidor chamado DNS. Esses servidores permitem estabelecer a correspondência entre o nome de domínio e o endereço IP das máquinas de uma rede. Castells (2003) afirma que a localização desses servidores evidencia a “geografia econômica” da internet, o que pode ser verdade no Brasil, a julgar pela localização dos DNSs.
28Além do domínio e de todas as aplicações que permitem a web funcionar, as estruturas de base informacional são formadas, notadamente, pela própria informação. Não há divulgação do tráfego nas redes privadas, mas a RNP divulga, com atualizações diárias, a quantidade de fluxo que processa o seu backbone, segundo cada nó. O tráfego se concentra em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná, com alta preponderância nos três primeiros: em torno de 15G, 9G, 6G e 3G, respectivamente.
29Essas são as estruturas fundamentais de base territorial e informacional da internet, o que mais caracterizam a internet como uma rede híbrida, feita de uma infraestrutura macrotécnica que a suporta e dos fluxos que a contém, ambos os aspectos que colonizam os territórios com informação. Essas formas e conteúdo nos serviram para construir os primeiros coremas, que buscam representar a complexa base estrutural dessa rede. Os próximos coremas têm uma ampla significação, pois buscam sintetizar os baricentros dos fluxos segundo as estruturas espaciais de base territorial e também as informacionais. Baseamo-nos nos índices de centralização – proximidade e intermediação – da rede de backbone, que incrementa a análise do grafo (MOTTA, 2012). O nível de centralização da rede identifica os nós com o acesso mais rápido e direto para troca do tráfego, e exclui as pontas, os nós mais periféricos.
30Os índices avaliam cada nó individualmente em relação ao conjunto da rede. O índice de proximidade é calculado pela distância total de cada vértice em relação aos demais, ou seja, conta quantos pares de ligações (ou passos) há entre cada parte do grafo, sendo que quanto mais próximo, mais os fluxos chegarão a determinado vértice. O índice de intermediação analisa quanto cada nó está no caminho entre todos os demais, sendo calculado pelas medidas geodésicas (o percurso mais curto entre as partes da rede), sendo calculado pela divisão do número total de caminhos curtos entre todos os vértices.
31São Paulo é o baricentro da rede, sendo mais expressivo seu índice de intermediação em relação aos outros vértices. Curitiba desponta com o segundo nível de centralização, mostrando-se como grande intermediador, explicado por sua forte relação com São Paulo, Porto Alegre e Londrina, que despontam com valores médios em ambos os índices.
32É interessante os casos de Belo Horizonte e Brasília que, em tese, seriam grandes intermediadores, apresentam melhor colocação no índice de proximidade, o que mostra que embora possuam muitas conexões diretas com um grande número de nós, especialmente no Norte e no Nordeste, é o Rio de Janeiro quem centraliza mais essas intermediações (MOTTA, 2012, p. 27). Portanto, identificamos que há centros de atração da rede, além de São Paulo, despontam Curitiba e Rio de Janeiro (Imagem 5).
Imagem 5. Centros de atração
Fonte: GIRARDI, 2013.
33A força de atração da rede se baseia nos nós com alto número de conexões e forte coesão interna. De modo a identificar essas aglomerações, Motta (2012) utilizou o método chamado “k-núcleos”, onde o k permite discernir a coesão de um grupo de vértices, que necessariamente possui vizinhos com o mesmo valor de k. Assim, o método seleciona o subconjunto da rede no qual todos os vértices estão o mais interconectados entre si e nas proximidades. O grau máximo que forma o cerne principal do centro geométrico é de 13 ligações, caso apenas de São Paulo e Rio de Janeiro. Há na rede muitos outros vértices que possuem tantas ou mais ligações, mas apenas essas duas metrópoles atendem ao critério do método, ou seja, haver vértices com o mesmo número de ligações que se conectam a outros vértices semelhantes.
34Assim, a gravitação do backbone encontra-se nesses dois nós, que atraem os fluxos para si e para os nós próximos (Imagem 6). Sobressaem-se também Belo Horizonte e Curitiba, pela forte relação com as cidades do core. Apesar de Brasília apresentar índices de centralização superiores aos de Belo Horizonte, quando retirada a RNP do cálculo, a capital federal perde muitas ligações (de 29 passa a 20), caindo da 5ª para 9ª colocação. Por sua vez, nessa mesma situação, Belo Horizonte passa à segunda posição, demonstrando seu alto potencial de conexão das redes privadas. Já Curitiba não perde muitas ligações sem a RNP, justamente pela sua forte relação com São Paulo, superior à capital mineira na totalidade de redes, o que justifica sua participação no centro gravitacional da rede.
Imagem 6. Gravitação
Fonte: GIRARDI, 2013.
35Além disso, os cabos de ligações internacionais de longa distância são de grande importância ao funcionamento da rede pelo peso informacional, técnico e normativo que coloca sobre os lugares onde se localizam. Na maior parte dos casos essa conexão é via submarina, mas há no país uma ligação internacional terral, interligando Santa Helena na Venezuela por Boa Vista, capital de Roraima, e que se estende até Manaus, capital amazonense. Esta ligação permitiu a troca do satélite pela fibra nessas áreas da região Norte. A Oi, em parceria com os governos brasileiro e venezuelano, foi a empresa que investiu mais de R$ 100 milhões no projeto, entre 2008 e 2010, com extensão de 784km de fibra ótica.
36Quanto aos sistemas de comunicações por cabos óticos submarinos, o Brasil é interligado sobretudo pelas costas nordestina e sudeste, saindo de Fortaleza, Salvador, Rio de Janeiro, Santos e Florianópolis, conforme vemos na Imagem 7. No Rio de Janeiro há mais ligações internacionais, o que eleva em sobremaneira o peso da cidade na rede nacional. Além dos cabos que estão em São Paulo, o Rio é conectado também pelo Atlantis 2, fruto de um consórcio liderado pela Embratel, que também se conecta a Fortaleza.
Imagem 7. Portas ao tráfego internacional
37Fonte: GIRARDI, 2013.
38Essas estruturas físicas mais fundamentais ao funcionamento da internet somam-se às redes de transmissão, que permitem a capilaridade do acesso à última milha. A repartição dos tipos de tecnologias de acesso à internet no Brasil foi analisada em mapas temáticos da taxa geométrica da evolução dos acessos à banda larga fixa no período entre 2007 e 2012. Foi possível observar nos mapas as regiões onde cada um dos tipos de tecnologias de acesso à internet tem maior predominância, segundo o peso dos acessos efetivados (GIRARDI, 2013).
39Apesar de não ser a rede mais desenvolvida do país (a que tem mais capilaridade é a rede elétrica), a rede telefônica (por meio da tecnologia DSL ou Digital Subscriber Line) é aquela que efetiva mais acessos à internet (9.971.554 em 2011), predominante em todas as regiões, como podemos observar na Imagem 8, com exceção do Norte, onde a rede de telefonia fixa é escassa. O satélite (164.839 acessos em 2011) é a tecnologia que têm suprido essa falha, justamente pelo seu caráter ubíquo, potencialmente leva conexão a todos os lugares. O cabo é a segunda tecnologia com mais conexões efetivadas (4.151.368 em 2011) pois se localiza nas regiões metropolitanas. Em São Paulo a tecnologia Cabo se localiza para além da RMSP, pois é capilarizada no interior, o que faz essa área se sobressair na escala nacional.
40A fibra ótica foi a tecnologia que mais cresceu entre 2007 e 2012, efetivando pontos da rede por todo o território nacional (227.572 em 2011), mas ela é mais rarefeita no Norte e no Centro-Oeste. A concentração dos acessos via fibra é tamanha na região Sudeste e nas regiões metropolitanas, mas eles se distribuem também ao longo do litoral, de Sul a Nordeste, para onde houve o maior avanço nos últimos anos, considerando o peso das ligações do backbone nessa área. A rede de fibra se estende com robustez de Porto Alegre a Fortaleza, beneficiando também algumas áreas interiores do território.
41O rádio, terceira tecnologia em números de acessos (872.459 em 2011) pode ser caracterizado como a rede que preenche lacunas, por isso optamos em representar desse mesmo modo as regiões onde o rádio apresenta as maiores taxas internas. A principal característica do rádio é que ele se localiza contingente a centros regionais, mas em áreas sem infraestrutura física de redes de transmissão. Ele se instala em áreas onde não há instalações de redes de cabos, mas ao mesmo tempo possuem uma antena de transmissão de microondas nas proximidades.
Imagem 8. Regiões das redes de transmissão
Fonte: GIRARDI, 2013.
Na evolução da rede urbana brasileira na última década, houve a predominância de doze centros que reforçam sua atuação e se mantêm como as principais centralidades da rede do sistema urbano brasileiro, desde 1966: no topo, São Paulo e Rio de Janeiro, mas também figuram Brasília, Salvador, Belo Horizonte, e também Manaus, Belém, Fortaleza, Recife, Curitiba, Porto Alegre e Goiânia (IBGE, 2010b). Com grande concentração populacional e amplas áreas de influência, as metrópoles são os pontos preferenciais de convergência das redes urbanas, em especial as de comunicações, que incluem aquelas de transporte, energia e telecomunicações, apresentando forte relacionamento entre si (IBGE, 2010b).
42Pelo papel de elo e meio de comando das atividades econômicas externamente localizadas aos lugares, as redes de comunicação participam da “função de gestão territorial”, pois permitem a concentração da maior parte das sedes das corporações na metrópole, esta que se torna centro de gestão do território, isto é, “onde se dá a gestão do processo de criação do valor e criação, circulação e apropriação da mais-valia em amplo espaço geográfico” (CORRÊA,1996, p. 68). A uniformidade ou a dispersão das estruturas de internet pelo território são indicadores extremamente importantes da vida socioeconômica de um país.
43O “poder” de fragmentação socioespacial dessas redes é tamanho que, mesmo se considerarmos somente as áreas urbanas, as variáveis socioeconômicas analisadas também revelaram que as dimensões das desigualdades existentes no país atingem todas as escalas espaciais, sendo internas às metrópoles e aos lugares mais urbanos e desenvolvidos. O problema do papel da comunicação na organização do espaço se refere ao crescimento exponencial dos meios e das práticas de comunicação à distância, que coloca em relevo a evolução da relação das sociedades com os espaços, a modificação das tecnologias à distância e as mudanças de “esquemas clássicos” de diferenciação entre as “dimensões escalares” do espaço (EVENO, 2003, p. 183).
44Os agrupamentos ou coalescências, apoiado nas lógicas de organização do espaço e na “teoria de lugares centrais” de Christaller (1981), permitem verificar que, dentre os tipos de repartição – de proximidade, fluxo ou cobertura (REYMOND, CAUVIN e KLEINSCHMAGER, 1998, p. 255). A realidade do território brasileiro é caracterizada por uma repartição de fluxo, em que a rede se distribui por onde a informação circula. Raffestin (1993, p. 200) há muito afirmou que “o movimento da informação comanda a mobilidade dos seres e das coisas”, que é justamente essa natureza informacional o que faz dessas redes um dos trunfos do poder.
45O poder se instaura, assim, no controle do território por meio dos fluxos de informação, que necessitam de enormes quantidades de energia para circular. De acordo com Santos (2002, p. 268), no processo global da produção, a circulação prevalece sobre a produção, definindo o próprio padrão geográfico, pois detém o comando das mudanças de valor no espaço por meio dos fluxos, pois não basta produzir, tem que pôr a produção em movimento: “em realidade, não é mais a produção que preside à circulação, mas é esta que conforma a produção” (SANTOS, 2002, p. 274-275).
46Uma diferenciação entre os lugares é consequentemente criada pelo arranjo espacial dos modos de produção particulares, já que a evolução do espaço é, ao mesmo tempo, efeito e condição do movimento de uma sociedade global (SANTOS, 2002). Neste contexto, a comunicação e a circulação se tornam bases da diferenciação geográfica, pois produzem não uma uniformização entre os espaços que entram em contato por meio das redes, mas uma diferenciação especial que estabelece uma “hierarquia entre os lugares” (SANTOS, 1979 e 2002). Assim, traduzir em coremas essas dinâmicas essenciais da implantação da internet no Brasil deve figurar precisamente o contraponto entre as áreas privilegiadas do fluxo informacional e os opostos, onde a rede é dispersa e inexistente.
47Segundo Motta (2012), a rede de backbone no Brasil apresenta uma elevada robustez a despeito da sua centralização, pois há uma diversidade de caminhos alternativos do fluxo informacional, formados pelas principais metrópoles, mas também cidades de médio porte importantes na hierarquia urbana. Assim, as conexões preferencias da rede pode ser interpretada pela densidade de acessos à internet, que é o conjunto constituído pelos núcleos das grandes áreas metropolitanas do país, o que replica muito à hierarquia urbana brasileira, apesar da topologia da rede ter trazido modificações muito significativas dessa hierarquia segundo o estudo de Motta (2012), a exemplo o caso de Brasília, que não se mostrou um dos nós mais importantes nem um papel intermediário relevante na rede, a despeito da sua alta centralidade na gestão territorial, por ser a capital administrativa do país, mas pela alta densidade de acessos.
48Ao contrário de Brasília, Aracajú ganha certo status no estudo da topologia da internet no território, o que indica a relevância dos nós das capitais nordestinas na rede nacional, apesar da rede regional ser desintegrada no interior. Em menor escala nesta região está Fortaleza e, depois, Recife, o que altera a hierarquia urbana tradicional em densidade populacional ou mesmo densidade de acessos à internet. A principal ponte de ligação é Salvador, maior intermediário da região e que figura entre os 10 municípios com maior número de acessos à internet, os quais representam quase 50% do total de acessos de todo o país. Pela significação no k-núcleo e na densidade dos acessos, essas capitais são determinantes na robustez do backbone e do processamento do fluxo informacional, apesar de estarem frouxamente integrados na própria região. É uma réplica da hierarquia urbana tradicional, mas as nuances são alteradas segundo a organização das estruturas da rede.
49Em oposição a essas áreas privilegiadas do fluxo informacional, pudemos observar nos mapas temáticos realizados com base nos dados divulgados pela Anatel (GIRARDI, 2013) as áreas com baixa densidade de acesso ou baixa diversidade tecnológica, muitas vezes concentradoras de municípios sem registro, isto é, aqueles que nem sequer constam na base de dados da Anatel. Isto é um fato muito significativo da “exclusão digital” que algumas regiões sofrem no país. Figuram entre elas extensas áreas do Amazonas, Pará, Roraima, Amapá, Piauí, Maranhão e Tocantins, além de áreas contíguas ao centro da rede, como o norte de Minas Gerais e partes do Rio Grande do Sul.
50Nessas áreas-problema (Imagem 9), a conexão somente será possível de efetivação por custosas ligações da rede, dada a falta de serviços nos municípios, mas principalmente por serem áreas despovoadas ou de baixa renda, o que praticamente inviabiliza o acesso. Outro indício é também a utilização do satélite e do rádio nessas áreas, o que reafirma a baixa densidade técnica, sobretudo no caso do satélite, notadamente no Amazonas, ou ainda áreas cujo próprio meio físico é uma barreira à conexão.
Imagem 9. Áreas-problema
Fonte: GIRARDI, 2013.
51Considerando mapas da taxa de crescimento geométrico dos acessos à internet por cada rede de transmissão e também pelas prestadoras de serviços, realizados com dados da Anatel (2007 a 2012), observamos os eixos de propagação nesse período (Imagem 10). O eixo de mais forte é da Região Concentrada à Centro-Oeste, sobretudo no Mato Grosso onde é o foco da frente pioneira agroindustrial, que induziu a expansão da internet na região, notadamente nas áreas onde municípios foram criados em decorrência da produção de soja.
52Outro eixo de propagação observado nos mapas é em direção ao Norte do país, acompanhando o crescimento do acesso pela rodovia Brasília-Belém e pela polarização localizada na divisa do Tocantins e do Pará, sobretudo nas localidades desservidas de aeroportos (Araguaína, Imperatriz e Marabá). Um terceiro eixo foi observado pela ampliação da rede de fibra ótica no Nordeste, realmente onde houve a maior concentração de áreas com aumento a esse tipo de acesso, apesar disto não significar que lá haja boa qualidade de conexão ou distribuição do acesso, pois esse alto crescimento se deu pelo fato de que até 2007 esses lugares não haviam sequer um acesso.
Imagem 10. Eixos de propagação
Fonte: GIRARDI, 2013.
53De modo a ressaltar as áreas onde houve a evolução ou a regressão do acesso, recorremos à simples implantação pontual. Baseamo-nos sobretudo nos cálculos da taxa de crescimento dos acessos, cuja espacialização sintetiza essa evolução/regressão da rede. Apontamos as áreas dos extremos negativos e positivos, que não por acaso coincidem, respectivamente, com as áreas-problema (região Norte) e aos eixos de propagação. Nos pontos de evolução, eles se localizam próximos aos elos da rede, orientando ao entendimento de que a proximidade também influencia na repartição dos objetos da internet (Imagem 11).
54Apresentamos a seguir um quadro-síntese dos coremas construídos (Imagem 12) e o modelo gráfico final (Imagem 13). Sua validade puramente gráfica sintetiza a visão que obtivemos da internet ao longo da realização da pesquisa, fortemente embasado nos resultados que conseguimos alcançar. O modelo tenta traduzir justamente a oposição entre as áreas privilegiadas do fluxo informacional e aquelas onde ele é contingente, reforçando ainda mais a hierarquia entre os lugares. Por fim, transcrevemos os coremos no fundo territorial do Brasil de modo a auxiliar a localização da informação no mapa naturalizado do país (Imagem 14).
Imagem 11. Evolução/regressão pontual dos acessos
Fonte: GIRARDI, 2013.
Imagem 12. As estruturas fundamentais e as dinâmicas essenciais da internet no Brasil (2012).
Fonte: GIRARDI, 2013.
Imagem 13. Modelo gráfico da organização da internet no território brasileiro (2012).
Fonte: Elaboração própria. Ludmila Girardi, 2014.
Imagem 14. Mapa da organização da internet no território brasileiro (2012).
Fonte: Elaboração própria. Ludmila Girardi, 2014.
55A organização da internet no território brasileiro é marcada pela deformidade no acesso, disperso e rarefeito nas áreas rurais e periféricas das cidades, a não ser em lugares cuja economia atraiu as novas exigências de especialização em informática no contexto da reestruturação produtiva do capital. O campesinato e a população do interior do país são colocados à margem do processo de difusão dessas novas tecnologias, excluídos do fenômeno da sociedade da informação e expansão da infraestrutura.
56As dinâmicas socioespaciais são contingências da implantação da infraestrutura da internet, que determina a forma da rede e as interconexões dos fluxos. A organização do território é desigualmente repartida, uma centralização que é acentuada pela rede e sua carga normativa, técnica e informacional, dando a esses espaços a função de controle e comando. O fluxo da informação de todo o território prefere circulas pelos principais nós, exigindo incessantemente mais “largura de banda”, num círculo que se retroalimenta. As pontas da rede ficam à margem dos investimentos em infraestrutura territorial e informacional.
57É evidente que existe uma “hipercentralidade” da internet, não só no contexto nacional mas mundial, um processo de centralização que alarga de tal modo a periferia que a recobre quase totalmente (BEAUDE, 2012, p. 102). A hipercentralidade se traduz mais pela concentração do que pela dispersão, porque a internet, por coalescência, tende a concentrar o essencial das práticas em um número muito limitado de espaços, gerando fortes exceções territoriais. Assim, a organização do território sob a égide da informação deve considerar um planejamento da “cidade digital”, o que supõe aceitar a complementaridade inerente do caráter híbrido da rede e sua hibridização com o território.
58Reverter essa lógica seria o ideário para almejar a robustez e a capilaridade da rede até a última milha, pois a concentração retira o pressuposto técnico da internet, que tem uma estrutura descentralizada. A rede deveria permitir a informação circular sem entraves, já que para ser eficiente deve fazer circular a informação sem hierarquias (MUSSO, 1997 apud BEAUDE, 2012, p. 84). Portanto, seria essencial o Estado brasileiro atentar-se a uma gestão dos fluxos no território, capaz de agilizar a circulação e a troca de informações entre governos e sociedade nos espaços de produção de políticas públicas digitais.