1Segundo os dados do Projeto de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (PRODES), até 2011, aproximadamente 19% das áreas de floresta da Amazônia Legal foram convertidas em outro tipo de cobertura (INPE, 2011). Esta conversão tem fortes impactos ambientais, seja na biodiversidade, no ciclo da água e no aquecimento global, mas também está relacionada a problemas sociais e econômicos, como conflitos fundiários e baixa produtividade da terra. Em outras palavras, o desmatamento na Amazônia está associado a formas não sustentáveis de desenvolvimento territorial (Margulis, 2003).
2Historicamente, as frentes pioneiras existem no Brasil sem descontinuidade desde a chegada dos europeus. Droulers (2001) mostra com abordagem de geo-história, a construção progressiva do território brasileiro atual, passando por fases pioneiras sucessivas, muitas vezes acompanhadas por uma atividade econômica específica, seja agrícola ou extrativa. Do ponto de visto metodológico, estudos sobre o avanço dessas frentes se iniciaram nas regiões Sul e Sudeste do país onde se concentravam as áreas de expansão do café e da pecuária, conforme Monbeig (1952), Waibel (1955), Deffontaines (1957). A partir da década de 60, a Amazônia brasileira se tornou também alvo desses estudos, devido os programas públicos de colonização (Machado, 1992) e hoje, a Amazônia ainda constitui a principal região pioneira do Brasil, e uma das principais no mundo.
3O desmatamento é o denominador comum no avanço das frentes pioneiras e esta informação está disponível de forma espacialmente explícita para toda a Amazônia brasileira. Podemos identificar e quantificar o desmatamento, anualmente ou mensalmente, pelos sistemas de monitoramento (PRODES) e de alerta (Detecção de Desmatamento em Tempo Real – DETER e Sistema de Alerta de Desmatamento – SAD). Da mesma forma, o projeto TERRACLASS vem gerando informações cartográficas exaustivas em toda Amazônia Legal sobre uso da terra, periodicamente, 2008 e 2010 já foram publicados. Estas informações são extremamente preciosas, sendo referências para os poderes públicos na definição de políticas regionais e nacionais. Porém, considera-se que o seu potencial informativo poderia ser mais explorado, uma vez que se considera apenas a área desmatada em um determinado período e lugar, e esta interpretação simples não possibilita uma compreensão sistêmica do processo de desmatamento.
4Diversos estudos sobre a questão do desmatamento mostram que o problema é complexo, cujos efeitos são localizados e não genéricos (Maia, 2011) e que existem processos diferenciados, próprios a cada frente pioneira (Poccard-Chapuis, 2004). Conforme a localização e a densidade espacial do desmatamento, não se têm as mesmas causas e nem as mesmas consequências na construção territorial. Diante deste postulado, se pretende construir um quadro espacial pertinente para analisar os dados de desmatamento do PRODES, sabendo que o desmatamento constitui um potencial indicador da dinâmica agrária na frente pioneira. Porém, é necessário esclarecer conceitualmente a relação entre os níveis de desmatamento e dinâmica agrária, e também definir uma escala e a unidade espacial adequada de análise.
5Diante deste duplo desafio metodológico, a pergunta central da pesquisa é: Qual é o quadro espacial pertinente para analisar os processos de desmatamento e a dinâmica agrária das frentes pioneiras da Amazônia? A discussão é focada sobre os ensinamentos desta abordagem no que se refere à intensificação agrícola, desenvolvimento de infraestruturas e políticas públicas para promover novos sistemas agrários nas frentes pioneiras com menor impacto sobre os recursos naturais.
6A área de estudo foca o Estado do Pará, localizado na região Norte do Brasil, que compreende 33% da Amazônia legal (1.247.689,52 km2) e está dividido em 144 municípios (Figura 1). Sua população em 2010 era de 7.581.051 habitantes, com um crescimento médio de 50% a cada década, entre os anos 60 e 90, e em torno de 20% nas duas últimas décadas. Neste período também foi observado um processo de urbanização crescente, saindo de uma relação de 40% e 60% entre população urbana e rural, respectivamente, para uma relação inversa 50 anos depois, aproximadamente, 70% e 30% (IBGE, 2011).
Figura 1 – Mapa de localização da área de estudo.
7A malha viária do Estado é constituída de quatro eixos principais que ligam ao centro-sul e ao nordeste do país: a rodovia BR-010 (Belém-Brasília), o eixo das rodovias PA150 / BR-155, ambas situadas na porção leste do Estado, a rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém), na porção oeste, e a rodovia BR-230 (Transamazônica), que corta o Estado no sentido Leste-Oeste. Este território é também composto por um mosaico de áreas protegidas que representa 57% da área total do Estado, distribuídas em 22% em unidades de conservação de uso sustentável, 10% em unidades de conservação de proteção integral, 23% em terras indígenas e 2% em área militar (Veríssimo et al., 2011).
8Segundo os dados do PRODES a área total desmatada no Estado do Pará até 2011 foi de 251.083 km2, ou seja, 34% da área desmatada na Amazônia Legal. Esta área corresponde a 20% da área do Estado e 22% de suas florestas, com um terço deste total (79.705 km2), aproximadamente, desmatado no período de 2000 a 2009. Comparando a média dos incrementos anuais do desmatamento nos períodos de 2000 a 2005 e 2005 a 2011, houve redução do desmatamento em toda Amazônia Legal, mas o Estado do Pará aumentou a sua participação, passando de 33% para 47%. No projeto TERRACLASS observou em 2008 que no Estado do Pará, 65% das áreas desmatadas foram convertidas em pastagens, 5% em um mosaico de atividades diversas em pequenas parcelas agrícolas, 26% em vegetação secundária e apenas 1% de agricultura mecanizada (EMBRAPA e INPE, 2011).
9A abordagem metodológica possui duas vertentes. A primeira visa definir conceitualmente a noção de frente pioneira, sua estrutura e os referidos limites espaciais, possibilitando uma análise cartográfica e dinâmica. A segunda vertente trata de definir os passos metodológicos para construir um quadro espacial de análise do desmatamento, compatível com a representação conceitual das frentes pioneiras.
10Conceitualmente, as frentes pioneiras podem ser consideradas espaços de transições, entre um território em expansão e outro em retração espacial. Na Amazônia brasileira, trata-se da sociedade considerada moderna que está se expandido em detrimento de territórios indígenas ou ocupados por populações tradicionais, como quilombos ou ribeirinhos, num processo que se iniciou a partir da chegada dos primeiros colonizadores (Droulers, 2001). Nestes espaços ocorrem processos dinâmicos e geralmente conflitantes entre os atores, associados a um conjunto de fatores, sejam eles: sociais, econômicos, políticos, ambientais.
11Esta transição pioneira pode ser considerada como a construção de um novo território, integrando a região em expansão e desmembrando do território florestal e dos seus ocupantes tradicionais, avançando e incorporando progressivamente novas áreas e as transformando. (Albaladejo et al. 1996, Coy, 1996; Brunet et al., 1998; Laques, 2003; Poccard-Chapuis, 2004; Becker, 2004, 2005; Théry, 2006; Arvor, 2009).
12Poccard-Chapuis (2004) propôs a partição da frente pioneira em três regiões distintas, chamadas de início, centro e retaguarda, e de duas regiões limítrofes chamadas de ante-pioneira e pós-pioneira. Estas cinco regiões fazem referência ao movimento de avanço e estruturação que a frente pioneira executa no espaço e que se traduz por transformações gradativas. Além disso, essas regiões representam especificidades, tanto com relação a indicadores ambientais, como a proporção de florestas e de recursos naturais, quanto ao desenvolvimento econômico e social, associado à dinâmica do mercado fundiário, a estruturação das redes de comunicação, dos serviços sociais e de acesso aos mercados consumidores.
13Segundo Poccard-Chapuis (2004) na região ante-pioneira é onde ainda não se encontram migrantes, nenhuma infraestrutura e pouquíssimo desmatamento. Já na região de início da frente pioneira, o espaço fundiário começa a ser apropriado por migrantes com o desmatamento localizado geralmente ao longo de pistas precárias ou em áreas isoladas. Na região do centro da frente pioneira, o número de migrantes já é bem mais elevado, todo fundiário é apropriado, os desmatamentos avançam, espalhando-se e se expandindo, com núcleos urbanos e redes viárias se estruturando. Já na região de retaguarda o espaço se encontra amplamente desmatado, os sistemas de produção agrícola são confrontados a um esgotamento dos recursos naturais como fertilidade do solo ou águas superficiais. O asfalto, eletrificação e consolidação das cidades locais como polos de serviços urbanos, anunciam a transição para a região pós-pioneiras, onde as noções de desmatamento já não se aplicam mais. Ao longo desta evolução, o mercado fundiário se aquece gradativamente, e os fluxos migratórios mudam de natureza: pioneiros e desbravadores nas áreas iniciais, investidores e empresários em áreas consolidadas (Figura 2).
Figura 2 – As regiões da frente pioneira e sua relação com os indicadores ambientais, econômicos e sociais.
Fonte: Adaptado de Poccard-Chapuis (2004).
14Outros autores também elaboraram propostas metodológicas de representação espacial da transição pioneira, baseando-se em elementos da paisagem agrícola, do uso e cobertura da terra e do desmatamento. Porém, a classificação de Poccard-Chapuis é a mais simples, tendo como dado primário apenas os dados do PRODES, facilitando assim a interpretação dos resultados.
15Clairay (2005) caracterizou as frentes pioneiras em função dos elementos de paisagem ou das formas de uso e cobertura da terra em áreas de projeto de colonização no Estado do Mato Grosso. Ela avaliou a dinâmica pioneira em função do percentual de vegetação natural, dividindo em seis níveis: dois níveis são chamados de continuidade, que correspondem ao início do espaço pioneiro (100% de floresta) e à saída (100% de desflorestamento); quatro níveis da frente pioneira propriamente dita, o de descontinuidade absoluta (<10% de desflorestamento); o de descontinuidade relativa (<50% de desflorestamento), o de descontinuidade alternada (<75% de desflorestamento), o de quase continuidade (<90% de desflorestamento).
16Num raciocínio similar, De Fries et al. (2004), define estágios de mudanças de uso da terra desde as aberturas das fronteiras até sistemas intensivos, chamados de pré-colonização, ocupação, consolidação, estabilização e intensificação. Esses estágios são identificados pela proporção relativa dos seguintes componentes da paisagem: floresta, desmatamento, agricultura de subsistência ou de pequena escala, agricultura intensiva, áreas urbanas e áreas protegidas.
17Arvor (2009) e Arvor et al. (2012), representou as frentes pioneiras do Estado do Mato Grosso utilizando o modelo estruturado por De Fries et al. (2004), porém, em função da combinação dos percentuais de quatro classes de uso da terra (florestas ou cerrado, desmatamento, agricultura extensiva e agricultura intensiva). Com isso, ele identificou e mapeou oito estágios de evolução da frente pioneira.
18Rodrigues et al. (2009) classifica a frente pioneira em 7 classes, em função do total e da dinâmica do desmatamento nos últimos anos. Usando como unidade espacial os limites municipais com o objetivo de relacionar essas classes aos indicadores de desenvolvimento humano. Pacheco (2012) adotando os mesmos critérios, adotados por Rodrigues et al. (2009) analisa a relação com os atores, em função do tamanho de propriedades e a principal atividade de uso da terra.
19Foram utilizados unicamente dados secundários, de acesso público, gerados pelo projeto PRODES e, para parte de discussão, os dados do projeto TERRACLASS. Os dados do desmatamento são referentes ao total em 1997, aos incrementos de 1997 a 2000 e aos incrementos anuais de 2000 a 2009 (INPE, 2011), enquanto que os dados de uso e cobertura da terra são referentes à qualificação das áreas desmatadas em 2008 (EMBRAPA e INPE, 2011).
20As classes definidas no PRODES (Motta et al., 2004) foram reclassificadas em 14 classes, as quais representam as áreas desmatadas em 2000, desmatamentos anuais de 2000 a 2009, áreas de floresta, vegetação não florestal, hidrografia e nuvem. As áreas mapeadas na classe desmatamento que tinham a presença de nuvem em algum período anterior foram reclassificadas e adicionadas à classe nuvem, enquanto que as demais áreas desmatadas foram reclassificadas em função do ano de desmatamento. Enquanto que as principais classes definidas pelo TERRACLASS foram conservadas: agricultura anual, agropecuária, pasto com solo exposto, pasto limpo pasto sujo, pasto em regeneração e vegetação secundária (EMBRAPA e INPE, 2011).
21Para gerar cartografia e análises desses dados num quadro espacial compatível com as definições conceituais de frentes pioneiras de Poccard-Chapuis (2004), foi constituído um espaço celular com células de 5x5 km. Em cada ano, se quantificou para cada célula a proporção de área de floresta (floresta dita primária, como definida pelo PRODES). O espaço celular constitui uma alternativa espacial à malha municipal e ao cadastro fundiário. A malha municipal foi descartada por ser ampla demais e diversa do ponto de vista das situações agrárias para a referida análise, enquanto que as propriedades rurais por não existir ainda informações fundiárias legais e espacialmente explícitas em extensas áreas.
22A etapa seguinte foi de classificar as células em função da proporção de floresta (PF) na área da célula, e de mapear essas classes. A classificação corresponde às definições conceituais de cada estágio de desenvolvimento da frente pioneira, conforme as Figuras 2 e 3. Os limites de classes são: PF de 65 a 95% corresponde ao início da frente pioneira; PF de 35 a 65% corresponde ao centro da frente pioneira; PF de 10 a 35% corresponde à retaguarda da frente pioneira. Já, se PF é superior a 95%, a célula é considerada ante-pioneira, enquanto que um valor inferior a 10% define uma célula pós-pioneira. Essa classificação transforma a definição conceitual numa representação funcional do território paraense.
Figura 3: Intervalos da proporção de floresta para o mapeamento das regiões da frente pioneira, ante-pioneira e pós-pioneira.
23Uma vez mapeadas anualmente o território paraense, no período de 2000 a 2009, foram gerados os dados acumulados nos períodos de 2000 a 2005, e de 2005 a 2009, para as análises dinâmicas (subitem 4.1.). A escolha das datas foi em função do lançamento do Plano de Prevenção e Controle ao Desmatamento da Amazônia Legal (PPCDAM) e da queda do desmatamento registrada pelo INPE em toda região.
24A integração dos mapas dinâmicos, dos incrementos anuais e das informações de uso da terra, o desmatamento foi relacionado com localização e distribuição nas frentes pioneiras, evidenciando os processos em curso (subitem 4.2.). No subitem 4.3 foi construída uma tipologia das frentes pioneiras identificadas no Estado do Pará.
25A metodologia proposta neste trabalho nos permitiu refinar espacialmente os dados de desmatamento do Estado do Pará identificando as principais frentes pioneiras no território e assim diferenciar os processos agrários distintos que levam a estes desmatamentos.
26Os mapas apresentados na Figura 4 mostram a localização das áreas classificadas em cada estágio do movimento pioneiro nos anos de 2000, 2005 e 2009. Um fato significativo é a proporção da região ante-pioneira, típicas dos maciços florestais, que sofreu uma queda brutal entre 2000 e 2005 (de 70% para 64%), e menor no segundo período (64% para 62%). As florestas foram mais preservadas a partir de 2005.
27Da mesma forma, a região de início da frente pioneira aumentou fortemente no primeiro período (14.000 km2), traduzindo uma dinâmica de conquista de novas terras pelos pioneiros, de corrida para terra em detrimento das florestas. Já essa categoria ficou estável no segundo período, mostrando o congelamento dessa tendência a partir de 2005.
28A expansão da região central da frente pioneira também ficou estável nos dois períodos, enquanto que, a região de retaguarda aumentou fortemente no primeiro período (13.000 km2), apresentando uma redução no segundo, mas ainda com valores elevados (6.000 km2).
29A região pós-pioneira apresentou os maiores números de expansão nos dois períodos (24.000 e 11.000 km2, respetivamente). No segundo período, observou-se que as regiões em consolidação ou consolidadas da frente pioneira foram as que apresentaram menor redução do desmatamento. Trata-se de um fenômeno bem diferente do que prevalecia no primeiro período, de avanço da frente em busca de novos espaços florestais.
Figura 4 – Mapas das frentes pioneiras e a quantificação das regiões no Estado do Pará em 2000, 2005 e 2009.
30Analisando a dinâmica das regiões das frentes pioneiras nos períodos de 2000 a 2005 e 2005 a 2009 podemos observar que a maior proporção está associada à permanência da célula na própria região da frente pioneira, chamadas de regiões estáveis, que correspondem a 87% e 93%, respectivamente da área total do Estado (Figuras 5 e 6). Observamos também que a mudança de classe, que traduz o deslocamento da frente pioneira, foi fortemente reduzida no segundo período. A Figura 6 é especialmente explicita, evidenciando certo congelamento das frentes pioneiras no segundo período, onde as mudanças de classes ocorreram de forma bastante residual.
31Essas observações permitam uma análise mais refinada do que apenas observar a redução global do desmatamento, e discutir os processos agrários que estão ocorrendo.
Figura 5 – Mapas da dinâmica das frentes pioneiras no Estado do Pará nos períodos de 2000-2005 e de 2005-2009.
32Os resultados da localização dos incrementos de desmatamento nas regiões das frentes pioneiras confirmam as análises anteriores. A Figura 7 mostra que as maiores áreas de desmatadas são localizadas na parte dianteira das frentes pioneiras, as quais sofreram maior queda a partir de 2005. De fato, no segundo período a proporção de incrementos nas regiões de retaguarda e pós-pioneiras aumentou, explicando a expansão dessas classes.
Figura 7 – Localização dos incrementos anuais dos desmatamentos das regiões das frentes pioneiras nos períodos de 2000 a 2005 e 2005 a 2009.
33A Figura 8 mostra para cada região de frente pioneira a proporção das classes de uso e cobertura definidos pelo projeto TERRACLASS. Observa-se à medida que a frente pioneira avança, a proporção de vegetação secundária vem reduzindo, enquanto que aumenta a proporção de pastos limpos. Já as outras categorias de pastagem se mantém relativamente estáveis ao longo do tempo, com exceção da classe pasto em regeneração, o qual tende a desaparecer a medida que a frente pioneira se consolida, acompanhando o mesmo processo da vegetação secundária. Assim, podemos concluir que a dinâmica pioneira se traduz, em termos de uso da terra, por uma relativa intensificação, devido maior proporção de áreas com maior produtividade agrícola (pasto limpo), em detrimento das áreas de menor produtividade (pasto em regeneração, vegetação secundária).
Figura 8 – Localização das classes de uso e cobertura da terra nas regiões das frentes pioneiras.
34Os mapas acima apresentados mostram a existência de várias frentes pioneiras, que aparecem como complexos espaciais articulando ambas as classes ou regiões, de ante a pós-pioneira. A metodologia no seu nível atual de desenvolvimento não permite delimitar de forma computadorizada esses complexos. Por isso, foram delimitadas visualmente nove frentes pioneiras, as quais foram caracterizadas em termos de classes e dinâmica de classes, que nos permitiu construir uma tipologia ilustrativa dos processos de desmatamento ocorrendo no Pará (Figura 9).
Figura 9 – As frentes pioneiras no Estado do Pará.
35Frentes Pioneiras em Expansão: As frentes pioneiras chamadas de BR-163 (FP-3), São Félix do Xingu (FP-4) e Novo Repartimento (FP-5), apresentam uma intensa dinâmica de expansão nos períodos de 2000-2005 e 2005-2009 com mais de um terço das mudanças ocorrendo nas regiões ante-pioneira e início da frente pioneira. Nestas duas regiões se destacam os maiores percentuais das regiões estáveis, mais de 80% no primeiro período e de 65% no segundo período.
36A frente pioneira Transamazônica (FP-2) pertence a este tipo, mas com uma forte diferença no segundo período. A redução do desmatamento nas regiões ante-pioneira não ocorre, e assim continua com frente em expansão ao longo dos dois períodos.
37Frentes Pioneiras em Consolidação: Como o nome indica, são frentes pioneiras que não avançam mais, e consequentemente não ocorrem grandes diferenças na localização do desmatamento nos dois períodos. As frentes da PA-150/Goianésia (FP-6) e Santana do Araguaia (FP-9) apresentam nos dois períodos, mais de 60% de mudanças para as regiões de centro e retaguarda da frente pioneira, com uma redução das regiões de centro e um aumento das de retaguarda e pós-pioneira no segundo período, em valores proporcionais.
38A Calha Norte (FP-1) merece destaque porque no primeiro período apresentou mais de 70% de mudanças para as regiões de início e centro, enquanto que no segundo período se tem um aumento para as regiões de centro e retaguarda, o que caracteriza uma transição de uma frente pioneira em expansão para uma em consolidação.
39Quando analisamos as regiões estáveis observamos uma distribuição praticamente uniforme nas regiões das frentes pioneiras, com maiores percentuais nas regiões ante-pioneiras para FP-1 e FP-9, e no início das frentes pioneiras para FP-6.
40Frentes Pioneiras em Intensificação: A frente pioneira de Paragominas (FP-7) se caracteriza com mais de 70% das mudanças ocorrerem para as regiões de centro e retaguarda no primeiro período, enquanto que no segundo período para as regiões de retaguarda e pós-pioneira. Essa dinâmica mostra que além de não avançar, essa frente pioneira produz espaços cada vez mais extensos que integram uma lógica pós-pioneira. Observando as regiões estáveis, merece destacar que no primeiro período os maiores percentuais se distribuíam nas regiões de frente, centro e retaguarda e no segundo período se concentraram nas regiões de centro e retaguarda, além de um aumento nas regiões de pós-pioneiras.
41A frente pioneira de Marabá (FP-8) também já se apresenta em processo de intensificação com as seguintes características: mais de 90% das mudanças para as regiões de retaguarda e pós-pioneira e mais de 80% das regiões estáveis também estão localizadas nas mesmas regiões, quando analisado os dois períodos.
Figura 10 – Dinâmica das frentes pioneiras no Estado do Pará.
42A análise a partir dos dados de desmatamento nos permite quantificar e qualificar o movimento pioneiro, os avanços e as incorporações de novos incrementos de desmatamento. Porém, temos uma dificuldade maior a caracterizar essas transformações à medida que se aproximam das regiões pós-pioneiras. Isto acontece pelo fato do nosso principal indicador ser o desmatamento, enquanto que nessas regiões os processos de diversificação e intensificação do uso da terra passam a ter um peso maior (Poccard-Chapuis, 2004; Arvor et al., 2012).
43Esta dificuldade pode ser resolvida pelos dados do TERRACLASS, o qual precisa ter uma frequência temporal maior para acompanhar os referidos processos, e que as classes de uso sejam compatíveis com monitoramento de processos de diversificação e intensificação. Outros indicadores também poderiam ser explorados nas análises, como: conectividade, fragmentação, tamanho das aberturas, que poderiam ser incorporados para refinar a tipologia e possibilitar estudos específicos e mais detalhados em determinadas frentes pioneiras.
44Outro fator importante a ser considerado no mapeamento das frentes pioneiras é a unidade espacial de análise. A célula de 5x5 km pode ser questionada e, sobretudo, a perspectiva de dispor dos limites de propriedades pelo Cadastro Ambiental Rural pode abrir novos métodos e tipologias. Também a delimitação das frentes pioneiras por meio computacional poderia ser alcançado a partir de métricas nesse espaço celular.
45A análise dos resultados mostra que a redução do desmatamento não foi uniforme no decorrer do tempo. Essa tendência global observada corresponde ao fim de um determinado processo de desmatamento, e a permanência de outro processo.
46O desmatamento de avanço da frente pioneira em áreas unicamente florestais foi bastante reduzido a partir de 2005. Esse processo corresponde à instalação de novos pioneiros, “desbravadores”, que empurram a fronteira agrícola floresta adentro, dando continuação a um processo histórico. A nítida tendência de redução em período recente comprova a eficiência de ações governamentais em frear esse avanço das frentes pioneiras: efeito barreira das unidades de conservação, limitações sobre transações fundiárias, vigilância redobradas sobre grilagem e áreas florestais, operações policiais repressivas tipo “Boi Pirata” nas unidades de conservação, multas e envolvimento do próprio ministério público (Maia et al., 2011).
47O outro processo de desmatamento ocorre onde a apropriação fundiária já aconteceu plenamente, onde não se trata mais de novos migrantes se instalando. Pelo contrário, os agricultores já estão instalados e o desmatamento corresponde ao processo produtivo, a base de fogo. O objetivo dos produtores, principalmente pecuaristas, como mostra o TERRACLASS, é de expandir a área produtiva para pastagens, acompanhando aumento de rebanho e progressiva perda de fertilidade dos solos. Esse tipo de desmatamento não é voltado para o mercado fundiário, e sim diretamente ligado ao sistema de produção pecuária extensiva. Além de extensas áreas de pasto, esse sistema necessita abertura frequente de novas pastagens para compensar a degradação progressiva da produtividade forrageira (Hostiou, 2003). A permanência desse tipo de desmatamento comprova que o funcionamento dos estabelecimentos agrícolas ainda não é baseado em sistemas alternativos, capaz de gerar aumento de produção sem desmatar.
48A comparação dos dois tipos de desmatamento, identificados pela sua localização no território, sugere que as políticas públicas foram eficientes para bloquear o avanço das frentes pioneiras, mas não para desenvolver alternativas produtivas ao desmatamento.
49Este resultado é fundamental para orientar o debate sobre impactos de infraestruturas, rodoviárias principalmente, sobre desmatamento. Muitas pesquisas se baseiam em modelos de regressão espacial para alertar sobre o risco de se promover mais desmatamento ao abrir novas pistas ou estradas na Amazônia (Ferreira et al., 2001; Laurance, 2001; Brandão et al., 2007; Barber et al., 2014). Nossos resultados apontam uma conclusão inversa. O processo atual de desmatamento já não é mais resultado de migrações ou instalações de pioneiros, e sim de sistemas produtivos incapaz de manejar a fertilidade do solo, necessitando recorrentes desmatamentos para manter ou aumentar a produção. Para promover sistemas alternativos de manejo do solo, é necessário melhorar as infraestruturas de transporte, de beneficiamento e armazenamento dos produtos agrícolas e insumos. A relação então passa a ser inversa: o desmatamento zero hoje necessita investimentos fortes em infraestruturas nas frentes pioneiras, para viabilizar a intensificação dos sistemas produtivos. Novos sistemas, capazes de gerar produção com menor impacto no desmatamento, a partir de insumos e tecnologias, necessitam infraestruturas de qualidade, não podendo ser desenvolvidos em territórios isolados e com precárias condições de produção (Vaz et al., 2012).
50Porém, esses mecanismos e diagnósticos de dinâmicas agrárias variam significativamente de uma frente pioneira para outra. A nossa tipologia de frentes pioneiras fornece uma leitura clara dessa diversidade e as análises individualizadas no território passam a ser de grande importância pelos tomadores de decisão. De fato, devem ser priorizadas ações específicas em cada tipo de frente pioneiras, conforme os processos ali ocorrendo.
51A metodologia se apresentou adequada na identificação das frentes pioneiras no Estado do Pará e na caracterização da sua dinâmica de desmatamento, gerando informações relevantes para orientação de políticas públicas.
52Porém, a delimitação das diferentes frentes pioneiras precisa ser mais explorada, onde podemos considerar a integração de bases de dados de diferentes fontes que podem auxiliar em uma melhor caracterização e mapeamento do seu território.
53A construção de territórios utilizando os conceitos de frentes pioneiras a partir dos dados de desmatamento pode ser uma ferramenta de análise importante aos tomadores de decisão, saindo de uma quantificação e localização de áreas desmatadas por municípios, passando a analisar ou mesmo associar a determinados processos que ocorrem nessas regiões homogêneas.