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Pesquisa desenvolvida com bolsa de Mestrado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)"
1O foco deste artigo é o conflito entre a ação estatal e as implicações no cotidiano dos moradores dos diferentes espaços no Butantã envolvidos pelo projeto da Operação Urbana Consorciada Butantã – Vila Sônia (OUCBVS). Na carta 1, é possível observar a localização da OUCBVS na subprefeitura do Butantã, a qual, por sua vez, está destacada na carta abaixo que representa o município de São Paulo.
2A abrangência dessa Operação Urbana em lugares cujos moradores apresentam rendas díspares traz como problemática as diferentes relações que se formam entre os agentes desses espaços e o Estado. Tendo como metodologia revisão bibliográfica e realização de trabalhos de campo, estudaremos de que modo a segregação espacial na área da OUCBVS se traduz em diferentes estratégias e interesses de seus moradores, bem como em acessos desiguais à informação e ao conhecimento sobre as políticas públicas municipais. Dessa forma, o recorte espacial da Operação Urbana em tela permite-nos compreender algumas das contradições da sociedade e da urbanização contemporâneas.
3As Operações Urbanas Consorciadas são grandes projetos de intervenções urbanas realizados por Parcerias Público-Privadas e que se generalizam nas metrópoles apresentando como consequência a segregação espacial. Articulam-se a amplas estratégias de requalificações urbanas, demonstrando o papel central do espaço à reprodução do capital.
Carta 1. Localização da Operação Urbana Butantã - Vila Sônia nos distritos da subprefeitura do Butantã.
Perímetro da OUCBVS elaborado a partir do mapa “Setorização” exposto pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU) em agosto de 2011.
Carta elaborada pela autora. Projeção UTM – SAD 69.
4Ressalta-se que essas ações da iniciativa privada mediadas pelo Estado geram implicações no cotidiano, mas podem ser alteradas por ele na medida em que diferentes parcelas da sociedade tentam, de algum modo, mudar a realidade que é colocada pelos agentes hegemônicos na produção do espaço.
5As reações surgidas no cotidiano, no entanto, estão ligadas às práticas e possibilidades espaciais, sendo distintas em lugares menos ou mais segregados. Os interesses de classe conduzem, nesse sentido, a demandas diferenciadas de cada movimento em relação ao Estado e variam conforme o modo pelo qual cada classe social vivencia o espaço urbano. Os processos que se desenvolvem nos lugares escolhidos para estudo neste artigo podem ajudar a entender as transformações espaciais que atualmente ocorrem nas metrópoles.
6A região do Butantã, a oeste da metrópole de São Paulo, passa por um elevado aumento dos preços de seus imóveis, anteriormente já impulsionado pela Cidade Universitária, pela relativa facilidade de acesso a estabelecimentos comerciais e de serviços e pelo importante papel da circulação. A proximidade do Butantã com a Avenida Marginal Pinheiros, além de facilitar a circulação viária, favorece a ligação do bairro com importantes espaços de valorização da metrópole.
7A facilidade de acesso para os eixos viários da Marginal Pinheiros, do Rodoanel Mário Covas e das rodovias Régis Bittencourt e Raposo Tavares é representada na carta 2.
8A elaboração e execução de determinado projeto urbanístico de requalificação vincula-se à precificação ou à valorização imobiliária de certa região. Por um lado, apenas a divulgação de que alguma intervenção será realizada pela Prefeitura – atualmente, por meio, na maior parte das vezes, pelas Parcerias Público-Privadas – conduz a um aumento nos preços dos imóveis. Por outro, esses projetos geralmente são implantados em áreas já visadas pelo mercado imobiliário, como é o Butantã. Entre 2005 e 2010, o preço do metro quadrado nos distritos Butantã e Vila Sônia aumentou 45%, com 2,5 mil novos apartamentos em 2009 (BRANCATELLI, 2010).
Carta2. Situação geográfica do Butantã na RMSP
Em destaque, área da subprefeitura do Butantã, atravessada pela Rodovia Raposo Tavares e entre trecho oeste do Rodoanel Mário Covas e a Marginal Pinheiros.
Carta elaborada pela autora.
9Esse crescimento será ainda maior com a inauguração das estações de metrô previstas pela Linha Amarela, que conectará a estação Luz, no centro da cidade, à estação Vila Sônia. O traçado da Linha pode ser observado na carta 3. Os preços dos imóveis no entorno da mesma aumentaram aproximadamente 30% a mais do que outros no Butantã (BRANDALISE, MACHADO, DANTAS, 2010).
10Inserido em um movimento de valorização na produção do espaço, o Butantã foi o distrito com maior número de lançamentos residenciais em São Paulo entre janeiro a setembro de 2007, com 2.089 apartamentos (EMBRAESP, 2008).
Carta 3. Linha Amarela do metrô.
Traçado da linha elaborado a partir de trajeto disponível em <http://www.viamarela.com.br/>. Datas da inauguração realizada ou prevista de cada estação divulgadas pelo Consórcio Via Amarela.
Carta elaborada pela autora.
11É justamente essa precificação e valorização imobiliária que aparentemente justifica, para o poder público, a implantação da Operação Urbana Consorciada Butantã – Vila Sônia, prevista pelo Plano Diretor Estratégico de São Paulo desde 2002. Segundo Sales (2005), essa OU começou a ser elaborada em 2004 devido aos “possíveis processos de valorização e transformações socioespaciais” que seriam gerados com a implantação da Linha Amarela do metrô.
12Na medida em que a realização de investimentos públicos (neste caso, representados pela Linha Amarela, com investimentos do governo estadual, e por outras obras, realizadas pelo poder municipal) é fundamental para atrair investimentos dos agentes do mercado imobiliário, associamos a elaboração da OUCBVS a um processo maior ligado à Linha Amarela. Na carta 4, pode-se observar que o traçado da Operação Urbana previsto em 2004 foi elaborado seguindo grande parte do eixo formado pela Linha Amarela do metrô na região do Butantã.
Carta 4. Linha Amarela do metrô e Operação Urbana Butantã - Vila Sônia
. Carta elaborada pela autora.
13Na metrópole paulistana, os exemplos mais significativos de requalificações urbanas são as Operações Urbanas Consorciadas. A partir do estudo de uma delas, é possível apreender um momento no qual a reprodução do capital necessariamente se realiza por meio da produção do espaço e com uma articulação entre os níveis econômico e político.
14As OUs permitem a implantação de grandes obras, especialmente viárias, e uma maior verticalização em áreas predeterminadas pela Prefeitura com recursos, que, a priori, seriam recuperados pelo poder público devido ao interesse dos empreendedores imobiliários em construírem acima do permitido por lei. Na prática, justificam onerosos gastos públicos em detrimento de problemas mais urgentes, bem como intensificam a valorização em áreas já visadas pelo mercado imobiliário. Desde 1991, foram implantadas em São Paulo as operações urbanas Centro (antiga Anhangabaú), Faria Lima, Água Branca, Água Espraiada e Rio Verde-Jacú. No Plano Diretor Estratégico de 2002, novas operações urbanas foram delimitadas e até setembro de 2013 não apresentavam projeto de lei aprovado pela Câmara Municipal: Butantã - Vila Sônia, Vila Leopoldina – Jaguaré, Vila Maria – Carandiru, Santo Amaro, Diagonal Norte, Diagonal Sul e Amador Bueno (Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano - SMDU, 2009). As OUs já existentes e previstas em 2002 estão representadas na carta 5.
Carta 05. Operações urbanas existentes e previstas no Plano Diretor Estratégico de São Paulo no ano de 2002
Carta elaborada pela autora.
15As Operações Urbanas previstas para implantação na metrópole de São Paulo não possuem apenas como objetivo a “venda de exceções ao zoneamento” aos empreendedores imobiliários, os quais, por sua vez, pagam contrapartidas para construir além do inicialmente permitido.
16Como se observa na carta 6, nos distritos Butantã, Rio Pequeno e Vila Sônia – todos abrangidos pela OUCBVS – ainda havia em 2013 metros quadrados disponíveis por meio de um mecanismo já previsto no Plano Diretor Estratégico de 2002: a Outorga Onerosa. Por meio dele, os empreendedores podem pagar para, em determinadas áreas da cidade, construírem até o coeficiente máximo previsto no zoneamento. Dessa forma, não seria necessário, se o objetivo primordial das operações urbanas fosse apenas a verticalização, a implantação de uma operação urbana abrindo possibilidades para um coeficiente de aproveitamento de no máximo quatro vezes a área do terreno.
17Em julho de 2013, dos 100 mil metros quadrados disponíveis à venda para uso residencial pela Outorga Onerosa, apenas 8.245,51 estavam comprometidos (SMDU, 2013). Com a OUCBVS, previa-se, segundo a minuta do projeto de lei, um potencial adicional de construção de 1.356.000 metros quadrados, sendo 65% para uso residencial e 35% para não habitacional. Esses 65% de uso residencial equivalem a 881.400 metros quadrados, ou seja, um aumento de mais de oito vezes em relação ao potencial adicional de construção permitido pela Outorga Onerosa.
Carta 6. Estoques de Outorga Onerosa Residencial na zona oeste de São Paulo
Carta elaborada pela autora a partir de dados da SMDU de julho de 2013
18É preciso ir além e considerar a OUCBVS, assim como as demais Operações Urbanas previstas e vigentes em São Paulo ou demais projetos de requalificação urbana, como processos de valorização e de segregação que marcam a produção do espaço urbano. Nesse sentido, Carlos (2001; 2004) afirma que as OUs contribuem para redefinir os vetores de valorização imobiliária e constituir centralidades na metrópole.
19De acordo com estimativas da SMDU, a OUCBVS abrangerá uma área de 673 hectares, gerando um estoque de potencial adicional de construção de 1.277.249 m2, exigindo R$ 96.112.247,69 de gastos públicos e captando R$ 154.180.000,00 em contrapartidas pagas pelos empreendedores imobiliários ao poder público. Se por um lado outras OUs na metrópole de São Paulo apresentam usos predominantemente comerciais ou industriais, a OUCBVS tem, na maior parte de seu perímetro, uso do solo marcadamente residencial.
20Este uso torna ainda mais conflituosa a relação entre os projetos urbanísticos e as implicações no cotidiano de seus habitantes na medida em que é principalmente no plano do morar em que se constroem as relações dos habitantes com o lugar.
21Se é nesse plano (especialmente na escala do bairro) em que os habitantes da metrópole se identificam e tecem relações sociais, o uso residencial dos espaços abrangidos pela OUCBVS envolve não somente a luta pela manutenção do que os moradores denominam de “qualidade de vida”, mas também a preocupação sobre a valorização ou desvalorização que a OU pode trazer às suas propriedades. As implicações espaciais vinculadas à Operação Urbana envolvem, nesse sentido, moradores de diferentes poderes aquisitivos: há desde a desapropriação de casas de alto padrão devido a erros técnicos da construção da Linha Amarela do metrô até a expulsão dos moradores de menor renda para áreas ainda mais distantes na região.
22Na medida em que a área abrangida pela OUCBVS apresenta espaços marcados pela segregação, os movimentos que surgiram em oposição à Operação Urbana também têm pontos de vistas distintos de acordo com os diferentes lugares e classes sociais dos quais se originaram. Também possuem facilidades díspares à obtenção de informações sobre projetos urbanísticos. Não se trata especificamente de estudar os movimentos sociais que se localizam no Butantã, mas de entender a partir da OUCBVS e de suas intervenções até agora mais polêmicas as oposições às metas previstas pelo poder público e a relação com os espaços nos quais os moradores vivem e pretendem construir.
23Analisamos dois lugares nos quais as intervenções da OUCBVS chamaram significativa atenção da população do Butantã. No primeiro, caracterizado predominantemente por população de alto e médio poder aquisitivo, a intervenção prevista pela OUCBVS era a construção de um túnel passando sob um parque e continuando sobre a Praça Elis Regina. No segundo lugar, caracterizado por população de baixo poder aquisitivo, a OUCBVS previa o que denominou de “urbanização do Jardim Jaqueline”. Por fim, estudamos brevemente um terceiro lugar, no qual os moradores de classes de alto poder aquisitivo tiveram como demanda ao poder público a anulação da construção de um terminal de ônibus e da implantação da estação Três Poderes da Linha Amarela do metrô.
24A relação dos lugares estudados com as classes de renda está representada na carta 7. Nota-se que na maior parte da favela Jardim Jaqueline a renda média por domicílio é de 1.240 a 3.100 reais mensais. Já no lugar estudado da Praça Elis Regina, formado em sua maioria por pessoas de classe média, a renda média mensal por domicílio é predominantemente de 3.100 a 6.200 reais. O lugar cuja população apresenta maior renda é onde se anulou a estação Três Poderes e no qual a renda média mensal por domicílio é de 6.200 a 12.400 reais ou de mais de 12.400 reais.
Carta 07. Operação Urbana Butantã - Vila Sônia e renda por setor censitário
A Praça Elis Regina e o Parque da Previdência
Dados em reais do CENSO de 2010. Carta elaborada pela autora.
25Neste lugar, de modo geral, há a luta pela preservação de determinados espaços e por algumas melhorias, principalmente relacionadas às áreas verdes e de lazer. A OUCBVS prevê, para essa região, a construção de um túnel que passaria sob o Parque da Previdência e cuja continuação implicaria na destruição da Praça Elis Regina. Na foto 1, observa-se uma das entradas previstas do túnel.
26Esse projeto traria, além de danos ambientais às áreas verdes, a destruição de espaços públicos e implicações em, por exemplo, diversas casas, um Conjunto Habitacional e em escolas públicas.
Foto 1. Uma das entradas previstas na construção do túnel.
27 nov. 2011. Foto da autora.
27A polêmica sobre o projeto começou no ano de 2005 em uma reunião para discutir o Plano Regional Estratégico da Subprefeitura do Butantã. No mesmo ano, foi realizada uma reunião específica sobre a Operação Urbana, concedida após carta enviada pelo Movimento Defenda São Paulo (MDSP) à Secretaria Municipal de Planejamento (SEMPLA).
- 1 Desde o início das mobilizações neste lugar sobre a Operação Urbana, em 2005, houve forte vínculo d (...)
28Dois meses após essa reunião, moradores receberam o Projeto Urbano e a Minuta de Projeto de Lei da Operação Urbana, elaborado pela SEMPLA em 2004, e que embasaram questionamentos realizados no ano seguinte em audiência pública. Moradores organizaram diversos questionamentos técnicos e legais em relação às intervenções previstas pela Operação Urbana. Foram apontados, por exemplo: a largura de uma avenida menor do que aquela apresentada no Relatório de Impacto Ambiental; a falta de adequabilidade do solo à construção de um túnel; e a ausência de Estudos de Impacto de Vizinhança na elaboração do projeto da OUCBVS. Nas mobilizações transcorridas neste lugar, observou-se ainda significativo papel de professores e funcionários da Cidade Universitária e de escolas da região 1.
- 2 Ver, por exemplo, reportagens de Galvão (2010) e Ribeiro (2011).
29As reuniões em oposição ao projeto do túnel retomaram força nos anos de 2009 e de 2010. Diante das demandas e das dúvidas que surgiram em relação ao projeto, realizaram-se diversas reuniões a partir das quais se organizaram um abaixo-assinado (com mais de três mil assinaturas) e um site. Houve significativo destaque na mídia às críticas ao projeto, com reportagens em jornais de grande circulação, em canais de televisão ou entrevistas a estações de rádio2. Desde 2005, os moradores da região solicitam informações e enviam cartas à Prefeitura pedindo esclarecimentos sobre a Operação Urbana.
30Embora com dificuldades e reuniões constantemente adiadas pelo poder público, percebe-se que o movimento de oposição à construção do túnel – formado predominantemente pela classe média e alta do Butantã – conta com pessoas de conhecimento técnico e burocrático para fazer questionamentos à Prefeitura. Há uma relativa facilidade de acesso às informações sobre a Operação Urbana: mesmo que muitas delas sejam negadas ou dificilmente divulgadas, os moradores conhecem os mecanismos legais e jurídicos para tentar obtê-las. Além de caminhos institucionais na oposição às metas previstas pela OUCBVS, alguns dos moradores deste espaço parecem também seguir um caminho mais prático, com a organização de seminários em faculdades e em escolas e realização de festas e de shows para divulgar os problemas que o projeto do túnel traria à região do Butantã.
- 3 O termo “urbanização” é utilizado pelo poder público para designar melhorias na infraestrutura em u (...)
31Se por um lado a implantação de um túnel próximo à Praça Elis Regina gerou muitos debates, por outro, o projeto de urbanização3 do Jd. Jaqueline permanece com poucas repercussões entre os moradores do Butantã. Embora, diferentemente das demais intervenções analisadas, a urbanização seja desejada por muitos moradores, escolheu-se analisá-la para demonstrar a disparidade de acesso à informação e aos mecanismos de diálogo com o poder público no perímetro da OU. As associações de moradores do Jaqueline ainda não realizaram reivindicações diretas relacionadas à Operação Urbana, cobrando, por exemplo, a participação no projeto da urbanização.
32Por meio da participação em reuniões e em audiências públicas, foi possível perceber que enquanto as cobranças dos grupos de maior poder aquisitivo à Prefeitura envolvem preocupações ambientais, técnicas ou urbanísticas vinculadas diretamente à OUCBVS, as do Jd. Jaqueline (foto 2) se referem basicamente às melhorias das condições habitacionais, sem relação direta com as intervenções previstas pela Operação Urbana.
Foto 2. Jardim Jaqueline.
24 de jul. 2011. Foto da autora.
- 4 O Plano apresenta uma priorização de intervenções realizadas em favelas na cidade de São Paulo até (...)
- 5 De acordo com regulamentações do Estatuto da Cidade, 10% do total arrecadado pelos CEPACs – que som (...)
33Em relação à Operação Urbana Butantã – Sônia, os moradores ainda não tiveram acesso ao que se planeja para a urbanização. Apenas souberam dessa possibilidade neste ano por meio da Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB). De acordo com as metas da Secretaria Municipal de Habitação e com previsões estipuladas pelo Plano Municipal de Habitação, a urbanização para o Jardim Jaqueline ocorrerá apenas entre os anos de 2020 e de 2024 4. No entanto, a OUCBVS pode antecipar essa previsão, uma vez que haverá recursos provenientes das contrapartidas pagas pelos empreendedores à Prefeitura5.
34Com questões vinculadas diretamente à moradia, os moradores do Jd. Jaqueline não chegam, possivelmente pela falta de acesso à informação e aos mecanismos legais para exigi-la do poder público, a questionar diretamente a Operação Urbana. A discussão sobre a porcentagem das contrapartidas da OU destinadas à urbanização é realizada dentro da própria Prefeitura ou em demais reuniões do Butantã, das quais, no geral, são poucos os moradores do Jaqueline que participam.
35Pode-se afirmar, simplificadamente, que nos arredores de onde se previa a construção da estação Três Poderes, cujo entorno é basicamente residencial, a reivindicação principal dos moradores é pela manutenção e pela preservação do que se considera como “qualidade de vida”. As mobilizações contra a construção da estação de metrô Três Poderes da Linha Amarela do Metrô iniciaram-se em 2003 com discussões em audiências públicas do Plano Diretor Estratégico de São Paulo.
36Neste mesmo ano, moradores descobriram que na região, além da estação de metrô Três Poderes, também seria construído um terminal de ônibus com capacidade para 42 linhas de ônibus. Na foto 3, observa-se a rua prevista para abrigar o terminal.
37Reunidos em associações, os moradores mobilizaram-se contra o projeto e enviaram uma carta à Companhia de Metrô pedindo o cancelamento da estação e questionando a construção do terminal. Além disso, também organizaram um abaixo-assinado, com 520 adesões. Segundo Izidoro (2005), a pressão dos moradores foi “um dos fatores que levaram o governo Geraldo Alckmin (PSDB) a excluir a estação do plano das obras”, prevista “há praticamente dez anos no projeto da Linha Amarela”.
38Os moradores deste lugar ressaltam a falta de legitimidade dos projetos e de comprometimento do poder público para acompanhar os que serão realizados, além da ausência de discussão com a população. Como meio de mobilização, as entidades se organizaram para processos no Ministério Público e muitos conhecem – da mesma forma que alguns movimentos do primeiro lugar analisado– os meios jurídicos e burocráticos de mobilização, fazendo parte de movimentos maiores que buscam um caminho institucional, como o MDSP. Muitos moradores dominam as normas urbanísticas vigentes no espaço metropolitano, e argumentaram técnica e juridicamente com o governo estadual e municipal. A construção da estação de metrô Três Poderes apresentava, segundo divulgado na imprensa, irregularidades apenas descobertas posteriormente. Além disso, a própria localização desse lugar próxima de uma Zona Exclusivamente Residencial impediria, legalmente, a implantação de uma estação de metrô.
Foto 3. À esquerda, local em que seria construído o terminal de ônibus
5 fev. 2012. Foto da autora
39Procurou-se desvendar de que modo o cotidiano dos moradores do Butantã é modificado ou tenta reagir a processos mais amplos e que permitem a reprodução do capital por meio do espaço. Embora a OUCVS apresente particularidades, a partir dela é possível fazer generalizações em relação aos demais projetos urbanísticos e de valorização cada vez mais difundidos nas metrópoles mundiais.
40Em relação à Operação Urbana, é possível constatar por meio de participação em reuniões e realização de entrevistas, que os interesses das classes sociais, com diferentes modos de pensar o urbano conduzem, consequentemente, a respostas distintas aos projetos urbanísticos. O embate que parcelas da sociedade travam com o poder público varia de acordo com os lugares em que vivem e procuram construir, sendo menos tortuoso àqueles grupos que obtêm com mais facilidade o acesso à informação e ao conhecimento.
41Os moradores que obtiveram mais detalhes sobre a Operação Urbana relacionam-se a movimentos de classes de renda média e alta, como se percebeu no primeiro e no terceiro lugares estudados. Se por um lado a ciência e a técnica são instrumentos de dominação do espaço utilizados pelo Estado, também aparecem como importantes instrumentos de luta desses movimentos e associações, mesmo que por um viés institucional. Enquanto que esses grupos têm mais acesso às informações – com contatos diretos vinculados a universidades e a instituições ligadas ao Estado ou com destaque jurídico, como o MDSP – a população de menor renda pouco sabe sobre a OUCBVS: os moradores do Jd. Jaqueline, por apresentarem demandas mais urgentes em curto prazo, não sabiam dos mecanismos de uma Operação Urbana até serem comunicados pelo poder público sobre a possível urbanização.
42No primeiro lugar, as mobilizações levaram a uma promessa da Prefeitura de que o traçado do túnel deve ser alterado. No segundo, com questões vinculadas diretamente à moradia (na qual se manifestam as faces mais cruéis da segregação) cuja população apresenta necessidades mais básicas ligadas à própria sobrevivência, a urbanização e os investimentos públicos não chegaram ainda a ser discutidos nem estão claramente delineados. Já no terceiro, os questionamentos feitos pelos moradores levaram ao cancelamento da estação de metrô.
43Nota-se que principalmente no primeiro e no último lugar analisado, não há uma negação direta da OUCBVS. Realizam-se principalmente questionamentos sobre o modo como as OUs são elaboradas ou sobre algumas de suas intervenções e consequências locais ou ao espaço da metrópole. Ressalta-se que os moradores de ambos os lugares recorreram ao Movimento Defenda São Paulo e ao Ministério Público para resolver algumas de suas questões, contando com forte divulgação na mídia. Não se pode esquecer, contudo, que o MDSP representa o interesse de determinada camada social, da mesma forma que o Ministério Público pertence à lógica estatal (mesmo que indague algumas de suas atuações) e não se oporá diretamente a ela.
44A partir das reivindicações dos grupos analisados desses lugares, verificamos que os interesses dos moradores de menor poder aquisitivo são distintos e, muitas vezes, opostos àqueles encontrados nos lugares onde mora uma população de maior renda. Há o risco de mascaramento das contradições: o discurso, por exemplo, de “bem-comum” – o mesmo que justifica as Operações Urbanas – passa a ser adotado por movimentos e associações, ocultando interesses de classe. Nesse contexto, o “bem-comum” dos moradores de mais alta renda que não desejam metrô ou terminal de ônibus próximos de suas casas (pela razão que seja) não é o mesmo daquele do morador da periferia do Butantã.
45Os discursos realizados por determinadas classes (e pelo Estado) nos lugares que analisamos mascaram as estratégias conflituosas intrínsecas à produção do espaço. Por meio da realização de entrevistas, podemos afirmar que a luta pelo espaço no Jardim Jaqueline não é a mesma luta pelo espaço dos moradores da City Butantã. Na primeira, os moradores estão mais interessados em buscar a regularização fundiária como segurança (embora não absoluta) contra uma possível desapropriação. Já na City Butantã, os proprietários se preocuparam também com valor de troca ou com possíveis mudanças próximas ao lugar que possam desvalorizar a propriedade (como aumento de barulho de automóveis e construção de grandes prédios residenciais).
46Embora seja preciso fazer a ressalva de que em algumas reuniões de classe média alguns moradores alertavam para o fato de que era preciso “levar a discussão até o Jaqueline”, essas preocupações não romperam com as barreiras de classe. Em reunião específica para discutir a OUBVS, uma moradora de classe média chegou a afirmar que essa “barreira não é transposta”. Outro morador relatou em entrevista que era mais fácil e rápido mobilizar os moradores da região contra a destruição de um parque do que para defender a construção democrática de um projeto de urbanização na favela do Jaqueline
47Considerando-se os diferentes interesses de classe, destaca-se que os processos decorrentes da elaboração da Operação Urbana também atingem de maneira diferenciada proprietários (defendendo a propriedade tanto como mercadoria quanto como possibilidade do uso e realização da vida por meio da moradia) e inquilinos (que tendem a ser expulsos para áreas mais distantes devido ao aumento do aluguel). Conforme constatamos em entrevistas, moradores de diversas classes sociais já foram afetados pela construção da Linha Amarela do Metrô. No entanto, houve um tratamento mais cuidadoso por parte do poder público com aqueles que possuem a propriedade, mesmo que ela seja colocada provisoriamente em suspensão.
48Modos desiguais de apropriação do espaço urbano levaram a demandas diferenciadas em relação ao lugar ocupado por cada classe social ou grupo de classe analisados, possibilitando embates com o poder público menos difíceis para aqueles que obtêm com mais facilidade o acesso à informação e ao conhecimento. Nas organizações de moradores analisadas nesses lugares envolvidos pelo projeto da OU, verificamos que o maior acesso às estratégias de mobilização e obtenção de informações foi realizado pelos moradores de classe média e de maior poder aquisitivo, como no caso da Praça Elis Regina e do Parque da Previdência. Como os próprios moradores dos lugares de classe média e alta destacaram em alguns momentos, no Butantã (especialmente nas proximidades da Cidade Universitária) existem muitas pessoas com domínio técnico e das estruturas do Estado. Esse domínio foi crucial para as mobilizações realizadas frente ao Estado.
49A segregação espacial aparece como uma tendência da Operação Urbana Butantã - Vila Sônia antes mesmo que ela seja implementada. Ela se mantém e muitas vezes até se intensifica pelos diferentes acessos ao conhecimento que os moradores do Butantã apresentam sobre a Operação Urbana e demais intervenções estatais. A relativa dificuldade para adquirir informações – observada nos moradores do Jd. Jaqueline sobre a OUCBVS – aparece, nesse contexto, como um dos elementos reforçadores da segregação, na medida em que seu acesso poderia resultar, minimamente, em questionamentos sobre determinados aspectos da realidade.
50A partir de constatações realizadas considerando-se as diferentes mobilizações nos três lugares estudados, pode-se afirmar que ao mesmo tempo em que os diferentes acessos à informação e à técnica intensificam a segregação espacial também podem permitir a desmistificação dos discursos divulgados pelo Estado, pela mídia e pela iniciativa privada. Podem contribuir, portanto, à tomada de consciência sobre o processo de valorização e de segregação espaciais.