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- 1 Dos 62 municípios do Estado do Amazonas, até 2010, somente 8 tinham populações superiores a 50 mil (...)
- 2 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Censo de 2010.
- 3 Departamento Administrativo Nacional de Estadística, Colômbia, dados de 2011.
1Tabatinga ultrapassou 521 mil habitantes em 2010 (IBGE2, 2010) e Leticia, cidade vizinha colombiana alcançou 40 mil habitantes (DANE3, 2011). Juntas, estas duas cidades gêmeas fronteiriças, situadas no interior da floresta amazônica, ultrapassaram 90 mil habitantes no início desse século XXI. Um aporte populacional de 196% em trinta anos, enquanto outras localidades, num raio de até 500 km, veem suas populações encolherem.
2As cidades gêmeas Tabatinga e Leticia formam um subespaço urbano conurbado (NOGUEIRA, 2004), situado à margem esquerda do rio Solimões/Amazonas, na tríplice fronteira Brasil-Colômbia-Peru, interior da floresta Amazônica. Sem acesso rodoviário, localizam-se, em torno de 1.000 km, distantes de seus respectivos centros regionais mais próximos: Manaus e Bogotá (figuras 1a e 1b). Por forças geopolíticas, Tabatinga tornou-se colônia militar em 1967 enquanto Leticia já era município autônomo desde 1963. A primeira foi emancipada de Benjamin Constant em 1983 e, a segunda, elevada à capital de Departamento em 1991. Cidades diferentes no que se refere à formação socioespacial (VARGAS, 1999), porém similares quanto ao processo de ocupação e significação econômica do território baseado na exploração da borracha (OLIVEIRA, 1998; MENEZES, 2009), caucho (DOMINGUEZ, 1985), mas, sobretudo, quanto às suas relações sócio-históricas de nascença indígena anteriores ao estabelecimento dos próprios limites internacionais.
3Nos dias de hoje, torna-se um desafio entender as novas formas de articulação dos subespaços amazônicos com o mundo globalizado. Uma possibilidade é sua análise a partir da fluidez territorial, entendida como a “[...] qualidade dos territórios nacionais que permite uma aceleração cada vez maior dos fluxos que o estruturam, [..][do] conjunto de objetos concebidos [...] para garantir [...][o] movimento” (ARROYO, 2001), e da densidade informacional que define o grau de exterioridade do lugar e sua propensão a estabelecer relações com outros lugares (SANTOS, [1996], 2009).
- 4 São materializados pelas construções, edificações, usinas, instituições, portos e rodovias construí (...)
4Importa-nos assim saber: como estes lugares vêm se inserindo no meio técnico-científico-informacional? Como os Estados Nacionais vêm provendo estas cidades amazônicas dos fixos4 necessários à maior fluidez requerida pelos mercados e sociedades locais?
5Considerando que estes trazem a reboque uma psicosfera particular muito diferente da existente, tradicional, cabocla e/ou indígena. Enfim significam uma ação modernizante que traz a reboque naturais crises de transição e suas consequentes repercussões sociais e espaciais. Nesse sentido, o presente artigo traz à luz um inventário dos fixos que dão suporte à fluidez territorial do subespaço Tabatinga-Leticia, viabilizando fluxos na escala local e extralocal.
6A pesquisa ancorou-se teórica e metodologicamente nos conceitos: formação socioespacial (SANTOS, [1979], 2008a); fluidez territorial (SANTOS, [1994], 2008c; [1996], 2009; ARROYO, 2001); faixa de fronteira e cidades gêmeas (MACHADO, 2005; OLIVEIRA, 2005; STEIMAN, 2002); geopolítica (ANDRADE, [2001], 2007; COSTA, [1988], 1997; RAFFESTIN, [1980], 1993) e Amazônia (BECKER, 1994; [2004], 2009).
Figura 1a e 1b. Localização da área de estudo.
Fonte: cedido pela Capitania dos Portos de Tabatinga, adaptado pelo autor.
7Os fluxos comerciais que se estabelecem entre as cidades gêmeas Tabatinga e Leticia, delas para o interior de seus países e para com outros países, são deveras influenciados pelo contexto regional em que se inserem. A escassa dotação de recursos e o reduzido tamanho de seus mercados internos pesam sobre o desenvolvimento dos seus circuitos produtivos, de forma que os produtos que podem oferecer à cidade vizinha estão relacionados a sua capacidade de se conectar aos mercados de seus respectivos países (GRUPO RETIS, 2009). Essa capacidade é diretamente proporcional às condições jurídicas comerciais em que se inserem e aos meios logísticos de transporte de que dispõem. Enfim, determinada pelas próprias condições de porosidade e fluidez territorial do subespaço (EUZÉBIO, 2012).
- 5 Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e a comercialização d (...)
8Um conjunto de normas vigentes constituído de acordos binacionais tece uma trama de benefícios fiscais que determina as possibilidades comerciais de/para o subespaço. É o caso, por exemplo, dos combustíveis (gasolina e diesel) que Leticia importa do Brasil via Manaus com uma redução tributária da ordem de 50% (sem a incidência da CIDE5), comparativamente ao mesmo combustível comercializado em Tabatinga e no restante do Brasil.
9Também em função da Convenção Especial de Comércio, Navegação e Limites, vigente entre Brasil e Peru desde 1851, é permitida a navegação com cargas pelo rio Amazonas, desde sua foz até a jusante. Essas cargas passam em trânsito através de balsas e navios de grande calado sem atracar em Tabatinga e chegam até Iquitos (Peru), 245 km a oeste do subespaço. Dessa forma, Iquitos se tornou a principal responsável pela abundante oferta de produtos importados da China e do sudeste asiático no mercado local. Roupas, brinquedos, eletrônicos, DVDs, relógios, entre outros produtos asiáticos chegam a Tabatinga, trazidos por sacoleiros e ambulantes peruanos. A condição fiscal de Iquitos, como área de livre comércio peruana, dá suporte a esse processo.
10Nas lojas e mercados de Tabatinga, os artigos mais procurados pelos colombianos são os produtos de alimentação industrializados oriundos do centro-sul do Brasil via Manaus. Além dos básicos de alimentação como arroz, feijão, açúcar, macarrão, óleo de soja e outros, também as carnes congeladas, principalmente a de frango, frios, enlatados, bebidas e artigos em geral. Esses produtos são comprados em Tabatinga pelos leticianos, tanto no varejo como no atacado e abastecem Leticia e várias localidades e povoados colombianos e peruanos situados nos arredores, como o exemplo de Puerto Nariño, localidade colombiana situada a cerca de 90 km a noroeste de Leticia.
11Em sentido contrário, os produtos mais procurados pelos brasileiros em Leticia são os eletroeletrônicos, bebidas destiladas, perfumes, roupas e calçados. Essas mercadorias são importadas para Leticia sem impostos, oriundas de Áreas de Livre Comércio nacionais, como os San Adresitos, de Bogotá, e internacionais como Miami e Panamá. Tais produtos são postos a venda nas lojas de Leticia com preços compensadores comparativamente aos praticados no Brasil, devido, sobretudo, ao diferencial tributário.
12Outro fluxo comercial representativo em volume e importância para o aprovisionamento, tanto de Tabatinga como de Leticia, é o de produtos agrícolas não industrializados como: batata, cebola, tomate, feijão, lentilha, alho, ovos, cenoura, beterraba, pimenta, condimentos e grãos a granel em geral. Esses produtos são cultivados, em parte, por ribeirinhos brasileiros e peruanos, moradores das margens do rio Solimões/Maranõn, mas, sobretudo, pelas populações agrícolas tradicionais peruanas que vivem nos vales entre a serra andina e a costa litorânea daquele país, nas Províncias de Huánuco, Arequipa, Cusco, Lima, entre outras. As condições de clima e solo daquelas regiões favorecem o cultivo desses produtos tradicionais, que são, então, exportados por via fluvial ao subespaço Tabatinga-Leticia.
13Uma quantidade menor, de origem colombiana, é cultivada na região andina (Departamentos de Cúcuta, Cundinamarca, Antioquia e outros), em condições de clima mais frio, como a couve-flor, o brócolis, o pimentão, o nabo, a maçã, a pera, etc. Estes chegam a Leticia por via aérea, com preços mais altos devido ao transporte. Todavia, por não terem concorrentes, têm mercado certo.
14A pesca é, seguramente, a atividade produtiva local que, tradicionalmente, envolve o maior número de pessoas e movimenta a economia regional. A maior parte dos pescadores que atuam na região é brasileira, contudo, o grande mercado de peixes é colombiano. É comum os pescadores se submeterem ao sistema de aviamento da pesca praticado pelos frigoríficos colombianos de Leticia, devido aos altos custos e à dificuldade de obtenção de equipamentos e materiais de pesca, associados à indisponibilidade de crédito e financiamento.
- 6 Designação comum a determinados peixes que possuem o corpo desprovido de escamas ou revestido de pl (...)
15Nessa região do Alto Solimões, a área potencial de pesca brasileira é maior do que a dos demais países, sobretudo dos “peixes de couro”6. Esses têm baixa aceitação no mercado brasileiro, no entanto, são considerados nobres na Colômbia e em países europeus. Leticia reúne o pescado regional, congela-o in-natura em seus frigoríficos, e o vende para o centro da Colômbia, o qual exporta para a Europa, Argentina e Chile, constituindo uma importante fonte de renda e entrada de divisas para a cidade de Letícia. O mapa abaixo exemplifica os principais fluxos extralocais articulados no subespaço: as linhas azuis representam os fluxos colombianos; as vermelhas os peruanos; e a verde os brasileiros.
Figura 1 - Principais fluxos que abastecem o subespaço em escala extralocal
Fonte: Trabalho de campo. Elaborado pelo autor.
16Os produtos importados do Sudeste Asiático pelo Peru passam via rio Solimões em frente ao subespaço diretamente à Iquitos e depois retornam para Tabatinga e Leticia pelo “circuito inferior da economia” (SANTOS, [1979], 2008b). Tabatinga, por sua vez, atua como fornecedora em atacado de produtos alimentícios industrializados às localidades brasileiras, colombianas e peruanas adjacentes ligadas por via fluvial, inclusive Iquitos, para alguns produtos. Eletrodomésticos, tecidos, enlatados, frutas e verduras de clima frio são importados de Bogotá por via aérea a Leticia e comercializados no subespaço.
17Nesse cenário comercial, fortemente influenciado pelo território (fluidez e porosidade), ainda há um fenômeno fundamental a ser considerado: o câmbio. Esse é um elemento sempre presente nas relações de vizinhança vividas no subespaço fronteiriço. As informações disponíveis indicam que a moeda brasileira obedece ao valor oficial de Brasília, enquanto a moeda colombiana, na cidade de Leticia, tem um valor desvinculado do valor oficial de Bogotá. O valor do peso “leticiano” está sujeito às variações do mercado local, associado à oferta e à demanda, intimamente relacionada ao comércio do pescado.
18Estes fluxos são viabilizados por um conjunto de sistemas de engenharia destinados e especializados para esse fim, isto é, permitir o transporte material de cargas e passageiros por via fluvial e aérea, para os fluxos regionais e internacionais, e por via terrestre para os fluxos interurbanos. E, também, são regulados por um conjunto de normas.
- 7 Originária da PORTOBRAS fundada em 1975 e dissolvida por ocasião da descentralização da administraç (...)
19A bacia da Amazônia Ocidental é gerida pela Administração das Hidrovias da Amazônia Ocidental7 (AHIMOC), órgão subordinado à Diretoria de Infraestrutura Aquaviária (DAQ), ao Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (DNIT) e à Companhia Docas do Maranhão (CODOMAR). Desde 1997, por delegação do Estado do Amazonas, através do convênio nº 7, de 26 de novembro, o Porto de Manaus passou a ser administrado pela Sociedade de Navegação, Portos e Hidrovias do Estado do Amazonas (SNPH). Sua área de influência cobre grande parte do Estado do Amazonas, possuindo quatro unidades regionais nos municípios de Parintins, Coari, Itacoatiara e Tabatinga.
- 8 A abreviação em inglês de roll-on roll-off, designa o modo como as cargas são embarcadas e desembar (...)
20O rio Solimões, que margeia Tabatinga e Leticia, por se constituir uma hidrovia da Amazônia Ocidental, é administrado pela AHIMOC, e os portos instalados em suas margens são administrados pela SNPH. O Solimões possui 1.630 km navegáveis e é aberto a navios mercantes, podendo estes navegar por seu leito até a cidade de Iquitos (Peru). No tocante a cargas, na bacia trafegam desde pequenas cargas, em grandes quantidades para atender às necessidades das populações ribeirinhas, até carretas e contêineres pelo sistema conhecido como ro-ro caboclo8, incluindo o transporte de granéis líquidos. Neste último, se destacam os de derivados de petróleo que igualmente suprem a população ribeirinha no abastecimento de usinas termelétricas.
21O Porto de Manaus deixou de ser concessão da companhia inglesa Manaos Harbour Limited, após o Decreto nº 60.460, de 13 de março de 1967, quando passou a ser controlado pelo governo federal. Fase que marcou o início da implantação dos portos flutuantes nos rios da Amazônia. A partir da metade dos anos 1970, em comunhão com o esforço de integração nacional e sob o auspício da Doutrina de Segurança Nacional, foi criada a Empresa de Portos do Brasil S/A (PORTOBRAS). Uma “holding” que representava o interesse do governo em centralizar atividades portuárias seguindo os critérios de centralização da administração pública federal vigente à época, iniciada no Estado Novo e intensificada após 1964. Nos anos 1990, o sistema portuário brasileiro passou por uma crise institucional devida a dissolução da PORTOBRAS (Lei nº 8029/90), criando um vazio institucional. O processo culminou com a aprovação da Lei nº 8.630, em 25 de fevereiro de 1993, conhecida como Lei de “Modernização dos Portos” que instituiu o marco legal privatista.
22O Porto Fluvial de Tabatinga foi construído em 1976 e administrado pela PORTOBRAS até 1993. Desde 2008, estava interditado para reforma e manutenção e, em março de 2009, foi reinaugurado. As linhas regulares de carga e passageiros que fazem o trecho Manaus-Tabatinga configuram a forma fundamental de abastecimento da Tabatinga, Leticia e arredores. Seguramente, mais de 90% do provimento de Tabatinga é realizado por esta modalidade. Através dela, por exemplo, chegam mercadorias como: alimentos, remédios, combustíveis, vestuário, eletrodomésticos e móveis. Enfim, lojas de varejo, oficinas, grandes, médios e pequenos comércios, instituições públicas, etc. Todas são abastecidas por meio dessa via fluvial. Além disso, a modalidade representa importantíssima e tradicional forma de transporte de passageiros na escala regional, dominando mais de 70% desse setor.
23Isso se deve a impossibilidade geológica/geográfica/ecológica de construção estrada/rodovia até o subespaço, pois esta teria de ser através selva, sobre terrenos inconsistentes (sem rochas) que não suportam pavimentação, situação já conhecida de outras experiências como trechos da Transamazônica, que são sazonalmente impraticáveis, sem considerar o fator custo/distância que ultrapassaria 1.000 Km seguramente.
24E por assim ser, ao se referir às cidades amazônicas, José Aldemir de Oliveira (2006) ressaltou que: “O porto é por onde se chega e se vai; ele contém a possibilidade de entendimento da cidade, pois a vida começa no porto, menos pelo movimento, mais pelo fato de ele encerrar quase tudo que a cidade possui e que nela falta” (p. 27), e ainda que “os rios são as estradas da Amazônia” (Ibdid.). O modal fluvial se constitui fundamental à fluidez territorial na ampla região da Amazônia. Para Huertas (2007), “os barcos regionais carregam estórias de vida e também expectativas de quem aposta na Amazônia” (p. 277).
25Aproximadamente 5.100 toneladas de cargas chegam ao porto de Tabatinga, provindas de Manaus, mensalmente. Se considerarmos que a cidade não possui comunicação rodoviária e que a quantidade de carga transportada por via aérea não passa de 5 toneladas/mês, significando 0,1%, temos que praticamente todo o abastecimento de Tabatinga é realizado por esse meio. Daí a importância que a estrutura física desse sistema, incluindo as embarcações, o porto, os funcionários e sua gestão, tem para a própria existência da cidade, constituindo-se em fundamental linha de fluidez territorial do subespaço (EUZEBIO, 2012).
26As principais categorias de embarcações que operam no trecho Manaus-Tabatinga estão sumarizadas no quadro abaixo, segundo a capacidade de carga e passageiros:
Quadro – Categorias de embarcações que operam no trecho Manaus-Tabatinga.
Designação
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Descrição
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Navios Motores
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Embarcações de aço com maior segurança; responsáveis pelo abastecimento da cidade de modo geral; possuem frigoríficos com capacidades de até 80 toneladas e capacidade de carga de 350 a 1.200 toneladas, e de 200 a 600 passageiros.
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Balsas
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Embarcações de aço de baixo calado; ótimas a navegação no período de vazante do rio; possuem frigoríficos com capacidade de até 150 toneladas e transportam exclusivamente cargas; demanda 21 dias no trecho Manaus-Tabatinga.
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Lanchas Motores
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Geralmente de madeira, especializadas em transportar peixe; não viajam até Manaus; a maior parte procede de Tefé, no Amazonas, e o destino é a cidade de Letícia. Os proprietários, em grande parte, são colombianos; capacidades de até 50 toneladas.
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Expressos
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Embarcações exclusivas para passageiros; capacidade de 100 a 150 pessoas; demandam de 36 a 50 horas no trajeto Tabatinga-Manaus, e 10 horas a mais no sentido contrário; apenas três expressos operam no porto de Tabatinga, desses, um trafega somente até a cidade de Tonantins, e os outros dois entre Manaus-Tabatinga, realizando uma viagem por semana.
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Fonte: elaborado pelo autor a partir de trabalho de campo.
27Ambas as cidades possuem aeroportos internacionais com restrições para operação de grandes aeronaves. Esses aeródromos foram construídos a partir da metade da década de 1950, com vistas à articulação territorial e a atender as políticas de segurança nacional dos respectivos países. Eles se constituem fixos fundamentais de articulação do subespaço, considerando que as duas cidades não possuem comunicação terrestre (EUZEBIO, 2012).
- 9 Originado da pista de pouso construída em 1965 para atender as necessidades e demandas da Força Aér (...)
- 10 Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (INFRAERO).
28O Aeroporto Internacional de Tabatinga9 está localizado a 1.105 km a oeste de Manaus, foi construído em 1968 e é administrado pela INFRAERO10 desde 1980. Possui uma pista de 2,1 Km de comprimento e capacidade para 85 mil passageiros/ano. Este fixo apoia logisticamente a cidade de Tabatinga e serve de base aos Pelotões Especiais de Fronteira (PEF) do Exército Brasileiro instalados na vasta extensão da fronteira oeste da Amazônia.
29Até setembro de 2008, operavam no aeroporto de Tabatinga as companhias aéreas RICO e TRIP. Desde então, o trecho é exclusivo da TRIP, a qual oferece voos diários, operando com duas aeronaves: um ATR 42 e um ATR 72, com capacidade para 48 e 68 passageiros, respectivamente. Entre 2003 e 2007, a Rico liderou o transporte aéreo na região norte com uma frota de nove aviões. Nessa fase, a rota Manaus-Tabatinga era dividida alternadamente entre as duas companhias. A RICO operava com um jato Boeing 737-200 com capacidade para 136 passageiros, e a TRIP com um turbo-hélice ATR 42 de fabricação francesa, com capacidade para 48 passageiros.
- 11 Reinaugurado em 1974 pelo presidente Misael Pastrana, recebeu o nome de Alfredo Vázquez Cobo em hom (...)
30A comunicação aérea entre Bogotá e Leticia, até 1948, era realizada por aviões anfíbios. A partir de 1950, o Departamento de Aeronáutica Civil iniciou a construção do aeródromo de Leticia, a fim de melhorar a comunicação e reforçar a presença do Estado no sul do país. O Aeroporto Internacional de Leticia11 foi inaugurado em 1955. Inicialmente tinha uma pista de 900 metros de comprimento que posteriormente foi estendida para 2,3 Km em 1973. A partir de então, o aeroporto passou a ser ponto de conexão de voos peruanos, bolivianos e brasileiros, e a ser rota norte-americana depois de firmado em 1956, o convênio bilateral entre a Colômbia e Estados Unidos.
31No final da década de 1980, duas companhias de cargas passaram a utilizar as instalações do aeroporto, oferecendo voos regulares, trazendo provisões à Leticia e escoando grande quantidade de peixe ao mercado central do país, operando com aviões grandes como o DC-6 e o 737. Nos anos 2000, novas companhias aéreas passaram a operar em Leticia. No aeroporto Vásquez Cobo, atuam hoje quatro companhias aéreas: Aires; Copa-Aerorepública, Satena e Avianca. A concorrência e o benefício fiscal concedido viabilizam preços econômicos em Leticia de onde partem voos internacionais para os Estados Unidos, Miami e Panamá. Tal possibilidade tem promovido o turismo ecológico em Leticia, uma de suas principais atividades econômicas. Notadamente, o transporte aéreo colombiano é mais desenvolvido, em especial o de cargas, por ser um serviço essencial para Leticia, haja vista que não dispõe de ligação fluvial ou rodoviária com o interior de seu país.
32O subespaço compreendido pela conurbação das duas cidades fronteiriças possui um eixo estruturante contínuo compreendido por uma avenida de duas vias, cada uma com duas pistas e um canteiro central. Esta via atravessa Tabatinga e Leticia no sentido norte-sul, somando uma extensão de aproximadamente 6 km. Construídas em épocas distintas, primeiramente o segmento colombiano denominado de Avenida Internacional na década de 1980 e, posteriormente, o brasileiro nomeado de Avenida da Amizade na década de 1990.
33A Avenida Internacional foi construída em 1985, mesmo ano em que foi estruturada a atual planta urbana de Leticia, incluindo a rede de água e esgoto. A cidade possui um traçado reticular ordenado, com áreas públicas, denotando certo planejamento urbano.
34A primeira pista da Avenida da Amizade foi inaugurada em novembro de 1990 e a segunda concluída em 1992. A obra, financiada pelo governo federal, foi executada pela Comissão de Obras Aeroportuárias da Força Aérea Brasileira (COMARA). Até 1968, a via era apenas um caminho estreito, sem pavimento ou qualquer estabelecimento comercial as suas margens, apenas ladeada pela exuberância da selva. Atualmente, a Avenida da Amizade é um símbolo da cidade de Tabatinga, costuma estar com os jardins do canteiro central bem cuidados, os imóveis de suas margens são os mais valorizados e concentram a maior parte das instituições públicas, comércios e serviços da cidade.
35O transporte urbano no subespaço é interfronteiriço. Cerca de 50 coletivos cobrem as rotas entre Tabatinga-Leticia e outras localidades periféricas. Os coletivos são, em sua maior parte, do tipo furgões (Vans) e Kombis. Os táxis brasileiros têm seus pontos em Tabatinga e os colombianos em Leticia, mas atendem igualmente ao subespaço das duas cidades sem pagamento de qualquer tarifa diferencial. Da mesma forma, os “moto-táxis”, que são numerosos, organizados em cooperativas, representam opção de emprego aos jovens.
36Enquanto objeto provedor da fluidez territorial, em termos locais, a Avenida da Amizade é absoluta em importância, viabilizando as relações entre as cidades vizinhas. Pela avenida, circulam diariamente milhares de pessoas num indo e vindo cotidiano, atravessando o limite de fronteira tal como se fosse um território uno. A relação econômica de complementaridade estabelecida entre as cidades é fundamental à manutenção do lugar e repercute no aspecto social e cultural de seus moradores.
- 12 Desde dezembro de 2009 viemos realizando um levantamento sobre como se estabelecem os serviços de t (...)
37Entre os elementos que caracterizam o meio técnico-científico-informacional, o último, informacional, é um fator que vem adquirindo relevância crescente a medida que a divisão territorial do trabalho se acentua na escala global. A informação flui entre os lugares conduzindo mensagens que são, antes de tudo, fontes preciosas de apoio à decisão, contribuindo para consubstanciar as ordens, as quais são, em última instância, os elementos que irão agir diretamente sobre a sociedade e o território após executadas pelas firmas, instituições e pessoas. Para Bertha Becker ([2004], 2009), as redes de telecomunicações na Amazônia se constituem elementos de crucial importância para o estabelecimento das relações global-local. Nesse sentido, apresentamos a seguir informações de ordem técnica12 a respeito das possibilidades de comunicações no subespaço em questão.
- 13 Nome fantasia da empresa de telefonia Tele Norte Leste Participações, antiga Telemar, que em 2009, (...)
38Em Tabatinga, a empresa OI13 através de um enlace satelital conecta sua central local com o sistema nacional de voz e dados (telefonia e internet). Na cidade, a empresa possui uma central digital de voz que comporta a demanda de telefonia fixa local, sendo esta a única concessionária que presta esse serviço à população.
- 14 Kylobit por segundo. Unidade de medida de velocidade de transmissão de dados. 1.000 bits por segund (...)
- 15 TIM Brasil, subsidiária do Grupo Telecom Itália, atua no Brasil desde 1998, e recentemente incorpor (...)
39O serviço de internet é exclusivamente oferecido à pessoas jurídicas a uma velocidade máxima de 512 Kbps14. Nessa modalidade, seus clientes são o Banco do Brasil, o Bradesco e a Caixa Econômica Federal. A telefonia fixa abrange a maior parte da cidade, com exceção de locais específicos de urbanização recente. A telefonia móvel passou a ser oferecida em 2003 pela empresa TIM e em 2008 pela VIVO. A TIM15, a partir de 2008, passou a ofertar internet móvel com velocidade nominal de até 200 Kbps, o que na prática, devido a intensa demanda pelo serviço, não passa de 40 Kbps.
- 16 Embratel, empresa pública criada em 1965 pelo Presidente Castelo Branco com a finalidade de prover (...)
40As telecomunicações na região da selva amazônica são praticamente todas estabelecidas através de satélites implicando em altos custos e dependência tecnológica. Nesse sentido, a atuação da Embratel16 foi significativa para superar o atraso tecnológico do país quanto à interligação do espaço nacional. Na região Amazônia, somente em 2007, ela conectou Manaus a Porto Velho por fibra óptica melhorando as condições da capital amazonense. No mesmo ano, a Embratel ativou sua terceira geração de satélites de comunicações, ampliando a cobertura para além do território nacional. Essa ampliação da capacidade de operação via satélite significa um fator potencial que pode levar melhores condições técnicas a Tabatinga e às cidades amazônicas. Contudo, hoje privatizada, o que define suas prioridades de atendimento é o mercado, maior nos lugares onde há mais consumidores. Cabendo então nos perguntar quando as pequenas cidades amazônicas que, em sua maior parte têm população menor que 20 mil habitantes, serão atendidas? Qual será a prioridade da OI para Tabatinga? Enquanto isso, o lugar permanece quase desconectado, e à margem das condições necessárias ao desenvolvimento de suas empresas e sociedade.
- 17 Agência Nacional de Telecomunicações. Primeira agência reguladora do Brasil criada em 1997.
41A ampliação recente dos serviços da Embratel é fundamental para a Amazônia brasileira e para Tabatinga. Tendo em vista que ela e a Oi são as empresas que dominam o setor de telefonia fixa, internet banda larga e TV digital na região. A questão normativa também afeta a provisão de telecomunicações na região amazônica. A partir da instalação do modelo neoliberal nos anos 1990, as telecomunicações foram privatizadas em 1998, permitindo a formação de grupos hegemônicos formados pela fusão das antigas concessionárias estaduais sob o domínio de poucas empresas privadas, o território foi monopolizado e passou a obedecer a exclusiva lógica do mercado, amparado pela norma estatal e regulado pela ANATEL17.
42Hoje, por exemplo, a Oi, antiga Telemar, que até 1998 atuava no sudeste, nordeste e norte, atua no país inteiro, abarcando 16 empresas desde 2001 e, em 2009, ao comprar a Brasil Telecom, tornou-se a maior operadora do país. Apesar de se constituir uma empresa nacional, monopoliza o setor e estabelece suas prioridades conforme as demandas do mercado. Assim, os lugares opacos da região norte, especialmente os do interior do Amazonas continuarão “escuros”, enquanto os já luminosos tendem a ficar ainda mais brilhantes (EUZÉBIO, 2012). Teria o Estado, por meio da ANATEL, de normatizar a atuação dessas empresas no território nacional no sentido de equilibrar as disparidades do território brasileiro. Enquanto isso não acontece, o único meio é o governo tornar-se um grande cliente ao ponto de despertar a atenção da Oi, drenando dinheiro público para o benefício privado.
- 18 Asymmetric Digital Subscriber Line (ADSL) é uma tecnologia de comunicação que permite transmissão d (...)
43Na cidade de Leticia o serviço de telefonia fixa é prestado pela empresa Telefónica Telecom pertencente ao grupo espanhol Telefónica, que cobre as localidades de Leticia, Puerto Nariño e Compartel. Aos dois primeiros municípios, a empresa oferece os seguintes os serviços de telefonia fixa; internet banda larga por fio e televisão digital. A internet de banda larga utiliza a tecnologia ADSL18 com velocidade de até 1 Mbps.
- 19 GPRS - Serviço de Rádio de Pacote Geral é uma tecnologia que aumenta as taxas de transferência de d (...)
44O serviço de telefonia móvel celular é prestado pela empresa colombiana COMCEL e pela espanhola Telefónica MOVISTAR. Ambas as operadoras oferecem telefonia móvel com tecnologia GSM em Leticia e Puerto Nariño. A MOVISTAR disponibiliza ainda internet móvel GSM com velocidade de até 64 Kbps e a CONCEL oferece internet via GPRS19 que é um canal de GSM com velocidade até 200 Kbps.
Quadro – Serviços e tecnologia de telecomunicações e internet.
- 20 Intercâmbio comunicacional e cultural relacionado às possibilidades de conexões entre as pessoas se (...)
Serviços
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Tabatinga
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Leticia
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Telefonia Fixa
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OI
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TELEFÓNICA
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Telefonia Móvel
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TIM e VIVO (GSM)
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MOVISTAR e CONCEL (GSM)
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Internet Discada
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Não disponível
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Obsoleto
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Internet Banda Larga por linha privativa
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OI. Contratos limitados para pessoas jurídicas.
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Sem Informação
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Internet Banda Larga (ADSL)
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Não disponível
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TELEFÓNICA
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Internet Móvel
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TIM e VIVO (GPRS)
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MOVISTAR e CONCEL (GPRS)
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Síntese
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- psicosfera limitada;
- menores possibilidades de serviços público e privados via internet;
- vida de relação20 menos intensa;
- menor número de conexões extralocais;
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- psicosfera ampliada;
- maiores possibilidades de serviços públicos e privados via internet
- vida de relação mais intensa;
- maior número de conexões extralocais;
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Fonte: elaborado pelo autor a partir de trabalho de campo. Outubro de 2010.
45O quadro acima nos permite avaliar que o cenário de telecomunicações e internet enquadra Leticia como uma localidade melhor provida desses serviços em qualidade, quantidade de operadores e velocidade de acesso. Um diferencial muito significativo nesse sentido é o oferecimento de internet banda larga por linha de voz (ADSL) na planta urbana de Leticia. Isso traz uma diferença expressiva quanto à qualidade e velocidade de acesso à internet comparativamente a Tabatinga.
46Essa diferença tecnológica permite que existam em Tabatinga empresas provedoras de internet via rádio. Estas empresas contratam internet via satélite de operadores de São Paulo ou “pirateiam” a internet banda larga de Leticia, e distribuem via rádio para centenas de clientes tabatinguenses. Um serviço de baixa qualidade, instável e reduzida velocidade.
47Do ponto de vista geográfico, a deficiência tecnológica de Tabatinga em serviços dessa natureza significa uma barreira à fluidez territorial, uma vez que impede ou limita a circulação de informações e ordens entre a cidade e outros lugares. No sentido prático, inviabiliza todo tipo de comércio eletrônico e o acesso a serviços públicos governamentais oferecidos via internet. Limita, ainda, operações bancárias, educação a distância, despacho de documentos, comprometendo assim o acesso a uma gama de serviços públicos e privados on-line, os quais representam acesso à informação, inclusão e cidadania.
48Nesse sentido, Leticia se apresenta melhor provida e, no contato com sua população em geral, percebe-se uma adaptação ao uso desses serviços. Interpreta-se que a disponibilidade dos serviços contribui para o desenvolvimento de uma psicosfera atualizada com a realidade dos grandes centros, tanto a nível tecnológico como de inserção social e política.
49A energia elétrica se constitui em um elemento básico da vida urbana de qualquer cidade. Nos dias atuais, mesmo no campo, ela é fundamental e, nos países desenvolvidos, está presente nas áreas rurais há décadas. Pensar a Amazônia de nossos dias inclui, em primeiro plano, a provisão de energia elétrica para suas cidades e povoados. Obviamente, se faz necessário um estudo especializado para atender às particularidades da região, mormente às condições físicas da floresta equatorial úmida, onde se inclui o clima, a topografia, a vegetação e as distâncias, concomitante a uma política e estratégia de desenvolvimento regional.
50Desde maio de 2008, a Eletrobrás Amazonas Energia passou a ser a responsável pelas atividades de geração, distribuição e comercialização de energia elétrica em Tabatinga. Uma usina termoelétrica movida a óleo diesel com capacidade de 6.700 kW abastece a cidade que possui uma demanda próxima aos 8.500 kW. Recentemente, a Eletrobrás divulgou que novos grupos geradores elevariam a produção a 9.500 kW, mas isso ainda não aconteceu. A cidade vive um problema energético crônico de instabilidades e racionamentos, advindos do aumento da demanda nos meses mais quentes e/ou da inadequada gestão do combustível que vem de Manaus embarcado em balsa, consumindo 21 dias no trajeto.
51Os comerciantes contabilizam prejuízos enquanto o comércio de grupos geradores portáteis movidos a gasolina cresce. A população sofre. As repartições públicas param devido a seus sistemas e serviços ficarem indisponíveis. As escolas cancelam as aulas no turno da noite. Enfim, vários setores são prejudicados pela falta de energia elétrica. Essas ocorrências eram “normais” até 2009. De 2010 para cá, as interrupções têm acontecido com menor frequência, devido a melhor gestão da provisão do combustível, mas a capacidade instalada permanece a mesma.
52A energia elétrica em Leticia é provida por uma termoelétrica estatal de 3.200 kW. A maior parte do diesel é fornecida pela Petrobrás via Manaus. Dependente do aporte hidroviário sofre da mesma instabilidade que Tabatinga. É comum encontrar pequenos grupos-geradores na entrada dos comércios leticianos. Parte do problema é devido à localização e ao transporte, e outra, à matriz produtora: óleo diesel. Tal deficiência inviabiliza a instalação de indústrias em ambas as cidades e se constitui em forte obstáculo à fluidez territorial e ao desenvolvimento econômico, produtivo e social.
53As instituições voltadas para a educação, em todos os seus níveis, também são relevantes para a análise do subespaço. Em síntese, Leticia possui três institutos científicos para apoio à pesquisa acadêmica e três estabelecimentos de ensino superior, sendo que a sede da Universidade Nacional da Colômbia, em Leticia, oferece cursos de Mestrado e Doutorado pagos. Tabatinga, por sua vez, não possui nenhuma instituição científica de apoio à pesquisa e conta apenas com um centro da Universidade do Estado do Amazonas, voltado exclusivamente para licenciaturas. A maior parte da educação de nível fundamental e médio, nas duas cidades, é pública, sendo que em Leticia, há seis escolas privadas que atendem o ensino fundamental e médio, enquanto que em Tabatinga há apenas duas escolas privadas para educação infantil.
54A saúde pública é outro setor sensível e carente no subespaço. Tanto Tabatinga como Leticia possuem sérias restrições quanto ao atendimento médico de modo geral. As dificuldades reúnem carências de ordem física (instalações e equipamentos) e, principalmente, de recursos humanos, devido à falta de profissionais de saúde para várias especialidades médicas. No que concerne às instalações, em nenhum dos dois hospitais das cidades existem Unidades de Tratamento Intensivo (UTI), apenas alguns leitos semi-intensivos.
55Na Colômbia, desde 1993, quando foi criado o Sistema Geral de Seguridade Social em Saúde (SGSSS), a gestão da saúde ficou dividida em três grupos: sistema de saúde subsidiado, que atende 48% da população e conta, atualmente, com três Empresas Prestadoras de Serviço de Saúde Subsidiado (EPS-S), sendo que quase metade desse grupo é de indígenas; serviço de saúde contributivo, corresponde a 30% da população, atendida pelas Empresas Privadas Promotoras de Saúde (EPS) e pelo Instituto de Seguro Social (ISS) SALUDCOOP y SANITAS; e, o sistema de saúde vinculado, que abarca 22% da população, atendendo a parcela mais pobre e carente por meio da Empresa de Saúde do Estado (ESE), representada pelo Hospital São Rafael de Leticia.
56Em resumo, o município de Leticia dispõe de uma Empresa de Saúde do Estado (ESE), leia-se: Hospital São Rafael; uma Instituição Prestadora de Saúde (IPS), privada, que oferece serviços de primeiro, segundo e alguns de terceiro nível; uma IPS para urgências de baixa complexidade; consultórios médicos privados, consultórios odontológicos, laboratórios clínicos, consultórios oftalmológicos e farmácias, sendo que em Leticia não existe uma rede de urgências estruturada criando lentidão nas respostas e ocasionando baixa qualidade (COLOMBIA, 2008, p. 64).
57A população de Tabatinga é atendida por postos do Sistema Único de Saúde (SUS) e seu único hospital é o Hospital de Guarnição de Tabatinga (HGuT), hospital do Exército Brasileiro, construído e mobiliado por profissionais militares daquela instituição. Foi instalado em Tabatinga com a finalidade de atender ao efetivo do Comando de Fronteira do Alto Solimões, o qual inclui o 8º Batalhão de Infantaria de Selva, situado na própria cidade e seus quatro Pelotões Especiais de Fronteira, situados na divisa territorial entre Brasil, Colômbia e Peru, bem como os militares das outras duas Forças Armadas.
58O Hospital de Guarnição de Tabatinga foi criado pelo Decreto nº 66.510, de 28 de abril de 1970, no município de Benjamin Constant e iniciou suas atividades naquela cidade em 1º de julho do mesmo ano. Foi, posteriormente, transferido para Tabatinga em 10 de julho de 1982, e a partir do estabelecimento do convênio 700.600, entre o Comando Militar da Amazônia (CMA) e a e Superintendência de Saúde do Amazonas (SUSAM), assinado no mesmo ano, a Organização Militar de Saúde passou a atender a população civil pelo SUS. Importante considerar que este se constitui no único hospital de média complexidade que serve aos 9 (nove) municípios integrantes da microrregião do Alto Solimões, a qual tem uma população superior a 224 mil habitantes segundo o IBGE (2010).
59O conjunto formado pelo Hospital de Guarnição de Tabatinga, de média complexidade, e pela Unidade Mista de Saúde de Benjamin Constant, de baixa complexidade, localizada no município vizinho de Benjamin Constant, a 30 minutos de lancha a motor, à sudoeste de Tabatinga, exerce uma significativa atração sobre as populações das cidades e povoados vizinhos, sejam eles brasileiros ou estrangeiros. Em função disso, é comum pessoas cruzarem as fronteiras em busca de suprir suas necessidades de saúde nessas localidades. Por outro lado, uma parte da população mais abastada de Tabatinga tem se associado a planos de saúde privados em Letícia no intuito de obter um atendimento de maior qualidade.
60Em síntese, é possível dizer que ambas as cidades possuem um sistema de saúde público estabelecido para o atendimento da população. O sistema de saúde colombiano é fechado e seletivo, no sentido de prestar o serviço conforme a categoria a que pertence o cidadão. O sistema de saúde brasileiro é aberto ao público, considerando que o SUS atende indiscriminadamente qualquer pessoa e, no caso específico de Tabatinga, acaba atendendo também a muitos estrangeiros. A esse respeito já observou Steiman (2002):
De modo geral os serviços de uso coletivo como os prestados pelo setor de saúde pública em Tabatinga são amplamente utilizados por colombianos e peruanos. Essa modalidade de relação não é específica da díade em estudo, mas de toda a fronteira norte, já que os países vizinhos apresentam serviços de saúde públicos deficientes ou pagos (p. 102).
61É importante considerar, no entanto, que em função da disponibilidade de serviços públicos, sobretudo o de saúde, o subespaço Tabatinga-Leticia acaba exercendo certa centralidade sobre vasto perímetro, sendo fator de atração populacional e promovendo um fluxo migratório importante. Tabatinga e Benjamin Constant têm sido significativo destino migratório de brasileiros de municípios do Alto Solimões e, sobretudo, de peruanos. Leticia também os receberia, não fosse sua forte fiscalização quanto ao ingresso de imigrantes ilegais. Leticia é uma cidade “policiada”, suas instituições de segurança e controle são atuantes, sobretudo às questões de contrabando, entorpecentes e imigrantes. Não são tolerados estrangeiros residindo ou trabalhando em Leticia sem permissão legal, situação oposta ao lado brasileiro, recinto de muitos imigrantes ilegais, sobretudo peruanos.
62A presença de instituições públicas no território qualifica o lugar. As instituições públicas são consideradas significativos objetos geográficos e podem contribuir para a fluidez territorial. Elas provêm os serviços básicos à população e se constituem em agente de inserção social e promoção da cidadania, tarefa básica que faz parte da missão constitucional do Estado. “Os sistemas de objetos não funcionam e não têm realidade filosófica, isto é, não nos permitem conhecimento. Os sistemas de ação também não se dão sem os sistemas de objetos”. (SANTOS, [1994], 2008c, p. 90). As ações, portanto, são essenciais ao funcionamento dos fixos, sua operação, fiscalização e controle. Os quadros 4 e 5 seguintes relacionam as principais instituições existentes em Tabatinga e Leticia, respectivamente.
Quadro – Principais instituições em Tabatinga por ano de instalação.
Instituições e Empresas
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Ano
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Instituições e Empresas
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Ano
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Pista de pouso de pequeno porte
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1965
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Tribunal de Justiça do Trabalho
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1989
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Colônia Militar de Tabatinga - Comando de Fronteira 8º BIS
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1967
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Inspetoria da Receita Federal
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1991
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Porto de Tabatinga e Banco do Brasil
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1976
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Delegacia da Polícia Federal de Tabatinga
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2000
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Bradesco
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1978
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Universidade do Estado do Amazonas
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2003
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Aeroporto Internacional (INFRAERO)
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1980
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Ministério Público Federal e Justiça Federal
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2004
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Hospital de Guarnição de Tabatinga e 9º Distrito Naval
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1982
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Caixa Econômica Federal
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2007
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Município de Tabatinga, instalação.
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1983
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Fórum de Justiça da Comarca de Tabatinga
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2008
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Fonte: elaborado pelo autor a partir de trabalho de campo.
63Observa-se que as instituições públicas começam a ser instaladas a partir da metade da década de 1960, iniciando pela pista de pouso (1965), e em seguida pela Colônia Militar de Tabatinga (1967). Trata-se de um contexto histórico que corresponde ao esforço político do Estado coincidente com o início do período militar no Brasil e, ao mesmo tempo, com a necessidade da integração nacional (BECKER, [2004], 2009). Percebe-se, um segundo momento, a partir dos anos 1980, que corresponde à nova fase política, justamente quando o município é emancipado (1983) e, então, inicia-se uma intensificação da estrutura político-administrativa necessária ao seu funcionamento. Essa fase, caracterizada pela abertura política, representa os últimos investimentos na Amazônia antes da chamada década perdida (1980-1990). Com exceção do escritório da Receita Federal, em 1991, necessário ao funcionamento da Área de Livre Comércio de Tabatinga criada em 1989, verifica-se que, somente após o ano 2000, novos investimentos foram direcionados à localidade.
64A cidade de Leticia passou a receber o aporte de serviços públicos na década de 1940, logo após a Guerra de Letícia (COLOMBIA, 1994). Inicialmente se instalaram as Forças Armadas e os meios logísticos a sua manutenção na localidade. Durante a década de 1960, recebeu novo aporte de investimentos governamentais, no entanto, foi somente a partir de sua elevação à capital de Departamento, quase 30 anos depois, em 1991 que, definitivamente, foi recoberta pela recente camada modernizante (rol de infraestruturas urbanas em geral, instituições e servidores públicos instaladas para o funcionamento da capital). O quadro a seguir relaciona as principais instituições instaladas em Leticia. Destacando-se as instituições de caráter militar, administrativo e social.
Quadro - Principais instituições em Leticia
Instituições e Empresas
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Aeronáutica civil y Apostal
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Departamento de Policía Nacional
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Armada Nacional y Colegio Naval de Leticia
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Dirección de Impuestos y Aduanas Nacionales
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Banco Agrario de Colombia y Banco de la República
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Hospital San Rafael de Leticia y Instituto de Seguros Sociales-ISS
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Cuerpo de Bomberos Voluntarios y Defensa Civil
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Inspección Fluvial
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Comando Unificado del Sur ( Ejercito) y Batallón de Infantería de Selva nº 50 e nº 26
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Secretaría de Educación y Servicio Nacional de Aprendizaje (SENA)
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Departamento Administrativo de Seguridad-DAS
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Contraloría General de la República y Procuraduría Departamental
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Universidad Nacional (Instituto IMANI)
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Instituto Nacional de Pesca y Acuicultura (INPA)
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Fonte: elaborado pelo autor a partir de trabalho de campo.
65Em se analisando as duas cidades em conjunto, verifica-se que, sobretudo, nas últimas duas décadas, ambas receberam um aporte significativo de órgão estatais associados à inversões em infraestruturas urbanas e recursos humanos (funcionários públicos emigrantes). Essa mudança qualitativa tanto afetou a psicosfera local quanto somou para a centralidade regional e para a intensificação de movimentos emigratórios para o subespaço.
66Dadas às condições geográficas físicas e locacionais (distância e isolamento), os fluxos locais e extralocais são condicionados pelos sistemas de engenharia instalados no subespaço. Somente as duas camadas de modernizações que recobriram o subespaço o fizeram sair de sua premente condição de isolamento, marginalidade e opacidade. A primeira foi implantada a partir dos anos 1930 em Leticia, e dos anos 1960 em Tabatinga; e a segunda iniciada no final dos anos 1990 em ambas as cidades.
67O transporte fluvial desde sempre se constituiu na artéria oxigenadora da ampla região transfronteiriça do Alto Solimões, sendo fundamental ao abastecimento do subespaço. Por meio dele, fluem os insumos necessários ao provimento das duas cidades e dos inúmeros povoados situados ao longo da vasta rede hidrográfica amazônica. A modernização dos portos e das embarcações seria a atualização necessária ao aumento da fluidez territorial.
68O abastecimento de Leticia é, sobretudo, realizado através da compra de produtos brasileiros e peruanos; está mais bem provida de meios de telecomunicações do que Tabatinga e sua população é mais adaptada às recentes tecnologias. Tabatinga, por sua vez, carece de atualização tecnológica em telecomunicações e internet. A energia elétrica, baseada em termoelétricas, instáveis e aquém da capacidade necessária, é o entrave à instalação de indústrias e ao desenvolvimento econômico produtivo. No transporte aéreo, é nítida a superioridade de Leticia em comparação a Tabatinga, que apresenta sintomas de estagnação técnica e de operação, em dissonância com a demanda pelo serviço que aumenta anualmente. Na área de saúde, é premente a necessidade de um Hospital Civil de Nível 1 em Tabatinga. Em educação, dada a alta taxa de crescimento vegetativo da população apontada nos últimos censos (3,8% a.a.), urge a necessidade de construção de novas escolas públicas, o incentivo às escolas privadas e a instalação de centros de pesquisa locais.
69Dos anos 1980 para cá, mudanças expressivas de cunho político, econômico e social alteraram a vida de relação e a dinâmica interna e externa do subespaço. As respectivas Nações empreenderam investimentos em infraestruturas (fixos), instituições e legislações, no intento de prover as localidades dos meios necessários ao seu desenvolvimento econômico e social, estimulando o comércio e as relações de vizinhança.
70Estas ações permitiram que hoje o lugar estabeleça relações verticais dentro de uma dinâmica global e de uma complementaridade econômica particular. Notadamente, a convergência dos investimentos possibilitou aumentar a fluidez territorial e consequentemente a circulação econômica, trazendo maior qualidade de vida à população do subespaço, promovendo o desenvolvimento de uma centralidade regional e repercutindo significativamente para fluxos emigratórios, econômicos e territoriais.