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Vidal de la Blache historiador

Vidal de la Blache historien
Vidal de la Blache historian
Larissa Alves de Lira

Résumés

L'article a pour but de situer le géographe Paul Vidal de la Blache (1845-1918) dans un "lent" processus d'institutionnalisation de la géographie, entre la fin du XIXe et le début du XXe siècle, et dans son évolution personnelle du métier d’historien à celui de géographe. Ses travaux sur la Méditerranée sont très importants pour nos objectifs, car ils traversent toute sa carrière, y compris quand il était historien. Nous faisons nôtres les hypothèses méthodologiques de l’histoire sociale des idées, qui inspire notre tentative d'établir des relations entre Vidal de la Blache et d’autres intellectuels, à l'intérieur et à l'extérieur du champ de la géographie. Pour cette reconstruction historique, on a recours à une histoire des continuités et des permanences dont l'approche méthodologique nous a amenés à considérer que, pour éviter les anachronismes, il convient de souligner que Vidal de la Blache n'a pas arrêté d'être historien en devenant géographe. La formation de Vidal de la Blache comme historien à l'École Normale Supérieure et à l'École française d'Athènes, et les relations qu'il a eu avec les historiens (même quand il était déjà reconnu comme géographe), ont marqué sa formation et sa carrière. C’est grâce à ce croisement entre disciplines qu’il élabore une conception originale du « temps géographique ». C'est cette notion que nous cherchons à définir et analyser comme un outil méthodologique important pour l'étude de la géographie humaine et, notamment, pour le géographe de terrain.

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Texte intégral

1Como pesquisadora no campo da história da geografia, torna-se cada vez claro como a reconstituição histórica pode ser reveladora de conceitos e processos que não necessariamente apareceram para os geógrafos contemporâneos ou mesmo foram mitigados no processo de constituição da disciplina. A história da geografia tem, portanto, um papel revelador no processo de formação da geografia contemporânea.

  • 1 Vidal de la Blache não foi um autor que se preocupou em sistematizar hermeticamente o seu método. A (...)

2No presente artigo, buscaremos apresentar um importante aspecto do método geográfico vidaliano que se sintetiza na noção de “tempo geográfico”. Através da reconstituição histórica da formação de povos e paisagens, Vidal formula uma ferramenta para se compreender as determinações do meio sobre os homens numa perspectiva possibilista, de forma a garantir uma suposta liberdade do homem em sua relação com o meio1.

3Para identificar o processo histórico de formulação da noção de “tempo geográfico”, recorreremos a uma revisão bibliográfica sobre a biografia de Vidal de la Blache (com recentes contribuições, em especial a de Sanguin) em que se descortina sua formação original; em seguida, procuramos lançar luz sobre a formação de La Blache como historiador, através da análise de seu trabalho histórico desenvolvido na Escola de Atenas, que nos ajuda a caracterizar tanto as continuidades como as rupturas da operacionalização da categoria “tempo”; nesse rastro, reconstituímos algumas das relações institucionais de La Blache com historiadores importantes do século XIX e XX ao longo de sua carreira (percebidas através das notas de rodapé de textos clássicos e de arquivos); discutiremos em seguida, e rapidamente, o motivo pelo qual uma abordagem contextual da institucionalização da ciência percebida num processo de longa duração e buscando evitar anacronismos (que se manifestariam, por exemplo, numa suposta idéia de separação das discicplinas que não se aplica ao século XIX) não foi unânime em relação a uma suposta ruptura de Vidal de la Blache em relação à história no processo de constituição da geografia enquanto disciplina. Por fim, procuraremos definir conceitualmente sua concepção de “tempo geográfico” a partir da análise dos textos vidalianos com o fito de esclarecer como esta noção poderia ser utilizada pelo geógrafo de campo.

Vidal de la Blache e sua formação entre a história e a geografia (1863-1918)

  • 2 É este historiador que futuramente encomendará de Vidal o Tableau de la Géographie de la France par (...)
  • 3 A estada em Atenas proporcionou-lhe muitas viagens, quase todas pelo Mediterrâneo. Em 1869 ele part (...)

4Nosso personagem nasce ligado à terra. Seu nome remete a uma pequena vila da região de Velay, em meio às montanhas do Maciço Central, onde o vilarejo é atravessado pelo rio Loire (SANGUIN, 1993, pp. 24-26). Neste ambiente, ele passará a infância até ser enviado, em 1858, paa estudar em Paris, em um dos mais conceituados liceus: Charlemagne. Lá, ele conheceu Ernest Lavisse2, uma classe escolar acima (SANGUIN, 1993, pp. 40-48). Terminados os estudos colegiais, em 1863, Vidal de la Blache passa em primeiro lugar no concurso de admissão da Escola Normal, o baccalauréat, (SANGUIN, 1993, p. 51). O terceiro ano da escola é dedicado à preparação para o concurso da Agregação, espécie de concurso para ingressar no sistema de esino francês como professor. Apesar do interesse tardio pela história, Vidal de la Blache lança-se apaixonadamente aos estudos. Apresenta-se à Agregação em história e geografia em 1866, aos 21 anos, enquanto a média de idade variava entre 27 e 42 anos. Nesse ano, quatro apenas são os agregados em história e geografia, sendo Vidal de la Blache o mais novo e único que ainda não tinha experiência em algum liceu. Porém, ele é aprovado em primeiro lugar (SANGUIN, 1993, pp. 53-55). A partir deste extraordinário resultado, uma perspectiva importante abrir-se-á: a École Française d'archéologie, criada em 1846, admitia, sem exame, os alunos aprovados em primeiro lugar na Agregação (SANGUIN, 1993, p. 59). Em 1867 ele é direcionado pelo ministro para a Escola de Atenas. Fazia parte do ritual de entrada uma passagem pela Itália, onde Vidal passa os meses de fevereiro, março e abril de 1867 (SANGUIN, 1993, p. 60)3.

5Em Atenas, Vidal de la Blache completa sua obra histórica: a biografia do reitor grego, Heródes Atiço, cuja vida desenrolou-se sob o cenário de dominação romana. La Blache deixa Atenas em 06 de dezembro de 1869 (SANGUIN, 1993, pp. 66-71). Esta estudo que Vidal desenvolveu no instituto de Atenas, será defendido como tese na Faculté de Lettres de Paris (Sorbonne), em 1872. Em 08 de janeiro de 1872, La Blache sustenta sua tese após uma longuíssima argumentação. Desde novembro de 1871, ele coloca em marcha uma estratégia para obter uma cadeira de história e geografia na Faculdade de Nancy, acionando as maiores personalidades do Ensino Superior, Dumesnil e Mourier. Sua escolha está ligada às recentes mudanças sofridas nos estudos geográficos, cujos eventos atraem-no a esta região (SANGUIN, 1993, pp. 104-106). Desde 04 de julho 1871 Nancy tornara-se fronteira com a Alemanha, recebendo exilados das antigas Alsácia e Lorena (SANGUIN, 1993, p. 106). Este interesse de La Blache pela Geografia, defende Andrews, é em grande parte impulsionado pelo contexto. Depois da derrota na guerra, Jules Simon, ministro da Instrução Pública, lança uma forte política para dar impulso à disciplina. Levasseur (Collège de France) e Himly (Sorbonne) são convocados para realizar uma enquete nacional sobre o ensino de geografia e história (ANDREWS, 1986). Esta investigação vai resultar em um relatório geral e, em novembro de 1871, Simon institui a Comissão de Ensino da Geografia. Esta instância terá 52 palestras entre 22 de novembro de 1871 e 20 de fevereiro de 1875 e terminará com o II Congresso Internacional de Geografia, ocorrido em Paris, de 01 a 11 de Agosto de 1875. Antes, em 10 de Outubro de 1872, La Blache é nomeado professor da cadeira de história e geografia de Nancy (SANGUIN, 1993, pp. 108-109).

6Para se preparar para as novas funções, Vidal viaja à Alemanha e lá encontra Peschel em Leipzig e Richthofen em Berlim. Também manterá relações com Ratzel (GALLOIS, 1918, p.164). Alguns anos depois, em 1877, La Blache é encarregado do ensino de geografia no terceiro ano da École Normale, no interior do curso de história (GALLOIS, 1918, p. 165). O sucesso das aulas fez com que tais estudos complementares fossem acrescidos em dois anos (SANGUIN, 1993, pp. 118-121). É nessa condição de professor associado ao curso de história que Vidal de la Blache ensinará durante 20 anos! – aspecto ao qual a historiografia tentará não dar relevo, como iremos salientar em um dos tópicos desse artigo. De lá sairão seus principais discípulos (SANGUIN, 1993, p. 137).

7Em 15 de Dezembro de 1898, La Blache é nomeado professor de Geografia na Sorbonne (SANGUIN, 1993, p. 139). De 1882 a 1902 ele percorreu toda a França para analisar e observar o terreno como uma forma de preparação e contribuição à monumental obra de Ernest Lavisse. Com 58 anos, Vidal de la Blache publica o fabuloso Tableau de la Géographie de la France (SANGUIN, 1993,p. 198). O sucesso do livro abriu a La Blache as portas da Académie des Sciences Morales et Politiques, para onde foi eleito em 1906. Na mesma data recebe o prêmio Auddifred (5000 francos) (SANGUIN, 1998, p. 201). Ademais, passou a presidir a seção de Geografia do Comité Historique et Scientifique no Ministério da Instrução Pública (GALLOIS, 1918, p. 171).

8Entre o fim de 1911 e o início de 1912, Vidal de la Blache não ensina mais na Sorbonne. Dedica-se então à confecção da Géographie Universelle e da La France de l'Est (SANGUIN, 1993, p. 270). Laure, sua mulher, morre aos 68 anos em 23 de março de 1914 (SANGUIN, 1993, p. 279). La Blache aposenta-se nesse mesmo ano, depois de um pedido ao ministro (SANGUIN, 1993, p. 279). O único filho homem sobrevivente morre aos 43 anos no campo de batalha em 1915 (restou-lhe apenas uma filha, que havia casado com Emmanuel De Martonne) (SANGUIN, 1993, p. 284).

9Quanto à sua última obra, escreve Ribeiro, apesar da edição póstuma, o Princípios de Geografia Humana revela-se como uma obra final. Desvela-se também que, depois de realizadas diversas viagens que cobriram o mundo, "o Mediterrâneo permanecia sendo, para ele, um lugar de predileção e um objeto de reflexão permanente.” (RIBEIRO, 1968, p. 650). Um amigo e colega, nos dá a conhecer que no fim da vida La Blache se dedicava às reflexões sobre o Mediterrâneo, cujo charme trazia-lhe as lembranças da infância... (BOURGEOIS, 1920, p.7).

Vidal como historiador erudito: o doutorado em Atenas (1869-1872)

10O doutorado de Vidal de la Blache na Escola de Atenas é o primeiro e dos poucos documentos em que vemos o historiador erudito com a pena à mão. Numa história que alerta sobre os elementos de permanência dos aportes da História no pensamento do autor, viu-se neste documento uma boa oportunidade de observar os elementos de formação de historiador de Vidal que restaram na sua carreira como geógrafo.

11No caso do doutorado, o grande personagem de quem importa recompor os percursos da vida é um reitor grego, Heródes Ático. Este grande homem, vivendo em tempos do império romano, conviveu de perto com o imperador.

12O grande esforço de La Blache é observar os monumentos epigráficos, principais tipos de documentos sobre a história antiga e atestar sua veracidade e autoria. Os grandes homens deixavam inscrições frente aos monumentos que eles construíam em benefício das cidades de sua responsabilidade (Heródes foi incumbido pelo imperador das províncias da Ásia e Atenas). Nessas inscrições, homenageavam-se os governantes e as famílias. Por vezes, fazia-se alusão a um acontecimento. Cabe ao historiador distinguir a autoria bem como classificá-los segundo uma ordem cronológica precisa: “Tentarei, ao combinar meu estudo com trabalhos anteriores, submeter este conjunto de conhecimentos a uma classificação cronológica tão precisa quanto o tema comporta.” (VIDAL DE LA BLACHE, 1872, p. 8). Vidal critica uma outra biografia, escrita ainda em tempos antigos: “Infelizmente, um erro grave afeta todo o seu trabalho: Filóstrato [outor biógrafo de Herodes Atiço] deixando sem dúvida tais precisões para os analistas, não observa nenhuma ordem cronológica.” (VIDAL DE LA BLACHE, 1872, p. 4).

13Através dos monumentos epigráficos, Vidal parece ter conseguido discernir a imponência do império romano. Seguindo os rastros de ruínas, ambientou-se na mente do historiador uma época próspera onde as cidades gregas não eram mais ameaçadas por monarquias bárbaras e onde novas terras haviam-se conquistado em proveito de um império mediterrânico: “O viajante que percorre hoje estas regiões surpreende-se ao se dar conta do papel preponderante que deve ser atribuído, no inventário das riquezas epigráficas e monumentais que ali se encontram, ao período greco-romano.” (VIDAL DE LA BLACHE, 1872, p. 24).

14Além disso, Vidal divisou a própria função de Atenas no império, centro intelectual e de cultura. Para Atenas afluíam jovens de diversas culturas que lhe impregnaram de uma fisionomia especial (VIDAL DE BLACHE, 1872. p. 152). A questão da definição precisa das datas é corrente em todo o texto. Além disso, recorre-se sempre à observação das paisagens (em ruínas) para desenhar a magnificência do império.

15O trabalho de Vidal se baseia em novas inscrições explicitamente citadas, cuja veracidade é tema de discussão. Dessa labuta retiramos a insistência da veracidade das fontes e da importância da ordem cronológica como fator de discernimento das relações de causalidade. Esse aspecto, talvez o mais amplo que se poderia reter, manteve-se no seio das formulações lablachianas.

16Porque não se pode exagerar, por outra via, a importância da concepção de história nos termos em que ele mesmo a produziu. Na verdade, utilizando os aportes de historiador, Vidal parece ter transformado o estreito domínio do historiador erudito de sua época num grande domínio da história dos espaços. A concepção de história que era corrente entre os historiadores de sua época é objeto de crítica no próprio doutorado. A história dos historiadores era aquela preocupada com os grandes homens:

  • 4 As citações originais estão reproduzidas na nossa dissertação de mestrado (LIRA,2012)

Se a história só tivesse que se preocupar com os homens que desempenharam um papel ativo nos assuntos de seu tempo, ou com aqueles que, pelo seu gênio, impuseram-se à memória da posteridade, a personagem da qual acabamos de retraçar a história não mereceria sua atenção.. (VIDAL DE LA BLACHE, 1872, p. 162) 4

  • 5 No âmbito das ciências naturais, a geologia, por exemplo, também aflorada no século XIX, define-se (...)

17Até fins do século XIX, o grande domínio da história não era exclusividade dos historiadores5. Fernand Braudel caracteriza a limitação a que estavam sujeitos seus pares: história da diplomacia e da política, focada sob os acontecimentos (BRAUDEL, 1972). Dessa forma, era possível fazer a crítica e ao mesmo tempo manter-se no interior de sua abordagem e dos recursos que ela oferecia. Assim, Vidal podia diferenciar-se da história de ofício ao mesmo tempo em que se utilizava dos seus amplos benefícios no entendimento da realidade geográfica.

18Na verdade, Vidal insere-se fora do domínio dos historiadores, mas dentro do domínio da história: “uma das razões pelas quais o espírito histórico tem um papel marcado na geografia é que só ele é capaz de atribuir aos fatos seu sentido e alcance.” (VIDAL DE LA BLACHE, [1899], 1993 p. 180).

Percursos da institucionalização da geografia e o contato com os historiadores (1873-1918)

19As relações de La Blache com a história não se limitaram, contudo, ao seu período de formação. Historiadores importantes mantiveram-se associados aos trabalhos e posições institucionais de Vidal de la Blache, colaborando intelectual e institucionalmente. É possível imaginar algum reflexo dessas relações nos trabalhos de Vidal de la Blache? Numa época de definições metodológicas e migrações entre campos pelos futuros expoentes de diversos saberes, a hipótese de que a ruptura entre a história e a geografia seja lenta e processual não nos parece incoerente.

20Já no final da vida, em 1908, La Blache completava seus 63 anos, após ter sofrido perdas de guerra irrecuperáveis. Ele se despede do historiador Rambaud, como nos conta Bourgeois, que se sensibiliza com o caráter autobiográfico dessa despedida (La Blache falaria de Rambaud como se estivesse falando de si próprio). Rambaud e La Blache fazem parte da mesma geração e travaram a luta de glória da França cujas marcas foram tão profundas (Vidal de la Blache, por exemplo, perde quatro dos seus cinco filhos) que é impossível não fazer desse malogro os liames de uma forte solidariedade.

Rambaud, dizia ele, foi um daqueles atingidos em plena consciência pelos desastres da pátria, e a quem coube, quando a fumaça dos campos de batalha se dissiparam, a tarefa de ajudar na sua reedificação. Sua memória é inseparavelmente ligada à de uma geração à qual uma crise sem precedentes impôs deveres sem par, e que trabalhou com coragem para cumpri-los. (VIDAL apud BOURGEOIS, 1920, pp. 3-4).

21Alfred Rambaud foi também um “normaliano”, ingressante em 1868, professor de Nancy a partir de 1879 e da Sorbonne depois de 1881. Em 1884, ocupa a cadeira de história moderna e contemporânea na mesma Universidade. Entrementes à dedicação acadêmica, foi chefe de gabinete do ministro Jules Ferry (ministro republicano) e, depois, ele próprio tornou-se ministro da Instrução Pública entre 1896 e 1898. Membro da Académie des Sciences Morales et Poli­tiques (como La Blache também o será) a partir de 1897 (LAVISSE, 1906).

22As semelhanças entre os passos de Rambaud e de Vidal mostram como as relações deste com os historiadores ultrapassavam as dimensões de fraternidade e marcaram toda a sua carreira universitária. Com a ajuda de alguns (certamente não apenas os colegas de métier) La Blache pode galgar postos universitários e atingir um prestígio extraordinário no campo da Geografia.

  • 6 Este campo procura associar variados fatores para explicar os caminhos teóricos de um autor para al (...)

23Como não imaginar que essas alianças não marcaram aspectos de seu pensamento?-este é um argumento baseado na contribuição recente do campo da história social da ciência e que guia este trabalho6. Associando os aportes da sociologia das ciências aos da história das idéias, procederemos reconstituindo o quadro de relações de Vidal com os historiadores para então adentrarmos nos aspectos conceituais de sua concepção de tempo.

24A importância da reconstituição específica da rede vidaliana de contato com historiadores nos é fundamentada por Berdoulay. Referindo-se aos entusiastas da geografia histórica clássica ele salienta que Vidal

[também] se entregou a este tipo de pesquisa. Mesmo se ele ai encontrou um interesse certo, devemos considerar que isto certamente lhe valeu o respeito de seus pares. Esta corrente, que dominou por muito tempo a geografia acadêmica, foi eliminada quando os seus apoiadores foram gradualmente substituídos por vidalianos. Ou seja, a mudança foi tão completa que esta geografia histórica quase desapareceu inteiramente dos cursos de geografia da universidade e do métier dos geógrafos franceses para ser somente tratada por historiadores (BERDOULAY, 1981, p. 159).

  • 7 A geografia de antigo estilo, anterior à obra vidaliana, preocupava-se com dois aspectos da sistema (...)

25Berdoulay argumenta que esta substituição foi também fruto das mudanças da própria disciplina histórica. Para nós, é de especial interesse que o germe da institucionalização da geografia na Sorbonne tenha sido justamente as cadeiras dos geógrafos-historiadores do “antigo” estilo7 e que parte dos esforços institucionais tenham sido consentida por tais colegas, desse campo específico, como de outros domínios da história.

  • 8 A Agregação foi criada pelos decretos napoleônicos de 1806 e 1808, reformulada em 1821. Era a entra (...)
  • 9 A propósito de Michelet, ele morou na mesma casa que foi de Alfred Rambaud, na rue d'Assas, 76, em (...)

26A longa trajetória de contatos com os historiadores começa no colégio, o Lycée de Charlemagne (liceu onde Vidal de la Blache realiza seus estudos colegiais). Lá, La Blache conhece o futuro historiador Ernest Lavisse (SANGUIN, 1993, p. 48) e com ele manterá relações duradouras. Quando, em 1884 (o geógrafo aos 39 anos), Vidal de la Blache é nomeado cavaleiro da Légion d'Honneur, Lavisse aparentemente integra esta comissão, (SANGUIN, 1993, p. 122), junto com Alfred Rambaud, entre outros. Além de membro do conselho da Ordre de la Légion d'Honneur, Lavisse era também presidente do júri da Agregação8 e membro da Academia Francesa (SANGUIN, 1993, p. 138). Em 1894, (Vidal já com 49 anos), Lavisse lhe encomendará o notório Tableau de la Géographie de la France (PINCHEMEL, 1975, pp. 11-12). Sabe-se bem como o Tableau inspirou-se nas palavras do historiador Michelet9 (PETIER, 2000).

27Na École Normale Supérieure Vidal segue como aluno sua especialização na história. Haja vista que seu interesse imediatamente posterior tenha sido a história e a epigrafia clássica, sobressaem-se as aulas tidas com J. Zeller, Geoffroy, Thienot e Ernest Desjardins (ANDREWS, 1986, p. 176). Este último seguirá ensinando geografia na École Normale de 1862 a 1877, quando Vidal lhe substituirá como mestre de conferências (ANDREWS, 1986, p. 176). O doutorado de Desjardins era sobre a topografia do Latium e, sustenta Andrews, foi com ele que Vidal de la Blache aprendeu a pesquisa em textos antigos e análises epigráficas (ANDREWS, 1986, p. 176).

28Ao longo de seu segundo ano na Escola de Atenas para preparar o doutorado (1868,1869), Vidal completa sua tese principal sobre a biografia do reitor grego Heródes Ático (início de 1869), como já citamos acima. Um dos avaliadores é Himly, professor de geografia histórica “de antigo estilo” da Sorbonne desde 1862, que lhe escreve “a leitura do manuscrito proporcionou-me, aliás, certa distração aceitável nesses dias horríveis que temos enfrentando” (aparentemente, refere-se aos “dias” da comuna de Paris) (SANGUIN, 1993, pp. 90-91).

29Anos mais tarde, Vidal acionará personalidades importantes da Direção do Ensino Superior para ingressar na recém-criada cadeira de Geografia e História de Nancy: Dumesnil e Mourier. Além de seu sogro, inspetor do ensino público, virá em seu auxílio Émile Burnouf, diretor da École Française d'Athènes. (SANGUIN, 1993, p. 105). Em 1877, Vidal inicia as articulações para ocupar a cadeira da Escola Normal Superior. O diretor da escola era o historiador Foustel de Coulanges, que atestou o sucesso do novo ensino de Geografia (SANGUIN, 1993, p. 120). Foustel de Coulanges foi renomado historiador da Antiguidade Clásssica. A obra Cité Antique, em que analisa a decadência das cidades a partir dos cultos, conferiu status de método “positivo” à “ciência” histórica. (BOURGEOIS, 1930).

30Depois de vinte anos na Escola Normal Superior, tendo sido diretor em 1893, La Blache se prepara para suceder Himly em sua cadeira na Sorbonne. (BOURGEOIS, 1920, p. 20). Aos 53 anos, em 1o de dezembro de 1898, Vidal é nomeado professor na Sorbonne, com forte recomendação de Marcel Dubois, Ernest Lavisse e Alfred Rambaud (SANGUIN, 1993, p. 193).

31Marcel Dubois ocupa a cadeira de geografia colonial desde 1892 (data de sua criação) na Sorbonne (logo após a conferência de Berlim e em plena disputa dos territórios africanos). Ele é colonialista e ardente propagandista da grandeza do império. Graças a este, em 14 de Dezembro de 1900, Vidal é nomeado oficial da Légion d'Honneur (SANGUIN, 1993, p. 196).

32Teria Himly (ocupante da cadeira de Geografia e História na Sorbonne antes de La Blache) apoiado indiretamente a candidatura de Vidal de la Blache? Sua morte data de 1906, oito anos após Vidal ter-lhe substituído na Sorbonne. Membro da Académie des Sciences Morales et Politiques, doyen honoraire da Faculté des Lettres de Paris, são esses os títulos com que encerra sua carreira. Formou-se em Estrasburgo, tendo sido discípulo de Ranke e, anos mais tarde, foi professor do futuro historiador Albert Sorel (CROISET, THOMAS, 1906), que Vidal substituirá na Academie de Sciences Morales et Politiques.

33Pouco mais que uma década antes da morte, em 1906, Vidal é eleito para a Académie de Sciences Morales et Politiques, sucedendo o historiador Albert Sorel (PINCHEMEL, 1975, p. 12). Em 1917, ao lado de Lavisse, participa dos trabalhos do Comité d'Étude, constituído na Sorbonne por Charles Benoist para ajudar a preparar o dossiê das futuras negociações de paz (BOURGEOIS, 1920, p. 41).

34A partir dessa reconstituição nota-se como a relação com os historiadores marcou as principais etapas da carreira de Vidal.

Vidal era só um geógrafo? A interpretação historiográfica da geografia clássica

35Apesar dessa forte relação com a história, que se revela a partir de sua formação e das relações institucionais, a interpretação de que Vidal tenha se separado da história é, na verdade, dominante. Os próprios discípulos fizeram questão de assim caracterizar o mestre. Esta interpretação, que chega até nós sem maiores retoques, é produzida no período de consolidação da geografia clássica, que se desenvolveu entre 1920 e 1960. Trata-se de uma escola que vive da memória de Vidal de la Blache. Bastante institucionalizada, ela é dominada por alguns nomes que organizam uma pequena comunidade cientifica. Em 1920, são 40 os geógrafos universitários franceses. 1931 é o ano da célebre Exposição Colonial de Paris, bem como do III Congresso Internacional de Geografia, que ocorre na capital, entre 17 e 24 de Setembro. Como demonstram os discursos, os congressistas se reúnem em torno de uma escola de geografia que lhes aparece como um modelo. Emmanuel De Martonne, discípulo e genro, é o secretário geral da UGI (União Geográfica Internacional) (Claval, Sanguin, 1996, p. 8).

36Assim sendo, como não imaginar que tais personagens não tenham adotado novas estratégias no processo de consolidação da geografia, bem como de expansão da influência da geografia francesa para o resto do mundo? De início, era preciso se embater com a herança vidaliana. Olavi Granö nos esclarece como toda a historiografia possui um deslocamento em relação às suas bases. Fruto de sua época, os novos atores contam a história à sua maneira, lançando munição a novas perspectivas (Granö, 1981, pp.20-21). Entre essas possíveis mudanças, alguma delas teria se operado na concepção de geografia dos discípulos em relação à do mestre?

  • 10 Pierre Monbeig testemunha uma relativa hostilidade dos geógrafos para com os historiadores nos anos (...)

37No tocante à Geografia, esta diferença situa-se principalmente na relação da disciplina face às outras ciências humanas. Marcada por um “espírito geográfico”, cujo papel da história e da geografia histórica era essencial, estas posições sofreram importantes modificações no período posterior ao da institucionalização (Berdoulay, 1981, p. 187)10. Parece ser mais importante, a partir desse momento, os estudos dos espaços contemporâneos. Mesmo mantendo fortes relações com a démarche historique”, a originalidade de Paul Vidal de la Blache e seus discípulos repousava na recusa de colocar a geografia a serviço da história. Este fato, porém, nutria contradições que ficaram marcadas na origem e desenvolvimento da geografia. A precoce institucionalização da história e de seu prestígio constituído acabou por delinear uma relativa hostilidade dos vidalianos pela História (Berdoulay, 1981, p. 187). Para eles, o estudo histórico validava-se à medida que poderia explicar o presente, e as considerações da geografia histórica, segundo Berdoulay, foram reduzidas às partes introdutórias das monografias regionais, não se constituindo como campo particular ou mesmo geral da disciplina: “a falta de interesse dos jovens vidalianos pela geografia histórica como campo autônomo de pesquisa é impressionante” (Berdoulay, 1981, p. 187).

38A questão não é se há a incorporação da perspectiva histórica nas pesquisas geográficas, certamente existentes, mas o modo como ela é inserida em tais pesquisas: como pilar fundamental da geografia, como campo particular ou como auxiliar da disciplina. Sugere-se neste artigo que a geografia histórica migrou de uma posição essencial do conjunto da disciplina, assim entendida na época de La Blache, para uma posição auxiliar, na época dos vidalianos.

39Com efeito, segundo o depoimento de um especialista contemporâneo, o professor De Martonne observava o avanço da geografia como uma libertação em relação à história:

o professor Emmanuel de Martonne de Sorbonne, hoje um dos maiores representantes da Escola Francesa de Geografia, aparentemente via o recente desenvolvimento da geografia na França como um tipo de emancipação da dominância da história (Wright, 1996, p. 29).

40O mesmo De Martonne dirige uma dura crítica à tese de doutorado de Jules Sion (também discípulo de Vidal): “Você já pagou sua dívida com a história e a sociologia, esperamos agora que dedique toda a sua energia à geografia” (Clout, 2003, p. 341). Segundo Broc, a principal preocupação dos geógrafos dessa época era proteger a 'pureza' da geografia das invasões das ciências vizinhas, notadamente da história, da geologia e da estatística. (Broc, 1993, p. 39).

41Para Paul Claval, os historiadores da Geografia (aqui incluídos os vidalianos) teriam simplificado a evolução do pensamento no curso dos últimos decênios. Em muitas obras, a interpretação é que a Geografia na França começara bruscamente com o aparecimento de Vidal de la Blache (Claval, Nardy, 1968, p. 93). De acordo com Marconis, a relação institucional com os historiadores pode ajudar a explicar o fraco debate epistemológico no seio da geografia. Mesmo que fosse latente a tarefa de definir esta nova disciplina, a anterior institucionalização da história, a pulverização de historiadores em número superior ao de geógrafos, não estimulava os geógrafos a enfrentarem uma polêmica com os colegas. Uma saída encontrada foi o afastamento da História (Marconis, 1996, pp. 60-62).

42No interior dessa escola, o debate em torno das fronteiras da geografia com a história era acalorado. Gallois e De Martonne gostavam de propagar que, quando Vidal de la Blache ingressara na cadeira de geografia e historia de Nancy (a primeira cadeira de geografia e história da França que ele ocupou a partir de 1873), ele enviara um pedido aos altos escalões da instituição para limitar seu ensino à geografia. Ribeiro reproduz a informação: “Na Universidade de Nancy, onde começou como professor de história e geografia, mas onde ensinou somente esta última [...].” (Ribeiro, 1968, p. 642). Andrews, todavia, após ter vasculhado os documentos de Nancy, duvida desse testemunho, visto que não há registro na documentação da Universidade (Andrews, 1986, pp. 341-346).

  • 11 A elogiosa resenha que Albert Demangeon dedica ao La Terre […] se introduz com a declaração da prec (...)
  • 12 Lia Osório Machado demonstra como Lucien Febvre era divulgado entre os primeiros geógrafos brasilei (...)

43À parte essas querelas, há historiografias constituídas, como a de Febvre (1922)11, de Vallaux (1929) e de De Martonne (1953). Lucien Febvre, renomado historiador e considerado o “teórico” da geografia vidaliana, tendo cunhado o termo “possibilismo” para se referir à teoria de adaptação de Vidal, não poderia ser mais enfático na demarcação de independência (epistemológica, inclusive) da relação da geografia com a história12:

Factos históricos e factos geográficos são hoje, para nós, duas ordens distintas de factos. É impossível, é absurdo querer intercalar uns na série dos outros, como tantos elos de anéis intermutáveis. Há dois encadeamentos; que permanecem separados; porque, de contrário, que necessidade há de os distinguir? (Febvre, 1954, p.461).

44Camille Vallaux enfoca a geografia vidaliana estritamente do ponto de vista do princípio da unidade da terra, através da metáfora do organismo terrestre (Vallaux, 1929, pp. 28-57). Já De Martonne, não nega o papel da reconstrução histórica como um dos pilares do método geográfico, ainda que aconselhe o cuidado:

O ponto de vista histórico é menos pronunciado na climatologia e na hidrografia; já é sensível na geografia botânica e zoológica. A sua aplicação, que se impõe a todo o estudo de geografia geral, nao deixa de ter perigos nos estudos de geografia regional, porquanto, neste caso, ­a descrição deve manter o primeiro lugar. A tendência para encarar históricamente todos os factos é, apesar de tudo, nestes últimos anos, a característica mais saliente da evolução da geografia. (De Martonne, 1953, p. 19).

45Um eminente geógrafo brasileiro, conhecedor da geografia francesa, vai exclamar em 1977: “pode-se dizer que a geografia se interessou mais pela forma das coisas do que pela sua formação” (Santos, 1977, p. 81). E, apesar de algumas bravatas, o gênio de Lacoste aparecará mais uma vez ao perceber que Vidal de la Blache introduziu a ideia de descrições regionais aprofundadas mostrando as interações ao longo da história do homem e natureza na formação das paisagens (Lacoste, s/d).

A Concepção de tempo geográfico do Mediterrâneo de Vidal de la Blache

46Após formularmos o argumento de que a formação e as relações instucionais de Vidal de la Blache o tenham influenciado na manutenção da démarche histórique como parte essencial dos estudos de Geografia Humana, passemos às definições da noção de “tempo gegoráfico” a partir dos estudos de Vidal de la Blache sobre o Mediterrâneo. Escolhemos tratar a noção de tempo de Vidal de la Blache a partir do Mediterrâneo porque esta região foi o primeiro objeto de estudo de Vidal (LIRA, 2012).

47A distinção de método entre a história e a geografia foi uma preocupação de Vidal de la Blache. No artigo Sur l'esprit géographique (1914) o geógrafo dedica-se às diferenciações e analogias entre as disciplinas. Isso, pois há uma preocupação pedagógica imbuída nessas considerações: a maioria dos professores de geografia dos colégios franceses em fins do século XIX era ou historiador ou amante da natureza. Mas uma nova postura preconizada por La Blache, longe de significar um distanciamento em relação à história, prediz novas "perspectivas de tempo”: “É preciso também tomar uma certa distância do passado, acostumar-se com outras perspectivas de tempo. O relógio do geógrafo não é exatamente o mesmo que o do historiador.” (VIDAL DE LA BLACHE, 1914, p. 557). Abre-se a via para uma nova concepção de tempo, para um "tempo geográfico".

48Diferenciando-se da disciplina vizinha, a primeira característica de uma história geográfica que vem à tona é a eleição de novos fatos e novos personagens. A famigerada frase, "a geografia é a ciência dos lugares e não dos homens" (VIDAL DE LA BLACHE, 1985, p. 47) - que causou polêmica entre aqueles que se compraziam com uma geografia política (e.g. MORAES, 2007) - deve ser arrolada nesta nova concepção de história. Não mais exclusivamente os homens, mas os homens, os lugares e os aspectos do meio são os novos personagens e os novos fatos históricos. Em 1914, Vidal precisa a fórmula:

O historiador é naturalmente assombrado pela preocupação com obras humanas às quais a geografia não se interessa do mesmo modo. Seria sem dúvida absurdo ignorar o homem em geografia mas, muitas vezes, uma frase que usei em outra ocasião, ‘a geografia é a ciência dos lugares e não dos homens’, implica que se trate dos homens na sua relação com os lugares, ou influenciados por eles, ou modificando-lhes o aspecto. A matéria é, claro, extremamente ampla. O homem é um agente geográfico cuja força não data de ontem.(VIDAL DE LA BLACHE, 1914. p. 558)

49À geografia é oportuno explicar, por exemplo, a hegemonia da Europa, fato de longa duração, cujas causas geográficas entram em conta, sem, contudo, preencher ou satisfazer o conjunto da explicação. Referindo-se à longa preponderância europeia exercida na politica mundial, Vidal pondera a influência das "circunstâncias físicas": "Existiria outra causa deste privilégio a não ser uma razão material retirada do solo e das circunstâncias físicas? Estamos longe de assim pensar. Contudo, quem não se surpreenderia com a parte que cabe às influências geográficas?” (VIDAL DE LA BLACHE, 1873, p.3).

50Aliás, quais são as principais influências físicas no caso do conjunto europeu? A primeira delas é a facilidade de comunicação derivada da configuração dos mares. Se comparada à Ásia, a Europa, pelo afilamento progressivo, se configura como uma península:

Na realidade, Senhores, a principal originalidade da Europa consiste na distribuição dos mares que a banham. O Oceano se multiplica, por assim dizer, ao redor daquele continente e o envolve quase que integralmente, tanto ao norte quanto ao sul, por um duplo sistema de mares secundários ou interiores. Graças a esse aspecto, nosso continente é acessível, em maior alcance que nenhum outro, às influências marítimas. Da mesma maneira, as partes mais distantes foram, desde cedo, postas facilmente em contato (VIDAL DE LA BLACHE, 1873, pp. 5-6).

51A segunda circunstância física essencial do “privilégio europeu” é o fato de a mesmaser atingida pela corrente quente vinda do Golfo México: o Gulf Stream. Na mesma latitude em que os Estados Unidos e o Canadá têm dificuldade em estender os cultivos, a Europa apresenta um clima bem mais cálido, propício ao cultivo e à adaptação das plantas (VIDAL DE LA BLACHE, 1873, p. 9).

52Além dessas relações de causa e efeito entre os fatos físicos e os fatos históricos, Vidal utiliza-se não raras vezes do vocabulário do historiador para referir-se ao surgimento do Mediterrâneo: “Jamais houve, Senhores, revolução comparável em seus resultados do que aquela que, separando violentamente as duas colunas de Hércules, lançou o Mediterrâneo no fundo da bacia que contorna as montanhas da Europa e da África (grifos nossos)” (VIDAL DE LA BLACHE, 1873, p. 13). Essa é a primeira característica do que podemos chamar de concepção de história e tempo geográfico de Vidal de la Blache. A segunda é a percepção de que o “progresso” toma seu rumo com avanços de recuos.

Avanços e recuos dos processos históricos

53A noção de progresso das civilizações está ancorada, no pensamento de Vidal, à luta contra os obstáculos. Vimos que os fenômenos históricos aos quais a geografia se dedica não fazem parte do domínio do espírito e da vontade, segundo definiu o historiador Henri Berr (BERR, 1956). São fenômenos construídos no longuíssimo prazo, numa “outra cronologia”, como a marcha da conquista dos espaços e a longa hegemonia europeia na economia e na política do globo.

54Ele exprime como o salto do progresso é a luta em sanear, cultivar, cavar degraus, construir portos e estradas:

Muitas causas favorecem o desenvolvimento das sociedades humanas na Europa. A principal delas foi estimular sua atividade, impor a si o exercício constante como se fora sua própria lei de existência; o signo do progresso consiste na ação cada vez mais sensível do homem sobre o mundo físico que o cerca. Logo, é mister que sua vigilância trabalhe sem interrupção e sem descanso, apropriando a natureza de acordo com seus fins. Se o homem se abstém ou abandona sua obra, a natureza, longe de servir ainda mais aos seus interesses, antes se torna rebelde e mesmo hostil. Então, o homem torna-se raro e miserável nos próprios lugares onde antes floresceram pujantes civilizações e, a cada dia, acumulam-se obstáculos ao seu redor, diminuindo suas chances de recuperar o terreno perdido. (VIDAL DE LA BLACHE, 1873, p. 27).

55Daí nasce a noção de que o progresso não se faz senão por avanços e recuos, pois, se a natureza auxilia em alguns casos, em outros, ela persiste em resistir à sujeição.: “verifica-se com surpresa que muitas destas civilizações estancaram em plena marcha, que a série de progressos se interrompeu e que, em muitos sítios, a seiva de invenções parece ter-se esgotado.” (VIDAL DE LA BLACHE, s/d, p. 264). Em outras palavras: a evolução da humanidade “não implica de maneira alguma que o progresso se faça em marcha regular e uniforme” (VIDAL DE LA BLACHE, s/d, p. 273). Na luta palmo a palmo que se trava contra as tempestades oceânicas para a construção dos portos, pode-se dizer que a “perseverança [do homem] triunfou: ele conquistou, ampliou sem cessar seu domínio, mas não sem, às vezes, sofrer os selvagens retornos de seu eterno inimigo” (VIDAL DE LA BLACHE, 1873).

56No caso do Mediterrâneo, o abandono das terras causa poderosas consequências: é o aparecimento da malária sob os bancos de areia inundados. Ao contrário do Oceano, ali, é a terra que invade o mar. A invasão das terras, retiradas das embocaduras fluviais não cessam e são continuamente renovados seus despojos. Dessa invasão surge a incitação contínua ao saneamento cujas fases de crise ou de guerras podem ameaçar, cobrando um recuo das terras cultivadas e uma alta mortalidade (VIDAL DE L A BLACHE, 1873, 1886).

Cronologia dos espaços e das técnicas

57Sem arriscar periodizações imprecisas, Vidal traça uma cronologia da ocupação dos espaços que se sucedem no tempo. É frequente que, malgrado certos espaços significarem uma evolução das técnicas e um melhor aproveitamento dos meios, estes espaços convivam lado a lado. No Mediterrâneo, é o caso da montanha e da planície. Nesse sentido, a partir do ponto original, notam-se periferias que se sucedem, marcando diferentes momentos de ocupação dos espaços e graus de vida superiores. Os retornos às antigas áreas de cultivo são os sinais de crise, ambiental, econômica ou política (como as guerras). As crises ambientais são a saturação do ambiente, segundo um frágil equilíbrio com a densidade populacional.

58O ponto zero da ocupação dos espaços seriam os primeiros espaços de sedentarização se as considerações geográficas partissem primeiro do homem. No entanto, há que se constatar que, antes da sedentarização, é a natureza que prepara o terreno livremente, mostrando à sabedoria humana as plantas de melhor adaptação. A cultura arbórea pode se alastrar livremente nos terrenos de superfície seca e subsolo úmido, dadas suas longas raízes:

[...] nota-se que as plantas deste gênero que, pela antiguidade da sua cultura, parecem ter desde muito cedo adquirido a preponderância - a vinha, a figueira, a oliveira, e também a amendoeira, - são daquelas que não necessitam de irrigação. Somos levados por todos os indícios a consi­derar as regiões de superfície seca e de subsolo húmido como o mais antigo tipo mediterrâneo de cultura e população densas. (VIDAL DE LA BLACHE, s/d, pp. 125-126).

59Com efeito, são as culturas arbóreas as primeiras plantas adaptadas para a constituição do gênero de vida e a aglomeração da população: “Não é o campo, mas o pomar e a horta que representam aqui o fulcro da vida sedentária" (VIDAL DE LA BLACHE, s/d, p. 121). Há uma evolução do tempo histórico: a oliveira e a figueira (culturas arbustivas) cultivadas nas vertentes, depois, a pastorícia (alternando entre montanhas e planícies), a agricultura (cevada e trigo), instalando-se nas colinas e planícies e, por fim, o campo e o latifúndio, invadindo as planícies (VIDAL DE LA BLACHE, 1918). A cada nova adaptação ao meio, corresponde um grau de aglomeração superior. Ao habitat disperso nas montanhas, sucedem-se as aldeias e pequenas cidades nas colinas até desembocar nas cidades e metrópoles nas planícies, associadas ao latifúndio.

60À unidade entre a montanha e a planície, construída ao longo do tempo, segue-se a unidade entre as rivieras. Estas são montanhas e planícies escalonadas ao abrigo do mistral, favorecendo a cabotagem e o contato entre essas unidades. Com a cabotagem, viajando de litoral em litoral, é todo o conjunto de montanhas que se coloca em contato. Essa é a obra de construção da unidade do "mundo" Mediterrânico (VIDAL DE LA BLACHE, s/d, p. 128).

61Que direção seguiram essas emanações? Por que, saindo do Egito, após conquistar a Palestina e o Egeu, essas deslocações marítimas seguiram para Oeste? Haja vista a importância da adaptação dos cultivos como patrimônio das civilizações, o aspecto mais importante da adaptação dessas plantas foi certamente o clima (VIDAL DE LA BLACHE, 1886). É o clima, consequentemente, o direcionador dessas correntes civilizacionais:

[...] das montanhas de Cabul até as proximidades ocidentais do Mediterrâneo, uma corrente geral, que tem seu princípio nas próprias bases na natureza física das áreas, levou rumo ao oeste raças humanas e plantas, e fez desta parte da Ásia o Oriente do Mundo do ponto de vista da natureza humana e da história. (VIDAL DE LA BLACHE, 2002 [1895] p. 143).

A origem e o centro de propaga­ção deste modo de vida podem procurar-se sem hesitação na zona do domínio mediterrâneo confinante com as grandes sociedades antigas do Eufrates e do Nilo. O veículo foi o tráfego marítimo, que as des­cobertas pré-históricas em Creta e no arquipélago egeu nos mostram como um dos factos mais antigos e mais decisivos da geografia das civilizações. Como todos os progressos deste género, foi uma obra de colaboração que se transmitiu por via de contacto e de influências, conforme a analogia dos climas lho permitia. (VIDAL DE LA BLACHE, s/d p. 12).

  • 13 O fenômeno técnico é central no conceito de gênero de vida (SILVEIRA, 2010).

62O retorno ao passado é um fato decisivo à percepção da adaptação simples do homem ao meio, cujas técnicas de cultivo vêm tornar complexa a relação. Contudo, as técnicas não mudam o fato de que as civilizações se propagam segundo os espaços de melhor adaptação da planta13. É por isso que Vidal diz que, entre a Geografia Física e a Geografia Política, o anel intermediário é a Geografia Botânica (VIDAL DE LA BLACHE, 1898, p. 102). O artigo de Vidal publicado em 1886, Des rapports entre les populations et le climat sur les bords européens de la Méditerranée, coloca relevo sobre a adaptação da planta ao meio e também do homem ao clima e à planta. Na escala dos cultivos, é o clima que rege as adaptações e as deslocações (VIDAL DE LA BLACHE, 1886). É como se o clima, que tem um tempo longo e o tempo das estações, orientasse as atividades, a circulação e a fixação dos homens.

63Pode-se dizer que os estados de cultivo evoluem no tempo, mas eles são também complementares uns aos outros. A pastorícia, por exemplo, é estimulada na fase de crise da arbicultura, ou seja, nas épocas de extremo inverno, nas partes altas, ou calor intenso, nas partes mais baixas. O gado, que se desloca facilmente no Mediterrâneo, encontra, assim, momento propício às suas deslocações, como também serve de substituto na alimentação da população (VIDAL DE LA BLACHE, s/d, p. 122-124). O regime de transumância, logo, age a brecha na arbicultura.

64Que bela imagem, dos cultivos e da pastorícia se sucedendo segundo os pontos críticos de cada tipo de alimentação! Esse vai-e-vem de culturas é a própria imagem de um retorno contínuo ao passado, às produções seguras, ainda que, muitas vezes, representando um ponto ótimo do meio às vezes abaixo, às vezes acima das necessidades da densidade populacional. A citação é longa, mas vale a pena pela beleza das imagens e pela densidade do significado histórico:

É um traço característico da Itália peninsular que uma multidão de pessoas passe, de acordo com as estações do ano, de uma região a outra, em busca de ocupações e de salários. Em um país que comporta grandes diferenças de altitude e clima em um espaço muito restrito, as datas das estações e das principais ocupações da vida rural variam de um ponto a outro. No mês de outubro, começa o frio nos Apeninos; os rebanhos que passaram o verão nos altos cumes são expulsos pelo tempo rigoroso; nas partes cultiváveis das montanhas, a semeadura de inverno a esta altura já foi feita, pois ocorre frequentemente quando a safra anterior ainda não foi colhida, nos últimos dias de agosto ou início de setembro. Assim, com os braços livres, tudo convida o homem a descer até as regiões mais baixas. Lá, de fato, as chuvas de outono vêm despertar a natureza e dar o sinal para o início do trabalho agrícola. A sementeira ocorre em outubro e novembro, às vezes, mesmo em dezembro, na Maremma (?) toscana ou romana. É quando as planícies baixas, que ficam desoladas de junho a setembro em razão da malária, começam a ser povoadas; pastores e lenhadores retornam para os maquis costeiros, que são animados pela atividade de todo este mundo; acampamentos temporários estabelecem-se ali para os homens e os animais; semeiam-se aveia e grãos apressadamente, em áreas carpidas. Assim será até que os meses de maio e junho tragam de volta o calor e a febre. (VIDAL DE LA BLACHE, 1889, pp. 494-495).

  • 14 Vidal de la Blache claramente considera a pastorícia como um regime atrasado em relação à agricultu (...)

65Essas oposições são ao mesmo tempo de ordem geográfica e histórica. Oposição de ordem histórica, pois o regime "atrasado" representa um menor excedente14. Oposição geográfica porque é frequente que esses regimes disputem espaços uma vez que se proliferam em fases de crise dos demais cultivos. Mas são ao mesmo tempo complementares, pois representam esquemas de substituição seja da própria alimentação, seja da força de trabalho.

66Uma etapa mais avançada dos cultivos é a instalação da irrigação, após a soberania árabe, bem como o aparecimento de novas plantas de cultivo: cana de açúcar, arroz e citráceas (VIDAL DE LA BLACHE, s/d, p. 137). Estas são plantas trabalhadas na cultura de jardins, belas composições do homem sob a paisagem mediterrânea.

  • 15 Robic (2000) traçou outra classificação das temporalidades vidalianas. Ateve-se, contudo, essencial (...)

67Fecharíamos este item jogando luz sobre os aspectos essencialmente geográficos dessas evoluções do tempo. Vidal avista que a evolução dos regimes, ao se materializar no espaço em seus domínios sucessivos, não se extingue com a disposição de um regime superior. Assim, gêneros de vida "avançados" convivem com os gêneros de vida "atrasados". A observação da paisagem revela esta miscelânea de temporalidades15.

Eu acrescentaria que, desse ponto de vista, toda a ordem de relações novas abre ao espírito. Pois a ação do tempo entra como coeficiente mais importante nas ações exercidas pelas causas naturais. Segundo as zonas sejam mais ou menos avançadas em sua evolução, elas atravessam uma série de mudanças que se ligam entre si por uma espécie de filiação. Umas ainda conservam traços que já foram abolidos em outras. Temos assim como se fossem exemplares vivos dos mesmos fenômenos tomados por diversos estágios.(VIDAL DE LA BLACHE, 2002, p. 146)

68Com efeito, o que se distingue é a noção não só de temporalidades como a de permanências. Noções estas que foram tão caras à historiografia do século XX (e. g. ARRUDA, 1984, BRAUDEL, 2002, 1992, 1972, 1983, 1996, BURKE, 1997, DOSSE, 2003, 2004, LACOSTE, 1989, LIRA, 2008, CLAVAL, 1984, CONTEL, 2010, RIBEIRO, 2006, FOURQUET, 1989, ROJAS, 2003a, 2003b, 2004, 2000, REIS, 2008, SECCO, 2008, WALLERSTEIN, 1989), encontraram terreno fértil na geografia do século XIX, institucionalizada pela pena e obra de um historiador de formação, geógrafo de opção.

Camadas de tempo

69Talvez a noção mais interessante da concepção de tempo geográfico de Vidal seja a ideia de que os fenômenos geográficos narrados historicamente se acumulem como que em camadas de tempo, a exemplo das “camadas” do solo e das rochas. Dessa noção deriva a ideia de permanência. A conquista dos espaços que o homem trava palmo a palmo com os obstáculo físicos deixam marcas profundas. A imagem dos fenômenos da natureza para descrever as permanências não é fortuita:

Quando uma rajada de vento agita violentamente a superfície límpida da água, tudo oscila e se mistura, mas, depois de um tempo, a imagem do fundo desenha-se novamente. O estudo atento do que é fixo e permanente, nas condições geográficas da França, deve ser ou tornar-se mais do que nunca o nosso guia. (VIDAL DE LA BLACHE apud OZOUF, 2000, p. 180).

70De fato, é da observação da natureza que se retira a analogia das permanências. No mesmo artigo em que Vidal discute as diferenças entre o "espírito geográfico" e o espírito histórico, Sur L'Esprit Géographique (ou seja, não se está propriamente discutindo os fenômenos físicos) e, após a reiterada afirmação de que "o relógio" do geógrafo é diferente do relógio do historiador, Vidal disserta sobre os fenômenos de erosão para concluir genericamente como a geografia possui um horizonte permanente como pano de fundo:

Na Bretanha e no Limousin, os olhos abarcam imensas superfícies gastas, que passaram por vários ciclos de erosão, e onde agora os cursos de água, renascidos por conta de alguma mudança do nível de base, começam a desgastar todo o contorno. Em torno dos Alpes, as fases são mais rápidas, o ritmo mais apressado; vemos os vales recentes se imbricando no ambiente quase intacto dos vales mais antigos. Em uma parte do norte da Europa e da América, o aspecto caótico da paisagem mostra que os agentes físicos não tiveram tempo de se desfazer dos destroços trazidos pelo derretimento das antigas geleiras. A topografia do Saara conserva, meio desgastados, vales cavados por rios que se tornaram fósseis. Assim, o ontem e o hoje, lado a lado, confundem-se, justapõem-se ou se sobrepõem. Em toda a parte, um horizonte distante serve de pano de fundo para a geografia. (VIDAL DE LA BLACHE, 1914, p. 557).

71Não nos parece arriscado afirmar que a ideia de permanências foi retirada, logo, da Geologia. As rochas, preservando suas “camadas” profundas, sofrem menos alterações que as camadas superficiais. Ozouf-Marignier nos deu a conhecer como esta camada superficial, para Vidal, era do domínio da política, inserindo na mesma crítica a história de ofício que nos referimos anteriormente: “A procura pelas características ‘permanentes’ do solo francês é uma forma de resposta à história factual, da qual a geografia foi prisioneira até o último quarto do século XIX.". (OZOUF, 2000, p. 180).

72O modo como Vidal coloca em exercício essa imagem das camadas de tempo é de uma perspicaz capacidade de observação da paisagem, mostrando que, além de excelente escrutinador de arquivos, era perito na observação do campo. Referindo-se a Andaluzia, região espanhola que passou por forte domínio dos árabes, ele afirma: “Coisa notável: enquanto que os rios, as montanhas, as fontes termais, as minas se apresentam em geral com um nome árabe, a maioria das cidades conservaram os nomes, provavelmente de origem ibérica, pelos quais eram conhecidos na época romana.” (VIDAL DE LA BLACHE, 1889, p. 378). E então: “Daí podermos inferir que o elemento urbano tenha se perpetuado melhor que o elemento rural através das revoluções que assolaram a região.” (VIDAL DE LA BLACHE, 1889, p. 378). O domínio árabe instalou-se preferencialmente no campo, sendo as cidades espaços de resistência. Elas sobrevivem com seus nomes romanos, denunciando uma primeira ordem geográfica que se acomoda sob outra.

73A mesma imagem, ainda mais criativa, é surge a propósito da luta de colonização germânica na região italiana do Tirol, que se instala como uma camada sob a ordem romana. Esta, por sua vez, dá pistas nas suas sobrevivências do nível técnico de exploração do meio e da mais íntima relação com os elementos do meio e seus graus de dependência:

Pouco a pouco, nos vales abertos, uma camada germânica triunfou em se sobrepor ao fundo romano, por uma transformação análoga àquela que se realiza em nossos dias nos vales renanos do país dos Grisons. Os nomes romanos restam ainda ligados aos regatos, às florestas, às fazendas isoladas, mas pelas cidades e castelos, a língua e os costumes, os (não seria a língua e os costumes alemães?) alemães se estenderam pelo cume meridional dos Alpes réticos. (VIDAL DE LA BLACHE, 1889, pp. 460-461).

74Ao mundo agrícola sucede o mundo urbano. Há uma sucessão no tempo, e uma acumulação no espaço. A que se presta o exercício dessas temporalidades? É a última questão, quando clarearmos a importância da démarche historique para o conhecimento das relações de determinação do meio sob o homem e vice-e-versa, no interior de uma filosofia possibilista (FEBVRE, 1954).

Consideraçõe finais: a importância da noção de tempo geográfico para o determinismo vidaliano16

  • 16 É certo, porém, que o determinismo vidaliano é de ordem diferente daquele do século XVIII (ver SODR (...)
  • 17 Ary França localiza os escritos de Ratzel como o primeiro formulador da unidade entre o homem e o m (...)

75Cabe finalizar com a discussão do porquê de a abordagem histórica ser essencial para desenredar as relações de dependência entre o homem e o meio, pedra angular da geografia17. Os geógrafos possibilistas são impulsionados pela crença da libertação progressiva do homem das influências diretas do meio. Nisso consiste a liberdade do homem e a fuga a determinações estreitas. Consoante Claval, “os geógrafos franceses deduzem que a parte da disciplina dedicada às humanidades primitivas, nas quais a dependência em relação ao meio é maior, é mais garantida do que aquela voltada para as sociedades desenvolvidas.”(CLAVAL, 1993, p. 150). Certamente, todavia, não se descarta o determinismo como parte essencial da explicação geográfica:

Ritter inspira-se também nestas idéias no seu Erdkund, mas fá-lo mais como geógrafo. Se, por uns restos de prevenção histórica, atribui uma acção especial a cada grande individualidade continental, a interpretação da natureza continua a ser para Ritter o tema primordial. Pelo contrário, à maioria dos historiadores e dos sociólogos a Geografia não interessa senão a título consultivo. Parte-se do homem para chegar ao homem; representa-se a Terra como a ‘cena em que se desenrola a actividade do homem’, sem refletir que a própria cena tem vida. O problema consiste em dosar as influências sofridas pelo homem, em aceitar que um certo gênero de determinismo actuou no decurso dos acontecimentos da História. Assuntos sem dúvida sérios e interessantes, mas que para serem resolvidos exigem um conhecimento simultaneamente geral e profundo do mundo terrestre, conhecimento que não foi possível obter senão recentemente (grifos nossos) (VIDAL DE LA BLACHE, s/d, p. 25)

  • 18 Sousa Neto ressalta como na construção da nacionalidade brasileira a tradição geográfica foi apropr (...)

76A aproximação histórica, por conseguinte, está relacionada à aproximação das relações de dependência direta do homem em relação ao seu meio fora das aproximações deterministas estáticas18. No caso do Mediterrâneo, será seguindo as adaptações que se fez nas montanhas (no caso Ocidental) e nos deltas dos rios (o caso Oriental), focos originários dos gêneros de vida, que se alcançará uma formulação mais precisa da escolha da tríade alimentar como organização base da vida social. Vidal franqueia limites de periodização, no espaço e no tempo, para encontrar determinações mais precisas do meio sobre os homens e trabalha com a noção de permanência para associar essas influências numa justa medida de manter a liberdade de atuação do homem sobre o meio geográfico. Observamos a citação:

os historiadores [que] se preocuparam em enfatizar as influências geográficas obedeceram sobretudo à ideia de que essas influências, fortes ou mesmo predominantes no início, em seguida se enfraquecem, ao ponto de se tornarem, para muitos deles, insignificantes. Esse não é o ponto de vista do geógrafo. Seguramente, a emancipação por meio da qual o homem se libera, pouco a pouco, do jugo das condições locais, é uma das lições mais instrutivas que nos oferece a história. Mas, civilizado ou selvagem, ativo ou passivo, ou melhor, sempre ao mesmo tempo um e outro, o homem não deixa de ser, em seus diversos estados, parte integrante da fisionomia geográfica do globo (VIDAL DE LA BLACHE, 1898, p. 99).

77O ingrediente do tempo geográfico, um tempo que se observa na paisagem, é essencial das relações de causa e efeito da dependência do homem em relação ao seu meio. É através dessa fórmula sutil que se entrelaçam as liberdades humanas e os imperativos do meio geográfico. As influências agem de forma direta (longínquas no tempo) e indireta (mais próximas das realidades atuais). Chamamos esta concepção de tempo geográfico, pois o leitor terá notado que as temporalidades vidalianas são todas passíveis de serem observadas na paisagem, num trabalho de campo. As “narrativas geográficas” e as temporalidades originárias são um roteiro de observação do geógrafo para que se veja a história através das paisagens e que se descortinem as relações de dependência entre o homem e o meio.

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Bibliographie

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Notes

1 Vidal de la Blache não foi um autor que se preocupou em sistematizar hermeticamente o seu método. Assim, seria impreciso dizer que ele apresenta deliberadamente uma ferramenta dessa ordem para o conjunto da Geografia Humana. Contudo, também seria impreciso caracterizar que, apesar dessa postura, Vidal de la Blache não tenha se utilizado de um método. O que veremos é que Vidal se utiliza de expressões que caraceterizam um “tempo geográfico”, sem, contudo, dedicar-se às reflexões teóricas que envolvam esse tipo de vocabulário e conceito.

2 É este historiador que futuramente encomendará de Vidal o Tableau de la Géographie de la France para ser publicado como uma introdução ao Histoire de France.

3 A estada em Atenas proporcionou-lhe muitas viagens, quase todas pelo Mediterrâneo. Em 1869 ele parte para as costas da Síria. Depois, viaja para o Egito, onde assiste a inauguração do Canal do Suez. A Turquia e a Palestina são também percorridas por ele (PINCHEMEL, 1975).

4 As citações originais estão reproduzidas na nossa dissertação de mestrado (LIRA,2012)

5 No âmbito das ciências naturais, a geologia, por exemplo, também aflorada no século XIX, define-se como uma disciplina histórica (RUDWICK, 1985, pp. 3-4) e o evolucionismo de Darwin inova a teoria da evolução com o rompimento da visão mecânica da natureza e a demonstração de que esta possuía história (SODRÉ, 1992).

6 Este campo procura associar variados fatores para explicar os caminhos teóricos de um autor para além de sua escolha pessoal. Podem se tratar, portanto, de abordagens estruturais do intelectual, que se associa com algunas passagens de uma história acontecimental.

7 A geografia de antigo estilo, anterior à obra vidaliana, preocupava-se com dois aspectos da sistematização geográfica, para falar do Mediterrâneo: primeiro, a mudança de toponímia da época de Estrabão e Homero para a época moderna e contemporânea. Segundo, a exploração do território de forma precisa e a necessidade de cartografá-lo em escalas detalhadas. (DESLONDES, 1996, p. 453).

8 A Agregação foi criada pelos decretos napoleônicos de 1806 e 1808, reformulada em 1821. Era a entrada para o sistema universitário como também condição para obter melhores salários na rede dos colégios. O título dava acesso, ademais, ao sistema administrativo da Instrução Pública em escala regional e nacional (SANGUIN, 1993, p. 30).

9 A propósito de Michelet, ele morou na mesma casa que foi de Alfred Rambaud, na rue d'Assas, 76, em Paris (LAVISSE, 1906).

10 Pierre Monbeig testemunha uma relativa hostilidade dos geógrafos para com os historiadores nos anos 1945-1955 (BATAILLON, 1991, p.30).

11 A elogiosa resenha que Albert Demangeon dedica ao La Terre […] se introduz com a declaração da precocidade deste livro de método entre os geógrafos que, até o momento, não ousaram a tal empreendimento (DEMANGEON, 1923).

12 Lia Osório Machado demonstra como Lucien Febvre era divulgado entre os primeiros geógrafos brasileiros. (MACHADO, 1995).

13 O fenômeno técnico é central no conceito de gênero de vida (SILVEIRA, 2010).

14 Vidal de la Blache claramente considera a pastorícia como um regime atrasado em relação à agricultura (VIDAL DE LA BLACHE, 1889, p. 523).

15 Robic (2000) traçou outra classificação das temporalidades vidalianas. Ateve-se, contudo, essencialmente aos fatos históricos, salvo que fora as escalas de tempo adotadas nos domínios da história: temporalidade da extensão do ecúmeno, da exploração dos recursos, da sucessão das gerações, do progresso das civilizações e da instalação da modernidade. (ROBIC, 2000).

16 É certo, porém, que o determinismo vidaliano é de ordem diferente daquele do século XVIII (ver SODRÉ, 1992). Segundo Gomes (1996), “enquanto, para o determinismo, o homem era apenas um elemento entre os outros, com Vidal, ele se faz mestre dos outros, pois se adapta à natureza e a transforma em seu próprio benefício.” (GOMES, 1996, p. 201).

17 Ary França localiza os escritos de Ratzel como o primeiro formulador da unidade entre o homem e o meio. A La Blache, cabe a inserção desta fórmula num espírito contingencialista, fugindo das rígidas interpretações ratzelianas. O debate com a dita escola determinista, não foi estimulado por Paul Vidal de la Blache. (FRANÇA, 1950).

18 Sousa Neto ressalta como na construção da nacionalidade brasileira a tradição geográfica foi apropriada de forma finalística na definição dos destinos da 'ilha Brasil' (SOUSA NETO, 2000).

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Pour citer cet article

Référence électronique

Larissa Alves de Lira, « Vidal de la Blache historiador »Confins [En ligne], 21 | 2014, mis en ligne le 20 août 2014, consulté le 08 décembre 2024. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/9636 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/confins.9636

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Auteur

Larissa Alves de Lira

Bacharel em Geografia, mestre em Geografia Humana com bolsa FAPESP (Fundação de Amapro à Pesquisa do Estado de São Paulo), doutoranda em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo, bolsista FAPESP. lara.lira@gmail.com

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