- 1 DOYLE, Arthur Conan. O Mundo Perdido. Francisco Alves Editora S/A, 1982, p.21.
- 2 Idem, p.230.
1Quando abordo o PESU com meus colegas acadêmicos fico estupefato com o total desconhecimento sobre o assunto. Sinto-me na pele avermelhada do Professor Challenger, caso ouvisse a conversa entre Tarp Henry e Ed Malone, quando o primeiro afirmava que: “Challenger é o homem que voltou da América do Sul com uma estória da carochinha”1. Mas, ao contrário do Professor Challenger, cujas “câmeras fotográficas foram manipuladas pelos homens-macacos quando saquearam”2 o acampamento, meus registros fotográficos não se danificaram, e agora aproveito a oportunidade para apresentar o PESU a todos que queiram ver, e provar de uma vez por todas que não se trata de uma estória da carochinha.
- 3 Área de Proteção Ambiental. É uma categoria regulada pelo Sistema Nacional de Unidades de Conserva (...)
- 4 O Parque Estadual do Sumidouro (PESU) foi criado pelo Decreto 20.375 de 3 de janeiro de 1980, como (...)
2O PESU, ou Parque Estadual do Sumidouro (para os menos íntimos), está localizado entre os municípios de Lagoa Santa e Pedro Leopoldo, a 50 km de Belo Horizonte. É um pequeno parque (cerca de 2000 ha) incrustado na porção centro-leste da APA3 Carste de Lagoa Santa (Figura 1). Apesar de suas diminutas dimensões, o que o torna grandioso são uma série de eventos que iremos retratar na sequência. Embora exista no papel desde 19804, só veio a ser implantando em 2010, tal atraso se deve, sobretudo, ao desinteresse político. O nome “sumidouro” se deve, principalmente, a um fenômeno de mesmo nome comum da hidrologia cárstica, descrito por Fleury, S. (2009) como: “feições características de superfícies de drenagem que direcionam o escoamento superficial para dentro de um canal subterrâneo”. Além, é claro, da Lagoa do Sumidouro e Lapa do Sumidouro (Figura 2), que completam os três homônimos responsáveis pelo nome do Parque (Andrade, 2013).
Figura 1: Localização do PESU (Andrade, 2013)
3
Figura 3: Sumidouro (de cima da rocha) encoberto pelas águas no verão de 2013
4
5Em primeiro lugar porque a história do PESU caminha lado a lado com a história das Minas Gerais. Ao norte da Lagoa do Sumidouro está um dos primeiros povoados do Estado – Quinta do Sumidouro – cujo conjunto histórico, paisagístico e natural foi tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (IEPHA/MG) em 1977, “com registro no Livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico” (IEPHA, 2008). O pequeno povoado possui um patrimônio onde se destacam as pinturas rupestres (Figura 5), as grutas e os sítios arqueológicos.
6
- 5 Antônio Raposo Tavares foi o bandeirante mais renomado do Brasil (CARVALHO FRANCO, 1989, p.276).
7Em segundo lugar porque tal povoado foi fundado, pelo segundo mais renomado bandeirante5 que contribuiu para a expansão geográfica brasileira – Fernão Dias Paes Leme (1608 – 1681), que, apesar da idade (mais de 60 anos), foi convencido pelo Príncipe Regente, D. Pedro II, e pelo Governador-geral do Estado do Brasil, Afonso Furtado, a embrenhar-se no mato em busca de prata e esmeraldas (Setúbal, 1935; Carvalho Franco, 1989). O arraial, fundado originalmente como São João do Sumidouro, devido às relações que se estabeleceram com os povos indígenas, carrega consigo o significado do nome atribuído por eles ao Sumidouro: “Anhanhonhancanhura (água que some no buraco)” (Vasconcellos, 1999, p.68). Passou a se chamar Quinta do Sumidouro devido ao estabelecimento de extensas plantações de cereais (Vasconcellos 1999), por esse motivo “Quinta”, que significa “grande propriedade rústica, com casa de habitação; terra de semeadura; fazenda” (De Hollanda Ferreira; Da Luz, 1974). Fernão Dias estabeleceu-se por quatro anos e meio no arraial da Quinta do Sumidouro e morreu as margens do Rio das Velhas, acometido pela carneirada (malária). Um fato curioso é que ele não chegou a residir na casa que passou a levar o seu nome (Figura 6), a mesma foi construída no século seguinte, tendo caráter comercial (Setúbal, 1935; Carvalho Franco, 1989; Werneck, 2010).
8
69A convivência do homem com os grandes animais extintos e a ocupação bastante remota da América. O achado era notável, pois naquela época, em nenhuma outra parte do mundo haviam sido encontrados animais desaparecidos contemporâneos do homem (idem, p. 54).
10
xx711Em quarto lugar, sendo a cereja do bolo, no ano de 1975, Annette Laming-Emperaire (1917 – 1977), arqueóloga francesa, incentivada pelos resultados da pesquisa de W. Hurt, realizou uma série de escavações arqueológicas nesta região, em especial na Lapa Vermelha de Pedro Leopoldo, descobrindo um crânio humano, evidência mais antiga do homem na América, sendo o mesmo batizado de Luzia e considerado o ser humano mais antigo do continente com 11,5 mil anos (Tupinanbás, 2007).
12Em 2003 foram iniciadas a primeira etapa de uma série de escavações cujas análises arqueológicas, referente ao projeto de pesquisa sobre a origem e micro-evolução do homem nas Américas, sendo comandadas pelo pesquisador e bioantropólogo Walter Neves, professor da Universidade de São Paulo (USP). Estas escavações colocaram Minas Gerais entre os principais centros arqueológicos do mundo e revelaram o PESU como o primeiro sítio brasileiro em campo aberto de paleoíndios, sendo encontrados instrumentos de trabalho às margens da lagoa (Figura 8), que datam da época da pedra lascada e apontando a região como lar dos primeiros grupos de humanos que povoaram o Brasil central, há 8,3 mil anos (idem).
Figura 8 – Artefato de uso doméstico encontrado pelos arqueólogos paulistas (Tupinanbás, 2007)
13Estas escavações deram base para que os pesquisadores questionassem quais foram de fato os primeiros habitantes da América, já que os arqueólogos dos Estados Unidos apontam os Clovis como os primeiros, mas descobriu-se indícios de culturas anteriores a dos Clovis, na região do PESU que foi apontada como um dos berços desses antepassados (Tupinanbás, 2007).
14Segundo o Prof. Walter Neves:
15Além da paleontologia e arqueologia, o PESU também é motivo de pesquisa de outros ramos científicos, como os que se interessam pela fenomenologia cárstica, hidrogeologia, graças a complexidade hidrológica subterrânea e, é claro, a espeleologia, por ser uma região que abriga uma das maiores quantidades de cavernas do país, conforme podemos observar no mapa (Figura 9) (Gheosfera Consultoria Ambiental, 2010c).
Figura 9 – Abundância de cavernas (Andrade, 2013)
- 8 O Mundo Perdido era envolto por um enorme penhasco, o que o tornava quase inacessível, assim como (...)
- 9 Definida pela Lei Nº 9.985 do SNUC, item VI do Artigo 2º como “manutenção dos ecossistemas livres (...)
16Outra característica que torna o PESU semelhante ao “Mundo Perdido” é sua parcial inacessibilidade8 (Figura 10), já que, por se tratar de uma unidade de conservação de proteção integral9, isto é, não permitir a presença humana, os moradores das comunidades próximas foram expropriados do lugar ao qual estavam intimamente incorporados através de seu modo de vida, dessa forma, o que outrora fazia parte do cotidiano, tornou-se parcialmente inacessível com a implantação do Parque. Mas isso já é uma outra história.
Figura 10 – Placa de proibição na Lagoa do Sumidouro (foto de 2012, ANDRADE, 2013)
17Portanto, caro leitor, da próxima vez que passar por essas bandas, não deixe de fazer uma visita ao PESU. As trilhas na mata (Figura 11) e a vista do mirante (Figura 12) são espetaculares. Não deixe de visitar também o Receptivo Peter W. Lund (Figura 13), e, se passar por Lagoa Santa, confira a réplica da preguiça gigante na rodoviária (Figura 14). E da próxima vez, caso aborde a região do PESU com alguém que desconheça completamente o assunto e ainda diga que é estória da carochinha, não fique vermelho de raiva como o Professor Challenger, indique esse link.
18
19
20
21
22
23