1Observa-se, atualmente, uma presença cada vez maior das finanças como centro da sociedade contemporânea e elemento constitutivo do espaço geográfico. O dinheiro se tornou o “elemento que imprime velocidade aos outros elementos da história” (Santos, 1999, p. 10) e hoje poucas atividades ditas econômicas se fazem sem o acesso a algum tipo de instrumento financeiro (Contel, 2007, p. 2). As aplicações financeiras e os fluxos de capital têm, hoje, destaque tanto sobre os fluxos de dinheiro para o investimento produtivo quanto sobre os fluxos de mercadorias (Arroyo, 2006, p. 178-179).
- 1 O mercado de capitais é o segmento do mercado financeiro onde se realizam as operações de compra e (...)
- 2 Derivativos são operações financeiras que têm como base de negociação o preço ou cotação de outro a (...)
2A esfera financeira da economia engloba as atividades bancárias, de crédito, de câmbio, de seguros e as atividades relacionadas ao mercado de capitais1, derivativos2, futuros e opções, negociados em bolsas de valores.
3A recente mundialização das finanças (Chesnais, 1998) caracteriza mutações profundas no sistema mundo, na medida em que contribui para amplificar os fluxos e as influências dominantes – interessando, assim, à análise geográfica. Garretsen, Kitson e Martin (2009) reafirmam a relação entre espaço e finanças e apontam para a necessidade de leituras geográficas coerentes com o atual período, propondo a análise dos circuitos espaciais da finança global. A mundialização das finanças interessa, particularmente, aos estudos urbanos (Béteille, 1991, p. 10), já que, conforme Labasse (1974, p. 95-97), as funções financeiras são, juntamente com a função política, as mais urbanas de todas. O desenvolvimento do mercado de capitais e das bolsas de valores, assim, acompanhou o surgimento das cidades, em especial das metrópoles — que centralizam as atividades financeiras. De acordo com Mumford (2005, p. 447), a instituição que assinalou o ponto capital do desenvolvimento da cidade comercial foi a Bolsa, e é nas cidades que se estabeleceram esses centros de trocas.
4O período histórico atual é marcado, também, pela revolução informacional (Lojkine, 2002), quando a informação emerge como elemento que organiza novos contextos socioterritoriais e as novas atividades produtoras de informação passam a ser centrais à elaboração e à coordenação das múltiplas redes globais (Silva, 2001, p. 6). A partir de uma série de transformações técnicas e políticas, as redes informacionais tornaram-se suporte essencial para o funcionamento mundializado das finanças.
5Este artigo resulta de nossa investigação a respeito do movimento das bolsas de valores — e, assim, do mercado de capitais — no processo de financeirização do território brasileiro, a partir da configuração dos círculos de informações financeiras que embasam o funcionamento desse mercado no período da globalização. Para tanto, discutimos as relações entre os círculos de informações e os novos usos do território, as principais transformações técnicas e políticas no mercado de capitais brasileiro a partir da globalização, os novos agentes e conteúdos trazidos pelos círculos de informações financeiras na cidade de São Paulo e as implicações dessa reorganização do mercado de capitais à rede urbana brasileira.
6De acordo com Gonçalves (2002, p. 7), uma das características marcantes da sociedade contemporânea é a penetração das novas tecnologias da informação na vida econômica, social e política — às quais acrescentamos, também, a dimensão territorial.
7O território é nosso quadro de vida. Ao conceituá-lo, Santos (2009, p. 15-16) afirma que o que interessa à análise social não é o território em si, mas sim os usos do território. Para este autor, o território são as formas, mas o território usado são os objetos e ações. Conforme Santos e Silveira (2006, p. 247), para definir um território “devemos levar em conta a interdependência e a inseparabilidade entre a materialidade, que inclui a natureza, e seu uso, que inclui a ação humana, isto é, o trabalho e a política”.
8O verdadeiro instrumento da união entre as diversas partes de um território, atualmente, é a informação (Santos, 2009, p. 16). Conforme Dantas (2003, p. 25), com base em um conjunto de autores ligados à teoria científica da informação e da comunicação, informação é um “processo de seleção efetuado por algum agente, entre eventos passíveis de ocorrer em um dado ambiente”. A partir da importância crescente da informação, consideramos a existência de um novo setor da economia, o quaternário, que agruparia as atividades informacionais, conforme proposição de Porat (1977). Para Tomelin – que destaca o papel da ciência nesse setor quaternário –as atividades deste seriam caracterizadas “pela ação de conceber, criar, interpretar, organizar, dirigir, controlar e transmitir” (Tomelin, 1988, p. 71).
9Trata-se de um contexto de reorganização produtiva que corresponde geograficamente a uma nova divisão territorial do trabalho, onde alguns espaços “comandam” outros por meio dessas redes de informação. Como afirma Santos (2009, p. 38) “agora são os fluxos de informação que hierarquizam o espaço urbano”. Segundo Pred (1979, p. 13), por meio desses fluxos de informação cada vez mais presentes, uma mudança significativa em um lugar influencia outros lugares.
10E que informação é essa? Em primeiro lugar, de acordo com Laborit (1973, p. 33), pode-se distinguir a informação especializada, necessária aos trabalhos técnicos, da informação generalizada, necessária à vida humana. Nesse sentido, diferenciamos a informação banal, do cotidiano de todos, da informação produtiva ou estratégica (Silveira, 1997; Silva, 2001; 2009). A partir daí, poderíamos avançar para uma tipologia que considere dentre as informações estratégicas quatro subgrupos: (1) a informação financeira, objeto de nosso estudo; (2) a informação sobre negócios, produzida pelas empresas de consultoria e marketing; (3) a informação enquanto imagem, produzida pelo circuito da publicidade, e (4) a informação tecnológica, produzida em centros de pesquisa e universidades (Silva, 2001, p. 110-112).
- 3 Com o avanço da circulação e da comunicação possibilitando que a localização de diversas etapas dos (...)
11A presente análise é realizada a partir dos círculos3 de informações financeiras, os quais são a base do funcionamento atual do mercado de capitais. De acordo com Mattelart (1994, p. 23),
o conjunto das transformações técnicas que se operam no modo de comunicação leva a mudar de forma radical o estatuto econômico da informação […], torna arcaicas as regulamentações das Bolsas de Valores e força a procurar novos procedimentos de intervenção nos mercados. A informação torna-se coisa de especialista e sua complexidade exige a competência de analistas preocupados em prever a conjuntura.
12Para Dias (2005, p. 62), o alargamento da esfera monetária da circulação e a organização das redes financeiras se associam diretamente ao acelerado desenvolvimento das redes eletrônicas de telecomunicação, em função da importância da circulação de informações para o circuito financeiro. Para esta autora, o valor da informação financeira reside, também, na extraordinária poupança de tempo que as novas tecnologias de comunicação proporcionam.
13Transformações técnicas e normativas que viabilizaram os fluxos globais de informação conferiram a grande importância política, econômica e geográfica dessa variável. Assim, torna-se imprescindível investigar os círculos informacionais, as transformações espaciais para o abrigo desses círculos e as densidades e rarefações nos territórios em função da informação.
- 4 São exemplos os Decretos nos. 417/1845, 648/1849 e 6.132/1876, que regulamentam, respectivamente, a (...)
14Para compreender a gênese dos círculos de informação como suporte para o mercado financeiro, partimos de uma breve periodização. Do surgimento da primeira bolsa de valores no país – a BVRJ, em 1845 no Rio de Janeiro – até a véspera do golpe militar de 1964, temos um primeiro período, que consideramos como o “embrião” do mercado de capitais nacional, quando o uso financeiro do território era marcado pelas dinâmicas regionais e a contiguidade dominava a finança (Contel, 2007, p. 291). Nessa etapa, as negociações eram realizadas em bolsas regionais, por meio do pregão ao vivo. As técnicas de funcionamento das bolsas brasileiras eram influenciadas pela bourse francesa, e uma série de normas foram impostas para uma primeira organização do mercado4.
- 5 Entre as normas estabelecidas nesse período, destacam-se a Lei nº. 4.595/1964, que cria o Conselho (...)
- 6 Segundo Santos (2008, p. 37), esse seria o meio geográfico resultante do momento em que a ciência, (...)
15O golpe militar de 1964 acompanha um conjunto de transformações que englobam a estruturação de um sistema financeiro nacional. Inicia-se, então, um novo ciclo de normatização, com leis que regulamentam diretamente o mercado de capitais5 – desde então sob influência do modelo norte-americano de organização do mercado. A partir, também, de um contexto de difusão do meio técnico-científico-informacional6 no território brasileiro, inicia-se uma transformação nas técnicas de funcionamento do mercado de capitais, que passa, desde 1972, a utilizar sistemas baseados na informática e na eletrônica (BM&FBOVESPA, 2009a) – mas funcionando, ainda, sob predomínio do pregão ao vivo.
16No que se refere à divisão territorial do trabalho, essa reorganização do período militar levou à substituição do modelo de várias praças financeiras regionais para uma centralização financeira. Apesar da existência das diversas bolsas regionais, duas bolsas passaram a dividir o comando do mercado de capitais nacional: a Bolsa de Valores de São Paulo – Bovespa – e a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro – BVRJ. A bolsa fluminense possuía primazia sobre os títulos de empresas públicas e a paulistana sobre os papéis de empresas privadas (Luna, 2004, p. 347).
- 7 Embora tenha servido de palco para muitas privatizações, a BVRJ perdeu liquidez com a saída de seus (...)
17Desde o fim da ditadura militar, mas sobretudo a partir da década de 1990, iniciou-se um novo período, que perdura até atualmente, marcado pela mundialização das finanças, pela importância crescente da informação financeira e pela hegemonia de São Paulo no comando do mercado de capitais. A partir do processo de abertura do mercado e das privatizações dos anos 1990, a BVRJ perdeu ainda mais força frente à Bovespa7, que passou a controlar nessa década mais de 90% do mercado. Essa centralização do mercado de capitais na Bovespa se deu de tal forma que em 2000 ela incorporou a BVRJ e as demais bolsas regionais, passando a monopolizar o mercado de capitais brasileiro. Às demais bolsas restou o papel de promover o mercado de capitais e prestar serviços às praças financeiras locais (Bovespa, 2008a).
- 8 As atividades financeiras seriam as que mais se beneficiam do enquadramento rigoroso do tempo na co (...)
18As técnicas atuais dão, pois, suporte ao funcionamento do mercado de capitais e das bolsas de valores. Observa-se hoje um mercado de capitais cada vez mais informatizado e informacional. Informatizado pois as novas tecnologias de informação são imprescindíveis para o funcionamento desse mercado. Elas viabilizam o tempo real e, assim, a possibilidade da realização de operações instantaneamente em todo o mundo8, e uma consequente expansão do pregão eletrônico em detrimento do pregão ao vivo. Além disso, são utilizadas no processamento de informação e na geração de novas informações mais especializadas – como inúmeros gráficos e análises – e até em novas formas automatizadas de atuação na bolsa, com ordens sendo lançadas no pregão por algoritmos definidos em softwares, batizados como robot-traders. Informacional pois todo o trabalho de operação na bolsa atualmente é baseado em um uso intenso de informações atualizadas em tempo real, desde cotações até análises especializadas. A especialidade dos operadores, em sua tomada de decisões para a compra e venda de títulos, passou a ser lidar com essas informações em larga escala e rapidamente.
19No caso da Bovespa, apesar de o embrião dos sistemas eletrônicos datar de 1972, essas transformações se dão principalmente a partir de 1990, com a implantação do sistema de negociação eletrônica. Inicialmente o sistema utilizado era o CATS – Computer Assisted Trading System –, que foi substituído em 1997 pelo sistema Mega Bolsa – considerado mais eficiente, que permite que as corretoras negociem na bolsa em tempo real de seus escritórios – em busca de uma maior fluidez (Silva, 2001, p. 123). O pregão eletrônico, nesse caso, funcionava em paralelo com o pregão ao vivo.
20Em 1999 ocorreu o lançamento do chamado Home Broker, sistema que permite que os investidores operem diretamente de casa, por meio do sistema das sociedades corretoras mas sem necessidade de participação direta dos corretores, via internet (Ferreira, 2007, p. 63-64). No mesmo ano, a Bolsa lançou o pregão eletrônico noturno – inédito, até então, no mercado de capitais mundial –, permitindo a operação após o período regular de pregão, batizado como after-market. No ano seguinte, houve a integração das bolsas de valores regionais pela Bovespa, que passou a dividir a negociação do mercado financeiro apenas com a também paulistana BM&F – Bolsa de Mercadorias e Futuros. A BM&F iniciou, nesse momento, um novo ciclo de informatização: foi adotado o sistema GTS – Global Trading System, para negociações eletrônicas de derivativos, e o Sisbex, para títulos públicos. Em 2004, passou a utilizar o WebTrading, sistema eletrônico para pessoas físicas (BM&FBOVESPA, 2009c).
21Esse contexto de transformações técnicas acompanha, por conseguinte, a reorganização das bolsas paulistas: em 2007, com o monopólio do mercado financeiro, elas deixam de ser associações sem fins lucrativos para se tornarem sociedades por ações (S/A), com capital aberto no mercado de capitais. Assim, surgem a Bovespa Holding S/A e a BM&F S/A, que em 2008 se fundem, dando forma a uma nova instituição: a BM&FBovespa S/A - Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros que, em seu surgimento, era “a terceira maior bolsa do mundo em valor de mercado, a segunda das Américas e a líder no continente latino-americano” (BM&FBOVESPA, 2008).
22O processo de informatização do mercado de capitais brasileiro resulta no fim do pregão ao vivo na Bovespa em 2006 (Ferreira, 2007, p. 64) e, em junho de 2009, na antiga BM&F, agora parte da BM&FBovespa. A aceleração técnica no período atual aponta para novas transformações em andamento: o chamado acesso direto ao mercado (DMA – direct market access) passou a ser realizado, também, por meio do chamado co-location – a hospedagem de computadores do cliente no espaço físico da Bolsa (BM&FBovespa, 2009d), inspirada no modelo da Chicago Market Exchange, com quem a BM&FBovespa possui um acordo recente de integração técnica e dos mercados (CMEGROUP; BM&FBovespa, 2009).
23Todavia, a possibilidade técnica de operação no mercado de capitais sem um encontro “físico” não acaba com a importância das bolsas de valores e dos centros financeiros, a qual, segundo Wójcik (2007, p. 202) se explica também em função do compartilhamento de infraestrutura de telecomunicações e pela presença de serviços avançados, em especial relacionados ao setor quaternário. Este autor afirma ainda que o valor dos centros financeiros hoje reside sobretudo na produção e na circulação de informações (Wójcik, 2007, p. 220). Do mesmo modo, Porteus (1999, p. 105-108) afirma que, historicamente, os serviços financeiros se concentraram onde houve demanda a partir da economia produtiva, mas o que define a localização desses centros financeiros mais recentemente são os fluxos de informação e as atividades do quaternário.
24Essas transformações técnicas viabilizaram, portanto, a centralização do mercado de capitais brasileiro em São Paulo (na BM&FBovespa), pois diminuíram bruscamente a importância das praças financeiras regionais a partir da interligação dos investidores por meio da rede do pregão eletrônico. Aliados às mudanças normativas, os novos sistemas técnicos levaram a uma nova configuração do mercado de capitais brasileiro. Essa configuração, inspirada no modelo de países hegemônicos – especialmente dos EUA – é fortemente baseada na circulação e no controle da informação financeira em tempo real.
25A circulação das informações financeiras embasa o trabalho dos operadores do mercado de capitais, que coletam e analisam essas informações para a tomada de decisões de compra e venda de títulos. No Brasil, a indústria de informação financeira (Martinez, 1999) cresceu com destaque a partir da década de 1990, concentrada especialmente na cidade de São Paulo. Todavia, cabe ressaltar que boa parte da informação financeira produzida na metrópole paulistana é baseada na reprodução das técnicas de análise de outros centros, tais como Nova Iorque e Chicago. Outra parcela importante é resultado da redistribuição de informações desses nós mais privilegiados das redes globais.
26Walton (apud Warf, 1989, p. 262) afirma que a globalização das finanças é vantajosa para a venda de informações financeiras. Dentre as agências globais de informações financeiras, algumas delas lembradas por Warf (1989, p. 263), destacam-se a Bloomberg e a Reuters. Outras empresas, como SIX Telekurs, Interactive Data, CQG Inc., Infobolsa, SDS Financial Technology e Aspen Graphics também merecem ser citadas entre importantes produtoras e comercializadoras de informação financeira, além das agências de classificação de risco (rating).
27Buscamos construir uma tipologia que dê suporte ao entendimento da informação financeira no mercado de capitais, considerando os principais tipos de informação utilizados pelos operadores do mercado de capitais:
Quadro 1: Tipologia da informação financeira de suporte ao mercado de capitais
Tipo
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Descrição
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Periodicidade
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Produtores
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Origem
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Boletins / análise de mercado
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Análises de mercado, contendo resumo de notícias que podem afetar os mercados, projeções etc. Elaboradas a partir de análise de outras informações.
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Diária
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Empresas de informação financeira, sociedades corretoras, bancos de investimento
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Privada
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Análises técnicas
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Análises técnicas com uso de gráficos e softwares de análise para indicar momentos de compra e venda de títulos.
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Diária
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Empresas de consultoria financeira e informação financeira
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Privada
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Classificação (rate)
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Notas definidas a partir de critérios das empresas classificadoras, que representam indicações aos investidores.
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Variada, com avaliações regulares
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Agências de rating
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Privada
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Índices
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Índices de ações, setoriais, de emprego e resultados da economia.
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Variada, com avaliações regulares
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Governos, centros de pesquisa, instituições privadas, bolsas
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Pública/ Privada
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Informações de setores e empresas
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Balanços, notícias setoriais e em publicações especializadas, relatórios com resultados financeiros de empresas e setores, dados de departamentos de relação com investidores.
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Variada. Algumas possuem divulgação programada
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Empresas, consultorias e auditorias; agências de notícias; associações setoriais; IBGE
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Pública/ Privada
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Notícias políticas
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Notícias políticas do país com relação à economia, estabilidade, relação do governo com empresas, impostos etc.
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Diária
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Agências de notícias
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Privada
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Informações privilegiadas
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Informações privilegiadas de negócios ou processos que ferem a “equidade” dos operadores. São reguladas pela CVM, representando crime financeiro.
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Variada
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Todos os produtores de informação financeira
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Restrita
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Fonte: Pasti (2010).
28As informações privilegiadas, também conhecidas por seu nome em inglês, inside informations, são proibidas por ferirem o princípio da “equidade dos agentes econômicos”, ou seja, quem as possui tem vantagens perante os demais. Apesar da regulação, pela Comissão de Valores Mobiliários, seu uso acontece com frequência, segundo relatos dos próprios investidores. Dentre os exemplos dessas informações, podemos citar dados sobre a saúde financeira das empresas ainda não divulgados, mudanças na classificação pelas agências de classificação de risco antes de sua divulgação pública e conhecimento de andamento de processos jurídicos mantidos em sigilo.
29Os índices têm como objetivo funcionar como “indicadores antecedentes”, antecipando tendências e indicando o “desempenho do mercado” (Fortuna, 2008, p. 622). É uma informação racionalizada e construída para ser mensurável, exercendo grande influência sobre os operadores do mercado de capitais. Por constituírem um grupo muito heterogêneo, foram organizados em um quadro a parte:
Quadro 2: Principais índices com influência no mercado de capitais brasileiro
Índice
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Descrição
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Periodicidade de publicação
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Produtores
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Origem
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Ibovespa
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Índice de ações que calcula desempenho de uma carteira de ações escolhidas como as mais relevantes do quadrimestre.
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Instantânea (durante pregão)
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BM&FBovespa
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Privada
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Índices setoriais
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Índices de ações que calculam o desempenho de carteiras de ações de determinados setores, como IMOB (imobiliário), IEE (energia elétrica) e ITEL (telecomunicações).
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Instantânea (durante pregão)
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BM&FBovespa
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Privada
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IGC Governança Corporativa
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Índice de ações que calcula desempenho de uma carteira de ações composta por empresas reconhecidas com práticas de governança corporativa.
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Instantânea (durante pregão)
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BM&FBovespa
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Privada
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IPCA
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Índice de preços ao consumidor amplo, medição oficial de inflação.
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Mensal
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FIBGE
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Pública
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IGP-M
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IGPs são índices gerais de preços, que registram a inflação. O IGP-M é calculado em 3 apurações mensais.
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Mensal
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Fundação Getúlio Vargas
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Privada
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S&P 500
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Índice de ações que calcula desempenho de 500 títulos norte-americanos considerados os mais relevantes.
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Instantânea (durante pregão)
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Agência Standard & Poor’s
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Privada
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Emprego
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Os índices oficiais de emprego e desemprego são levantados na Pesquisa Mensal do Emprego/IBGE. Há também o índice de emprego do DIEESE (outra metodologia).
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Mensal
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FIBGE
DIEESE (SEADE)
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Pública
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Fonte: Pasti (2010).
30Já em uma classificação quanto aos agentes produtores dessa informação financeira, poderíamos, em uma primeira aproximação, classificar as informações entre primárias – produzidas essencialmente por agências de informação financeira e pelas bolsas – e derivadas – baseadas na reprodução e, por vezes, no tratamento das informações primárias com auxílio de softwares. Elas são produzidas sobretudo por empresas de consultoria e corretoras.
31Buscando compreender os agentes produtores dessas informações e seu papel na divisão do trabalho ligado ao mercado de capitais, apresentamos a seguir os agentes de maior destaque.
- 9 Além disso, a BM&FBovespa oferece informações gratuitamente, por meio do produto Acesso Móvel, disp (...)
32A bolsa de valores, mercadorias e futuros brasileira BM&FBovespa é, também, produtora de informação financeira para o mercado de capitais brasileiro. Dentro da tipologia apresentada, ela pode ser considerada uma das principais produtoras de informações primárias do mercado no país. Ela destaca-se entre os vendedores nacionais de informação financeira sobretudo por meio de seu produto Sinal de Informações, canal de venda de cotações, índices, notícias e informações sobre os “mercados Bovespa e BM&F” em tempo real. Ela vende, ainda, dois softwares ligados à circulação de informações financeiras: (1) iMercado, que viabiliza a troca de informações dos diferentes softwares do mercado por uma linguagem padronizada, e (2) Sinacor, voltado à gestão de informações pelas corretoras de valores9.
33Em relação à produção de informação financeira primária deve-se lembrar, também, dos agentes públicos produtores de informação, como o Banco Central, por meio de sua Gerência Executiva de Relações com Investidores e a FIBGE, já citada, especialmente com os índices de emprego. Souza (1997) destaca ainda fontes internacionais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.
34Todavia, a maior parte dos agentes dos círculos de informações financeiras pode ser classificada como produtora de informações derivadas, com níveis diferentes de trabalho imaterial sobre as informações primárias. Nesse caso, as sociedades corretoras destacam-se como redistribuidores de informações dos produtores primários aos seus clientes investidores e aos operadores do mercado de capitais. Além das corretoras, identificamos os distribuidores nacionais de informação financeira autorizados pela BM&FBovespa:
Quadro 3: Distribuidores nacionais de informação financeira autorizados - BM&FBovespa (2009)
Empresas e agências de informação financeira
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Portais, jornais e agências noticiosas
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Consultorias financeiras
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Enfoque Informações Financeiras
Bloomberg do Brasil
Cedro Market & Finances
InvestNews
Reuters Brasil
DCCS - Dias Camargo
INFOInvest
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Apligraf
BlankSys
CILP
CellBroker
IT Evolution
Nelogica
Trader Data
Trader Gráfico
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UOL - Universo Online
Globo.com
IG - Internet Group
Terra Networks Brasil
Yahoo Brasil
Valor Online
InfoMoney
Agência Estado
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BIAM Consultoria e Gestão de Capitais
CMA Consultoria
Lopes Filho & Associados Consultoria
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Bancos
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Banco do Brasil S/A
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Fonte: Pasti (2010).
35Organizamos os distribuidores entre empresas e agências de informação financeira, que produzem e vendem informações; portais, jornais e agências noticiosas, que disponibilizam informações menos precisas e com menos trabalho imaterial, praticamente reproduzindo cotações aos seus assinantes e ao público em geral; e consultorias financeiras e bancos, os quais redistribuem informações financeiras por meio de seus serviços, de forma diferenciada do primeiro grupo.
36Observa-se, no mapa abaixo, que a maior parte desses distribuidores de informação financeira autorizados pela BM&FBovespa localiza-se na cidade de São Paulo (16 entre 27, sendo que há mais alguns com escritórios na cidade), reforçando e demonstrando a densidade informacional da metrópole.
Mapa 1: Distribuidores de informação financeira autorizados – BM&FBovespa (2009)
Fonte: BM&FBovespa (2009).
- 10 Especializada em informações de commodities agrícolas negociadas no mercado BM&F.
37É preciso destacar também outras empresas nacionais produtoras de informações financeiras não citadas, tais como Agência Dinheiro Vivo, LAFIS Consultoria, AgRural10, Interlink Consultoria, Tema Consultoria em Software Financeiro, os jornais Valor Econômico e Brasil Econômico e o jornal Gazeta Mercantil, fechado em maio de 2009, que contava também com a empresa Panorama Setorial, especialista em análises setoriais.
38Entre os produtores de informação financeira primária figuram, como já citado, agências transnacionais de informação, sendo as principais Bloomberg e Reuters, que possuíam, em 2008, cada uma um terço do mercado de informações financeiras – estimado à época em 16 bilhões de dólares – com o terço restante distribuído entre diversos agentes menores (New York Times, 2009). Essas agências são fornecedoras de informação para jornais, agências de notícias nacionais e regionais, corretoras de valores, portais da internet e outros agentes redistribuidores de informação financeira. Também produzem análises gráficas, análises técnicas e outros produtos, além de oferecerem serviços a empresas especializadas que também tratam essas informações e geram informações derivadas.
39Essas agências de informação financeira organizam-se como agências transnacionais de notícias especializadas e trabalham com correspondentes espalhados pelo mundo. Esses correspondentes fornecem informações à sede, que trata e redistribui essas informações por meio de seus serviços. Em função de sua abrangência, são os principais intermediários entre as fontes de notícia e os meios de comunicação (Montalbán, 1979, p. 35).
40Mapeamos a rede da agência Bloomberg para analisar sua topologia. A Bloomberg é uma agência relativamente nova, de 1981, especializada em informação financeira. Sua base é em Nova Iorque e utiliza como canais de informação a televisão, o rádio, a internet e publicações como revistas e livros, a partir de uma editora própria (Bloomberg, 2009). Os serviços são pagos pelos assinantes e redistribuidores de informação.
- 11 A autora chama atenção para o fato de que “a vertente ideológica da financeirização não foi introdu (...)
41No Brasil, especialmente a partir do processo de financeirização do noticiário econômico na década de 1990, apontado por Puliti (2009)11, essa agência tem papel chave na disseminação das informações aos investidores do mercado de capitais e outros agentes econômicos. Sua rede se organiza em agências – locais ligados à coleta e à produção de notícias – e escritórios de serviços, como se observa a seguir:
Mapa 2: Agências e escritórios de notícias da Bloomberg no mundo (2009)
Fonte: Bloomberg (2009).
42Por meio da análise do mapa, é possível comprovar a concentração dos nós da rede nos centros mais dinâmicos ao capital financeiro – as cidades norte-americanas, europeias e japonesas. Observa-se, portanto, o papel subordinado de São Paulo nessa rede mundial de cidades. No Brasil, encontram-se três agências, em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, os centros de gestão do território brasileiro (CORRÊA, 1989). No entanto, pode-se inferir um papel financeiro de destaque da cidade de São Paulo na rede urbana latino-americana ao observar a localização dos escritórios de serviços – que vendem anúncios e outros serviços da Bloomberg. Como estes são mais estratégicos à empresa, compõem uma rede mais restrita. Em todo o continente americano, há apenas três escritórios: dois estadunidenses, em Nova Iorque e São Francisco, e um em São Paulo.
43Em relação à britânica Reuters, sua gênese deu-se em 1851 e desde então ela figura entre as principais agências de notícias do mundo. Após longa trajetória de configuração de uma hegemonia global na produção de notícias gerais, a agência se reorganizou no pós-guerra, sobretudo a partir da década de 1970, incluindo os serviços de informação financeira como estratégicos (Read, 1999, p. 361).
44As agências transnacionais de informação financeira representam, do ponto de vista geográfico, um controle externo de notícias e informações que incidem no território brasileiro, como vetores verticais que reorganizam e desorganizam o território nacional sob a lógica de agentes hegemônicos do norte global. O mesmo ocorre para o caso analisado a seguir, das agências de classificação de risco.
45Outros agentes de destaque na trama da informação financeira, as agências de classificação de risco (ou rating) são empresas privadas que atribuem uma classificação – similar a uma nota, dentro de uma hierarquia que elas próprias estabelecem – a empresas, instituições e até mesmo países, relacionada aos riscos que podem impactar o retorno do investimento e a capacidade de pagamento das dívidas (Fortuna, 2008, p. 540). Destacam-se, entre essas agências, Standard & Poor’s e Moody’s, que possuem 80% desse mercado, além da Fitch, que possui cerca de 15% (The Economist, 2007). Todas elas são norte-americanas e possuem escritórios na cidade de São Paulo.
46Ao analisar o mapa a seguir, dos escritórios das principais agências na América Latina, observa-se uma aglomeração em poucos centros: as metrópoles de Buenos Aires, Cidade do México e São Paulo. Em todos os casos, no entanto, esses centros estão subordinados aos escritórios centrais, em Nova Iorque.
Mapa 3: Escritórios das agências Moody’s e S&P na América Latina e localização dos escritórios centrais (2011)
47Conforme nota Arroyo (2006, p. 187), “com a emergência das finanças como variável-chave do período histórico atual, os países passam a ser classificados segundo a capacidade de pagar suas dívidas”. Com base nas informações das agências de classificação de risco, os investidores decidem como aplicar o dinheiro e quanto cobrar de juros sobre os empréstimos concedidos.
48Uma das principais classificações das agências nesse contexto é o risco soberano, que é “o risco de crédito associado a operações de crédito concedido a Estados soberanos” (Canuto; Santos, 2003, p. 8). Também merece destaque, segundo estes autores (2003, p. 16) o risco país, que abarca, além da análise de risco ligado às atividades do governo federal, também aquele relacionado aos demais credores residentes no país, referindo-se especialmente com fatores que podem estar sob controle do governo. Entre os principais fatores e variáveis considerados na avaliação do risco soberano, de acordo com Canuto e Santos (2003, p. 24), estão: (1) risco político, civil e institucional, sendo avaliadas essencialmente a estabilidade e a legitimidade das instituições públicas; (2) setor real e estrutura econômica, avaliando-se o crescimento econômico e a orientação à economia de mercado; (3) setor fiscal, verificando-se a condução da política fiscal do governo; (4) setor monetário e financeiro, onde avalia-se a “coerência e sustentabilidade” das políticas monetárias e cambiais; e (5) o setor externo, avaliando o impacto das políticas monetárias sobre as contas externas.
49Devido à adoção de políticas alinhadas com esses critérios no Brasil, as agências Standard & Poor’s e Fitch deram ao Brasil em 2008 a classificação chamada “grau de investimento” (investment grade), que incentiva o investimento no país. A classificação desencadeou intensas reações na bolsa de valores. Conforme Arroyo (2006, p. 187-188), os critérios utilizados pelas agências de rating fazem com que o “superávit primário se transforme em uma obsessão para os governantes latino-americanos, condicionando suas opções de alocação de recursos e limitando o dinheiro disponível para investimento e para aplicação em programas sociais”. É dessa forma que o dinheiro nacional fica preso à lógica financeira dos agentes hegemônicos globais, privando o território de uma regulação interna e soberana.
50No período atual, algumas cidades comandam os fluxos de informação, abrigando os principais agentes produtores ou redistribuidores dessa informação (Santos, 2008a, 2009; Silva, 2001). No caso dos territórios periféricos, como o brasileiro, esse comando é subordinado aos centros verdadeiramente hegemônicos, como Nova Iorque e Londres. Ainda assim, alguns centros abrigam, nacionalmente, esse comando da informação – em especial São Paulo, considerada metrópole onipresente no território brasileiro (Santos, 2008 [1993], p. 103), já que as ordens que partem dessa metrópole reorganizam todo o território. Dessa forma, configura-se uma complexa divisão territorial do trabalho, a qual condiciona e se reflete na rede urbana (Corrêa, 1989, p. . 48). Conforme Dias (1995, p. . 103), no atual período as redes informacionais são os vetores, por excelência, da integração territorial.
51A partir da hegemonia de São Paulo no mercado de capitais brasileiro, começou a tomar corpo um projeto de tornar a cidade um centro financeiro internacional. Em 2004 surgiu o embrião desse projeto, quando algumas das principais instituições financeiras com apoio do Estado (por meio do Banco Central, da Comissão de Valores Mobiliários e do Tesouro Nacional), criaram uma instituição chamada BEST Brazil, com o intuito de “promover o mercado de capitais brasileiro no cenário internacional” (Best, 2010).
- 12 A ANBIMA, Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais, resulta da fus (...)
- 13 A Febraban é a Federação Brasileira de Bancos, e conta atualmente com 120 dos 159 bancos autorizado (...)
52Essa iniciativa acompanha um processo de “fortalecimento” das bolsas paulistas, que culmina, como visto anteriormente, em sua fusão (BM&FBovespa, 2008). A partir da obtenção do grau de investimento em 2008 para o Brasil por algumas das principais agências de rating, o projeto se consolida, até que desponta publicamente em 2010, quando importantes instituições financeiras – comandadas pela BM&FBovespa, pela ANBIMA12 e pela Febraban13 – se associaram e criaram a BRAIN (Brasil Investimentos e Negócios), associação que comandará desde esse momento o projeto de tornar o Brasil, a partir de São Paulo, um centro financeiro internacional com atuação especialmente na América Latina, sob objetivo de centralizar na metrópole paulistana toda a gestão e negociação dos ativos latino-americanos (Brain, 2010a; Brain, 2010b).
53Diversas ações vêm sendo planejadas e executadas nos últimos anos em função desse projeto, que acompanha o reforço à primazia informacional e financeira de São Paulo na rede urbana brasileira e os processos em curso de reorganização da cidade. Dessa forma, emergem novos usos e transformações na cidade a partir do interesse dos agentes econômicos hegemônicos.
54Os círculos de informações financeiras, comandados por poucos agentes econômicos hegemônicos, condicionam os usos do território, em função de regerem parte importante da economia, imporem racionalidades externas e restringirem usos soberanos do território. Assim, podemos afirmar que eles atuam como vetores verticais de reorganização do território brasileiro, que são impostos de fora e o desorganizam sob essa racionalidade.
- 14 Milton Santos (2006, p. 255-259) trata da psicosfera considerando-a o campo das ideias, crenças, pa (...)
55A financeirização da economia e da sociedade, sobre a qual nos interessam aqui especialmente as questões relativas ao mercado de capitais, se dá, também, por meio de um processo ideológico de apoio – conformando uma psicosfera14 de suporte à ascensão de importância desse mercado. Nos campos de disputas pela informação se constrói, a partir dos agentes do mercado de capitais, um forte discurso de justificação e convencimento de seu projeto – incluindo a defesa da importância do mercado de capitais para a sociedade, da racionalidade financeira e do empreendedorismo.
56A esse respeito, devemos considerar também que os círculos de informações financeiras participam do processo de alienação territorial (Ribeiro, 2005, p. . 268) no Brasil. De um lado, tem destaque a atuação das agências de classificação de risco, que determinam normas para a gestão e os investimentos públicos. De outro, a psicosfera de suporte à conformação dos espaços da globalização na metrópole paulistana em função de suas atividades financeiras, já que as formas orientadas pelo dinheiro e pelo tempo da globalização hegemônica são a feição dos espaços alienados no território brasileiro (Cataia, 2008, p. . 349).
57Os novos usos financeiros do território brasileiro, ligados à dinâmica do mercado de capitais, configuram-se, assim, como faces da violência do dinheiro e da informação (Santos, 2000) no atual período da globalização. A metrópole paulistana sintetiza e apresenta as contradições desse processo, sendo reorganizada atualmente a partir desses usos corporativos do território. Dessa forma, são reveladas as formas como a globalização vem sendo produzida, a serviço de poucos agentes econômicos hegemônicos, de forma seletiva no território.