- 1 Este artigo é decorrente do estágio doutoral realizado no exterior (2010-2011); bolsista da CAPES (...)
- 2 É importante destacar que em 2008, no período pré crise mundial, o tráfego mundial atingiu a marca (...)
1No contexto de “maritimização” da economia mundial1, que se traduz por uma explosão do tráfego marítimo – 2.560 milhões de toneladas (Mt) transportadas sobre os oceanos em 1970, 6.170 Mt em 2005 e 7.884 Mt em 20092 – a Fachada Marítima do Mar do Norte (chamada de Range Nord-européen), que totaliza 40% do tráfego mundial, se adapta às mudanças mesmo se sua importância relativa está diminuindo no contexto mundial.
2Roterdã, principal porto da Fachada Marítima Norte da Europae também primeiro do mundo durante muitos anos, foi ultrapassado pelos portos de Cingapura e Shanghai no inicio dos anos 2000. Esses dois portos asiáticos ocupam as primeiras posições no ranking mundial dos portos, tanto por tonelagem quanto por contêineres. Entre os 15 primeiros portos de contêineres, 7 são chineses e 3 europeus. Esse continente se reorganiza para enfrentar o desafio da conteinerização e seus principais portos, Roterdã e Antuérpia, apresentam taxas de crescimento importantes.
3Neste processo, os portos franceses acusam atrasos, notadamente Dunkerque, sobretudo comparado ao dinamismo de seus vizinhos belgas e holandeses. Apesar da reforma portuária de 2008, o declínio dos portos franceses não foi atenuado e a distância em relação aos portos estrangeiros se aprofundou (Rapport d’Information du Sénat, 2011)
4Estes elementos da atualidade servem para introduzir a questão que colocamos no centro de nossa problemática, ou seja, o papel da logística, como uma expressão de uma mudança geográfica, no tempo e no espaço, da circulação. Procuraremos definir como os geógrafos utilizam esta variável que é discutida tradicionalmente pelas ciências de gestão empresarial, economia e engenharia.
5Os estudos de logística, que auxiliam no entendimento das estratégias dos agentes corporativos e das novas modalidades do planejamento territorial (Castillo, 2008), vão ajudar a compreender como se operam os ajustes da competitividade na Fachada Marítima Norte da Europa, onde a grande concentração de vetores logísticos portuários e a alta densidade de fluxos materiais e imateriais configuram as novas funcionalidades de um compartimento do espaço geográfico mais fluido.
6Finalmente, para a realização deste trabalho buscamos uma bibliografia capaz de dar suporte do ponto de vista do método geográfico utilizado e, também, que pudesse ajudar a elucidar os processos logísticos existente na Fachada Marítima Norte da Europa. Além disso, também fizemos o levantamento de dados primários em trabalho de campo realizado em 2011 no Porto de Dunkerque e no Distrito Industrial de Grande-Synthe.
7Vários autores apontam o campo militar como sendo a origem do termo logística. Contudo, a partir da Segunda Guerra Mundial a logística extravasa o campo militar e passa a ser incorporada gradualmente pelo setor corporativo. Esta transição ocorre de maneira mais acelerada a partir da década de 1970, quando emerge com vigor um modo de acumulação mais flexível. Concomitante a este processo, a divisão internacional do trabalho é redefinida enquanto se difunde (ainda que seletivamente) o meio técnico-científico-informacional (Santos, 2001), resultando em uma intensificação dos fluxos.
8A partir deste momento, a logística (cada vez mais) torna-se elemento constitutivo do circuito espacial produtivo das empresas e seu conceito começa a ser amplamente incluído e discutido nas áreas da economia, administração de empresas e engenharia de transportes. O Council of Logistics Management, por exemplo, define logística como
- 3 Essa palavra, “eficiente”, vai ganhando importância e entra como medida incorporada ao planejament (...)
“o processo de planejar, implementar e controlar de maneira eficiente3 o fluxo e a armazenagem de produtos, bem como os serviços e informações associadas, cobrindo desde o ponto de origem até o ponto de consumo, com o objetivo de atender aos requisitos do consumidor”(Novaes, 2001, p. 36).
9Buscando discutir a logística em um sentido mais amplo, uma vez que esta variável do período atual ultrapassa o campo de atuação direto das empresas e passa a compor também as diversas escalas de atuação do Estado (nacional, regional, local), ressaltamos a proposta de Castillo (2007, p.37), em que a logística é definida
“como o conjunto de competências infraestruturais (transportes, armazéns, terminais intermodais, portos secos, centros de distribuição etc.), institucionais (normas, contratos de concessão, parcerias público-privadas, agências reguladoras setoriais, tributação etc.) e estratégicas (conhecimento especializado detido por prestadores de serviços ou operadores logísticos) que, reunidas num subespaço, podem conferir fluidez e competitividade aos agentes econômicos e aos circuitos espaciais produtivos”.
10Procuramos assim, entender a logística não apenas como uma estratégia de gerenciamento de fluxos, mas também como uma forma de planejamento e organização territorial, implicando na construção de grandes sistemas de engenharia e na elaboração de novas normatizações com o intuito de diminuir as rugosidades do território e auferir aos fluxos (e também ao território) uma maior racionalidade; em outras palavras, pode-se dizer que no período atual a logística se tornou um viés do planejamento territorial.
11Este território racional, vale dizer, desejado sobretudo pelos grandes agentes corporativos, compreende um conjunto técnico e normativo que visa possibilitar a realização de ações no momento requerido e com a máxima eficiência.
- 4 Competitivité Numérique des Territoires. Septembre 2007. Cahier n.07.
12Assim, consideramos que não são apenas os agentes corporativos que possuem atributos de competitividade; os territórios também se revelam mais ou menos competitivos face ao conjunto de normas, infraestruturas e ao dinamismo de seus agentes (isto torna o lugar atrativo ao grande capital). De acordo com um relatório conduzido pela Caisse des Dépôts e pela Association des Régions de France4, a competitividade de um território “é entendida como a capacidade de lidar com a concorrência de outros territórios [...]” e “pode ser avaliada a partir de vários elementos quantitativos e qualitativos”:
-
- “a produtividade econômica do território, que é avaliada sobre critérios como o PIB por hora trabalhada;
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- a qualidade do ambiente oferecido pelo território, mais qualitativa (infraestrutura de transportes, formação, pesquisa);
-
- qualificação da mão-de-obra” (p.48).
13A Fachada Norte da Europa se constitui em uma região fortemente competitiva, tanto no que se refere a sua localização estratégica como pela concentração de agentes logísticos e de grandes infraestruturas (rodovias – ferrovias – túnel sob o Canal da Mancha – canais como o Canal do Norte, em via de alargamento – portos), em correspondência com o alto volume de mercadorias movimentadas pelo sistema portuário desta região, que aumentou consideravelmente nas últimas décadas face ao crescimento e complexificação do tráfego marítimo de cargas. Neste sentido, foram construídos cais mais extensos e com maior profundidade do calado, novos e mais eficientes equipamentos de transbordo de mercadorias e terminais especializados; também foram incorporadas novas formas de organização, o que propiciou um gerenciamento das cargas mais racional e menos oneroso. Vale ressaltar que o custo elevado de gestão do parque de contêineres, dos navios, da frota e dos sistemas de informática impulsiona os armadores a reduzir o número de escalas e de transbordos e fomenta uma forte concorrência entre os portos para atrair os maiores navios de contêineres (Mérenne, 2003). O relatório conduzido pela Caisse des Dépôts e pela Association des Régions de France (citado anteriormente), também aponta que a atratividade de um território,
“conforme a Direction Générale du Trésor et de la Politique Économique du Ministère de l’Économie, des Finances et de l’Industrie, é a capacidade de atrair a implantação de novos estabelecimentos, a habilidade para atrair capitais e a capacidade de atrair mão-de-obra altamente qualificada”.
14Assim, nesta região, dotada de uma forte concentração técnica e informacional e com uma população com um bom nível de formação e renda, os agentes corporativos encontram, ao mesmo tempo, as condições necessárias para a realização de fluxos racionalizados e fluidos, e, também, um sistema fortemente concorrencial (como veremos mais adiante).
- 5 O setor da logística constitui uma grande parte da economia. Na Europa, o setor “transporte e logí (...)
15Para realizar pesquisas específicas de logística, sobretudo para precisar os desafios territoriais das atividades logísticas, que colocam os territórios em concorrência, é necessário o levantamento de dados estatísticos e contábeis. Como a logística pode ser entendida como “um ramo industrial emergente, que atravessa vários ramos tradicionais ela é ainda mal apreendida pelos sistemas estatísticos e administrativos” (Savy, 2006). Na França5, uma boa parte dos indicadores territoriais ou territorializáveis são oriundos das administrações públicas e estão na maioria das vezes disponíveis no quadro rígido dos limites administrativos tradicionais. Ao contrário, os indicadores econômicos e logísticos das empresas, que perpassam os limites administrativos, criando novas relações territoriais, são mais raros e dificilmente agregados (segundo as informações do Pipame-Samarcande), daí a necessidade de realizar pesquisas nas próprias empresas.
- 6 A região portuária francesa por excelência é a Haute Normandie com Rouen (porto graneleiro) e Le H (...)
16Do lado cientifico, observa-se também na França, desde os trabalhos do professor André Vigarié, pioneiro da geoestratégia dos oceanos, o desenvolvimento de um ramo da Geografia dos Transportes Marítimos, com novos estudos e teses mais especificamente voltados às redes portuárias: comparação das vantagens portuárias da fachada do Mar do Norte (Lavaud-Letilleul), inovações no transporte marítimo no Atlântico (Marcadon), fachada Atlântica do Cone Sul (Foulquier), efeito da mundialização e pertinência do conceito de região portuária6 (Ducruet), impacto espacial das mudanças no transporte marítimo (Frémont). Todos esses estudos incluem a dimensão logística porque enriquece o debate sobre as novas formas de organização e uso do território, originárias da mundialização e da constituição de um meio técnico-científico-informacional. Os conjuntos portuários são, neste sentido, duplamente emblemáticos, tanto do ponto de vista de importantes transformações territoriais – ganhos de novos terrenos (polders), planejamento (quebra-mar, cais, canais), importantes arranjos de infraestruturas – como de novas articulações entre os agentes corporativos. Nesse sentido, o estudo das relações cidade/porto apresenta-se como um tema promissor para analisar as parcerias municipalidades/autoridades portuárias, setor público/setor privado, Estado/empresas/sindicatos (Cocco e Silva, 1999).
- 7 De um lado, trata-se de limitar o estoque, de assegurar a rapidez das operações de descarregamento (...)
17A logística, no cruzamento de uma abordagem administrativa e geográfica, leva à identificar como se conformam sistemas logísticos territoriais articulados a todos os escalões das trocas de mercadorias. As operações portuárias eficazes supõem, na escala local, mais automação (guindastes automatizados, por exemplo) e a aplicação de tecnologias atuais em busca de uma diminuição de custos7, enquanto que nas escalas regional e nacional, elas envolvem a criação grandes infraestruturas (redes de circulação rápidas, plataformas multimodais etc). É importante ressaltar que, concomitante à modernização dos equipamentos técnicos, busca-se novos modos de governança para melhorar as performances dos territórios visando especialmente a eficácia territorial (Bonnet e Broggio, 2009).
18Assim, buscaremos na sequencia deste trabalho, enfatizar alguns elementos da diferenciação espacial que ocorre na Fachada Marítima Norte da Europa, mostrando como a logística, que torna a transformação e a circulação das mercadorias mais racional e eficaz, proporciona novas condições de organização e funcionamento dos territórios. Acreditamos que o geógrafo, ao discutir esta problemática, poderá contribuir com a interpretação dos elementos chave do funcionamento dos portos e, consequentemente, contribuir para o entendimento das novas formas de uso do território.
19A fachada portuária do Norte da Europa (Mapa 01) se destaca por uma alta densidade técnico-informacional, notável pela riqueza e pelas interconexões de suas infraestruturas, à começar pelo túnel sob o Canal da Mancha, a complementaridade das redes fluviais, autoestradas e ferrovias. Assim, de Havre à Hamburgo existem ao menos 13 portos implicados no transporte de contêineres (um porto a cada 80 quilômetros em média); esta densidade se explica pela importância do mercado europeu, composto de mais de 400 milhões de consumidores com alto poder aquisitivo.
20Essa realidade geopolítica pode ser assim enfatizada: “sobre mais de mil km de costa, o litoral do Mar do Norte e do Canal da Mancha apresenta uma das mais formidáveis concentração de equipamentos portuários do mundo”; a Fachada Marítima Norte da Europacompreende um dos “principais lugares da mundialização”. “É também um espaço eminentemente concorrencial, teatro de uma rivalidade permanente entre os portos pelo controle do tráfego marítimo” (Subra, 1999) e, portanto, para ganhar parcelas maiores de mercado. A essa rivalidade comercial se superpõe conflitos na escala local onde duas lógicas territoriais se confrontam: de um lado, a lógica do desenvolvimento econômico e, do outro, a luta dirigida contra os projetos de expansão dos portos, que visa combater as “consequências físicas e ambientais para as cidades e regiões próximas às áreas portuárias” (Lavaud-Letilleul, 2005).
21Ao desafio do planejamento portuário, se junta o do planejamento do território da planície marítima flamenga, particular pelo fato de ser uma zona de povoamento antigo, fruto de uma luta secular para ganhar terras sobre o mar, com a necessidade, mais recente, de proteger os meios naturais litorais altamente antropizados com soluções negociadas (Lavaud-Letilleul, 2002). Entretanto, nessa planície ao nível do mar, observa-se que algumas medidas de alto custo e a longo prazo precisam ser tomadas para assegurar o litoral e as expansões portuárias mais recentes de Roterdã, Antuérpia, Zeebrugge e Dunkerque frente a ameaça da elevação do nível das águas no Mar do Norte.
Mapa 01: Fachada Portuária – Norte da Europa
Volume Total de Cargas – Milhares de Toneladas – 2009
Fonte dos Dados: AAPA – American Association of Port Authorities
Elaboração do Mapa: Trevisan e Fonseca (2013)
22Na atual configuração do sistema portuário, uma espécie de hierarquia se estabelece entre os portos: em primeiro lugar, existem os portos aptos a receber as grandes linhas de navegação, também conhecidos como hubs; em seguida existem os portos secundários, servidos por navios menores, que fazem a ligação entre estes portos e os portos hubs; finalmente, existem os portos com função industrial, que abrigam indústrias ligadas aos setores da petroquímica, siderurgia, indústria automotiva, produção de energia etc (Mérenne, 2003). Aplicando-se esta proposição, Roterdã e Antuérpia seriam os aptos a receber as grandes linhas de navegação na Fachada Norte, enquanto Dunkerque (alvo principal de nossa pesquisa) se caracterizaria como um porto secundário dotado de uma importante função industrial.
- 8 Os autores apontam que esta lógica apresentada (da concentração dos armadores) não será provavelme (...)
23Para entender melhor a configuração do sistema portuário da Fachada Norte da Europa, especialistas propõem um modelo que seria resultante de um processo desenvolvido em quatro fases (Frémont e Soppé, 2005). Na primeira fase, a distribuição dos tráfegos entre os portos é regular, ou seja, os armadores servem a totalidade dos portos em uma fachada marítima. Numa segunda fase, inicia-se um processo de concentração; os portos periféricos perdem tráfego e veem seu hinterland diminuir em favor do porto em crescimento. Num terceiro momento, devido à deseconomias geradas por uma concentração excessiva, os portos periféricos ganham uma renovação de dinamismo. Finalmente, a última fase apresentaria um novo tipo de concentração; cada armador teria o controle quase exclusivo de um ou dois portos que lhes serviriam de hubs dedicados8.
24As transformações ocorridas no sistema portuário ao longo das décadas, tornaram os portos mais complexos e diversificados: porta de entrada integrada com o hinterland, porto rápido (para tratar maiores quantidades de navios), zonas especializadas, capacidade de recepção de contêineres com a implicação de novos operadores e aumento da intermodalidade. Vários outros elementos conformam o universo de análise para a compreensão do desafio do desenvolvimento portuário: as modalidades de investimento, as formas de governança, o engajamento do Estado, o papel do setor privado, o tipo de autoridade portuária, os procedimentos fundiários e fiscais, bem como a extensão das instalações e a especialização dos equipamentos dos portos. Além destes elementos, outros fatores determinam a competitividade dos portos: a produtividade, a fama, a confiança, os custos, o estatuto de porto de escala etc (Blomme, 2003).
25Assim, procuraremos abordar algumas destas realidades no intuito de compreender o desenvolvimento do Porto de Dunkerque e o situar em relação aos seus vizinhos belgas e holandeses.
- 9 Planejada nos anos 1980, a Maasvlakte 2 teve suas obras retomadas à partir de 2005 com uma importa (...)
26Situado na Holanda (na foz do Rio Reno), o Porto de Roterdã - primeiro porto da Europa - merece o nome de “mega porto” devido ao seu tamanho físico e o grande volume de cargas movimentado (Tourret e Lacoste, 2011). Ele se estende sobre 10.500 ha (dos quais 6.000 ha de espaço terrestre) e dispõe de 85 km de cais; o porto consegue ainda se expandir graças a criação de polders na planície do Rio Meuse – a parte 2 da Maasvlakte – cujos equipamentos (terminais de contêineres, atividades logísticas, e energia) retomou em 20089.
- 10 O tráfego apresentado em 2010 estava composto de 84,6 Mt de granéis sólidos, 209,2 Mt de granéis l (...)
- 11 TEU - Twenty-foot Equivalent Unit.
27As atividades do porto de Roterdã contribuem com 7% do PIB holandês e oferecem 90.000 postos de trabalho, o que representa 5,4% do emprego no país. O porto de Roterdã continua à exibir bons resultados; ele obteve um tráfego total (entrada e saída) de cerca de 421 milhões de toneladas em 2008 e, após ver o tráfego cair à 387 Mt em 2009 (durante o período de crise econômica mundial), o porto voltou a apresentar crescimento do tráfego em 2010, com 429,9 Mt10. O tráfego conteinerizado apresentou a mesma dinâmica; o volume de 10,78 milhões de TEU's11 movimentados em 2008 caiu para 9,74 milhões de TEU's em 2009; em 2010 o volume voltou a crescer, atingindo a marca de 11,14 milhões de TEU's. Desta forma, Roterdã afirma sua primazia no continente europeu.
- 12 Transporte realizado na bacia do Rio Reno.
28A qualidade da intermodalidade constitui o grande diferencial do Porto de Roterdã; o modal rodoviário é dominante (57%), mas o fluvial (30%)12 tem uma importância particular; bem articulado entre os mestres de barco holandeses e os profissionais da logística alemães, os agentes do porto se engajam nos terminais fluviais interiores. O setor ferroviário (13%) permite uma penetração profunda no continente, como esse corredor específico: a linha de Betuwe (160 km), modernizada em 2007, dedicada ao transporte de mercadorias entre Roterdã e Alemanha. A intermodalidade progride com a Bélgica, Alemanha, Áustria e Suíça (Tourret e Lacoste, 2011).
29Tal modernização das infraestruturas visa baixar o preço do frete, o que se revela fundamental no cálculo de custo da cadeia logística; por exemplo, no caso do transporte de um veículo de Munique para o exterior: 60% do custo é do frete terrestre, 30% do trajeto marítimo e os outros 10% restantes cobrem as taxas portuárias (Blomme, 2003).
30Roterdã está em concorrência com Antuérpia e com os portos alemães de Hamburgo, em pleno desenvolvimento, e de Bremenhaven, muito eficiente sobre o tráfego de contêineres. A autoridade portuária responde à esse desafio equipando a área do porto, como os três parques logísticos especializados em agrupamento (Eemhaven), quimica (Botlek) e distribuição (Maasvlakte).
- 13 Nota do site: The cargo rankings based on tonnage should be interpreted with caution since these m (...)
31Segundo dados da AAPA13 (American Association of Port Authorities), Roterdã aparece na terceira colocação no ranking mundial de portos por toneladas e na décima colocação no ranking por TEU's (Quadro 01).
Quadro 01: Ranking Mundial de Portos – 2009
- 14 Fontes utilizadas pela AAPA: Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ (Brazil), Institu (...)
Fonte: AAPA14
32Notamos que, no processo de crescimento do transporte em contêiner, os portos chineses se colocam nas melhores posições. Shanghai é o primeiro porto mundial por tonelagem (cerca de 500 milhões de toneladas) e o segundo por contêineres (25 milhões de TEU's) enquanto Cingapura é o segundo porto mundial por tonelagem (cerca de 470 milhões de toneladas) e o primeiro por contêineres (25,8 milhões de TEU's). Dunkerque não aparece entre os 15 maiores portos, confirmando sua posição secundária no contexto mundial.
- 15 Apesar de um crescimento geral do tráfego marítimo na Europa – passou de um total de 1.341 Mt em 1 (...)
33Em um mundo altamente concorrencial, a França, composta por três fachadas marítimas, sofre paradoxalmente de uma falta de produtividade; por causa dos desfuncionamentos que minam a competitividade, as taxas de crescimento dos portos franceses continuam fracas em comparação aos principais portos vizinhos europeus15. Na verdade, a metade das mercadorias que chegam na França pelo mar são desembarcadas através de portos situados em países vizinhos (Pipame-Samarcande, 2009) porque a funcionalidade dos portos franceses é baixa e, mais grave, estão perdendo na competição mundial.
- 16 O número de entradas no porto em 2010 foi da ordem de 6.606 navios (contra 7.134 em 2008). foram r (...)
34Assim, em 2010 o Porto de Dunkerque (Foto 01) teve um tráfego de cerca de 42,7 milhões de toneladas (em baixa pelo terceiro ano consecutivo, após ter atingido 57 Mt em 2007 enquanto tinha ainda petróleo bruto), sendo 17,8 Mt (41%) de minério e carvão, 14,4 Mt (34%) de mercadorias diversas, 5,6 Mt (13%) de granéis líquidos e 4,9 Mt (12%) de outros granéis sólidos. A importância dos granéis – maior parte do transbordamento dunkerquois – reafirma o papel de porto de abastecimento de mercadorias industriais16.
35
Foto 01: Porto de Dunkerque – Terminal de Cereais
Fonte: Própria Autoria (2011)
36A essa constatação de baixa do tráfego marítimo, se junta o declínio das atividades industriais devido ao movimento de desindustrialização que caracteriza certo número de países do centro do sistema capitalista. Conforme dados do Coe-Rexecode (Centre d’Observation Économique et de Recherche pour l’Expansion de l’Économie et le Développement des Entreprises),
“entre 2000 e 2010, dentro da Zona do Euro, o peso do valor agregado da indústria manufatureira no PIB passou de 19,2% à 15,5% (um recuo de 3,7 pontos no PIB). A diminuição ocorreu em todos os países da Zona do Euro. Na França, este recuo é muito mais evidente: a parte do valor agregado industrial no PIB perdeu 5,2 pontos (mais de 100 bilhões de Euros)”.
37Ainda de acordo com o Coe-Rexecode, a França é o país da Zona do Euro cuja parte do valor agregado da indústria manufatureira no PIB é a mais fraca (era de 9,3% em 2010); outros países apontados (como comparação) possuíam os seguintes índices: Portugal (11,8%), Países Baixos (11,9%), Espanha (12,1%), Bélgica (13,1%), Itália (15%) e Alemanha (18,7%).
38Assim, em Dunkerque (grande porto industrial), o impacto deste movimento de desindustrialização é fortemente perceptível. A indústria portuária de Dunkerque está sendo exposta à crise e conheceu reestruturações aceleradas nos últimos anos. Assim, a poderosa siderúrgica Usinor, criada na década de 1960, se tornou o conglomerado europeu Arcelor em 2003 antes de ser comprado pelo grupo indiano Mittal em 2006, perdendo a cada mudança de orientações milhares de trabalhadores. A refinaria de petróleo, que existia desde 1946, fechou em 2009. Somente a petroquímica continua: a Polimeri Europa fabrica polietileno e a Polychim Industrie, polipropileno. Uma usina moderna de alumínio tinha sido montada pela Cia. Pechiney, porém esse florão da indústria francesa foi adquirida em 2003 pela canadense Alcan, que por sua vez foi adquirida pelo grupo Rio Tinto em 2007. Assim, com a mundialização da economia, as principais escolhas estratégicas industriais são tomadas longe das realidades locais, alimentando o movimento da desindustrialização.
39Entretanto, em Dunkerque observa-se ainda grandes instalações industriais implantadas no entorno imediato da zona portuária que asseguram, graças à terminais especializados, o abastecimento de matéria-prima (minerais, petróleo, carvão etc) e a transformação dos produtos. Assim, a ocupação territorial portuária é considerável: mais de 7.000 ha, 17 km de orla, incluindo numerosos terrenos baldios; as atividades industriais oferecem ainda cerca de 15.000 empregos apesar de uma baixa contínua dos efetivos e da difícil adaptação à automatização e à terceirização. O ambiente social prossegue tenso à medida que as empresas se transferem para países com normas menos exigentes e no contexto local de uma mão-de-obra pouco especializada. Na commune de Dunkerque, sobre 68.051 pessoas de mais de 15 anos fora do sistema escolar, 20% estão sem diplomas, 21% com colégio completo, 25% com diplomas profissionalizantes, 15% com baccaulauréat, 10% com ensino superior curto e 9% com ensino superior longo (INSEE – Institut National de la Statistique et des Études Économiques, 2009).
- 17 Um dos municípios da Grande Dunkerque, a 10 km do porto onde passa a autoestrada A 25.
40No setor metalúrgico, algumas pequenas empresas afirmam seu dinamismo e mantém seu nicho de mercado. Tomamos o exemplo de uma dessas empresas inovadoras por causa de sua relação com o Brasil; esta pequena unidade industrial, que possui 25 empregados, foi montada pela Cia. Vale do Rio Doce no distrito industrial de Grande-Synthe17. Vendida posteriormente, seus acionistas atuais são japoneses.
41Na planta instalada em Grande-Synthe é fabricado um produto específico para liga de metais: trata-se de um aço tubular preenchido com CaSi (mistura de quartzo e carbonato de cálcio), injetados a mais de 1.000º na fabricação de ligas metálicas especiais nas usinas siderúrgicas. O produto de preenchimento CaSi é importado do Brasil, de uma usina de São João del Rei (MG). O produto final (que se apresenta sob a forma de bobinas de 2 a 4,5 toneladas) interessa ao mercado europeu, onde é expedido por caminhões (cerca de 6 caminhões por semana). Destes, 7% ficam na França, 80% na União Européia e o resto é exportado para outros lugares no mundo.
42As pequenas e médias empresas representam uma das repostas à crise da industrialização.De uma maneira geral, a mudança do paradigma das organizações produtivas gera tensões na dinâmica territorial portuária entre mobilidade e estabilidade: de um lado, o ideal da fluidez é impulsionado pelos operadores de transporte cada vez mais globalizados e pelas grandes corporações estruturadas em rede, e, do outro, existe a necessidade da fixação das mercadorias no local a fim de proporcionar lucro às zonas portuárias. É a esse desafio, entre a lógica do comercio internacional e a lógica sócio-econômica local, que devem responder os responsáveis da gestão dos portos (Lavaud-Letilleul, 2007). Não podemos nos esquecer que, neste contexto, as populações que vivem no entorno das instalações portuárias enfrentam variados problemas (que vão do impacto ambiental às perdas de empregos) e veem seus interesses subordinados aos interesses dos grandes agentes corporativos.
43 Além disso, ao problema do declínio das atividades industriais, junta-se a questão da governança do sistema portuário francês. Assim, através de uma lei de fevereiro de 2008, o governo francês instaurou uma reforma portuária, alterando o regime denominado “Portos Autônomos” (de 1965) para “Grandes Portos Marítimos” (GPM); com esta medida, o governo busca expandir a base de governança nos sete maiores portos franceses. Essa reforma foi manchete nos jornais. Ela causou muitas inquietudes em Marselha, onde as greves se multiplicaram; em Dunkerque, esses movimentos foram menos visíveis.
44O efeito da reforma seria de assegurar à Dunkerque seu papel de porto regional com linhas regulares. Os investimentos devem ser relançados; contudo, a concorrência está forte ente os portos do Mar do Norte e, apesar de sua localização e do tamanho do porto em águas profundas, Dunkerque não consegue aumentar sua importância na região.
- 18 Conforme aponta Tourret (2009), o patrimônio fundiário portuário definido nos anos 1960 forneceu a (...)
- 19 Assemelha-se às Áreas Metropolitanas no Brasil.
45De fato, Dunkerque, o único na categoria de “grande porto marítimo” do norte da França, possui vários pontos a seu favor: capacidade de receber navios de grande calado, posição central em uma área da Europa com alta densidade populacional, credibilidade do clima social na zona portuária, vasta possibilidade de expansão graças à grandes reservas fundiárias18 e boas ligações ferroviárias com o entorno. Sendo um conjunto urbano consolidado, a aglomeração de Dunkerque19 totaliza 270.000 habitantes numa área de 750 km2 e possui um órgão de governança de comunidade urbana.
- 20 No que se refere ao transporte Ro-Ro, em 2010 o porto registrou 5.227 entradas e 5.990 saídas.
46As instalações do Porto de Dunkerque (Figura 01), situado na rota marítima com o maior tráfego de navios do mundo, são notáveis. Dotado de duas entradas marítimas, o porto está apto à receber navios de 14,2 metros de calado pelo “porto leste” - onde se localizam os terminais de mercadorias diversas (14,4 milhões de toneladas em 2010), as instalações de granéis líquidos e a reparação naval - e navios de 22 metros de calado pelo “porto oeste” - nesse, o mais moderno (cuja construção começou nos anos 1970), encontra-se o terminal de granéis oeste (especializado no recebimento de grandes navios carregados de minério ou carvão), o terminal de contêineres (com 1.200 metros de cais), o terminal Ro-Ro (roll-on/roll-off20 – com 12 escalas diárias na linha Dunkerque-Douvres) e a zona logística (com mais de 120.000 m2 de armazéns instalados).
47O “porto central” compreende o terminal de aço (dedicado ao tráfego de bobinas, placas e chapas), os terminais de cereais (com capacidade de estoque de 500.000 toneladas de produtos agrícolas – Foto 01), o terminal Arcelor Mittal (com 1.600 metros de cais) e os terminais multigranéis. Além disso, localizam-se ainda no porto central várias indústrias (Centro de Produção EDF, BASF, Ajinomoto, Arcelormittal etc) e o setor petroquímico.
Figura 01: Porto de Dunkerque
Fonte: Grand Port Maritime de Dunkerque. Rapport d'activité - 2010 (com adaptações).
- 21 O canal Dunkerque-Valenciennes em Nord-Pas-de-Calais conecta as bacias do Benelux.
48Além desses equipamentos marítimos, o Porto de Dunkerque possui boas ligações rodoviárias (A25 e A16), um acesso fluvial de médio porte21 (tráfego anual de 2,65 milhões de toneladas) e está conectado à rede ferroviária (cerca de 14 milhões de toneladas por ano).
49Apesar dessas facilidades e das infraestruturas diversificadas, o porto de Dunkerque não melhora sua posição; a qualidade e a operacionalidade dos serviços fiscais e comerciais estão em jogo. Uma melhor eficiência dos sistemas logísticos (principalmente no que se refere ao transporte em contêineres) poderia contribuir para uma maior inserção de Dunkerque entre os grandes portos.
- 22 Para a ABML (Associação Brasileira de Movimentação e Logística, 1999), o operador logístico é “a e (...)
50As empresas prestadoras de serviços logísticos, especialmente os operadores logísticos22, que acumulam um grande conhecimento da configuração territorial (tanto no aspecto técnico quanto normativo), podem exercer um papel fundamental na competitividade do circuito produtivo das empresas, uma vez que podem levar as mercadorias e as informações associadas ao lugar certo no tempo certo e a um menor custo.
51Além disso, a cada mudança de ciclo econômico (da siderurgia, da petroquímica, do GNL, dos contêineres), os operadores do porto se reorganizam e a oferta de serviços se recompõe. Para o porto continuar crescendo é importante que a oferta de serviços seja abundante, de qualidade, mas também que a rapidez de movimento seja assegurada e que seja possível descarregar e recarregar sem limitações (Blomme, 2003).
52Entre os operadores portuários presentes em Dunkerque, as empresas belgo-flamengas possuem um papel de primeiro plano. Assim, o grupo Sea Invest (Gent - Bélgica) controla, sob o nome de Sea Invest France, terminais de granéis em vários portos franceses. Dunkerque se tornou um ponto essencial de sua estratégia, pois ele é acessível à navios de calado de 18 metros; além disso, a empresa que trabalha sob o nome de Sea-Bulk realiza um tráfego portuário anual de cerca de 20 milhões de toneladas de minerais e de hulha.
53O grupo Inter Ferry Boats (IFB) explora um terminal de contêineres sob o nome de Nord France Terminal e proporciona à Dunkerque a ligação direta do porto à via férrea interconectada à rede ferroviária dos portos do Benelux através do “hub ferroviário” ou à plataforma logística de Muizen (Malines-Bélgica) que opera reagrupamentos e encaminha para outros destinos (como Duisburg e Athus). Nesse campo, uma ligação ferroviária (duas vezes por semana) existe igualmente com Paris-Genneviliers. O IFB está envolvido também no desenvolvimento de um “porto seco”; trata-se de uma estação de triagem próximo do cais do Porto Rápido para a parada e o reagrupamento dos “trens bloco”. No início dos anos 2000, a participação no terminal de aço se revelou deficitária e a presença no porto de um único grande operador ferroviário é muito arriscada. Em Dunkerque, a maioria das superestruturas portuárias é gerenciada por operadores privados (Blomme, 2003).
54 De fato, os portos atraem os armadores pela grande oferta de cargas, que por sua vez, tem o efeito de aumentar a frequência de uso das infraestruturas portuárias; isto pode gerar um acúmulo de experiência e, consequentemente, melhorar a qualidade das prestações de serviços cujos grandes transportadores são beneficiários; este ciclo confirmaria a atração e primazia dos portos que oferecem bons equipamentos e serviços. O exemplo seria Antuérpia, famoso “porto de negócio”, onde o saber-fazer dos agentes (ofertas marítimas, estocagem, pré/pós encaminhamento) faz a diferença (sem contar os aspectos da tributação) e permite resistir ao seu grande vizinho holandês.
55A fragilidade logística permanece como um dos defeitos do sistema portuário francês (Tourret, 2009) no que diz respeito à conteinerização (a França continua a apresentar um importante atraso nesta área e para este tipo de comércio) notadamente voltada à exportação, pelos grandes armadores. A importação fica à cargo dos prestadores de serviços logísticos, que escolhem entre os portos franceses, belgas e holandeses.
- 23 A metrópole de Lille é o segundo centro logístico na França = 120 milhões de toneladas de fluxo n (...)
56Quando se contabiliza as entradas marítimas da França, segundo o estudo do Pipame-Samarcande (2009), três portas são citadas: Le Havre, Marselha e Antuépia; Dunkerque não aparece entre elas. O porto sofre da concorrência do vizinho belga para o abastecimento da região de Lille, metrópole de mais de um milhão de habitantes, apesar dessa região dispor de uma vasta gama de entrepostos logísticos e de uma plataforma multimodal em Dourges (22 km de Lille) que serve de antecâmara para Dunkerque23.
- 24 Política pública implementada na França em 2005. O Estado joga seu papel de estratégia, de animado (...)
- 25 Prova que esta região, dotada de grandes sistemas de engenharia, de uma rede ferroviária com vocaç (...)
57Para se manter competitivo, a região Norte da França se mobiliza, se insere nas redes de pesquisa e obtém selos como “polo de competitividade” de envergadura mundial24. O Pólo de Competitividade i-Trans, concedido pela Associação de Promoção dos Transportes Terrestres do Norte da França, se ancora nas regiões Nord-Pas-de-Calais e Picardie25. Segundo informações apresentadas no site do i-Trans, os três maiores setores de desenvolvimento desta região são: ferroviário (10.000 empregos), automotivo (70.000 empregos), transporte e logística (71.000 empregos). Ele assegura a difusão das inovações e a promoção de programas como “Normafret”, que visa desenvolver sistemas de frete inteligentes.
- 26 Primeira autoridade portuária européia a ser certificada, e a segunda do mundo após Houston.
58O Porto de Le Havre (na Normandia), primeira porta de entrada marítima da França com mais de 80 Mt (250 km de Paris), foi equipado com um porto rápido, o que tornou seu tráfego tão importante quanto o do Aeroporto de Roissy – Charles-de-Gaulle. O conceito do “Porto 2000” remonta a meados da década de 1990; os trabalhos de planejamento do “sítio” foram lançados no outono de 2001, com um custo de 1,1 bilhão de euros, dos quais 433,6 milhões são encargos do Porto de Le Havre, 279,1 milhões dos operadores portuários e, finalmente, 208 milhões do Estado. O Grande Porto Marítimo de Havre (GPMH) recebeu oficialmente em 21 de janeiro de 2010 a certificação ISO 28.000 (versão 2007) que reconhece o bom gerenciamento de seus processos internos em termos de segurança para os navios, as mercadorias e as empresas instaladas no porto26.
59Se determinadas regiões são muito dependentes de um único porto, como o oeste com Le Havre e o sul com Marselha, o norte e o leste da França estão submetidos a uma intensa concorrência interportuária (Antuérpia, Roterdã, Le Havre e Marselha no leste). Na teoria, a concorrência portuária nestas duas regiões poderia proporcionar aos agentes corporativos que fazem uso deste sistema uma maior oferta de serviços logísticos a um menor custo.
- 27 O Canal Seine-Nord Europe deveria estar operacional antes de 2020; esta junção de grandes dimensõe (...)
- 28 O Estado repartiu este 1 bilhão pelas regiões da seguinte forma: 50 milhões na Haute Normandie, 22 (...)
60Observamos também que as escolhas de planejamento territorial e os conflitos geopolíticos resultantes revelam certo número de divergências de interesses e as dificuldades de negociação entre os grupos sociais para o futuro dos territórios (Subra, 1999). Por exemplo, para a construção do Canal Seine Nord27, que deve ligar Paris às redes fluviais do norte da Europa, o financiamento revela-se um problema: quem vai pagar os 4 bilhões de euros necessários para a construção do trecho que falta na Haute Picardie? A União Européia deve investir 333 milhões, o Estado francês 1 bilhão28 e o restante deverá ser pago por parceiros privados.
61Os dados expostos acima revelam aspectos do atual processo de reorganização, uso e regulação do território francês. A busca por maiores níveis de racionalidade e fluidez impulsionam vigorosas ações verticais sobre o território, sendo, a logística, um dos principais elementos no processo de criação de competitividade.
62A Fachada Marítima Norte da Europa apresenta um conjunto de sistemas técnicos e de agentes corporativos que proporcionam a este compartimento do espaço geográfico altos níveis de racionalidade e fluidez.
63A presença de uma grande quantidade de portos e de agentes logísticos especializados torna esta Fachada Marítima especialmente importante para o setor corporativo europeu; vale ressaltar que, além da presença de grandes empresas e do grande volume de mercadorias movimentado, esta região compreende um grande contingente populacional (e com alto poder aquisitivo) que ajuda a impulsionar o dinamismo econômico.
64Contudo, a presença de numerosos portos nesta Fachada Marítima, ao mesmo tempo em que proporciona maiores níveis de competitividade aos agentes corporativos e também ao território, coloca os agentes portuários em competição; competição esta pautada na busca incessante por maiores volumes de cargas e armadores, o que geraria maiores rendimentos e destaque a determinados portos.
65Na conjuntura morosa da economia dos países desenvolvidos, os portos franceses continuam a apresentar uma progressão menos rápida que a dos outros portos europeus, especialmente em relação aos portos da Fachada Norte (Antuérpia, Gand, Hamburgo, Roterdã e Zeebrugge).
66Ao finalizarmos esse trabalho permanece uma pergunta: os portos franceses teriam a possibilidade de se recuperar somente com atividades logísticas otimizadas e melhorias empresariais ou precisaria ser tomado um conjunto de medidas de planejamento territorial e de governança?
67Basicamente, todas as cidades, e Dunkerque em particular, deveriam promover formações técnicas e universitárias visando relançar as atividades industriais, logísticas e portuárias sobre um território que deveria combinar eficiência tecnológica e governança responsável. Tais inovações poderiam se enraizar facilmente nessa região do Norte que apresenta numerosos recursos e vantagens históricas capazes de reativar o dinamismo e a identidade local à partir de novos sistemas organizacionais apoiados em características endógenas da logística.
68Contudo, a busca por maiores níveis de produtividade e competitividade devem ser pensados a partir de um projeto de desenvolvimento que compreenda o território como um todo, e não somente alguns pontos isolados (o que poderia resultar em desequilíbrios regionais). Além disso, nessa busca devem ser observados os interesses de toda a sociedade e não apenas os interesses dos agentes hegemônicos.