- 1 Artigo fruto do projeto de pesquisa “Usos do Território, Dendeicultura e Modo de Vida Quilombola n (...)
1As paisagens rurais dos municípios do Acará, Moju, Tailândia, Tomé-Açu e Concórdia do Pará, na microrregião de Tomé-Açu, no nordeste paraense, são marcadas por extensas monoculturas de dendê1.
2Em Moju, percorrendo a Rodovia PA 150, na altura do km 09, avistamos terras adquiridas em 2010 pelo Guanfeng Group, da província de Shandong, na China; no Km 34 vemos terras pertencentes à BIOVALE; no km 57 deparamo-nos com plantações do Grupo Marborges e no km 75 com as da AMAPALMA S.A. Em Tailândia, passando pela PA 151, na altura do Km 74 encontramos extensas plantações de dendê do Grupo AGROPALMA; no km 75 temos aquelas da Companhia Agroindustrial do Pará (AGROPAR) e as da CRAI AGROINDUSTRIA S/A. No Acará, seguindo a PA 252 (figura 1), na altura do km 50 defrontamo-nos com propriedades da Companhia Palmares da Amazônia (CPA). Por fim, em Concórdia do Pará, seguindo a PA 140, na altura do km 51 temos áreas da empresa BIOVALE. (MAPA 1).
MAPA 1-Empresas dendeiculturas na microrregião de Tomé-Açu
3Esta configuração espacial estruturou-se com as políticas de estado “para viabilizar o incremento da produção de óleo de palma, tais como o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) e o Programa de Produção Sustentável de Palma de Óleo, lançados respectivamente em 2004 e 2010” (SOUZA JUNIOR, 2011, p. 10), que incentivaram grupos nacionais e internacionais a promoverem a dendeicultura em municípios com grande extensão e condições edafoclimáticas propícias ao cultivo, além de população predominantemente rural, com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e elevado número de famílias beneficiadas pelo programa bolsa família, tais como os da microrregião de Tomé-Açu (Tabela 1).
Tabela 1- Dados socioeconômicos da microrregião de Tomé-Açu
Municípios
|
Área (Km²)
|
População (IBGE 2010)
|
Urbana
|
Rural
|
|
IDH¹
|
|
Acará
|
4.343,786
|
12.621
|
40.948
|
0,630
|
6.775
|
|
Concordia do Pará
|
690,944
|
15.088
|
13.128
|
0,660
|
3.411
|
|
Moju
|
9.094,11
|
25.162
|
44.856
|
0,640
|
8.138
|
|
Tailândia
|
4.430,20
|
58.713
|
20.584
|
0,700
|
8.326
|
|
Tome-Açu
|
5.145,34
|
31.563
|
24.955
|
0,680
|
8.046
|
|
Fontes:(1)www2.mp.pa.gov.br/sistemas/gcsubsites/index.php?action=MenuOrgao.show&id=2098&oOrgao=53;(2)//www.beneficiossociais.caixa.gov.br/consulta/beneficio/04.01.00-00_00.asp. Acessado em 27/08/2012.
4Os empreendedores do agronegócio subsidiam-se em pesquisas sobre as vantagens competitivas da dendeicultura na Amazônia. Estudo da SUFRAMA/FGV (2003), mostra o cultivo do dendê como atividade produtiva em condições de preservar o meio ambiente sem fortes agressões à floresta nativa porque pode ser plantado em áreas degradadas, possibilitando um perfeito recobrimento dessas áreas quando adulto e, na fase jovem, pode ser associado à leguminosas de cobertura de solo. Por isso, a cultura do dendê pode ser enquadrada no chamado desenvolvimento sustentável, sendo mais uma oportunidade de negócios na Amazônia. Desse modo, por meio da integração da agricultora familiar à cadeia do agronegócio do dendê, os empreendedores da dendeicultura buscam terra, mão de obra e unidades produtivas familiares para desenvolver o cultivo dessa oleaginosa.
5Configura-se nesta fração o território brasileiro uma situação geográfica (Silveira, 1999). Nela reedita-se a Amazônia como fronteira agrícola (Léna; Oliveira, 1992; D’Incao; Oliveria,1994; Aubertin,1988; Martins, 1997), fronteira da agricultura de energia. Tal como no período geográfico marcado pela chegada dos grandes projetos exploração mineral e energético, a expansão da dendeicultura constitui um evento, pois a reorganiza os lugares onde aportam (Santos 2006). Assim, as contradições do espaço agrário na Amazônia só podem ser compreendidas na sua totalidade se consideramos os usos do território comandados pelo agronegócio do dendê.
6Examinamos alguns aspectos da dinâmica territorial impulsionada pela cultura do dendê na Amazônia paraense, especificamente na microrregião de Tomé-Açu. Analisamos nesse espaço como são desenhados usos do território comandados por interesses da dendeicultura; usos que ameaçam a reprodução do modo de vida camponês, sobretudo com formação do mercado de terra e também pela associação entre agronegócio do dendê e agricultura familiar. Refletimos sobre esses impactos, sem a preocupação de esgotá-los. Levantamos dados secundários a partir de revisão bibliográfica e consulta a sites. As informações e dados primários foram coletados e sistematizados através de trabalho de campo, onde pudemos colocar a terra do lugar debaixo das unhas e assim descrever os processos pesquisados. Na primeira parte esboçamos em largos traços a periodização da dendeicultura na microrregião de Tomé-Açu, objetiva-se ressaltar a expansão desta cultura. Na segunda parte analisamos os impactos da desse processo sobre o campesinato, sobretudo por meio da formação do mercado de terra e a associação com os grupos dendeicultores. Por último, expomos as considerações finais.
7Na microrregião de Tomé-Açu inicialmente a dendeicultura enraizou-se nos municípios de Moju, Acará e Tailândia hegemonizada pelo Grupo Agropalma, atuante no segmento agroindustrial desde 1982, quando constituiu a primeira empresa denominada Companhia Real Agroindustrial S.A (CRAI) para desenvolver um projeto de cultivo de palma e extração de óleo de palma e óleo de palmiste em uma área de cinco mil hectares no município de Tailândia.
Figura 1- Plantação de dendê na PA 252, em Acará
Créditos: Hervé Théry.
8O Grupo Agropalma integra o Conglomerado Alfa, composto pelas empresas financeiras Banco Alfa, Banco Alfa de Investimentos, Financeira Alfa, Alfa Arrendamento Mercantil, Alfa Corretora de Câmbio e Valores Imobiliários e empresas não financeiras Águas Prata, Alfa Seguradora/Alfa Previdência e Vida, Hotéis Transamérica, C& C-Casa e Construção Instituto Alfa de Cultura, La Basque, Rádio Transamérica, Transhopping, Transamérica Expor Center e TV Transamérica (Cruz, 2006).
9A configuração territorial da Agropalma compreende “107 mil hectares de terras; 39 mil hectares de palmeiras já plantadas.” (Marcovitch, 2011, p.109); 1.600 km de estradas próprias; 05 indústrias de extração de óleo bruto; 01 terminal de exportação; 01 indústria de refino de óleo de palma e óleo de palmiste; 01 indústria de produção e acondicionamento de gorduras vegetais, creme vegetal e margarina; 04 laboratórios de controle da qualidade; geração própria de energia elétrica para o processo industrial; 04 estações para tratamento de água. Portanto, esse grupo constitui-se no precursor e principal vetor do agronegócio do dendê na microrregião de Tomé-Açu, por meio do qual a configuração territorial do lugar e a dinâmica social do espaço agrário reorganizam-se à medida que a Agropalma usa o território como recurso para manutenção, expansão e diversificação da dendeicultura.
10Tal amplitude tornou-se possível com o apoio do Banco da Amazônia, da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia e do governo do estado do Pará a este segmento produtivo. A ação estatal, por meio de planos, programas e políticas viabiliza o território para a dendeicultura, seja na configuração territorial por meio da criação, manutenção e extensão de sistemas de transporte, energia e comunicação, seja na densidade normativa, por meio de linhas de crédito e políticas de incentivos fiscais. Conforme Cruz(2006) “a implantação do cultivo de dendê na Amazônia em escala agroindustrial está associado direta e indiretamente ao papel desempenhado pelo Estado que viam nessa cultura uma opção de desenvolvimento econômico e social para a Região Amazônica.”(Cruz, 2006,p. 60).
11Antes do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) o Grupo Agropalma praticamente monopolizava o agronegócio do dendê na microrregião de Tomé-Açu e seus produtos destinavam-se à indústria de alimentos. A partir deste programa, lançado em dezembro de 2004, outros grupos apostam na cultura do dendê para o agrocombustível. Desse modo, assumindo estilo de discurso consensual, capaz de formar redes de solidariedade orgânica e organizacional entre agronegócio de energia e trabalhadores rurais, a cultura do dendê é também promovida por empresas como BIOVALE, Petrobrás biocombustível, a portuguesa GALP Energia, a multinacional ADM (Archer Daniels Midland Company) dentre outras se estabelecem na região.
12Inaugura-se um novo período geográfico de expansão do cultivo do dendê na Amazônia, cujas condições políticas, científicas, tecnológicas e territoriais, foram construídas desde a segunda metade do século XX, por meio de ações de estado e investimentos em ciência aplicada à pesquisa das relações entre condições edafoclimáticas e dendeicultura da Amazônia.
13Consoante levantamento realizado pela Embrapa (2006) verificou-se na área total do Pará, 124.804.200 ha, mais de 5.500.000 ha em condições edafoclimáticas aptos para a implantação da cultura do dendezeiro. Essas áreas estão situadas nas microrregiões de Almerim, Portel, Furos de Breves, Arari, Belém, Castanhal, Bragantina, Cametá e Tomé-Açu. No Pará, segundo Cruz (2006), em função da localização das plantações e usinas de beneficiamento de dendê, distinguem-se dois polos de desenvolvimento do agronegócio. Um dos polos abrange os municípios de Tailândia, Moju e Acará, situados ao sul de Belém. O outro polo compreende os municípios de Benevides, Santa Izabel do Pará, Santo Antônio do Tauá, Castanhal, Igarapé-Açu e São Domingos do Capim, situados no Nordeste Paraense.
14Em 2010 as perspectivas apontadas pelo Zoneamento Agroecológico do Dendezeiro para as áreas Desmatadas da Amazônia Legal, realizado pela Embrapa, Centro Nacional de Pesquisas de Solos e pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento reforçam a expansão acelerada da dendeicultura (Embrapa 2010). Esta pesquisa identificou as áreas mais adequadas à expansão sustentável do cultivo de dendê. “O somatório das áreas identificadas corresponde a 31,8 milhões de hectares”. (Venturieri, 2011, p. 16).
15O Zoneamento Agroecológico do Dendezeiro realizado pela Embrapa subsidia o Programa de Produção Sustentável de Óleo de Palma, lançado em 2010. Para Bertone (2011), tal programa ressalta a dimensão territorial do desenvolvimento rural impulsionado pelo cultivo do dendê, posto que este promove a inclusão social de agricultores familiares, geração de emprego e renda, plantio e parceria, ordenamento territorial, produtividade e competitividade, sustentabilidade e biodiversidade e investimento aliado ao desenvolvimento.
16De acordo com o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, o principal objetivo do Programa de Produção Sustentável de Palma de Óleo no Brasil é disciplinar a expansão da produção de óleo e ofertar instrumentos para garantir uma produção em bases ambientais e sociais sustentáveis (Castro; Lima; Silva 2010). Tem por diretrizes a preservação da floresta e da vegetação nativa; expansão da produção integrada com agricultura familiar; e elege como territórios prioritários as áreas degradadas na Amazônia Legal, além da reconversão de áreas utilizadas para cana-de-açúcar.
17Para Bertone (2011) as áreas destinadas pelo ZAE ao cultivo da palma de óleo são também regiões com forte presença da agricultura familiar. A proposta do programa é oferecer condições para que os investidores incorporem estes agricultores como parceiros. A palma pode oferecer uma alternativa de produção sustentável, com alta produtividade e rentabilidade, permitindo a uma família aumentar a renda mensal de R$ 415,00, provenientes do trabalho nas lavouras de mandioca ou na extração do açaí, para até R$2.000,00.
18O amplo e crescente mercado consumidor brasileiro, bem maior que a produção, também é favorável a expansão da cultura do dendê.
Tabela 2-Exportação, importação e consumo de óleo de palma e palmiste (em mil toneladas)
Ano
|
Produção
|
Importação
|
Exportação
|
Consumo
|
2002
|
105,8
|
45,3
|
7,4
|
143,7
|
2003
|
121,3
|
55,2
|
0,7
|
175,8
|
2004
|
129,3
|
52,7
|
13,8
|
168,2
|
2005
|
131,6
|
81,2
|
45,0
|
167,8
|
2006
|
138,7
|
147,0
|
24,9
|
260,8
|
2007
|
155,1
|
186,4
|
2,8
|
338,7
|
2008
|
155,1
|
262,2
|
9,4
|
407,9
|
2009
|
176,3
|
260,3
|
24,9
|
411,6
|
Fonte: Organizado pelos autores com base em no Anuário Estatístico de Agroenergia (2011, p. 89-96)
- 2 Dados fornecidos pelo Escritório de Negócios da Amazônia da Embrapa Transferência de Tecnologias, (...)
19Portanto, se considerássemos tão somente os fatores edafoclimáticos e a situação favorável do mercado, provavelmente, a dendeicultura se expandiria na Amazônia por toda a área mapeada pela Embrapa. Segundo Macêdo et al(2010) “levantamento realizado recentemente (dados não publicados2) mostra [que à] (...) uma área total de aproximadamente 70 mil hectares plantados, se pretende acrescentar área cinco vezes maior(correspondente a uma expansão de 350 mil hectares, até 2019.”(Macêdo et al, 2010, p. 335). No estado do Pará as metas de expansão são exposta na tabela abaixo:
Tabela 3- Área Plantada e metas de expansão do dendê no Pará
Empresa
|
Área Plantada (ha)
|
Metas de expansão até 2019
|
Agropalma
|
43.250
|
14.000
|
Biopalma
|
5.000
|
95.000
|
Condenpa/Denpasa
|
1.093
|
5.000
|
Dentauá
|
4.168
|
6.000
|
Galp Energia
|
-
|
150.000
|
Marborges
|
4.400
|
6.000
|
Palmasa
|
4.594
|
4.000
|
Rio Negro
|
500
|
5.000
|
Yossam
|
4.300
|
5.000
|
Vale do Rio Doce
|
-
|
26.000
|
TOTAL
|
67.305
|
316.000
|
Fonte: Macêdo et al(2010, p.367) organizado pelos autores.
20Ainda que os autores não explicitem o ano de referência considerado, sobre os 67.305 mil hectares de área plantada, estabelecem a meta de expandir 316.000 hectares até o ano de 2019. Concretizado este cenário e segundo dados da Conab (2011), teremos uma área quase quatro vezes a atual área 109.880 hectares de dendê em formação e produzindo; e mais de cinco vezes a área 75.000 estimada MAPA (2010, p. 91). As maiores metas de expansão são de empresas que associam a dendeicultura ao biodiesel: Galp Energia (150.000), Biopalma (95.000) e Vale do Rio Doce (26.000).
21A expansão agora é impulsionada pela entrada do dendê na matriz energética do agrocombustível por meio do PNPB e na secretaria de agricultura familiar do ministério do desenvolvimento agrário estimulando assentados e agricultores familiares a cultivar dendê, pois essa cultura é intensiva em mão-de-obra, necessitando de um agricultor para cada 5 ha durante todo o ano ou para cada 10 ha, além de grande número de trabalhadores braçais para a colheita, que é manual. Poderia “ser, assim, uma alternativa de grande valia para a agricultura familiar, contribuindo para a formação de uma classe de pequenos produtores mais estáveis e, portanto, para avançar no processo de Reforma Agrária” (Becker, 2010, p. 6).
22Organizações representativas de classes, bem como movimentos sociais, Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), Federação dos Agricultores/as Familiares do Brasil (FETAFRI), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Via Campesina, Central Única dos Trabalhadores, cada com suas explicações e justificativas, posicionam-se a favor da dendeicultura (Fabrini, 2010).
23A dendeicultura na microrregião de Tomé-Açu encontra o modo de vida camponês (Shanin, 2008), composto por ribeirinhos, quilombolas, agricultores familiares, trabalhadores rurais, que usam a terra como núcleo estruturante das comunidades, principal meio de produção e força produtiva. Em torno deste núcleo organiza-se a divisão, social, sexual e etária do trabalho; aprimoram-se habilidades, instrumentos técnicos e força motriz; reproduzem um leque de atividades que tem em comum a unidade familiar de produção, cuja mão-de-obra predominante é familiar e de agregados, sem emprego de máquinas agrícolas e baixo uso de instrumentos e técnicas modernas, baixa produtividade e precária integração com mercado. Trata-se de um modo de vida que mantém relação íntima “com recursos naturais vivos, mas limitados à intensificação do trabalho e à valorização da ajuda mútua; um distanciamento institucionalizado das regras de mercado capitalista associado à capacidade de autonomia com relação ao mundo capitalista” (Sabourin, 2009, p. 32).
24Nessa região o modo de vida compreende, por um lado, um conjunto de técnicas e objetos técnicos de uso individual e coletivo criados no decorrer de gerações, por meio dos quais se produz e reproduz material e espiritualmente no meio geográfico. Por outro, saberes e fazeres, conhecimento empírico, transmitido oralmente que permitiu aos camponeses desenvolverem habilidades de pesca, cultivo, extração, armazenamento e conservação de alimentos; construir habitações, casas de farinha, olarias, pontes, portos, trapiche adaptados aos meios geográficos de várzea e terra firme; bem como canoas, barcos e embarcações de diversos tamanhos para transportar pessoas, bens e serviços.
25Na microrregião de Tomé-Açu, do século XVII ao XX, a formação do modo de vida camponês se estrutura no uso da terra. Predominando a figura do posseiro, isto é, do:
Lavrador pobre, que vende no mercado os excedentes agrícolas do trabalho familiar, depois de ter reservado uma parte da sua produção para o sustento da família. O que ganha com a venda desses excedentes é para comprar remédio, sal, querosene, às vezes roupa e mais uma ou outra coisa necessária à casa ou ao trabalho (Martins, 1995, p. 104).
26Pessoas como “seu Tomás, 67 anos” (figura 2), vivificam a economia camponesa dessa região, que abastece cotidianamente a população local com açaí, farinha de mandioca e d’água, maniva, tucupi, miriti ou buriti, peixe de pequeno porte e camarão, manga, cupuaçu, pupunha, castanha do Pará, bacuri, além de telhas e tijolos. A maneira informal de comercialização, a ausência de contabilidade por parte do produtor, a precariedade técnica e infraestrutural das secretarias municipais de agricultura, dos escritórios locais do IBGE e da EMATER dificultam construir dados sobre quantidade e diversidade da produção, sua origem e valor remunerado.
Figura 2 - Camponês produtor de mandioca do território quilombola de Jambuaçu-Moju
Créditos: Leonardo Vieira. 08/2012.
27Tal fato, associado à visão setorial e econômica de meio rural que prevalece nos recenseamentos, provavelmente explica a quase invisibilidade da produção camponesa nas estatísticas dos órgãos oficiais, que insistem em reforçar que as unidades familiares camponesas amazônicas não tem peso econômico, são obsoletas, irracionais economicamente; enfim, aproximam-se daquela categoria rural esquecida de que nos fala Queiroz(2009) ou mesmo de um campônio marginal rural, nas palavras de Oberg (2009).
28O modo de vida camponês historicamente foi esquecido pelas políticas de estado para o espaço rural. Para Wanderley(2009,p.168-9), esse modo se reproduz em meio a um “patamar mínimo e outras formas de precariedade, que ameaçam a autonomia da unidade familiar”, pois tais políticas, que a partir da década de 1960, apresentavam-se como chamada modernização do campo, tão somente criaram condições institucionais e técnicas para configurar o território para os complexos agroindustriais (Gonçalves Neto, 1997). Para Wanderley (2009)
Além de desperdiçar terras, o modelo da modernização brasileira desperdiça os próprios agricultores. As marcas do comando da terra estão igualmente, na origem da exclusão de grande parte dos agricultores, do acesso às condições que assegurem o pleno exercício de sua atividade profissional. Em consequência, a agricultura familiar se constitui como um setor bloqueado, impossibilitado de desenvolver suas potencialidades enquanto forma social específica da produção. (Wanderley, 2009 p. 60)
29Durante toda a segunda metade do século XX o modelo de modernização no campo bloqueia a agricultura familiar; somente no início do século XXI, depois de décadas êxodo rural, de pressões dos movimentos sociais no campo e na cidade, acompanhados de intensas pesquisas acerca do tamanho, composição e potencialidade do rural brasileiro, constata-se a importância econômica da agricultura familiar para o desenvolvimento local. Igualmente verifica-se que ela se reproduz em territórios economicamente deprimidos, “constituídos por municípios com baixo nível de desenvolvimento, baixo ritmo de crescimento e baixo potencial de desenvolvimento”. (Ortega, 2008, p. 16).
30A constatação no espaço rural brasileiro de territórios deprimidos subsidia a elaboração do Programa Territórios da Cidadania. Trata-se de um programa de apoio e estímulos a processos de desenvolvimento organizados territorialmente com certo grau de endogenia, descentralizados e sustentáveis, articulados a redes de apoio e cooperação solidária que, gradualmente, possam integrar populações e territórios do interior do Brasil aos processos de crescimento e de desenvolvimento em curso. (Ortega, 2008).
31Espaços rurais dos municípios de Moju, Tailândia e Acará integram o território da cidadania do Baixo Tocantins, igualmente espaços rurais de Tome-Açú e Concórdia do Pará estão incluídos no território da cidadania do Nordeste Paraense3. Enquanto o desenvolvimento territorial rural objetivado pelo Programa Territórios da Cidadania não vem, assistimos ao des-envolvimento do espaço rural na região. Isso porque a chegada de novos grupos de dendeicultores fomentou um mercado de terras na região, pois no Moju, Acará e em Tailândia este é um recurso escasso e caro.
32Ressurge a figura do agente fundiário, pessoa reconhecida por negociar terras em seu nome ou mesmo representando interesses de compra de terceiros, principalmente de empresas. A partir do PNPB, tais agentes desencadearam uma varredura fundiária em busca de terras para o dendê em municípios como Abaetetuba, Igarapé Mirim, dentre outros locais. Buscam áreas ocupadas por fazendas de gado, lavoura branca, áreas “ociosas”, pequenos sítios. Até a última década do século XX, segundo pesquisa de campo por nós realizada, o preço médio de um lote de 5 hectares era 10 mil reais, em setembro de 2011, aproxima-se de 50 mil reais.
33Amparados em laços de solidariedade, proximidade partidária ou identidade política, os agentes fundiários representantes de seus interesses ou de empresas assediam os pequenos produtores. Tais agentes apresentam-se como pessoas confiáveis, de dinheiro e pagam preço bom pela terra, o que se torna um atrativo quase irresistível para o camponês que tem seu modo de vida quase esquecido pelas políticas de estado para o meio rural. Depois de um primeiro contato entre agentes fundiários e os camponeses, onde são firmados interesses de compra e venda e negociados preço e forma de pagamento, começa os procedimentos legais para demarcação da propriedade, seu registro, pouco depois se efetiva a venda.
Figura 3 - Seu Pedro Almeida aponta as mudas de dendê
Créditos: Tiago Malcher. 08/2012.
34Mas para os empreendedores do dendê o mais importante e lucrativo é conseguir com que pequenas unidades familiares rurais, chamados sítios, associem-se à cadeia produtiva do dendê. Tal associação lhes permite usar a terra, sem comprá-la ou arrendá-la, utilizar a força de trabalho e as diversas relações sociais de produção sem se comprometer juridicamente com nenhuma delas; em suma, lhe permite usar a terra/território do produtor familiar como recurso para o agronegócio, como por exemplo, a Dendê Tauá faz com a propriedade do “seu Pedro Almeida, 74 anos, na localidade de Boa Esperança, na comunidade de Mariquita (figura 3). Tendo isso em vista empresas são contratadas pelos empreendedores da dendeicultura para construir projetos de agricultura familiar. Desse modo, a Nes Global Talent4 presta esses serviços para Petrobrás Biocombustível e a Ecodendê5, para a ADM. Tais empresas realizam os mesmos procedimentos dos agentes fundiários, com o diferencial de que não objetivam comprar terra, mas associar famílias camponesas à dendeicultura. Assim temos acordos da ACM Bio-Tech com 450 famílias dos municípios de Moju, Igarapé-Miri e Mocajuba para a plantação de 3 milhões de mudas em uma área de 15 mil hectares. Em dois anos, na mesma área, devem ser plantados mais 6 milhões de mudas de dendê, algumas importadas do Equador6; e acordos da ADM (Archer Daniels Midland), que iniciou em maio de 2012 o plantio de palma no Pará7 por meio de uma parceria com agricultores familiares. A primeira fase desse projeto, que já conta com a adesão de 160 famílias de produtores rurais que possuem o DAP (Declaração de Aptidão ao Pronaf), vai contemplar uma área de mais de 1,3 mil hectares situada nos municípios de São Domingos do Capim, Irituia, Mãe do Rio e São Miguel do Guamá.
35Reproduz-se na Amazônia, por esse meio, o que Oliveira (2004, p.42), conceitua como “monopolização do território”. Inicialmente a empresa/grupo dendeicultor faz o cadastro dos produtores rurais, onde fica registrado o tamanho da propriedade e suas benfeitorias, incluindo casa, construções, poço, plantações, pomares, criação de animais domésticos, o tamanho da família e a quantidade de mão-de-obra. Em seguida verifica-se se a propriedade tem documentação registrada e legalizada, caso contrário, inicia-se o seu processo de regularização, com o apoio da Secretaria de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário e também com o apoio do Programa Amazônia Terra Legal. Após a regularização da propriedade o pequeno produtor rural, dirige-se ao Banco da Amazônia S/A em busca dos benefícios da linha de crédito para a produção de dendê pela agricultura familiar. Garantido o financiamento, o produtor familiar negocia com a empresa, o tipo e qualidade da produção, preços, insumos fornecidos pela empresa e prazos.
36Portanto, a monopolização do território pela dendeicultura transforma, nos termos de Wanderley (2009), o camponês em trabalhador do capital posto que, mesmo sendo proprietário, a renda da terra lhe escapa. Conforme a autora,
37Verificamos essa dinâmica no espaço agrário do município do Acará, especificamente na comunidade rural da Mariquita, às margens da PA – 252, que liga o Acará a Concórdia do Pará (figura 4).
Figura 4 - Localidade Boa Esperança, na Comunidade Mariquita
Créditos: Tiago Malcher. 08/2012.
38Neste lugar encontramos um exemplo do que se transformou a paisagem rural dos municípios da microrregião de Tomé-Açu: grandes áreas monocultoras de dendê. A implantação das lavouras de dendê nesta comunidade representa o movimento do capital no espaço agrário. Aqui a Biopalma cultiva dendê, para tanto reproduz estratégias capitalistas para se apropriar da renda da terra. Amplia seu território do dendê por meio de compra de terras e através de parceria com o camponês para a obtenção do selo combustível social (Repórter Brasil, 2008). Desse modo, ela reproduz relações de produção capitalistas, com base no assalariamento, mas também estimula a associação com as unidades produtivas familiares para que as mesmas produzam dendê, sujeitando o camponês aos desígnios do agronegócio, configurando assim o desenvolvimento desigual, contraditório e combinado descrito por Martins (2002).
39Na entrevista a nós concedida um agricultor, morador da comunidade da Mariquita, percebe-se a dupla face dos processos descritos anteriormente. Num primeiro momento desencadeia-se a estratégia da territorialização do capital, posteriormente o processo de monopolização do território, tal como elaborados por Oliveira (2004). Nas palavras de nosso entrevistado 1
Foram plantados 10 mil hectares em terras que, num primeiro momento, a BIOVALE comprou, mas já encerrou agora, esta na fase de plantio. Primeiro eles compraram os lotes, agora esta começando outra fase, que é a parceria com o produtor. O produtor que tem 25 hectares, eles passam a ceder para o projeto do dendê 10 hectares. (Entrevistado 1).
40Camponeses e dirigentes de movimentos sociais da região nos relataram situações de venda de terras de pequenos produtores para médios e grandes empreendedores, seja por conta da inviabilidade de desenvolver uma agricultura familiar que atenda às necessidades mínimas dos colonos, seja pela falta de título de posse da terra, o que leva às constantes investidas dos agentes fundiários ávidos por negociar as propriedades camponesas.
41A BIOPALMA, primeira empresa a produzir dendê na comunidade da Mariquita, por intermédio de agentes fundiários rurais, comprou terras neste lugar. Esses agenciadores, tal como descrevemos acima, depois de mapearam os prováveis vendedores de propriedades, faziam ofertas para a compra dos lotes. E, posteriormente, vendiam os mesmos para empresa produzir dendê. É o que relata nosso entrevistado 2
Primeiro entrou na região as pessoas que compram a terra, são chamados não sei o que rural[...] pessoas que compram e vendem a terra, corretor rural. Então entrou uma empresa desse porte na região comprando áreas, compraram áreas, lotes de terra por seis mil, outros por oito mil, compraram áreas bem maiores de quatro, cinco lotes por dez mil, outros por vinte e cinco mil.(Entrevistado 2).
42Nesse processo, a figura do corretor rural é muito forte; ele tem facilidade para comprar pequenas unidades familiares de produção e revendê-las para a empresa, por um valor bem acima do valor desprendido para a compra destas terras junto aos antigos proprietários. Tal como relata nosso entrevistado 3
Os corretores compraram a terra em grande escala né?! Aí tinha os agenciadores, os corretores, e fizeram grandes blocos, e passaram a negociar com a empresa em grandes volumes, as áreas maiores. Já não vendiam mais um lote aqui, outro acolá, eles agregaram uma área, e passaram a negociar. Comprava por exemplo cem lotes de terra no valor de oito mil, mas vendia esse lote por dez vezes mais. (Entrevistado 3).
43Para um de nossos entrevistados, ex-lavrador e professor primário na comunidade, a compra desenfreada das terras na região já dura dez anos, e nesse processo, o camponês vendia suas terras sem saber ao certo seu preço de mercado. Hoje, segundo esse entrevistado, uma grande parte do território das comunidades rurais são territórios do agronegócio.
Há dez anos eles estão comprando, do ano 2000 até o ano de 2010. Oitenta por cento da região está comprado, foi comercializado no mercado imobiliário, a nossa terra era barata, e foi por isso que a própria firma se instalou na região. Essa firma, eu não lembro o nome, eles compravam, colocavam agentes para comprar. Assim, fulano compra terreno de fulano que vendia pra outro fulano, então eles compravam aqui e outro acolá, e essa firma, se eles comprassem por cem, vendiam por duzentos, se comprava por oito mil, vendia por dezesseis mil, até porque o lote da terra rural foi estipulado em média por trinta mil, então foi a oportunidade de enriquecimento galopante pra alguns e a miséria para os demais. (Entrevistado 4).
44Dentro dessa realidade, a empresa utiliza-se de artifícios para não arcar com a responsabilidade do desmatamento das terras compradas. Ela concede permissão para que o camponês permaneça por um tempo nas terras compradas, para que o mesmo a explore e a entregue pronta para o plantio, como é observado na fala de nosso entrevistado 5, “eles davam direito a dois anos, para pessoa ficar na terra, para explorar, para fazer grandes derrubadas, fazer roça de mandioca, abertura para plantar mandioca, e muitos fizeram assim, tiraram madeira nesse período de dois anos”.
45A dinâmica territorial do espaço agrário na microrregião de Tome-Açú impulsionada pela expansão da dendeicultura reproduz a concentração fundiária do desenvolvimento agroindustrial no campo, de que nos fala Fabrini (2010); fruto do mercado de terras, que expulsa o camponês, gerando uma série de mazelas que incidem diretamente no modo de vida dos mesmos, tanto nas comunidades rurais quanto nas zonas urbanas desses municípios. Nossos entrevistados 6 e 7 relatam que
Quem pegou seis mil, gastou, e depois de dois anos teve que sair para as pequenas cidades, desempregado, sem preparação nenhuma para viver, para trabalhar na cidade, um nível de escolaridade muito fragilizado, aí uns foram ser carroceiro, os mais velhos foram aposentados, viver de aposentadoria, consequentemente os filhos e netos passaram a viver uma situação difícil, a maioria não consegue estudar, não consegue trabalhar, porque tem baixo nível de formação técnica para acompanhar a modernidade, as questões relacionadas à vida urbana, os mesmos acabam retornando pro seu local de origem pra tentar pegar uma vaga até mesmo na Biovale, pra trabalhar como roçador, preparador de mudas e etc. outros se tornam bandidos, as filhas na prostituição. Porque é a decorrência de todo o processo de retirada da terra, muda de lugar, muda de região e muda de costume. Mesmo o costume da zona rural é atropelado completamente pela zona urbana. (entrevistado 6).
46Alicerçadas no discurso de responsabilidade social e ambiental, mas de fato em função das regulações que exigem parcerias com agricultores familiares para a obtenção dos incentivos fiscais do Selo Combustível Social, as empresas celebram acordos de integração com assentados e colonos, oferecendo suporte técnico e contratos de compra da produção. (Reporter Brasil, 2010). Encontramos isso na entrevista como os moradores da comunidade da Mariquita.
A BIOVALE trata a terra, dá em etapas esse financiamento, pra quebra da capoeira, pro plantio, e paga por trimestre, me parece mil e quinhentos reais, calculado com base no salário mínimo pra cada produtor nesse período de 3 anos. Assim se estabelece o contrato e a partir desse contrato passa a comprar a produção do produtor, colocando uma ideia de que o produtor no período de dois anos passa a ter esses dois anos de carência e a partir daí passa a pagar em parcelas diferenciadas a sua produção em porcentagem, se ele produzir 100 kg, tem que deixar uma parte pra pagar o financiamento e o resto é negociado em dinheiro vivo, com a Biovale. (Entrevistado 8).
47Ambas as estratégias para acessar a terra e a mão de obra camponesa para a produção do dendê ameaçam a reprodução do modo de vida do camponês. No caso da venda das terras, percebemos os mesmos sendo destituídos de seu principal meio de produção, o que o impossibilita de se reproduzir enquanto produtor livre. Assim nos relata nosso entrevistado 9.
Eram três lotes, eu plantava pimenta, cocô, cacau, cupuaçu, pra vender aqui mesmo no Acará, esse eu vendi por trinta e cinco mil os três lotes. Mas na venda a gente não sabia que era pra dendê, a gente só ficou sabendo depois. Na verdade eu não queria vender não, se pudesse estaria lá, que lá que era bom, plantar, essas coisa. Aqui não dá para mim, que estou acostumado com a roça. Eles andaram muito atrás de mim, eles vinham. E eu disse que não estava interessado. Eles queriam que eu recebesse pela metade, então eu disse que não estava interessado. Então eles vieram de novo e disseram que pagavam de uma vez. (Entrevistado 9)
48Quando o camponês se associa a cadeia produtiva do dendê e participa da produção como mão-de-obra familiar, mesmo não sendo destituindo do principal meio de produção, a terra, passa a produzir sob os desígnios do agronegócio, ameaçando a produção de subsistência e a sua autonomia enquanto camponês. Nesse sentido, por mais que reproduza a sua unidade familiar (Oliveira, 2004), o camponês ele se torna subjugado, pois ele só entende o projeto quando é sujeito da ação, quando o projeto se relaciona com o sentido da vida dele, o que não acontece, na medida em que o produtor familiar não participou da concepção do selo social do PNPB, não foi sujeito da ação, não tem entendimento da ação, também não pode ter autonomia para impor o preço, para decidir sobre a matéria-prima que vai usar, sobre a forma de produzir (Bernardes, 2011).
49No período atual o espaço agrário na microrregião de Tome-Açú é marcado pela dendeicultura. A velocidade, intensidade e amplitude do movimento de expansão desse cultivo no Pará são ritmadas pelas políticas de estado para a agricultura de energia, tais como o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel e o Programa de Produção Sustentável de Palma de Óleo, bem como pelas demandas do mercado consumidor.
50Nesta parte da Amazônia vive-se o ciclo ou boom do dendê, por meio do qual se reproduz um aspecto marcante da formação regional amazônica, isto é, sua dinâmica econômica é determinada pelo papel subalterno que ocupa na divisão territorial do trabalho; sendo impulsionada por demandas exógenas ao lugar, que elegem um produto ou processo produtivo para comandar a economia regional.
51O espaço amazônico é marcado por interesses dos mercados internacionais que condenaram esta parte do território nacional a ser fronteira de commodities, seja pela extração e produção da borracha, de minérios, do gado vivo e agora do dendê. Conforme Nahum(1999), cada plano e programa proveniente das políticas de estado para Amazônia, sobretudo os Planos de Desenvolvimento da Amazônia, propõe uma vocação seja como fronteira agrícola no I PDA (1972-75), fronteira agromineral no II PDA (1975-79), fronteira da biotecnologia, do ecoturismo no PDA (1992-1950), fronteira do desenvolvimento sustentável no PDA (1994-97) ou ainda biodiversidade no Plano Amazônia Sustentável(PAS). Nestes planos a vocação proposta seria capaz de eliminar as desigualdades regionais e impulsionar o desenvolvimento com respeito ao meio ambiente e às populações locais. Infelizmente é sempre mais do mesmo modelo de desenvolvimento que convida a região a encontrar ou aprender sua vocação, reinventada na medida em que se altera a composição de forças no bloco de poder estatal e sua relação com os movimentos do capital na escala nacional e internacional.
52É preciso promover a crítica destes discursos que propõe uma vocação regional, pois seus resultados são demasiadamente conhecidos. O desenvolvimento da dendeicultura na Amazônia é apresentado como um forte aliado para o fim dos problemas no campo, pois o discurso do agronegócio dá ênfase a produção e a produtividade; e não aos que vivem no campo, trabalhadores e camponeses, sujeitados a demandas do agronegócio. É um discurso do desenvolvimento do campo e da técnica como forma de tirar as populações rurais do atraso e elevar a sociedade a um patamar superior. No entanto, cria um processo de expropriação dos camponeses, desemprego estrutural no campo, concentração de terra e de renda e degradação do trabalho para aqueles que conseguem se manter no processo produtivo.
53O exame de alguns aspectos da dinâmica territorial impulsionada pela cultura do dendê na microrregião de Tomé-Açu constitui uma crítica ao manto vocacional que envolve tal cultura, exemplo de pensamento único, fora do qual parece não haver perspectiva de desenvolvimento territorial rural para região, nem outra maneira de integrar as unidades familiares camponesas à moderna empresa rural. A formação do mercado de terra e a subordinação das unidades produtivas ao agronegócio do dendê são sintomas do movimento desigual e combinado do capital no espaço rural, por meio do qual reproduz relações de produção capitalistas associadas às relações tradicionalmente movimentadas nas unidades familiares, transformando o camponês em trabalhadores para o capital.