1Este artigo tem por objetivo analisar a distribuição espacial da internet no Brasil através de sua dimensão do consumo. Isto é realizado pela apreciação dos acessos fixos e sua diferentes tecnologias, em escala nacional. A abertura da internet para o público em geral nos meados dos anos 90 foi seguida de uma série de interpretações que extrapolavam seus impactos para o conjunto da sociedade. Via de regra, isso era feito de maneira triunfalista, exagerada, enfatizando o caráter revolucionário da nova tecnologia e o modo como ela iria alterar fundamentalmente as maneiras como as coisas funcionavam, o que é apenas parcialmente verdadeiro. O espaço só era mencionado para mostrar como perdia sua importância.
2Inegavelmente, há mudanças fundamentais, principalmente no campo das mídias que podem ser digitalmente produzidas, fornecidas e consumidas, tais como textos, sons, imagens e vídeos – vide a crise do mercado fonográfico e as questões dos grandes estúdios de cinema com as redes de compartilhamento de arquivos online. Entretanto, em muitos aspectos, as mudanças não são assim tão grandes. Os padrões de sociabilidade vigente são reforçados pela troca de mensagem através da internet, as relações econômicas não se tornaram necessariamente mais democráticas, as pequenas empresas não concorrem em pé de igualdade com os grandes grupos, que também estão na rede, os mercados não são igualmente acessíveis por todos e o Estado tenta fazer valer suas leis e regras no que é feito online dentro de seu território como em qualquer área de atuação da sociedade, mesmo com uma maior fluidez das fronteiras nacionais. Em termos geográficos, a tendência preponderante é de concentração espacial, tanto das infraestruturas, quanto da oferta de informações (Motta, 2011).
3Atualmente, pelo menos no nível do senso comum, aquele tipo de discurso “profético”, de que o mundo estaria igualmente acessível através da tela de um computador, ainda está ativo. É possível deparar com a noção de que, se a conexão com a internet é realizada, já não importa o local onde se está. Este trabalho é, pois, uma tentativa de contrapor esta ideia, mostrando que o próprio ato de estar conectado segue alguns condicionamentos sociais e geográficos.
4No Brasil, em particular, a reprodução do ideário antigeográfico associado à presença da internet é possível graças a expansão significativa do acesso em todo o território que, apesar disso, continua expressando as desigualdades sociais e espaciais que comumente caracterizam o país. O número de domicílios com microcomputador e acesso à internet na própria unidade de moradia não para de crescer, mais aceleradamente a partir de 2005 (ver gráfico 1).
Gráfico 1 – Domicílios com microcomputador e acesso à internet
5Percebe-se que esse aumento, em geral, é muito desigual no território com concentração expressiva na região Sudeste, cujo patamar de domicílios com internet é bem superior ao das demais, chegando quase à metade do total, ou 49,3% (IBGE, 2009). Porém, se em números absolutos o Sudeste e o Sul predominam, com ênfase no estado de São Paulo, quando se verifica a taxa de crescimento geométrico nos estados de maneira desagregada, o quadro se inverte (ver cartogramas 1 e 2). No período de 2003 a 2009, os estados que possuíam uma base pequena de domicílios com acesso à internet foram os que mais cresceram, com ênfase no Tocantins. No conjunto de crescimento mais intenso, apenas a Bahia parte de uma base um pouco maior, apontando um processo diferenciado.
[Cartograma 1 – Taxa de variação geométrica dos domicílios com acesso à internet, de 2003 a 2009]
[Cartograma 2 – Número de domicílios com microcomputador e acesso à internet em 2009]
6São Paulo tem a menor taxa de crescimento justamente por já possuir, no início do período em questão, uma ampla quantidade de usuários da internet, o que limita sua capacidade de expansão. De qualquer maneira, uma maior equidade na oferta deste serviço ainda está longe de acontecer, apesar da tendência de os estados com menos acessos crescerem mais.
7Uma das formas de verificar esse fato, mascarado pela tendência de os estados com poucos acessos crescerem em um ritmo mais acelerado, é a realização de uma ponderação pela análise shift-share, que permite a contraposição do comportamento de cada unidade espacial com a média do país em um tempo considerado. Este método, composto de dois índices (Efeito Proporcional e Efeito Diferencial), foi criado em realidade para tratar e comparar a evolução do emprego em diversos setores econômicos simultaneamente (del Canto et al., 1988). Como os dados aqui tratados são de natureza distinta, os índices foram adaptados de forma a que o emprego setorizado foi correspondido aos domicílios que possuíam computador e conexão à internet, enquanto que o emprego total foi substituído pelo total de domicílios do país. Buscamos, com está técnica, minimizar a distorção causada, como visto, quando apenas se considera o crescimento bruto ou mesmo a taxa de variação geométrica desta variável entre 2003 e 2009.
8O primeiro dos índices, o Efeito Proporcional (Ep), determina se a estrutura setorial das unidades espaciais consideradas se predispunha ao crescimento, o que redunda em valores positivos, ou se o contrário ocorre, de acordo com a fórmula:
9onde D representa o número de domicílios, i o volume de domicílios com internet, o o ano inicial do período considerado, t o ano final e j a unidade espacial em questão, no caso, o estado. Se trata de multiplicar um valor constante pelo seu peso relativo em cada estado.
10O Efeito Diferencial (Ed), segundo índice, se baseia na ideia que um mesmo setor econômico apresenta comportamentos diferenciados ao longo do tempo, de acordo com as condições que cada local ou região oferece para seu desenvolvimento. Dessa maneira, cada unidade espacial é comparada com a média do conjunto. Aquelas cuja atividade analisada evolui de forma mais rapidamente que a média mostrarão valores positivos, e no contrário, negativos, segundo a fórmula:
11A soma dos dois índices é o Efeito Líquido Total (EL=Ep+Ed). Ele indica se cada estado possui vantagens ou inconvenientes em relação à evolução conjunta do sistema que se está tratando. Valores positivos nas unidades espaciais fornecem indícios de que há condições locais favoráveis para o desenvolvimento da variável tratada, enquanto que os valores negativos indicam problemas ou restrições a tal.
12A aplicação do efeito proporcional (gráfico 2) mostra a ausência de valores negativos, indicando que havia uma predisposição geral ao crescimento do número de domicílios com computador e internet em 2003, com destaque para o Sudeste e o Sul, com São Paulo muito acima dos demais estados. A região Norte, por sua vez, é a que menos manifestava essa tendência, coerente com seu relativo isolamento físico.
[Gráfico 2 – Efeito propocional]
[Gráfico 3 – Efeito diferencial]
[Cartograma 3 – Efeito líquido total dos domicílios com internet, 2003 – 2009]
13A análise shift-share fornece mais um indício de que o desenvolvimento da internet é paralelo com os de outros processos materiais na sociedade que se caracterizam pela aglomeração. Essa alta concentração em locais selecionados do território que, como verificados em trabalhos anteriores (Motta, 2005; 2011), governa a relação entre internet e espaço geográfico também é evidente quando se considera as conexões individuais à rede, de usuários e pequenas empresas. Assim, analisaremos a distribuição espacial dos acessos fixos à internet em um nível mais desagregado, o municipal, a partir de dados fornecidos pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL).
- 1 Disponível em <http://sistemas.anatel.gov.br/SICI/Relatorios/IndicadorDesempenhoPresenteMunicipio/tela.asp>
14A ANATEL contabiliza e publica dados relativos a acessos à internet realizados pelas entidades autorizadas a prestar este serviço1. A base de dados presentemente utilizada diz respeito à assinatura para o consumidor final que, no jargão do ramo das telecomunicações chama-se ligação da “ultima milha”, incluindo pequenas e médias empresas. O termo “acesso” é considerado como a conexão instalada no domicílio ou empresa do assinante, independente do número de computadores ou usuários a ela ligada. Os dados estão agregados por município, excluindo os acessos por dispositivos móveis, por linhas de telefonia celular. Sua base temporal consiste no número de conexões em atividade instaladas nos municípios ao fim do 1° trimestre de 2009.
15As empresas que realizam este serviço de conexão devem ser autorizadas pelo órgão regulamentador, passando a ser categorizadas como “Serviço de Comunicação Multimídia”, definido pela lei nº 9472 de 16 de julho de 1997 da seguinte forma:
- 2 <http://www.anatel.gov.br/Portal/exibirPortalNivelDois.do?acao=&codItemCanal=
um serviço fixo de telecomunicações de interesse coletivo, prestado em âmbito nacional e internacional, no regime privado, que possibilita a oferta de capacidade de transmissão, emissão e recepção de informações multimídia, utilizando quaisquer meios, a assinantes dentro de uma área de prestação de serviço2.
16O Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), realizando tráfego de dados em formato digital, não se confunde nem com as empresas de telecomunicações de grande distância, que operam os backbones (linhas troncais de alta capacidade) e realizam conexões “no atacado”, nem com as empresas que realizam tráfego de voz, ou telefonia convencional. Estes dois últimos tipos de empresa podem entrar no mercado de tráfego de dados somente através da criação de subsidiárias que se ocupem especificamente deste setor. As companhias de SCM têm um papel intermediário, realizando a ligação entre os consumidores finais do tráfego de dados, não importando a forma que assumam (texto, áudio, vídeo, imagens etc.), com as operadoras de linhas de longa distância e grande capacidade. Ainda há mais um intermediador neste mercado que são os provedores de acessos. Segundo a regulamentação vigente, os provedores compõem apenas um serviço de valor agregado (SVA) à rede, não tendo poder para efetivar fisicamente os acessos. Servem apenas para gerenciá-los (autenticação de senhas) e fornecer serviços (e-mail, conteúdo diferenciado, entre outros).
17Tendo em vista esse quadro regulatório, cabe salientar que os dados de acesso à internet por linhas discadas convencionais estão excluídos da base de dados da ANATEL por não fazerem parte do SCM, mas do serviço de telefonia fixa comutada (STFC), bem como do SVA. Além disso, os provedores de acesso que realizam este tipo de conexão não necessitam de autorização daquele órgão para funcionar, que não os controla.
18Uma vez que o acesso ao serviço de comunicação multimídia não está vinculado a uma forma específica de mensagem (áudio, vídeo, software etc.) e não há restrições quanto ao tipo de transmissão a ser utilizado, a ANATEL consolida as informações fornecidas pelas empresas de SCM guiando-se por dois eixos: o tipo de tecnologia envolvida nas conexões e a sua largura de banda. As tecnologias abrangem as formas mais comuns, como aDSL (através da rede telefônica) e cabo (operado, via de regra, pelos serviços de TV por assinatura), até as ainda em caráter de testes (PLC, pela rede de transmissão de energia elétrica), passando pelo uso do espectro eletromagnético (rádio, micro-ondas e satélite). A largura de banda ou velocidade possui cinco classes de volume de dados por segundo e não será abordada no presente artigo.
19Os acessos fixos à internet no Brasil perfizeram 13.529.316 ao final do primeiro trimestre de 2009. Sua disposição geográfica não mostra, a princípio, qualquer padrão claramente diferente da repartição usual da infraestrutura e da população, sendo mesmo similar à hierarquia urbana, como se pode verificar cartograma 4.
[Cartograma 4 – Total de acessos fixos à internet no Brasil – 1º trimestre de 2009]
20Os acessos concentram-se nas capitais, com destaque para São Paulo como o município com o maior número 2.263.278 (aproximadamente 16% do total), mais do dobro do segundo colocado, o Rio de Janeiro (com 924.383 acessos). Confirmando o caráter eminentemente urbano do uso da internet no Brasil, o padrão geral é de aglomeração no Centro-sul do País.
21Os 11 municípios com maior número de acessos, cada qual representando pelo menos 1% do total nacional, somam pouco mais de 46% do total (tabela 1), e 50% do total de acessos estão concentrados em apenas 18 municípios.
Tabela 1 – Municípios com mais de 1% dos acessos à internet – 2009
|
Município
|
Acessos
|
% Total
|
% Acumulada
|
1
|
São Paulo
|
2.263.278
|
16,%
|
16,7%
|
2
|
Rio de Janeiro
|
924.383
|
6,8%
|
23,6%
|
3
|
Curitiba
|
612.210
|
4,5%
|
28,1%
|
4
|
Belo Horizonte
|
497.504
|
3,7%
|
31,8%
|
5
|
Brasília
|
496.079
|
3,7%
|
35,4%
|
6
|
Porto Alegre
|
401.280
|
3,0%
|
38,4%
|
7
|
Salvador
|
341.201
|
2,5%
|
40,9%
|
8
|
Goiânia
|
223.653
|
1,7%
|
42,6%
|
9
|
Campinas
|
184.804
|
1,4%
|
43,9%
|
10
|
Fortaleza
|
161.741
|
1,2%
|
45,1%
|
11
|
Londrina
|
139.420
|
1,0%
|
46,2%
|
Fonte: Anatel, 2009
22À exceção de Londrina, no Paraná, este conjunto é constituído pelos núcleos das grandes áreas metropolitanas do país. A distribuição dos acessos é tão concentrada que, apesar dos altos valores dos municípios mais conectados, a mediana nacional é de apenas 46 e o valor modal é 1. Isto vem ratificar o fato de a estrutura espacial da internet ser, em geral, geograficamente seletiva. Isto é verdadeiro tanto para os acessos, quanto para a geografia dos nomes de domínio e dos backbones físicos. Essa característica também ocorre em outros países e mesmo em escala mundial, em que pese a tendência à disseminação do acesso (Dupuy, 2002; Duféal, 2001; Bernard, 2003; Grubesic & Murray, 2006; Malecki, 2002; Zook, 2000, 2001a, 2005, entre outros).
23Dessa maneira, apenas o mapeamento dos municípios sem registro, isto é, aqueles que nem sequer constam da base da Anatel como contendo ao menos um acesso, já é ilustrativo do grau de “exclusão digital” que algumas regiões sofrem no país (cartograma 5). Há uma concentração significativa de municípios excluídos no Nordeste, principalmente no estado do Piauí. Também são importantes os estados de Minas Gerais, Tocantins, Amazonas e parte do Rio Grande do Sul. Entretanto, essa situação já apresenta um avanço quando comparada com os dados de 2005 da Pesquisa de Informações Básicas Municipais do IBGE (IBGE 2006), dos municípios sem provedor de internet (cartograma 6), levantadas exatamente no momento em que os acessos estavam dando uma guinada para cima. Assumindo que os municípios sem provedores não possuíam acessos, partiu-se de uma situação na qual aproximadamente metade dos municípios brasileiros não se conectavam à internet em 2005 por SCM para uma onde, em 2009, apenas 286 não o faziam, o que significa um aumento considerável.
[Cartograma 5 – Municípios sem registro de acesso até o fim do 1º trimestre de 2009]
[Cartograma 6 – Municípios sem provedor de internet – 2005]
24Aos municípios que não possuíam acesso em 2009 era possível, teoricamente, devido à falta de outras tecnologias, acessar a internet apenas através de conexões discadas por modem de 56 Kbps em virtude da quase ubiquidade das linhas telefônicas no país. Contudo, a superposição bastante generalizada das áreas sem acesso e sem provedor local é indicativa de que esta conexão somente seria efetivável por custosas ligações interurbanas, dada a falta de serviços de autenticação nos próprios municípios. Como são áreas de baixa renda em geral, esse fato praticamente inviabiliza o acesso.
25A isto, soma-se a semelhança entre as distribuições espaciais dos municípios sem registro de acesso e daqueles onde só há ligações por banda estreita, isto é, com 100% dos acessos em até 64 Kbps (cartograma 7). Mesmo tendo havido uma explosão nas conexões à internet a partir de 2005, a adjacência aproximada entre as cidades destes dois grupos ainda implica na presença de áreas “de sombra” significativa em termos de disponibilidade de banda larga em escala nacional.
[Cartograma 7 – Municípios com 100% de acessos até 64 Kbps]
26Também há um importante número de municípios, na moda do universo de dados, que podem ser considerados quase desconectados, com apenas um acesso. Perfazem 366, com um pouco menos de sua metade (46,7%) realizando a conexão por banda estreita. Os restantes estão, em sua esmagadora maioria, situados na velocidade mais baixa logo acima deste patamar.
27Os municípios em uma situação que se poderia caracterizar de “exclusão digital” mostra, conforme argumenta Dupuy (2007), que a difusão dessa tencnologia segue “as leis habituais da geografia”, com as zonas mais ricas e urbanizadas obtendo bons números de acesso, enquanto que as áreas mais periféricas e de menor densidade demográfica permanecem como “desertos digitais”.
- 3 O caráter assimétrico da conexão provém do fato de a transmissão de dados da rede para o computador (...)
28Ao desmembrar o número de acessos por tecnologia utilizada (tabela 2), nota-se algumas diferenças (e semelhanças) importantes com o padrão geral. A tecnologia mais difundida de acesso a internet banda larga no país é a DSL (Digital Subscriber Line), que consiste em uma família de técnicas utilizando a rede de telefonia fixa. A mais comum é a ADSL (Asymmetrical Digital Subscriber Line), que permite a sobreposição de uma camada de transmissão digital de dados por cima do canal de voz analógico nas linhas de telefone convencionais3 (Grubesic & Murray, 2002). Outras tecnologias ainda dentro deste tipo são, por exemplo, a HDSL e a VDSL, que permitem velocidades muito altas de transmissão, porém com restrições técnicas – necessidade de distâncias curtas entre o assinante e a central telefônica, por exemplo – e uso de equipamentos custosos. Como os dados não discernem entre estas, elas serão doravante mencionadas como xDSL.
Tabela 2 – Acessos por tipo de tecnologia – Brasil – 2009
Tecnologia
|
Acessos
|
%
|
xDSL
|
8.844.518
|
65,37%
|
Cabo
|
2.595.841
|
19,19%
|
Rádio
|
352.707
|
2,61%
|
Satélite
|
207.579
|
1,53%
|
FTTH
|
20.168
|
0,15%
|
Outra
|
1.508.488
|
11,15%
|
Fonte: Anatel, 2009
29Os acessos em xDSL, sendo a tecnologia preponderante no Brasil, determina em grande parte o padrão de distribuição dos acessos em geral. O xDSL e os acessos totais têm, portanto, formas espaciais semelhantes, como se nota no cartograma 8a.
[Cartogramas 8a e 8b – Acessos à internet por xDSL; Percentual de acessos xDSL nos acessos totais]
30Os dados em termos relativos, de valores proporcionais ao total de acessos, (cartograma 8b)mudam de figura, apresentando-se de maneira um tanto polarizada: ou os municípios têm pesada participação desta tecnologia ou os valores são fracos. A classe modal é a primeira (0% a 18%), com pouco menos da metade do total dos municípios brasileiros possuindo valor zero, seguida pela última classe (87% a 100%). As classes intermediárias são bem menos significativas. Os municípios com proporção mais forte desta tecnologia localizam-se maciçamente no Sul, no Centro-Oeste, além de Rondônia e Acre. São Paulo e Rio de Janeiro têm relativamente poucos municípios na última classe porque, sendo mercados mais avançados, há maior oferta e concorrência dos outros métodos de acesso.
31É possível observar um forte efeito de fronteira em relação às regiões Norte e Nordeste, que ocorre em razão da variação da qualidade da rede telefônica, em que a tecnologia xDSL se baseia. As redes telefônicas foram herdadas dos operadores públicos estaduais quando de sua privatização nos anos 90, possuindo assim configurações bem marcadas pelas fronteiras entre os estados. Naquele momento, as redes de telefonia eram fracamente desenvolvidas na região Norte (onde as ligações dependiam de transmissão por micro-ondas) e no interior do Nordeste, de fraca demanda solvável. Além disso, os operadores privados que assumiram o setor da telefonia tinham pouco interesse em investir nessas áreas já pouco desenvolvidas em telecomunicações.
- 4 Manaus é a única capital onde os acessos por cabo superam os de xDSL.
32A segunda tecnologia mais usada, com 19,2% dos acessos, é a de cabeamento, onde a conexão à internet é realizada através da infraestrutura das TVs por assinatura. Agregamos os acessos por cabo coaxial simples, que é uma tecnologia mais comum (17,77% dos acessos) e as redes híbridas cabo-fibra ótica (HFC), ainda pouco disseminadas (1,42%), mas também usadas pelas empresas de TV a cabo. Possui uma arquitetura de distribuição bem mais restrita do que o xDSL, limitando-se às capitais principais do Centro-sul, com São Paulo possuindo uma utilização bem superior que as demais cidades (cartograma 9). Há também alguns acessos em capitais do Nordeste e Manaus4. Fora das capitais, o estado de São Paulo sobressai, sobretudo nos municípios que compõem o eixo São Paulo-Campinas. Esta configuração segue, de maneira geral, a cobertura dos serviços de TV paga, porém de forma mais limitada, pois a disponibilidade deste último serviço é bem mais ampla que o acesso à internet por cabo, atingindo áreas maiores nas regiões Centro-Oeste, Norte, Sul e mesmo no Sudeste (vide Atlas Brasileiro De Telecomunicações, 2009, p. 174).
[Cartograma 9 – Acessos à internet por cabo]
33O fato de o uso do Cable Modem ser tão acanhado em termos espaciais é indicativo de que as empresas que o oferecem utilizam-se da prática do cherry picking, isto é, limitam-se as áreas de mercado com melhores condições de rentabilidade. Isto se dá em virtude do alto custo de implantação da infraestrutura de cabo, desestimulando as companhias do setor de instalá-la nas regiões e municípios com menor potencial de clientes e menor renda. Além disso o mercado de TV a cabo é fortemente caracterizado pela oligopolização, já que apenas uma empresa, a Net Serviços – cujo sócio majoritário são as Organizações Globo – detém metade dos assinantes5.
34O acesso por rádio é composto, em realidade, por três tecnologias (FWA ou rádio convencional, spread spectrum e MMDS, usada pelas companhias de TV a cabo para suas transmissões).Optou-se por sua agregação porque esses métodos individualmente não fazem diferença para o usuário final. Correspondem a 2,61% do total dos acessos. Seus padrões espaciais em números absolutos encontram-se no cartograma 10a.
[Cartogramas 10a e 10b – Acessos à internet por rádio; Percentual de acessos por rádio nos acessos totais]
35É possível perceber que, apesar do número de acessos ser consideravelmente mais baixo que o xDSL e o Cabo, o rádio é uma tecnologia significativamente difundida no interior do país, constituindo importante método alternativo de conexão nos locais de menor peso demográfico e econômico. O fato de São Paulo e Rio de Janeiro liderarem como os municípios com maior número de acessos por rádio se deve, além de seus vigorosos mercados consumidores, especificamente à tecnologia MMDS, pois são justamente esses centros urbanos que concentram o mercado de TV a cabo. Os acessos a rádio em Brasília também se encaixam especificamente neste caso.
36Nos números relativos (cartograma 10b), por sua vez, o acesso via rádio não apresenta concentrações significativas em quaisquer que sejam as proporções observadas. A falta de aglomerações específicas de predomínio desta tecnologia se deve a sua adequação às áreas isoladas, onde as companhias têm menos interesse de mercado, ou ainda aos casos em que existam entraves técnicos para o uso das tecnologias mais difundidas. O rádio preenche, dessa forma, os nichos de mercado.
37Uma outra tecnologia de acesso sem fio é a que utiliza a rede de satélites em órbita. A distribuição em números absolutos e relativos dos acessos por esse método pode ser visualizada nos cartogramas 11a e 11b.
[Cartogramas 11a e 11b – Acessos à internet por satélite; Porcentagem de acessos por satélite nos acessos totais]
- 6 Termo usado na ciência da computação significando o tempo que um bloco de dados leva para percorrer (...)
38Os acessos à internet via satélite encontram-se pulverizados por praticamente todo o país dado que, teoricamente, não há restrições geográficas para este tipo de conexão. Contudo, os valores são extremamente baixos na maior parte dos municípios, possivelmente resultado do maior custo relativo de sua assinatura, da menor confiabilidade do serviço – pode sofrer interferências dos fatores climáticos, por exemplo – e da elevada latência6 por causa do longo percurso que os sinais devem percorrer da Terra para o satélite e vice-versa, o que a torna inapropriada para aplicações em tempo real, como o uso de telefonia pela internet ou jogos de ação online (Hu & Li, 2001). É, apesar dessas questões técnicas, uma tecnologia adequada às áreas rurais e/ou de difícil acesso. Entretanto, é possível observar uma forte concentração deste tipo de acesso em algumas cidades, a saber Brasília, com mais de 72 mil acessos, seguida de Londrina (PR) com cerca de 35 mil acessos, Barueri, na área metropolitana de São Paulo, Rio de Janeiro e o próprio núcleo da metrópole paulista. Os motivos destas particularidades, entretanto, carecem de investigação específica.
39Em termos percentuais, contudo, estes locais de concentração têm participação pouco significativa (cartograma 11b). A distribuição espacial dos municípios mapeados por números relativos é praticamente inversa quando comparada a dos números absolutos – a maior proporção do uso do satélite encontra-se no Norte, enquanto que as maiores quantidades absolutas estão no Centro-Sul. Esta característica se repete ao justapor o mapeamento percentual do satélite com o do xDSL (ver cartograma 8b), parecendo ser tecnologias que se excluem mutuamente.
40O uso da conexão via satélite reflete a ausência de disponibilidade da internet via linhas telefônicas, em proporções particularmente altas na região Norte, sendo a tecnologia preferencial exatamente no Amazonas e no Pará. Também é importante em parcelas significativas do interior do país, mesmo no Sudeste, como se nota em Minas Gerais. Assim como o rádio, o satélite, apesar de suas deficiências técnicas inerentes, acaba sendo a única alternativa para um número importante de usuários.
- 7 A estatal Copel, originalmente distribuidora de energia, vem diversificando sua área de atuação ao (...)
41Uma tecnologia ainda pouco usual de acesso à internet, até mesmo devido ao seu alto custo de implantação, é a FTTH (fiber to the home), pela qual os cabos de fibra ótica são implantados na última milha, ligados diretamente aos domicílios ou empresas dos usuários finais, tal como os cabos coaxiais simples. Até o presente, seu uso ainda é marginal, compondo apenas 0,15% do total de acessos no país. Encontra-se maciçamente concentrada no Centro-sul, com destaque para São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. Neste último estado, ao contrário do restante do país, os acessos através de fibra ótica encontram-se significativamente difundidos no interior (cartograma 12a). Este fato é consistente com a atuação do operador estadual de redes de longa distância, a Copel, que investiu estendendo o seu backbone de fibras óticas para centenas de municípios no Paraná, inclusive diretamente para a última milha7. É o único estado com grande capilaridade neste tipo de rede.
[Cartogramas 12a e 12b – Acessos à internet por FTTH; Percentual de acessos por FTTH nos acessos totais]
42Observando os números relativos ao total, os acessos por FTTH se concentram quase que exclusivamente no Paraná, de maneira consistente com a distribuição dos números absolutos (cartograma 12b).
- 8 A categoria “outros” corresponde a uma miríade de formas adaptadas ao acesso, diferentes das tecnol (...)
43Por fim, no tocante aos tipos de tecnologia de conexão à internet, resta a categoria “outras” que não descreve uma tecnologia específica, mas incorpora acessos não classificados nos métodos de conexão listados pela ANATEL até o momento da presente pesquisa. Este tipo de acesso está, na realidade, em terceiro lugar na quantidade total, perfazendo 11,15%. Tem uma distribuição espacial bem semelhante a dos acessos em geral, o que indica que não é produto de qualquer tipo especial de tecnologia e não há um viés distorcendo sua classificação8. Os municípios com maior participação desta categoria localizam-se na metade oriental do país (cartograma 13), com destaque para o Nordeste, sugerindo o uso de dispositivos improvisados para a conexão com a internet em áreas com maior dificuldade de acesso.
[Cartograma 13 – Percentual de acessos da categoria “outros” nos acessos totais]
44Na base de dados da Anatel ainda constam os acessos por PLC (Power Line Communication), técnica que utiliza a rede de transmissão de energia elétrica para o transporte de pacotes de informação digital. Entretanto, sendo uma tecnologia ainda em testes, possuía apenas 15 acessos no país inteiro até a data de referência e não foi levada em conta no presente estudo.
45Os dados por tecnologia, acima visualizados, sugerem uma forte correlação do número de acessos com a presença da telefonia fixa, já que o método de conexão por xDSL é preponderante – ao que se soma os usuários de conexões discadas por modem de 56Kbps e uso de ligações telefônicas convencionais, não contabilizados na presente base de dados.
46Sendo assim, para verificar essa hipótese, procedemos nesta seção a uma análise bivariada, assumindo o total de acessos como variável endógena e a teledensidade como variável exógena. Esta última categoria diz respeito aos acessos telefônicos fixos em serviço por cem habitantes. Foi calculada através da divisão do número de linhas telefônicas pela população de cada município com mais de 24 mil habitantes (Acessos por cem habitantes, Atlas Brasileiro De Telecomunicações, 2009). O gráfico 4 expõe a correlação.
[Gráfico 4 – Correlação Acessos 2009 X Teledensidade 2008]
- 9 O coeficiente de determinação (R2) é uma medida da proporção de quanto a distribuição de uma variáv (...)
47Para melhorar a visualização da relação, procedeu-se a uma transformação logarítmica de ambos os eixos do gráfico. Utilizou-se o método de ajuste LOWESS, ou regressão ponderada localmente, que traça a linha média através de uma função que se ajusta a aspereza das observações (Waniez, s/d). O coeficiente de determinação (R2)9 possui o valor 0,77, indicando que estas duas variáveis estão fortemente relacionadas, isto é, a distribuição espacial dos acessos à internet é consistente com a das linhas de telefone.
Desta maneira, o papel das empresas de telefonia vê-se acentuado, uma vez que se apresentam como um agente condicionador do acesso para a maior parte dos usuários de varejo no Brasil.
48A observação dos resíduos desta correlação (cartograma 14b), juntamente com a repartição da teledensidade no território (cartograma 14a), mostra que, na região Norte, há um agrupamento de municípios de resíduos fortemente negativos. Os estados do Amazonas e do Pará, encontram-se muito abaixo da média, possuindo uma quantidade de acessos inferior ao que se esperaria pela sua teledensidade.
[Cartogramas 14a e 14b – Teledensidade 2008; Resíduos da correlação Acessos X Teledensidade]
49Embora haja uma concentração sensível da teledensidade no Centro-sul, principalmente no estado de São Paulo – o que não causa nenhuma surpresa – a sua desproporção em relação ao número de acessos internet na região Norte é não só um indicador de isolamento físico desta região, mas de que a internet reforça e mesmo acentua as desigualdades espaciais no país. Esteprocesso se dá mesmo em escala intrarregional, como atestam os exemplos de Rondônia e Acre, situando-se próximos à média, inclusive com municípios com resíduos fortemente positivos, de forma totalmente diferente de seus vizinhos ao norte. Como esses dois estados estão na rede urbana nacional, ao contrário do restante da região Norte, diretamente conectados ao Centro-Sul, com suas capitais subordinadas à Brasília (IBGE, 2008), a intensidade de seus vínculos com a core area do país faz com que haja toda uma infraestrutura de transporte e comunicação instalada em quantidade e qualidade superiores ao restante da região, ao que se adiciona todo um fluxo de pessoas, mercadorias e informações direcionados às regiões de maior concentração das atividades econômicas. Isso vem mostrar que a distribuição espacial dos acessos mais segue a geografia econômica do país do que impõe novos padrões.
50Dessa maneira, os acessos à internet na maior parte do Amazonas e do Pará é realizado em grande medida através de outra tecnologias além do telefone, na realidade praticamente excluindo-o, com exceção das capitais – quer por motivos de custo, quer por impossibilidades técnicas. Mesmo em Manaus, onde o xDSL está disponível em grande quantidade, ele é ultrapassado pelo cabo como tecnologia preferencial. No restante destes dois estados, capitais excluídas, o uso das conexões via satélite é mais usual, como já visto anteriormente. Esta situação reflete o fato de as companhias telefônicas não terem interesse em investir na disponibilidade de conexão para a internet nesses estados, em virtude da baixa demanda solvável e do comparativamente pequeno número de clientes.
51Na maioria dos municípios no Brasil o número de acessos está próximo do valor estimado pela reta da regressão, novamente ratificando o peso da telefonia fixa no acesso à internet.
52Dadas as fortes desigualdades espaciais dos acessos à internet, com concentrações pesadas em alguns poucos municípios, cujo exemplo mais extremo é São Paulo, buscamos modelar o nível de acesso, tentando identificar seus principais determinantes. Como visto na análise univariada, o número de acessos é fortemente correlacionado com o tamanho do lugar, qualquer que seja a medida utilizada. O PIB indica a dimensão econômica dos municípios, é altamente correlacionado ao tamanho populacional, e é um dado mais recente do que o da população. Além disso, investigamos o efeito da localização, considerando as evidências de sua forte influência na penetração da Internet.
53Uma vez que a distribuição espacial varia irregularmente, é necessário um modelo que descreva um padrão não-linear. Para isso, foi ajustado um modelo aditivo generalizado (GAM), auxiliando a investigação dos fatores que influenciam a intensidade da conexão à Internet segundo os municípios. Os modelos aditivos generalizados estendem os modelos lineares generalizados pela incorporação de métodos não paramétricos, que são aqueles em que a função que determina a curva de distribuição dos dados não segue um parâmetro fixo, como a média, por exemplo. Assim, permitem tratar efeitos não lineares de covariáveis contínuas, com os próprios dados estabelecendo a forma de sua distribuição, no lugar de um parâmetro predeterminado. Buscamos modelar a parcela de variação do fenômeno que apresenta dependência ligada à distribuição espacial. Os efeitos do espaço podem ser modelados através da interpolação de uma superfície, utilizando uma função polinomial denominada spline (Hastie & Tibshirani, 1993).
- 10 O R é uma linguagem e uma plataforma para estatística computacional, de fonte aberta, disponível em (...)
54Foram ajustados dois modelos, utilizando o programa R10. No primeiro, a única covariável investigada foi o PIB. No segundo modelo,além desta, foi introduzida a posição da sede municipal (suas coordenadas geográficas), que serviu de base para ajustar uma superfície de tendência de acordo com a quantidade de acessos. Os pontos de alto valor correspondem a “picos”, enquanto as áreas com poucos acessos constituem “vales” ou “depressões”. No segundo modelo, portanto, o valor atribuído aos municípios pelo volume do PIB é ajustado pela localização de cada município, que impõe aumento ou redução do efeito estimado pelo volume do PIB.
55Além destes, foram investigados possíveis efeitos de indicadores de condições socioeconômicas, como renda média, ou nível de educação da população, mas as desigualdades internas dos municípios impedem a manifestação de tais efeitos no nível agregado.
- 11 Teste estatístico de erro de uma amostra.
56As estimativas dos parâmetros dos modelos, sendo o segundo controlado pela localização do município, estão apresentadas na tabela 3. As estimativas da componente não-paramétrica do segundo modelo, controladas pelo PIB, estão apresentadas no cartograma 15. A variação espacial é significativa, com p-valor11 inferior a 0,0001. Os resultados apresentados indicam que o aumento de uma unidade do PIB, na média, aumenta de 1,55 o número de acessos no município, sendo esse valor reduzido para 1,44 quando se adiciona o efeito de localização, ao passo que a introdução deste fator aumenta em 10% a capacidade de explicação do modelo.
Tabela 3 – Estimativa do efeito do PIB no acesso à internet, Brasil, 2009
Variáveis
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Modelo 1
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Modelo 2
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Intercepto
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- 13,445*
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-12, 166*
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PIB 2006 (log)
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1,533
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1,438*
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R2 ajustado
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0,712
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0,811
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Desvio explicado
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71,2%
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81,1%
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* p < 0,0001
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[Cartograma 15 – Efeito espacial]
57No que se refere ao padrão espacial encontrado, há um reforço da tese segundo a qual as estruturas da internet replicam às da economia em suas macro feições. Existe uma clivagem separando os efeitos positivos, no Centro-sul, dos negativos, no Nordeste e, sobretudo, no Norte. Há um foco de alto valor, irradiado a partir do Paraná, que é consistente com os dados analisados até então, fortalecendo o papel das instituições regionais na promoção de seus territórios quanto à disseminação do acesso à internet e implantação de infraestrutura.
58É possível notar, com a execução deste modelo, que os valores extremos são atenuados, vide os exemplos de São Paulo e das capitais nordestinas. No primeiro caso, o PIB já fornece uma boa estimativa da quantidade de acessos, sendo o ajuste pelo modelo pouco necessário. Já Salvador, Recife, Fortaleza e outras capitais encontram-se isoladas em termos de renda e número de acessos em seus estados. A concentração de riquezas e o caráter periférico desta região fazem com que o modelo ajuste para baixo o valor destes municípios. Fazendo um exercício hipotético: se estas fossem cidades paulistas, o valor estimado pelo PIB seria correto, semelhante a seu entorno. Porém, a desigualdade sócio-espacial faz com que o mesmo valor do PIB, que em outra área economicamente mais pujante e mais equilibrada em termos de distribuição de renda geraria um maior número de acessos, lá necessite ser “corrigido”, resultando em valores menores.
59Tendo em vista os traços gerais da distribuição do consumo da internet no Brasil, o quadro dos acessos tende a reproduzir a hierarquia urbana como um todo, concentrando-se na região Centro-sul, com peso também significativo nas capitais do Nordeste. São as metrópoles e algumas capitais que, possuindo as maiores larguras de banda em utilização, confirmam o caráter marcadamente urbano da rede. Essa característica da internet leva a crer, à primeira vista, que a densidade demográfica é um fator considerável de explicação, uma vez que quantidade de acessos parece ser proporcional à de habitantes nas cidades.
60Quando se desce em detalhes e se qualifica o tipo de acesso, contudo, emergem importantes nuances mostrando que certas porções do território estão mais habilitadas para usufruir plenamente da rede do que outros. Para tanto, ganham destaque a atuação dos agentes regionais realizando investimentos, claro no caso do Paraná.
61Embora hajam importantes diferenças em relação à rede urbana preexistente, a geografia dos acessos não chega a subvertê-la, como mostra a comparação desse dado com a teledensidade na região Norte: alguns estados estão excluídos do uso da telefonia para a conexão com a internet enquanto que, aqueles diretamente ligados pela rede urbana à regiões core do país têm uma situação melhor (nomeadamente Acre e Rondônia).
62As localidades sem acesso, ou com um número muito baixo, ilustram as áreas onde a oferta desse serviço é limitado, quer pela falta de interesse das empresas, principalmente ligadas no ramo da telefonia fixa, em investir em mercados consumidores muito pequenos, quer pela baixa demanda solvável da população – ou ambas as coisas.
63Nesse sentido, o crescimento econômico da última década e a tendência à queda de preços dos equipamentos de informática contribuíram para uma significativa melhora deste quadro, com um crescimento vigoroso no número de domicílios com conexão à internet, mais do que dobrando no período 2003-2009. Mesmo assim, é possível notar a persistência das desigualdades sociais também nos acessos à internet. Não só as regiões mais pobres e longínquas têm maior dificuldade de conectar-se, mas também há áreas de sombra justapostas e adjacentes àquelas mais conectadas.
64Além das tendências gerais aqui observadas, a aplicação do modelo aditivo generalizado mostra que, regionalmente, há influências específicas alterando para cima o nível de acesso à internet, patente no caso do Paraná. Lançamos como hipótese o fato de o agronegócio, atividade altamente tecnificada e competitiva, sofrendo gargalos logísticos e com uma forte demanda por conectividade devido à complexidade de sua cadeia produtiva, ser responsável por essa alta relativa no uso da internet naquela região. Entretanto, esta atividade por si só, não parece conseguir potencializar a expansão da internet, uma vez que é ativa em outras áreas que não apresentam um acesso facilitado. É somente através da atuação de uma política estatal ativa que tal expansão se dá. O binômio Estado e Mercado atua, com o governo estadual paranaense realizando os investimentos em infraestrutura demandados pelas empresas lá localizadas, através de sua empresa estatal de telecomunicações – a Copel – de forma a se fortalecerem mutuamente. Isto redunda em uma quantidade de acessos acima do que se esperaria pelos PIBs municipais, além de velocidades de navegação mais altas. Esta hipótese, entretanto, deve ser verificada futuramente através de uma investigação própria e verticalizada na região.
65Cremos haver contribuído para confirmar a afirmação de Zook (2001b) de que, apesar da promessa de conexões ubíquas, a internet é uma rede mais seletiva do que se quer crer, tendo um forte paralelo com o espaço geográfico e com o desenvolvimento econômico. A internet, no lugar de destruir a geografia, está conectando seletivamente alguns lugares e pessoas de maneira bem ativa ao mesmo tempo em que ignora e contorna outros.