1No início do século XXI, o município de São Paulo contava com cerca de 11 milhões de habitantes. Trata-se de uma das cidades mais populosas e extensas do planeta, com aproximadamente 39 Km no sentido leste-oeste e 65 Km no sentido norte-sul e, que, abriga contradições marcantes. Convivem em seu território condomínios de alto padrão, concentração de serviços e atividades produtivas de ponta com bairros degradados e carentes de todo tipo de infra-estrutura.
2A produção do espaço urbano em São Paulo obedeceu à lógica da reprodução do capital que teve no processo de industrialização um momento importante. Com a saída das indústrias do município, em especial pelo encarecimento do preço do solo urbano, áreas antes destinadas ao uso industrial, que possuem potencial de contaminação, passaram a ser ocupadas por edifícios residenciais e de serviços. Dessa dinâmica surgem o que denominamos áreas de risco, resultado das intervenções e atividades humanas no meio, que podem gerar graves conseqüências socioambientais. Mas as áreas de riscos não estão relacionadas somente ao uso industrial; atividades correlacionadas à indústria como o descarte irregular de resíduos, armazenagem de combustíveis e matérias primas, postos de abastecimento de combustíveis, dentre outros, podem causar riscos aos ecossistemas e a população. Esta situação é preocupante porque a sociedade desconhece os problemas que estas áreas podem representar e, por outro lado, o poder público não está preparado para executar com eficácia a gestão desta problemática ambiental.
- 1 “Área potencialmente contaminada: área onde estão sendo desenvolvidas ou onde foram desenvolvidas a (...)
3Este trabalho, que se divide em três principais partes, irá dar atenção especial às áreas de riscos provenientes do uso industrial, classificadas como “áreas com potencial de contaminação”, devido à grande concentração desta atividade no município de São Paulo, e, pelo fato do poder público local ter iniciado a gestão das áreas contaminadas com criação de legislação específica em 2002, o que em nosso entender resultará em um aumento significativo deste passivo ambiental oriundo do uso industrial1.
4Dois aspectos importantes permearam a intensa urbanização de São Paulo: o adensamento até a década de 1970, por meio da chamada horizontalização, com surgimento dos bairros periféricos; e, a partir de 1964, com um novo processo, a verticalização, que provocou mudanças significativas na fisionomia e fisiologia da cidade (Souza, 2004). Este fenômeno, acompanhado de um extraordinário crescimento populacional, esteve atrelado à expansão da indústria, principalmente entre os períodos da crise econômica mundial de 1929 e da Segunda Grande Guerra (1939 – 1945).
5A partir da década de 1950 a urbanização se intensifica com a criação e ampliação de vários pólos industriais, em especial na região Sudeste do país, cujo expoente maior foi o município de São Paulo e seu entorno, contribuindo assim para a formação da região metropolitana. A expansão da área urbana no município, que atualmente ultrapassa seus limites administrativos, acompanhou as vias de comunicação e escoamento de produtos - as ferrovias e rodovias. Segundo (Francisconi, 2004, p. 122):
No sudeste brasileiro a metrópole paulista, formada desde os anos 1950, concentra-se e expande-se. Nos anos 1970, expande-se principalmente baseada na expansão da industrialização, por meio do processo de desconcentração geográfica industrial, processo esse incentivado por políticas e estímulo à localização industrial, em novas ou antigas cidades industriais, localizadas ao longo das vias de circulação, num raio de 150 Km da capital. A desigualdade no espaço toma as suas formas.
6Na década de 1980, inicia-se na metrópole uma tendência já presente nos países industrializados: o deslocamento das indústrias das áreas centrais, movimento que sinaliza a passagem do capital produtivo para o capital financeiro.
Porém, há que se colocar que a atividade industrial continua sendo um setor importante em São Paulo e na região metropolitana como um todo. O que ocorre na metrópole é um processo de modernização do setor produtivo (Carlos, 2004).
7A desconcentração industrial, de um lado, e a concentração financeira, de outro, apesar de constituírem-se realidades complexas, adquirem sentido no processo de globalização da economia e, conseqüentemente, nas transformações e adaptações do setor produtivo. Este fenômeno produz várias conseqüências de ordem socioeconômica e irá influenciar a gestão da cidade pelo poder público, pois os lugares devem ser “preparados” para recepcionar as novas funcionalidades do setor econômico, num sistema articulado de comunicação e informação que transcende as fronteiras dos Estados.
8No entanto, a desconcentração industrial ou o deslocamento da indústria, observada na cidade de São Paulo, tem trazido à tona uma questão pouco conhecida: a contaminação do solo e das águas subterrâneas. As áreas contaminadas interferem diretamente na dinâmica do setor da construção civil e do mercado imobiliário e, portanto, na lógica maior de produção do espaço na cidade, pois a maior parte dos terrenos e glebas agora disponíveis está inserida em antigas áreas industriais. Em outras palavras, as áreas “criadas” pelo deslocamento das indústrias possuem potencial de contaminação; representam risco à saúde, aos ecossistemas, mas constituem a “matéria-prima”, escassa, para a construção civil na metrópole e seu processo de reconstrução permanente.
- 2 Readaptação de Sepe, P. M.; Silva, F. A. N. Revitalização de áreas contaminadas no município de São (...)
Gráfico 1. Número de áreas industriais que receberam novos usos no município de São Paulo (1996 a 2004)2
9O gráfico 1, elaborado a partir da análise de dados provenientes do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU, no período de 1996 a 2004, ilustra esta realidade.
10Em apenas oito anos um total de 2.070 imóveis industriais passaram a abrigar novos usos e, apesar da maioria, cerca de 1.350, ter sido convertido em armazéns e estabelecimentos comerciais, um número significativo foi transformado em residências e escolas. Destacam-se também 180 terrenos sem uso, onde provavelmente as antigas indústrias foram desativadas. Nestes casos pode ocorrer a demolição das edificações; retirada dos resíduos gerados, dos equipamentos e das máquinas anteriormente utilizadas, eliminando assim, indícios do uso industrial anterior e de uma possível contaminação. Esta prática normalmente é utilizada quando o responsável pela contaminação não quer se responsabilizar e arcar com os custos pelas investigações ambientais e pela recuperação, que em alguns casos ultrapassam o valor do imóvel. Muitos terrenos no município de São Paulo são comercializados sem que o comprador saiba da existência do passivo ambiental.
11Da mesma forma, (Silva, 2002) demonstrou que de 309 imóveis industriais de grande porte (área maior que 2.500 m2) localizados ao longo dos eixos ferroviários da cidade de São Paulo, somente 142 mantinham os usos originais. Do restante, 43 terrenos apresentavam atividade industrial desativada, 16 estavam disponíveis para venda ou locação, 42 funcionavam com outra atividade industrial e em 66, isto é 21,3% do total, já comportavam novo uso.
- 3 Operação urbana é definida segundo a Lei Federal nº 10.257/01 como “(...) o conjunto de intervençõe (...)
- 4 A metodologia para o gerenciamento de áreas contaminadas encontra-se no Manual de Gerenciamento de (...)
12Estudo efetuado pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente – SVMA, em 2005, num trecho da Operação Urbana3 denominada Diagonal Sul, entre as estações da Moóca e Ipiranga, utilizando a metodologia para identificação de áreas contaminadas, que consta do Manual de Gerenciamento de Áreas Contaminadas, demonstrou que, num total de 129 imóveis com potencial de contaminação, 53 mantinham a produção industrial ativa, em 51 as indústrias haviam sido desativadas, 23 estavam sendo subutilizados e, em 2 imóveis, foi verificado o lançamento de empreendimentos imobiliários residenciais4.
13A problemática aqui tratada é reconhecida por (Valentim, 2007, p. 38) em seu estudo sobre requalificação urbana e áreas degradadas por contaminação:
(...) o processo de reestruturação produtiva e seu movimento de desconcentração das atividades, legou à cidade de São Paulo e municípios vizinhos a herança de um passivo ambiental resultante de mais de um século de crescimento industrial intenso e variado, cuja efetiva regulação ambiental e sanitária por parte do poder público somente nestas últimas duas décadas se fez sentir com alguma consistência.
Foto 1. Área contaminada sob investigação
Antiga montadora de automóveis desativada na região da Mooca – SP
Fonte: SVMA (Nov./2005)
14As fotos 1 e 2 ilustram de forma distinta a situação aqui abordada. A foto 1 corresponde à edificação de uma antiga montadora de automóveis desativada, onde o processo de investigação ambiental está em curso com o objetivo de viabilizar a utilização futura do terreno para implantação de um Shopping Center. Já a foto 2 retrata os escombros de uma antiga metalúrgica, utilizada para reciclagem de resíduos pela população carente, evidenciando uma situação de risco.
Foto 2. Área com suspeita de contaminação
Antiga indústria metalúrgica na região da Mooca – SP
Fonte: SVMA (Nov./2005)
- 5 Beck, U. La Sociedad del riesgo – Hacia uma nueva modernidad, Barcelona: Paidós, 1986, foi o introd (...)
15A contaminação de uma área urbana está invariavelmente relacionada ao processo produtivo industrial, ao armazenamento de matérias-primas ou à disposição inadequada de resíduos. A contaminação proveniente do processo industrial representa risco à saúde da população e aos ecossistemas5; constitui o que (García-Tornel, 2001) e (Veyret, 2007) denominaram de risco tecnológico difuso, pois, apesar de não causarem acidentes de grandes repercussões, seus efeitos podem ser graves, imprevisíveis e de longa duração.
16Para (Sánchez, 2001, p. 85) a presença de solo ou água contaminados:
(...) ocasiona riscos a saúde das pessoas e dos ecossistemas cujas conseqüências são em geral, cumulativas e só se manifestam no futuro e não de forma espetacular, como explosões e incêndios, mas por meio do aumento da incidência de doenças ou da concentração de substâncias tóxicas no meio.
17A existência do risco pressupõe a exposição passiva de pessoas ou ecossistemas a uma determinada substância ou grupo de substâncias tóxicas. A percepção do risco está condicionada ao conhecimento que o grupo social possui sobre o fenômeno gerador do risco e a capacidade de resistência encontra-se no grau de preparação do grupo social para enfrentamento da situação adversa, o que irá refletir na existência ou não de políticas públicas direcionadas para gestão do problema (García-Tornel, 2001).
18No município de São Paulo muitos terrenos contaminados, localizados em áreas valorizadas ou mesmo na periferia da cidade, recebem novos usos sem a realização dos estudos ambientais necessários. Segundo dados da Companhia Ambiental de São Paulo Cetesb , em 2010 foram constatadas 1.190 áreas contaminadas neste município, oriundas de atividades diversas como comercialização de combustível, descarte irregular de resíduos, processo industrial, armazenamento de matérias primas, e até mesmo oriundas do uso comercial. O número de áreas contaminadas é bastante significativo; chega a quase um terço do que foi registrado para todo o Estado de São Paulo, isto é, 3.675 áreas contaminadas.
Gráfico 2. Áreas contaminadas e estágios de remediação no estado de São Paulo (2002-2007)
19O gráfico 2 demonstra o aumento do número de áreas contaminadas no período de 2002 a 2007 no estado de São Paulo, que passou de 255 para 2272, um crescimento de 791% em 5 anos. Verifica-se que mais de 50% destas áreas continuam sem nenhuma proposta de remediação; aproximadamente 39% encontram-se em processo de remediação e em apenas 4% a remediação foi concluída6.
Gráfico 3. Distribuição de 743 áreas contaminadas por atividade no município São Paulo ( 2007)
20De acordo com o gráfico 3, a maior parcela das áreas contaminadas advém dos postos de abastecimento de combustíveis (621; 83,6%), seguida da indústria (66; 8,9%), comercial (32; 4,3%), resíduos (22; 3,0%) e acidentes/desconhecidos (2; 0,3%)7.
21O número maior de áreas contaminadas originadas pela atividade relacionada aos postos de combustíveis é explicado porque, a partir de 2003, a Cetesb, em atendimento a Resolução CONAMA n° 273 de 2000 tornou obrigatório o licenciamento ambiental para a instalação de postos de combustíveis e atividades similares. Ao mesmo tempo condicionou a liberação da Licença Ambiental, para os antigos postos de combustíveis em funcionamento, à execução da adequação da atividade, com apresentação do resultado dos estudos ambientais referente ao passivo ambiental. Conforme foi possível observa no gráfico nº 3, esta medida redundou na confirmação de várias áreas contaminadas por esta atividade.
22No município de São Paulo foram contabilizados, em 2002, 3.056 postos de combustíveis. Todavia, em 2005, haviam sido cadastradas pela Cetesb, 36.000 áreas com potencial de contaminação, oriundas da indústria8.
23Segundo a legislação ambiental municipal os estudos ambientais nestas antigas áreas industriais, com potencial de contaminação, só serão efetuados à medida que houver solicitação junto ao município, de algum alvará ou licença para um novo uso. A partir destes estudos, com análises laboratoriais de solo e de água subterrânea, dentre outros, é que a contaminação poderá se confirmada, ou não. Estes estudos também poderão ser solicitados pela Cetesb, na renovação da Licença Ambiental de indústrias em funcionamento.
24Assim, considerando que o poder público local iniciou a gestão de áreas contaminadas, condicionando a reutilização de antigas áreas industriais à prévia realização dos estudos ambientais em 2002, entendemos que a tendência é ocorrer um aumento importante de casos de contaminação em função da atividade industrial.
25As áreas com potencial de contaminação são compostas basicamente pelos terrenos ou glebas destinadas ao uso industrial, definidos pela antiga Lei de Zoneamento do Município de São Paulo, de 1972 e, posteriormente, pela Lei Estadual nº 1817, de 1978. Apesar de terem sido elaboradas em períodos distintos, estas Leis não divergiam quanto às áreas destinadas ao uso industrial. Porém com o novo Zoneamento Municipal de 2004, expresso na Lei 13.885/2004, muitas das antigas áreas destinadas ao uso industrial foram transformadas em zonas de uso misto, zonas de centralidade polar, dentre outros usos.
26O mapa 1 demonstra a grande concentração das atividades industriais, com potencial de contaminação, nas regiões centrais de São Paulo, em especial nos distritos da Lapa, Vila Leopoldina, Freguesia do Ó, Casa Verde, Limão, Barra Funda e Vila Maria, abrangendo as regiões oeste, noroeste e nordeste da mancha urbana do município. Já na região Sudeste destaca-se os distritos de Tatuapé, Belém, Mooca, Água Rasa e Vila Prudente; e nas regiões Centro-Sul e Sul do município, os distritos do Ipiranga, Jabaquara, Santo Amaro, Campo Grande e Socorro.
27As áreas com atividades industriais plotadas no mapa correspondem àquelas que por suas próprias características, possuem potencial para causar contaminação, isto é, indústrias químicas, metalúrgicas, têxteis, dentre outras.
- 9 O mapa foi organizado a partir dos dados do cadastro denominado “Sistema de Fontes de Poluição (SIP (...)
Mapa 1. Concentração de Áreas Industriais com Potencial de Contaminação por Distrito no Município de São Paulo (2008)9
28O mapa 1 demonstra a distribuição e concentração das indústrias no território do Município de São Paulo e, ao mesmo tempo, expõe a problemática ligada às áreas classificadas com potencial de contaminação. Tais áreas representam riscos à população e devem ser priorizadas na gestão do poder público local, no momento em que ocorre a solicitação de mudança do uso industrial para outros mais sensíveis, de forma que se assegure a realização dos estudos ambientais e das medidas mitigadoras pertinentes.
29A recuperação e remediação de áreas contaminadas nos antigos imóveis que abrigaram o uso industrial, voltadas para a construção de moradias para a população de menor poder aquisitivo, além de eliminar o risco à população, poderá contribuir para frear a expansão da mancha urbana em direção as áreas periféricas da cidade (mananciais) e os impactos ambientais daí provenientes.
30O crescimento populacional do município de São Paulo têm se mantido estável nas últimas décadas, totalizando 11.253.503 de habitantes, em 2010, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
31Apesar desta estabilidade observa-se uma dinâmica interna interessante. No período de 1980/1991 e 1991/2000, algumas áreas chegaram a apresentar taxa de crescimento populacional negativo como os distritos do Carrão (-1,15; -1,22), Ipiranga (-1,33; -0,30), Barra Funda (-1,02; -2,29), Lapa (-1,57; -1,71), dentre outros. Todavia, algumas regiões com áreas de proteção ambiental, por abrigaram mananciais, apresentaram taxa de crescimento de suas populações; como foram os casos dos distritos de Grajaú (4,67; 6,22), Cidade Dutra (2,92; 1,40), Brasilândia (1,76; 2,30), Parelheiros (5,24; 7,07), Anhanguera (7,95; 13,38). Já, entre 2000/2010 verifica-se a continuidade do crescimento populacional em algumas áreas de mananciais, como por exemplo, nos distritos de Parelheiros (2,46); Anhanguera (5,54), Perus (1,27). No entanto, por outro lado, regiões que mantinham um crescimento muito baixo ou negativo na década anterior, atualmente, demonstram crescimento positivo. Aqui podemos citar o caso da Barra Funda (1,04); Lapa (0,89) e Ipiranga (0,78)10.
32O aumento da população verificado nestas regiões, que até então pareciam estar estagnadas, pode ser explicado, em parte, pela reutilização de antigas áreas industriais para construção de edificações com usos mais nobres, como moradias e serviços. Soma-se a isto, a melhora na economia nacional, e os programas do governo federal, com incentivos à indústria da construção civil.
33A maior oferta de moradias nas regiões centrais da cidade, processo que como vimos já se iniciou, poderá minimizar os gastos públicos com a implantação de infra-estrutura básica; porém, por outro lado poderá sobrecarregar alguns serviços como é o caso do transporte público.
34O município de São Paulo passou a integrar o Sistema Nacional do Meio Ambiente – Sisnama em 1993, com a criação da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente – SVMA por meio da Lei 11.426/93. No entanto sua atuação na gestão de áreas contaminadas só iniciou, a partir de 2002.
35No final da década de 1990, houve algumas ações da SVMA em um caso que envolveu um loteamento irregular na zona leste do município, terreno ocupado anteriormente por uma indústria de cerâmica. No local foi encontrado um produto conhecido popularmente como BHC (organoclorado), substância tóxica utilizada como agrotóxico.
36A mobilização do poder público, em particular dos órgãos ambientais (municipal e estadual), para atuar neste caso encontra similaridade nas posturas reativas frente a um problema até então pouco conhecido, conforme explica (Sánchez 2001, p. 124):
As posturas reativas se caracterizam por uma atuação desarticulada e uma resposta caso a caso. Não há rotina a seguir nem providências regulares a tomar, mas um problema novo que requer soluções não-convencionais. As autoridades não têm experiência prévia, não existe procedimento administrativo nem formulários a preencher.
37Após muita controvérsia, a substância tóxica, juntamente com o solo contaminado foram encaminhados ao aterro São João. Este aterro não foi licenciado para receber este tipo de resíduo, muito embora o BHC e o solo contaminados permaneçam ali até hoje.
Foto 3. Remoção das substâncias químicas no Jardim Keralux
Cava originada pela retirada do BHC no Jardim Keralux
Fonte: SVMA/DECONT (Nov.97)
38A foto 3 demonstra as escavações para retirada da substância química BHC (Hexaclorociclohexano) no bairro denominado Jardim keralux. Já na foto 4 podemos observar uma vala sendo preparada, com impermeabilização do solo, para depósito dos resíduos contaminados.
Foto 4. Remoção das substâncias químicas no Jardim Keralux
Área sendo preparada para o depósito do BHC no aterro São João
Fonte: SVMA/DECONT (Nov.97)
39O reconhecimento do problema pelo município de São Paulo inicia-se somente em 2002, aproximadamente 5 anos após o caso do Jardim Keralux, com a promulgação do Decreto Municipal 42.319/2002, que condicionou o parcelamento, uso e ocupação do solo em áreas contaminadas ou suspeitas de contaminação à realização prévia de estudos ambientais no imóvel. Considerado também uma conquista, este Decreto prevê a participação da população, eventualmente exposta aos riscos, no processo de definição das medidas a serem tomadas para recuperação e reutilização dessas áreas.
40Ainda em 2002, foi aprovado o Plano Diretor Estratégico do Município, Lei 13.430/02. A preocupação com a questão encontra-se nos 190 e 253, onde as áreas contaminadas ou suspeitas de contaminação são consideradas de interesse ambiental, e, só poderão ser reutilizadas após os estudos ambientais específicos.
41A Lei Municipal nº 13.564/2003, da mesma forma que o Decreto nº 42.319/2002, também condicionou a aprovação de parcelamento do solo, edificação ou instalação de equipamentos em terrenos contaminados ou suspeitos de contaminação à realização de estudos ambientais e apresentação de laudo técnico que comprove a existência de condições ambientais aceitáveis para o uso pretendido. No entanto, esta lei inova no sentido de permitir a atuação do poder público nas áreas classificadas com potencial de contaminação.
42De acordo com esta legislação, os órgãos responsáveis pelo controle do uso e ocupação do solo do município, Secretaria Municipal da Habitação e Subprefeituras, devem aguardar a manifestação dos órgãos ambientais, municipal e estadual, para concessão dos alvarás solicitados pelos empreendedores ou demais interessados.
43Seguindo esta tendência, a Lei Municipal nº 13.885/2004, que instituiu os Planos Diretores Regionais e trouxe as diretrizes para o ordenamento do uso e ocupação do solo, especificou no artigo nº 201 que as áreas contaminadas ou suspeitas de contaminação só poderão ser utilizadas após investigação e análise de risco específico.
44Além da legislação, foi instituído mediante a Portaria 97/SVMA-G/2002 o Grupo Técnico Permanente de Áreas Contaminadas – GTAC, com profissionais de diversas áreas do conhecimento para tratar da questão.
45No que diz respeito aos procedimentos técnicos, adotou-se uma metodologia utilizada internacionalmente, que foi desenvolvida e vêm sendo aperfeiçoada pelos países que participaram da primeira Revolução Industrial na Europa e, posteriormente, pelos Estados Unidos, que convivem com a problemática há algumas décadas.
46A introdução no Brasil ocorreu por meio de uma parceria entre o governo alemão e a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, representado pela Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit – GIZ, e pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo - Cetesb. O Manual de Gerenciamento de Áreas Contaminadas, elaborado no âmbito desta cooperação, apresenta essa metodologia e passou a ser referência em todo o Brasil.
47As atividades ligadas à realização de estudos ambientais, bem como, a remediação, recuperação e monitoramento de uma determinada área fazem parte de um processo denominado “gerenciamento de área contaminada”. O gerenciamento de área contaminada prevê a execução de etapas diferenciadas de estudos ambientais e, após a conclusão de cada etapa, a área recebe uma determinada classificação. As investigações iniciam-se e têm continuidade até que a contaminação seja descartada ou, caso constatado o passivo ambiental, até que se tenham informações suficientes sobre o grau de concentração das substâncias tóxicas presentes no meio, bem como a sua abrangência. Esta sistemática poderá orientar posteriormente a recuperação do local.
48Constatados indícios de contaminação, como tanques de combustíveis com vazamentos, manchas de óleo no piso, substâncias químicas armazenadas de forma inadequada, descarte irregular de resíduos, a área passa a ser considerada com Suspeita de Contaminação. Nesta etapa é efetuada a investigação confirmatória, considerando todas as informações obtidas na avaliação preliminar, em particular a planta da antiga indústria com localização dos equipamentos, máquinas, caldeiras, tubulações, depósito de matérias-primas, resíduos, etc. Esta informação é de suma importância, pois orientará os locais mais adequados no interior do imóvel para se efetuar a coleta das amostras de solo e de água subterrânea, que serão encaminhadas para análise laboratorial.
- 11 Os valores orientadores são concentrações de substâncias químicas que fornecem orientação sobre a c (...)
49Uma área é classificada como contaminada, quando os resultados das concentrações das substâncias químicas obtidas, no solo ou água subterrânea, se apresentarem superiores aos valores orientadores utilizados11. Verificada a contaminação, o próximo passo é a realização da investigação detalhada com avaliação de risco e posterior definição das medidas de recuperação.
- 12 A avaliação ambiental deve ser solicitada para “Qualquer forma de parcelamento, uso e ocupação do s (...)
50Nas ocasiões em que os órgãos ambientais, tanto municipal como estadual, solicitam a avaliação ambiental de uma determinada área, este procedimento torna-se obrigatório e deve ser executado pelo proprietário e/ou responsável, sob pena de aplicação das sanções ambientais administrativas12.
- 13 Todos os procedimentos adotados pelo município na gestão de áreas contaminadas foram elaborados pel (...)
51A atuação do poder municipal tem se dado em áreas onde já houve constatação da contaminação, mas sua grande demanda decorre das áreas com potencial de contaminação, para as quais é solicitada alguma mudança de uso do solo e demais intervenções. Este processo envolve diretamente a Secretaria Municipal da Habitação, as Subprefeituras e a Secretaria do Verde e o Meio Ambiente13.
52As ações do município têm ocorrido também em áreas públicas e em imóveis selecionados para implantação de equipamentos públicos, isto é, em aterros municipais desativados, antigas usinas de compostagem, incineradores desativados, além de terrenos, que receberam descarte irregular de resíduos. Contribuiu para que o poder público local reconhecesse como de sua responsabilidade a recuperação destas áreas, a atuação do Ministério Público e a efetiva participação da população envolvida; como foi o caso do antigo aterro Jacuí e da usina de compostagem Vila Leopoldina.
53Geralmente, o início do processo para a gestão de áreas contaminadas no município ocorre nos órgãos municipais de aprovação, ou seja, na Sehab ou nas Subprefeituras, quando é requerido, pelo empreendedor ou proprietário, algum tipo de intervenção em área classificada com potencial de contaminação, suspeita de contaminação ou mesmo contaminada. Estas intervenções podem variar desde reformas em edificações já existentes, até mudanças do tipo de uso com construções de edificações novas.
54Na SVMA, o Departamento de Controle da Qualidade Ambiental - Decont, através do Grupo Técnico Permanente de Áreas Contaminadas é o responsável pela solicitação e análise dos estudos ambientais.
55Com o objetivo de aperfeiçoar a integração entre a SVMA e os órgãos de aprovação no controle da reutilização de áreas degradadas por contaminação, em 2005, foi iniciada a inclusão de informações sobre o tema no Sistema Municipal de Informação Integrado, sistematizado no Boletim de Dados Técnicos - BDT, documento que contém uma série de informações sobre os imóveis, utilizado por estes órgãos na aprovação de alvarás e autorizações.
56Até o primeiro semestre de 2007, os imóveis analisados pela SVMA, nos quais foi constatado passivo ambiental, eram encaminhados à Cetesb para continuidade dos estudos ambientais. Entretanto, em função da gradativa capacitação do corpo técnico, os imóveis que se enquadram na legislação municipal passaram a ser acompanhados integralmente pela SVMA.
57O tempo necessário para a realização da avaliação ambiental e posterior análise de SVMA tem causado alguns conflitos com os setores da construção civil e do mercado imobiliário. Para esse segmento, a avaliação e análise ambiental devem ocorrer de forma rápida, como exige a reprodução do capital no território da cidade de São Paulo; questão tratada muito bem por Carlos (2004). Porém, cabe ao poder público municipal zelar pela qualidade de vida da população e conter os ímpetos destes setores, que podem se tornar agentes importantes do processo de recuperação das áreas contaminadas.
58O município de São Paulo é pioneiro na gestão das áreas de risco provenientes da contaminação dos solos e da água subterrânea no Brasil, uma vez que, além de constituir um arcabouço legal específico para tratar desta problemática a partir de 2002, também criou um corpo técnico especializado para tratar desta questão. Entre os procedimentos de aprovação de empreendimentos que causam interferência no uso e ocupação do solo está a exigência de se efetuarem estudos ambientais necessários em imóveis que representam risco à população e ao ambiente. Muito já foi feito, num curto espaço de tempo, mas é preciso avançar, em especial no que diz respeito às áreas classificadas com potencial de contaminação, que devem ser monitoradas e controladas, o que requer, além da gestão integrada com outros níveis de governo, a participação da sociedade no processo decisório, que até o momento passa ao largo da questão, salvo algumas exceções.
59A degradação de áreas pela contaminação dos solos e das águas subterrâneas é um legado da industrialização. Resultado da ineficácia da política pública ambiental brasileira, pela inexistência de legislação voltada para o controle da atividade industrial, o que, só ocorre no final da década de 1970 com a promulgação da Lei 997/76 e do Decreto regulamentador 8.468 do mesmo ano. Acrescenta-se ainda que o licenciamento ambiental das atividades com potencial de contaminação inicia-se somente mais tarde, com a Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA (Lei 6.938/81) e com as Resoluções Conselho Nacional do Meio Ambiente - Conama nº 001/86 e nº 237/97.
60Importante colocar que a aplicação das diretrizes e normas contidas na legislação citada possui caráter preventivo, ou seja, o objetivo é prevenir a ocorrência de passivos ambientais, dentre eles, a contaminação do solo e das águas.
61Por outro lado, a industrialização no Brasil ocorreu principalmente nos período da crise econômica mundial de 1929 e posteriormente na segunda guerra mundial (1939-1945), período que, como observamos, é anterior a existência da legislação ambiental, onde o solo era visto como um “filtro natural” para resíduos e substâncias químicas ali descartados; e que hoje sabemos, tal prática acabou por comprometer o solo e as águas subterrâneas, especialmente das grandes metrópoles.
62Ressalta-se também que a legislação ambiental específica para a gestão de áreas contaminadas, ou seja, para tratar do passivo ambiental já existente, foi criada no município de São Paulo a partir de 2002 e no estado de São Paulo somente em 2009, através da promulgação da Lei nº 13.577/2009.
63Entendemos, portanto, que a existência de aproximadamente 36.000 áreas com potencial de contaminação, oriundas do processo industrial, das quais, poucas passaram pelas investigações ambientais, colocam em risco à sociedade e os sistemas naturais.
64Isto porque a dinâmica do processo de urbanização levou a uma renovação do uso do espaço herdado (Santos, 1982), de modo que a instalação de novas atividades, ou mesmo residências, passaram a ocorrer sobre áreas contaminadas.
65A procura pelo setor da construção civil e pelo mercado imobiliário de terrenos e glebas “disponíveis” tem levado à ocupação de áreas contaminadas, que são reofertadas ao capital imobiliário sem a realização das investigações ambientais necessárias e posterior recuperação e/ou remediação. Disso resulta o que chamamos de territorialidade do risco oriunda da contaminação do solo e das águas subterrâneas.
66Os riscos presentes no território de São Paulo podem aumentar com o processo de renovação do uso do solo promovido pelo capital imobiliário. Porém, estes atores devem ser responsáveis pela readequação das áreas contaminadas, promovendo sua remediação antes de reinstalar outros usos ou atividades. Para que isto se torne uma realidade é imprescindível as ações do poder público.
67Entendemos, contudo, que a gestão de áreas contaminadas no município de São Paulo passou de uma postura negligente, na década de 1980, para o reconhecimento do problema a partir de 2000. A existência de um arcabouço legal municipal, o controle nos processos que envolvem a mudança no uso do solo, e, a construção de um sistema de informação articulado entre os órgãos envolvidos nesta regulação, são elementos que demonstram nova fase da gestão de áreas contaminadas neste município.
68Para uma maior eficácia das ações do poder público nesta área é preciso inserir o tema nas demais políticas públicas urbanas. As áreas contaminadas não podem representar “um problema” a ser resolvido à parte. A avaliação ambiental deve ser considerada no início do processo da aprovação de empreendimentos ou intervenções no solo, e não ao final, como tem ocorrido. Modificada esta “lógica”, evitariam-se conflitos, principalmente àqueles ligados ao tempo que decorre das investigações ambientais e posterior análise pelo órgão ambiental.
69Além disso, é imprescindível a conjunção de esforços de todos os setores da sociedade, envolvendo a participação da população, numa atuação integrada entre os diferentes níveis de governo, respeitando suas especificidades e competências. Este diálogo é fundamental e urgente para gerar soluções viáveis e adequadas ambientalmente, pois as iniciativas restritivas e de impedimento não foram suficientes para garantir a qualidade de vida em nossa sociedade.