1Estudos sobre o Estado são tradição na Filosofia desde os gregos. No âmbito da Geografia, conforme Costa (2001), eles surgem na Alemanha, com a publicação da obra “Geografia Política” de Ratzel, na segunda metade do século XIX, a qual influenciou os estudos pioneiros sobre a relação Estado-território com um sério vício de origem, pois estava fortemente marcada pelo período de unificação do Estado Alemão, sob a forma monárquica e altamente centralizada, como também pelas idéias naturalistas de Darwin.
2A Geografia Política atual distanciou-se bastante dos conceitos desenvolvidos até a Segunda Guerra e durante a Guerra Fria; Paul Claval e Claude Raffestin, por exemplo, ressaltam novas posturas interpretativas para a análise geográfica do poder, em particular do Estado (Costa, 2001).
Mas, independentemente das diferentes posturas interpretativas, um ponto passivo na Geografia é o reconhecimento de que o Estado tem no território seu espaço de auto-afirmação, pois é “praticamente impossível nos referirmos a um Estado sem território” (Santos e Silveira, 2004, p. 19).
Trinca Fighera (1996), por exemplo, defende que o papel do território é fundamental na constituição do Estado-nação moderno, pois é o Estado que tende a monopolizar os procedimentos de sua organização, adquirindo uma clara conotação política.
3Possíveis mudanças na percepção e no cumprimento das funções estatais na nova composição das relações globais, para Harvey (2005, p. 84), são compreendidas como conseqüências do crescimento e amadurecimento do capitalismo, no qual o Estado nunca deixou de ser o agente central para o seu funcionamento, pois “a garantia do direito da propriedade privada dos meios de produção e da força de trabalho, o cumprimento dos contratos, a proteção dos mecanismos de acumulação, a eliminação das barreiras para a mobilização do capital e do trabalho e a estabilização do sistema monetário (via Banco Central, por exemplo) estão todos no campo da ação do Estado”.
4O amadurecimento do capitalismo levou ao que Chesnais (1996, p. 34) denomina de “mundialização do capital”, ingressado no decorrer dos anos 80, como resultado de dois movimentos conjuntos: “o primeiro pode ser caracterizado como a mais longa fase de acumulação do capital que o capitalismo conheceu desde 1914. O segundo diz respeito às políticas de liberalização, de privatização, de desregulamentação e de desmantelamento de conquistas sociais e democráticas”.
Acreditar, todavia, que o Estado tornou-se desnecessário é um equívoco, afirma Santos (2002, p. 245). As políticas de liberalização e desregulamentação não significam a ausência do Estado na vida econômica de uma nação, até porque desregulamentação não significa supressão das normas.
5A conhecida crise do Estado pode tê-lo minimizado para a sociedade, mas não o tornou mínimo para o mercado.
Entre as formas de apoio do Estado ao nascimento e ao desenvolvimento do circuito moderno, encontramos a proteção concedida à concentração e aos monopólios, financiamento direto ou indireto das grandes firmas através da construção de infra-estruturas caras, a formação profissional, a promoção das indústrias de base, os subsídios à produção e à exportação e todas as formas de acordos com as firmas dominantes da economia, tais como legislações fiscais discriminatórias, leis de investimentos e planos de desenvolvimento. Tudo isso reduz a capacidade de investimento dos Estados nacionais nos setores que interessam diretamente à população. (Santos, 2004, p. 161-162)
6Outra dependência do mercado em relação ao Estado refere-se à produção da fluidez no território para a circulação de bens tangíveis e intangíveis. Mas como não é todo planeta que interessa ao capital (Chesnais, 1996), o processo de criação da fluidez por meio das técnicas, operado pelo poder público e empresas, é seletivo, não se constituindo em acesso socialmente igualitário e em distribuição homogênea no espaço, o que contribui consequentemente para a reafirmação das desigualdades regionais, delineando os espaços da fluidez e viscosidade, da rapidez e da lentidão, luminosos e opacos, e os espaços que mandam e os que obedecem, conforme terminologia proposta por Santos e Silveira (2004).
7Ressalta-se, então, neste sentido, o alerta de Costa (2001, p. 25): “não se pode, em hipótese alguma, subestimar o papel e a importância do Estado quando examinamos qualquer aspecto da vida nacional. Principalmente no caso do Brasil, com sua tradição de conservadorismo e centralização exacerbada de riqueza e de poder”.
A superioridade do Estado diante de outras macroorganizações se dá pelo “uso legítimo da força”, encarnado ou não no direito, que age sobre a totalidade do território, das pessoas, das empresas e das instituições, ou seja, é capaz de produzir eventos que incidam num mesmo momento sobre áreas extensas (Santos, 2002, p. 151-152).
8O Estado é essencial, portanto, para se compreender a produção do espaço e consequentemente as desigualdades regionais; é o Estado, em última instância, quem legitima as formas de uso do território, sendo sua ação e “não-ação” contundentes nesse processo, que é social e histórico.
- 1 “Chamaremos de espaços luminosos aqueles que mais acumulam densidades técnicas e informacionais, f (...)
No caso do Vale do Ribeira, uma região opaca1 se comparada ao restante do estado de São Paulo, o binômio ação-inação do Estado se apresenta como um dos fatores chaves para compreender sua atual configuração sócio-espacial.
9Dentre outras possibilidades, pode-se considerar Vale do Ribeira a região composta pelos municípios pertencentes à porção paulista da Bacia Hidrográfica do Rio Ribeira de Iguape. Desta forma, a região abrange os municípios de: Apiaí, Barra do Chapéu, Barra do Turvo, Cajati, Cananéia, Eldorado, Ilha Comprida, Iguape, Iporanga, Itaóca, Itapirapuã Paulista, Itariri, Jacupiranga, Juquiá, Juquitiba, Miracatu, Pariquera-Açu, Pedro de Toledo, Registro, Ribeira, São Lourenço da Serra, Sete Barras e Tapiraí (mapa 1).
Mapa 1. Vale do Ribeira - Porção Paulista.
- 2 A Região Concentrada, segundo Santos e Silveira (2004), abrange os estados de São Paulo, Minas Ger (...)
10Os municípios que compõem o Vale do Ribeira perfazem a região com os menores indicadores econômicos e sociais do estado de São Paulo, este pertencente à Região Concentrada2 caracterizada pelos espaços de maior fluidez e densidade técnica do país. Entretanto, como evidenciam Santos e Silveira (2004, p. 266) “dentro da própria área concentrada, o crescimento é desigual e combinado”.
11O Vale do Ribeira possui uma população de aproximadamente 360 mil habitantes, localizados numa área de 17.056,34 km², o que a torna a região de mais baixa densidade demográfica do estado (21 hab/km²). Outra característica regional é a porcentagem significativa de população rural, 34,67%, num estado predominantemente de população urbana (93,41%). Os municípios Barra do Chapéu, Eldorado, Iporanga, Itapirapuã Paulista, Miracatu, Ribeira e Sete Barras chegam a ter uma população rural maior que a urbana.
Este perfil da região também se relaciona à presença marcante de comunidades tradicionais no Vale do Ribeira, tais como ribeirinhos, quilombolas, caiçaras e, em menor proporção, indígenas, os quais têm na agricultura de subsistência, no extrativismo e na pesca seus principais meios de vida.
12Mas são os aspectos ambientais da região que recebem maior atenção desde os anos 80. De acordo com o “Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica” (2002), elaborado pela Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), 13 dos 23 municípios do Vale do Ribeira estão entre os 100 municípios do Brasil que mais detêm remanescentes florestais da Mata Atlântica em seu território. Este é um dado que pode ser facilmente verificado na imagem de satélite, figura 1, onde se destaca o contraste da expansão urbana (em tons de lilás) da Região Metropolitana de São Paulo e da Região de Sorocaba com os remanescentes florestais da Mata Atlântica (em tons de verde) do Vale do Ribeira.
13As diferentes categorias de Unidades de Conservação localizadas no Vale do Ribeira implantadas pelo Estado, segundo Romão et al. (2006) de forma arbitrária e autoritária, com o apoio e sob pressão de ONGs ambientalistas, é justificado pelo fato de a Mata Atlântica estar reduzida atualmente a cerca de 100 mil km² em todo país, quando originalmente, estava distribuída em uma área superior a 1,3 milhão de km² (15% do território nacional), por 17 estados brasileiros.
No intuito de preservar o bioma, foram criadas cerca de 20 unidades de conservação no Vale do Ribeira, de 1958 a 2006, ocasionando grande impacto numa região de base econômica agrícola e extrativista.
Figura 1. Imagem de Satélite da Região do Vale do Ribeira
Fonte: Capobianco et al., 2004.
14É neste contexto que, mais especificamente a partir dos anos 90, Estado e também organizações do Terceiro Setor começam a construir o discurso de que o ecoturismo é uma das alternativas de “desenvolvimento sustentável” para o Vale, compreendido como capaz de conciliar a proteção dos recursos naturais com o desenvolvimento sócio-econômico da população.
A partir de então, a região se depara com novos problemas e desafios, sendo nítida a mudança de foco das ações do governo estadual de São Paulo direcionadas ao Vale, influenciado, sobretudo, pelas ONGs ambientalistas, que passam a atuar ativamente na arena política.
A seguir, é apresentado um breve histórico da atuação do Governo do Estado de São Paulo no Vale do Ribeira, apontando como o turismo foi abordado pelas mais diferentes políticas públicas, projetadas e implementadas na região, até se tornar um novo paradigma de “desenvolvimento sustentável”, na década de 90.
15O estado de São Paulo teve sua primeira experiência de planejamento no Governo Carvalho Pinto (1959-1962) com o Plano de Ação, o qual, conforme Braga (1998, p.88) se caracteriza como um plano de investimentos setoriais, visando o crescimento da economia do estado, sem a preocupação com a desconcentração geográfica deste crescimento.
Apesar de o Plano de Ação não contemplar medidas específicas para o Vale do Ribeira, é no Governo Carvalho Pinto que se elabora o primeiro estudo com propostas para o desenvolvimento da região de forma integrada, a denominada Operação Caiçara em 1961 (Braga, 1998).
16A Operação Caiçara é também o primeiro a selecionar algumas porções do território do Vale do Ribeira para a fomentação do turismo, como forma de criar oportunidades de trabalho e renda para a população local. No entanto, segundo Braga (1998, p. 93), nenhuma das propostas constantes neste estudo foi posta em prática.
Findo o Governo Carvalho Pinto, o Grupo de Planejamento, que elaborou o Plano de Ação, foi dissolvido e os técnicos em sua maioria deixaram o governo, desta forma, de acordo com Mendonça de Barros (1975, p. 116), perdeu-se preciosa experiência acumulada durante quatro anos na área de planejamento, começando da estaca zero o sistema de planejamento no Governo Adhemar de Barros (1963-1966), quer em pessoal, quer em metodologia e estrutura administrativa.
17O Governo Adhemar de Barros é, no entanto, quem institucionaliza o sistema de planejamento dentro do governo estadual, através da criação da Secretaria do Planejamento, a qual lança um novo plano para o estado de São Paulo, denominado Plano de Desenvolvimento Integrado– PLADI. Diferentemente do Plano de Ação, o PLADI apresenta medidas especificas para o Vale do Ribeira, tal como o preparo do Plano Global para o Desenvolvimento do Vale do Ribeira e Litoral Sul.
Apesar de o PLADI ter sido um plano mais completo e tecnicamente melhor que o Plano de Ação, não foi capaz de conciliar o plano à execução financeira, sendo logo abandonado, o que, segundo Mendonça de Barros (1975, p. 117-118), “levou o Estado a uma situação de total empirismo”, cuja liberação dos recursos passou a depender essencialmente da capacidade de “convencer” os dirigentes públicos de alto escalão.
18Quanto ao Plano Global para o Desenvolvimento do Vale do Ribeira e Litoral Sul,previsto no PLADI, a empresa contratada o finalizou em abril de 1966, sob o título “Plano Diretor de Desenvolvimento do Vale do Ribeira e Litoral Sul”, comumente chamado de Plano do Ribeira. Dois meses após a sua entrega, o Governador Adhemar de Barros é caçado pelo governo militar, em junho de 1966, inviabilizando a sua execução. O governador empossado, Laudo Natel, governa por apenas nove meses, (junho de 1966 a março de 1967), também sem tempo de executar as obras previstas no Plano do Ribeira, julgadas essenciais para a melhoria da economia regional e das condições de vida da população.
19O Plano do Ribeira, entretanto, traz pela primeira vez informações sobre a atividade turística no Vale, como também considera essencial para o desenvolvimento do turismo na região a intervenção massiva do Estado, sobretudo do governo estadual, até porque “aos municípios cabia uma ação muito restrita no turismo regional, pois pobres, sem assistência técnica, as prefeituras tinham dificuldades de realizar melhoramentos urbanos” (São Paulo, 1966, p. 24:02.79).
20Por isso, as medidas indicadas aos municípios restringiam-se à criação de órgãos de cooperação intermunicipal, doação de áreas públicas para a construção de infra-estrutura turística, divulgação, incentivo ao artesanato, arborização e jardinamento.
Já, o governo estadual deveria tomar para si a responsabilidade de transformar o Vale do Ribeira num “destino turístico”, implementando a infra-estrutura considerada necessária para atender à desejada demanda de turistas e atuar na prestação de serviços turísticos. Naturalmente, este é um momento histórico em que impera a concepção de um Estado interventor e centralizador, responsável pelo desenvolvimento econômico e social do país.
21Em 1967, ao assumir o Governo, Abreu Sodré (1967-1970) inicia parte das ações previstas no Plano do Ribeira, na tentativa de chamar a atenção da iniciativa privada para a região. Dentre elas, a melhoria do acesso e iluminação de uma das cavernas mais famosas da região - a Caverna do Diabo. É notório neste período, a despreocupação com as questões ambientais, que virão à tona, mais ao final do século XX. A intenção de dotar de uma estrutura física capaz de atender as “necessidades” da demanda turística e consequentemente tornar a atividade um meio de dinamizar a economia regional, fez com que a Caverna do Diabo fosse parcialmente desfigurada em seu interior, recebendo iluminação, passarelas, pontes e corrimãos (que se mantêm até os dias de hoje – foto 1).
Foto 1. Escada e Corrimão no interior da Caverna do Diabo.
Autor: Carolina Todesco (2006).
22Outra iniciativa de destaque do Governo Abreu Sodré referente ao Vale do Ribeira é a criação, em setembro de 1969, da Superintendência do Desenvolvimento do Litoral Paulista - SUDELPA, autarquia com vinculação administrativa à Secretaria de Economia e Planejamento.
Com a finalidade de organizar e promover o desenvolvimento sócio-econômico da região litorânea e do Vale do Ribeira, a área de atuação da SUDELPA foi dividida em três sub-regiões: Litoral Norte, Baixada Santista e Vale do Ribeira – Litoral Sul.
De início, a SUDELPA pretendia elaborar o Plano de Desenvolvimento do Litoral - PLADEL, o qual deveria traçar as metas, diretrizes e estratégias para o desenvolvimento da região. No entanto, em 1970, o governo decreta que antes da elaboração deste plano, a SUDELPA deveria implementar o Programa de Ação de Emergência – PAE. A autarquia, portanto, ao invés de planejadora do desenvolvimento de sua área de atuação é relegada a mera executora de obras pontuais, principalmente de infra-estrutura viária.
23Em 1971, o Governo de Laudo Natel (1971-1974) dá início à execução do Programa Geral de Açãono Vale do Ribeira, lançado como substituto do Programa de Ação de Emergência do governo anterior.
Nesta mesma época, o ex-capitão do exército Carlos Lamarca integrante da Vanguarda Popular Revolucionária – VPR e seus companheiros se instalam no Vale do Ribeira. A atenção voltada para a região neste momento está, portanto, intrinsecamente vinculada às preocupações do regime militar em “abafar” qualquer manifestação contra o poder vigente. Desta forma, a integração do Vale do Ribeira, por meio de melhores vias de circulação, era considerada essencial para combater qualquer foco de guerrilha que pudesse vir a se instalar na região.
O Governo de Laudo Natel e posteriormente de Paulo Egydio (1975-1978) são denominados por Braga (1998) como a “fase áurea” da SUDELPA, pois foi durante estes dois governos que a autarquia apresentou seus maiores orçamentos (gráfico 1).
Gráfico 1. Orçamentos da SUDELPA de 1969 a 1987, valores em Cz$.
Fonte: Braga, 1998. Organização: Carolina Todesco (2007).
24No entanto, conforme Müller (1980), o planejamento estatal delineado e executado na região não conseguiu superar as deficiências econômico-sociais que afetavam (e afetam até hoje) o Vale, uma vez que visavam fundamentalmente à criação de infra-estrutura para a exploração de seus recursos naturais em benefício de alguns grupos econômicos privados.
Na área do turismo “a fim de amparar pelo menos nos primeiros tempos a demanda no setor turístico” (Sudelpa, 1972, p.21), o Governo constrói um hotel em Cananéia. Também estavam previstos a construção de mais dois hotéis no Vale do Ribeira, um em Eldorado (para atender o fluxo turístico da Caverna do Diabo), e outro em Iguape, assim como um centro de informações turísticas em Jacupiranga, ao longo da BR-116, os quais nunca se concretizaram.
25É também no Governo Laudo Natel que a SUDELPA, em 1974, publica o estudo denominado “Possibilidades Turísticas no Vale do Ribeira e Litoral Sul”, realizado por uma equipe interdisciplinar, composta de economista, sociólogo, geógrafo e arquiteto. Neste estudo, a equipe assume a dificuldade de se estudar o fenômeno turístico, alegando este ser “um campo de estudos repleto de desafios e que, especialmente no Brasil, ainda atravessa a fase do empirismo”.
Mas, de acordo com a SUDELPA (1974), o acervo de informações, o conhecimento detalhado da infra-estrutura básica e turística e a elaboração do diagnóstico sócio-econômico da região, aliados ao estudo de problemas permitiram definir e avaliar as possibilidades de desenvolvimento turístico da região, sendo elencadas quatro “zonas turísticas” no Vale do Ribeira: Zona Lagunar de Cananéia e Iguape; Zona das Grutas e Cavernas; Zona dos Parques e Reservas Florestais; e, Zona Histórica e Cultural. Por fim, o estudo propõe o “turismo social” como o principal segmento turístico a ser explorado na região.
26Neste estudo, porém, a SUDELPA perde a oportunidade de apresentar as diretrizes para o desenvolvimento ordenado do turismo no Vale, restringindo-se apenas a alertar para a ocupação desordenada e o uso indevido do solo que o turismo pode provocar, por meio principalmente da especulação imobiliária que já se iniciava na região.
Após uma década, a SUDELPA retoma a questão da ocupação e uso do solo, em 1987, com a elaboração do Plano Básico de Desenvolvimento Auto-Sustentado para a Região Lagunar de Iguape e Cananéia, agora diante de problemas reais (e não mais potenciais) promovidos pela especulação imobiliária, principalmente na Ilha Comprida.
No início do Governo Paulo Egydio, a SUDELPA finaliza o tão esperado Plano de Desenvolvimento do Litoral – PLADEL, que foi sendo adiado e substituído por programas de ações emergenciais nos governos anteriores.
27O PLADEL tem como objetivo “promover o desenvolvimento econômico e social da região do Vale do Ribeira e Litoral Paulista e o incremento da pesca de forma harmônica e integrada na economia estadual”. Entretanto, de acordo com Braga (1998, p.155), este plano não altera o modo de atuar da autarquia, pois não se configura como um plano de desenvolvimento, mas sim como um programa de ações setoriais, sem explicitar políticas ou estratégias de desenvolvimento regional.
Após sua “fase áurea”, a SUDELPA inicia sua fase de decadência no Governo Paulo Maluf (1979-1982), o qual cria o programa “Auxílio às Prefeituras”, implementando infra-estrutura no atendimento à solicitação das prefeituras municipais, que segundo Braga (1998) dará um caráter clientelista às ações do governo.
O fim do Governo Paulo Maluf marca o fim de uma série de governos autoritários no estado de São Paulo, oriundos do regime militar em que se encontrava o país desde 1964. Consequentemente, o perfil de atuação do Estado, caracterizado pela não-democratização do planejamento com a ausência das organizações sociais, sofrerá mudanças significativas com a redemocratização no Governo Franco Montoro.
28Após as eleições diretas de 1982, o Governo de Franco Montoro (1983-1986) além de defender a democratização da gestão e das decisões do governo estadual, também passa a tratar a questão ambiental como tema político e não mais apenas como assunto técnico.
O Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONSEMA), criado um mês após Franco Montoro assumir o cargo, tem em agosto de 1985 a paridade entre representantes do Governo e Sociedade Civil, o que contribui para a influência e a participação de organizações ambientalistas no processo de produção de políticas públicas na área. As principais funções do CONSEMA eram: propor a Política Estadual do Meio Ambiente, supervisionar as atividades do Estado na área ambiental, propor normas e implantar unidades de conservação.
A atuação do CONSEMA na implantação de várias unidades de conservação desconsidera, no entanto, a presença de populações tradicionais nestas áreas, impondo-lhes limites sem apresentar-lhes alternativas.
Para se ter uma idéia, somente na década de 80, foram criadas, sobretudo pelo governo estadual, nove Unidades de Conservação (UCs) no Vale do Ribeira (quadro 1).
Quadro 1. Unidades de Conservação Criadas na Década de 80 no Vale do Ribeira.
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Unidades de Conservação
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Decreto
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Ano de Criação
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Área (ha)
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1
|
Parque Estadual Carlos Botelho
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Estadual
|
1982
|
22.500
|
2
|
Área de Proteção Ambiental Cananéia-Iguape-Peruíbe
|
Federal
|
1984
|
1.964.600
|
3
|
Área de Proteção Ambiental Serra do Mar
|
Estadual
|
1984
|
469.450
|
4
|
Área de Relevante Interesse Ecológico Ilha Ameixal
|
Federal
|
1985
|
356
|
5
|
Estação Ecológica Tupiniquins
|
Federal
|
1986
|
43,25
|
6
|
Estação Ecológica Chauás
|
Estadual
|
1987
|
2.699,60
|
7
|
Estação Ecológica Juréia-Itatins
|
Estadual
|
1987
|
79.270
|
8
|
Área de Proteção Ambiental Ilha Comprida
|
Estadual
|
1987
|
17.527
|
9
|
Área de Relevante Interesse Ecológico ZVS Ilha Comprida
|
Estadual
|
1989
|
13.024
|
Fonte: SMA, Atlas das Unidades de Conservação do Estado de São Paulo, 2000. Organização: Carolina Todesco (2007).
29Em contraposição, inicia-se a “batalha” da população residente nas áreas cobertas por UCs para que seus direitos sejam considerados. Uma das primeiras medidas dessas comunidades é a organização social formal para o exercício da pressão política, muitas vezes com o apoio de organizações não governamentais exógenas à região.
No Governo Montoro, as questões ambientais não foram tratadas apenas pelas instâncias criadas em sua administração, outros órgãos do governo também tiveram a “defesa do meio ambiente” como prioridade, dentre eles a SUDELPA, como anuncia uma publicação do Governo do Estado:
Esse órgão propiciava a devastação do litoral através de abertura de estradas, o apoio aos depredadores, enfim um direcionamento dos trabalhos voltado para uma visão do “desenvolvimento” a qualquer custo. Durante o governo Franco Montoro a SUDELPA transformou-se completamente. Passou a atuar com enfoque ambiental priorizando a preservação de mangues e florestas, e dedicando-se a propostas de gerenciamento costeiro. (São Paulo, 1987, p. 32)
30É neste período que a SUDELPA assume a elaboração do Plano Básico de Desenvolvimento Auto-Sustentado da Região Lagunar de Iguape-Cananéia (1987) - primeiro plano da região que traz no título a palavra “desenvolvimento auto-sustentado”, conceito que irá se propalar largamente nos anos 90.
Seguindo os preceitos de um desenvolvimento “auto-sustentado” o Plano Básico tinha como desafio promover na Região Lagunar o turismo e a pesca de forma que seu crescimento e desenvolvimento fossem adequados ao meio, pois como atividades econômicas revelam uma dependência da conservação dos recursos naturais e paisagísticos.
O Plano previa uma série de programas e projetos, dentre eles o “Programa Uso dos Espaços Costeiros”, o qual contemplava a elaboração do “Plano Diretor de Uso e Ocupação da Ilha Comprida” considerado essencial para disciplinar a ocupação da ilha.
31Cabe lembrar que a ideologia produz símbolos, criados para fazer parte da vida real, e que frequentemente tomam a forma de objetos. A ideologia é, ao mesmo tempo, um dado da essência e um dado da existência. Ela está na estrutura do mundo e também nas coisas. Ela é um fator constitutivo da história do presente (Santos, 2002, p. 126).
Não se pode desconsiderar, portanto, o peso do novo conceito de “desenvolvimento sustentável”, que se fortalece no discurso político e também se materializa no espaço, por exemplo, com a delimitação de áreas extensas para conservação dos recursos naturais, em forma de Estação Ecológica, Parque, APA e com a elaboração de planos regionais propondo novas alternativas de desenvolvimento, dentre elas, o ecoturismo.
Conforme relatado, nota-se que o perfil de atuação do Estado no Vale do Ribeira altera-se consideravelmente após a redemocratização do país, como também com a emergência das questões ambientais e a participação de organizações sociais no processo de produção de políticas públicas.
32No período que vai de 1960 a 1980, o Estado ao promover uma série de planos de desenvolvimento para a região, apresenta-se como o grande responsável por dotar o Vale de uma infra-estrutura capaz de atrair a iniciativa privada.
Neste sentido, promove algumas ações pontuais no que se refere ao turismo e realiza estudos na área, mas em nenhum momento apresenta diretrizes para o desenvolvimento da atividade na região, até porque a atenção do Estado, quando dirigida ao Vale, focava o setor agrícola e de mineração.
Após a década de 80, o Governo do Estado deixa de projetar sua ação no Vale como uma empreiteira de obras e passa a defender a criação de UCs. Desta forma, o turismo social, antes considerado o principal segmento turístico a ser explorado, passa a ser avaliado como indesejável no Plano Básico de Desenvolvimento Auto-Sustentado da Região Lagunar de Iguape-Cananéia, o qual já vem embutido dentro do emergente conceito de “desenvolvimento sustentável”. A partir de então, o turismo social deixa de ser o foco dos “projetos turísticos” para dar lugar ao ecoturismo, segmento, muitas vezes, considerado elitista, em função de restrições ao fluxo de indivíduos e aos custos da viagem.
33Como o Vale do Ribeira acompanha, naturalmente, o movimento da totalidade-mundo e da totalidade-Brasil, como parte que é dessas totalidades, tais mudanças de paradigmas no agir do Estado nos remetem a escalas geográficas maiores. O Vale, no que diz respeito à sua relação com a escala nacional, exemplifica, didaticamente a mudança dos paradigmas norteadores de políticas públicas de turismo descritas por Cruz (2006), sintetizadas no quadro 2.
Quadro 2. Políticas públicas de turismo no Brasil – velhos e novos paradigmas.
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Passado (até final dos anos 80)
|
Presente
|
Infra-estrutura
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Criação de facilidades para a implementação de infra-estruturas turísticas
|
Implementação/melhoria de infra-estrutura básica e de transporte
|
Desenvolvimento Econômico
|
Geração de riqueza (desenvolvimento econômico a qualquer preço)
|
Geração de emprego e renda/ desenvolvimento sustentável
|
Gestão
|
Centralização
|
Descentralização/gestão participativa
|
Escala
|
Nacional Regional
|
Regional Local
|
Mercado
|
Estado regulador/interventor
|
Liberalização/Desregulamentação
|
Natureza
|
Objeto de atração
|
Objeto de atração e de proteção
|
Espaço/Território
|
Palco de ações deliberadas
|
Receptáculo de ações planejadas (espaço-objeto)
|
Fonte: Cruz, 2006, p. 345.
34Como visto, a década de 80, é, de fato, um divisor de águas nos paradigmas da Política brasileira, como exemplificam as políticas de turismo. Isto se deve a um processo histórico de escala mundial, que no Brasil culmina com a:
(...) crise do Estado Desenvolvimentista e de suas bases de sustentação - especialmente do papel de planejador, financiador e propulsor do desenvolvimento desempenhado até muito recentemente pelo governo federal; e o processo de consolidação democrática, no qual novos atores políticos, dotados de recursos políticos e institucionais relevantes, disputam com as instituições federais o papel de condução do processo político. (ARRETCHE, 2003)
35Desta forma, a liberalização e a desregulamentação do Mercado, a descentralização e a gestão participativa das políticas públicas, a inserção de novos atores políticos, a introdução de conceitos como “desenvolvimento sustentável” no discurso tanto do Estado, como do Mercado e do Terceiro Setor, tornam-se o pano de fundo do desenrolar da história dos territórios no fim do século XX e início do XI.
36É neste contexto histórico, que as organizações não governamentais exógenas passam a implementar projetos no Vale do Ribeira, sobretudo ONGs ambientalistas, uma vez que a região possui a característica peculiar de ter 60% de seu território sob o domínio da Mata Atlântica. Os projetos executados por ONGs, no entanto, não se darão à revelia do Estado e sim sob o seu aval e financiamento.
- 3 Editado em 2004 pelo Instituto Socioambiental, sob a organização de João Paulo R. Capobianco, esta (...)
- 4 Alagoas, Bahia, Ceará, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio (...)
Para a realização de uma análise mais geral dos “projetos ambientais” executados na região, utilizamos, por meio de uma tabulação específica, as informações da publicação “Quem faz o que pela Mata Atlântica – 1990-2000”3, de Capobianco et al. (2004), a qual traz um levantamento de 747 projetos, desenvolvidos em 154 dos 17 estados brasileiros abrangidos pelo domínio da Mata Atlântica.
37Observar os dados desta publicação se faz pertinente por ser mediante projetos relacionados ao meio ambiente que o ecoturismo é apresentado como uma alternativa para o desenvolvimento sustentável do Vale do Ribeira, ou também, como uma “solução” para os conflitos sócio-ambientais da região, emergidos a partir da década de 80, tendo de um lado as rígidas leis ambientais e as UCs, e de outro o direito ao uso da terra pelas comunidades.
A primeira observação é quanto à concentração espacial dos projetos. De um total de 747, 46,9% foram executados nos estados da região Sudeste, totalizando 350; destes, 182 foram desenvolvidos no estado de São Paulo, representando 24,4% do total (gráfico 2). Esta concentração no estado de São Paulo deve-se, possivelmente, ao fato de este ainda conter uma porcentagem significativa de Mata Atlântica, mas, sobretudo, de reunir no território uma alta densidade de organizações do Terceiro Setor, de capital, de técnica e informação.
Gráfico 2. Abrangência Territorial dos Projetos.
Fonte: Capobianco et al., 2004.Organização: Carolina Todesco, 2007.
38O Vale do Ribeira, ao deter 38,14% dos remanescentes florestais da Mata Atlântica do estado de São Paulo (Fundaçâo Sos Mata Atlântica, 2006), captou 20% dos projetos do estado e 23% dos executados em bacias hidrográficas, totalizando 49, o que corresponde a cerca de 5 novos projetos na região por ano.
Deste total, 49% objetivavam a conservação da Mata Atlântica, outros 49% visavam o seu uso sustentável, e apenas 2% tinham como objetivo a recuperação dos remanescentes florestais. O perfil dos projetos do Vale difere, no entanto, da média do estado de São Paulo, o qual apresenta 55% dos projetos voltados para a conservação, 20% para o uso sustentável e 25% para recuperação.
Provavelmente essa diferença ocorre por ser o Vale do Ribeira a região do estado que apresenta a maior área contínua de Mata Atlântica em bom estado de preservação, o que justifica, de certa forma, a maioria dos projetos serem destinados à conservação e ao uso sustentável deste bioma.
Cabe destacar também, o crescimento dos projetos com o objetivo “uso sustentável” no final da década de 90, tanto no Vale como em escala nacional, como pode ser observado nos gráficos 3 e 4. No Vale do Ribeira, os projetos de “uso sustentável” chegam até mesmo a ultrapassar em quantidade os projetos de “conservação” (gráfico 4).
Gráfico 3. Evolução da quantidade de projetos desenvolvidos no bioma Mata Atlântica, por ano, no período 1990-2000, por objetivo principal.
Fonte: Capobianco et al., 2004. Organização: Carolina Todesco, 2007.
Gráfico 4. Evolução da quantidade de projetos desenvolvidos no Vale do Ribeira, por ano, no período 1990-2000, por objetivo principal.
Fonte: Capobianco et al., 2004.Organização: Carolina Todesco, 2007.
- 5 Elaborado pela ONU, em 1987, por meio da Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento, pres (...)
- 1
39Os projetos com o objetivo “uso sustentável” (dos recursos naturais) são embasados no emergente conceito “desenvolvimento sustentável”, o qual é amplamente divulgado em 1987, no Relatório Brundtland, ou mais conhecido como “Nosso Futuro Comum”5. De acordo com este Relatório (1988), desenvolvimento sustentável é desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as futuras gerações satisfazerem as suas próprias necessidades; esta definição é fruto de uma preocupação crescente, com origens6 na década de 70, sobre os riscos do uso excessivo dos recursos naturais pelo modo de produção vigente.
A elaboração de uma série de projetos, especialmente de ONGs ambientalistas, com o intuito de fomentar o “uso sustentável dos recursos naturais”, tanto em escala internacional, nacional, como no Vale do Ribeira, é reflexo deste momento histórico por qual passa o mundo.
- 7 Um projeto pode ter mais de um componente, ou seja, mais de uma linha de atuação.
O ecoturismo não deixa de ser também produto deste momento; observa-se que em 41% dos projetos, com o objetivo “uso sustentável” dos recursos naturais, apresentam o ecoturismo como um de seus componentes7. Além do ecoturismo, outros principais componentes dos projetos são: “desenvolvimento comunitário” (82%), “políticas públicas” (53%), “apoio às UCs” (47%) e “manejo dos recursos naturais” (47%) (gráfico 5).
Gráfico 5. Principais Componentes dos Projetos com o Objetivo “Uso Sustentável” no Vale do Ribeira no período 1990-2000.
Fonte: Capobianco et al., 2004. Organização: Carolina Todesco, 2007.
40Os projetos revelam também que, em sua esmagadora maioria, foram as ONGs (57%) as executoras, seguida por Instituições Públicas de Pesquisas do Estado de São Paulo (16%), por Órgãos Públicos Municipais (8%) e em 6% dos casos por Associação Comunitária (gráfico 6).
O predomínio das ONGs como executoras dos projetos na região expõe a força que este tipo de organização ganhou no fim do século XX, pois esta realidade que se apresenta no Vale do Ribeira é também uma realidade nacional. No Brasil, 51% dos projetos direcionados à Mata Atlântica, levantados por Capobianco et al. (2004), foram executados por ONGs, e em 17,54% por Órgãos Municipais (gráfico 7).
Gráfico 6. Instituições Executoras dos Projetos no Vale do Ribeira - 1990 – 2000.
Fonte: Capobianco et al., 2004. Organização: Carolina Todesco, 2007.
Gráfico 7. Instituição Executora dos Projetos no Bioma Mata Atlântica no Brasil - 1990-2000.
Fonte: Capobianco et al, 2004.Organização: Carolina Todesco, 2007.
41Convém lembrar que, em 1992, o país vive o apogeu das discussões ambientais com a Rio-92 e com o Fórum Global, encontro paralelo das organizações não governamentais que contou com cerca de 22.000 ONGs. Segundo Furriela (2002), a importância das ONGs no atual contexto político ficou ainda mais reforçada após este evento, com a elaboração da Agenda 21, que em seu capítulo 27 (Fortalecimento do Papel das Organizações Não Governamentais: Parceiros para um Desenvolvimento Sustentável) defende a importância das ONGs na democracia participativa.
Mas, apesar de as ONGs serem as principais executoras dos projetos, o Estado e as instituições internacionais se configuram como seus principais financiadores.
No Vale do Ribeira, as instituições internacionais privadas têm participação em 28% dos projetos, mas se destacam como as maiores financiadoras em relação ao volume de recursos, correspondendo a 40% do total aplicado, o que comprova a importância das agências de cooperação internacional como fonte de recursos para os projetos de meio ambiente dos países de terceiro mundo.
Já a participação do Estado como entidade financiadora se dá em 67% dos projetos desenvolvidos pelas ONGs no Vale do Ribeira, correspondendo a 25% do total de recursos aplicados; enquanto o setor Privado Nacional financia apenas 17% dos projetos, representando somente 6% do total de recursos (tabela 1).
Tabela 1 – Recursos e Entidade Financiadora dos Projetos das ONGs, executados no Vale do Ribeira de 1990 a 2000.
Tipo de Entidade Financiadora
|
ONGS (projetos e recursos)
|
Nº de Projetos*
|
Nº de Projetos (%)
|
Valor (R$)
|
Valor (%)
|
|
Nacional privado
|
3
|
17%
|
157.500
|
6%
|
Nacional público
|
12
|
67%
|
695.593
|
25%
|
Internacional privado
|
5
|
28%
|
1.124.952
|
40%
|
Internacional público
|
1
|
6%
|
350.000
|
13%
|
Contrapartida
|
9
|
50%
|
455.948
|
16%
|
Total
|
18**
|
-
|
2.779.993
|
100%
|
* Um projeto pode ter mais de um tipo de entidade financiadora.
** Dos 28 projetos realizados por ONGs no Vale do Ribeira, apenas 18 informaram o valor do projeto.
Fonte: Capobianco et al., 2004. Organização: Carolina Todesco, 2007.
42A dependência dos recursos públicos é uma característica das ONGs do final dos anos 80 e certamente levanta uma série de questões quanto à sua relação com o Estado e com a própria sociedade. Segundo Carvalho (1999), questões como autonomia, sub-contratação de serviços e caráter complementar das ações das ONGs em relação ao Estado estão atualmente em pauta. Para a mesma autora, a dependência dos recursos públicos representa para as ONGs, “o risco da influência e até da ingerência em seu caráter, modo de funcionamento e objetivos” (Carvalho, 1999, p.7).
43Como comentado, a mudança dos paradigmas orientadores da política do Estado com a redemocratização, o avanço do neoliberalismo e o consequente enxugamento da máquina estatal, influenciaram a forma de o Estado respaldar as ações das organizações do Terceiro Setor.
No Vale do Ribeira, o Estado apresenta um histórico marcado por uma série de planos, que não saíram do papel ou foram executados parcialmente. Sua incapacidade de gerar respostas às necessidades da população da região suscita a percepção de uma “presença ausente” do Estado até a década de 80. Após esta década, o Estado cessa a elaboração de planos de desenvolvimento para o Vale do Ribeira, com a extinção da SUDELPA, em 1993, no Governo Fleury.
44No entanto, o Estado não deixa de atuar no Vale, mas sim modifica consideravelmente sua forma de atuação, delegando, de certa maneira, às organizações do Terceiro Setor, no caso ONGs e Consórcios (de representação mista: setor público e sociedade civil), a incumbência de implementar projetos que visem o “desenvolvimento sustentável” da região, os quais tem no fomento do ecoturismo um de seus componentes. É o que chamamos aqui de “ausência presente” do Estado no Vale do Ribeira.
45 Com o estudo intitulado “Limites do Crescimento”, publicado, em 1972, por Dennis L. Meadows e seu grupo de pesquisadores e posteriormente apresentado na 1a Conferência Sobre o Meio Ambiente, em Estocolmo, realizado no mesmo ano.