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Amanhã, a geografia social?

Por uma da teoria crítica e uma abordagem dimensional do espaço
Demain, la géographie sociale ? Pour une théorie critique et une approche dimensionnelle de l’espace
Julien Aldhuy, Fabrice Ripoll, Raymonde Séchet et Vincent Veschambre
Traduction de Mateus de Almeida Prado Sampaio

Résumés

L’objet de cette communication est de faire part de réflexions théoriques qui sont en cours au sein de la géographie sociale et plus largement d’interroger la place de la géographie dans les sciences sociales. Deux orientations fortes qui dessinent les principaux chantiers théoriques engagés en géographie sociale et qui peuvent plus largement concerner l’ensemble de la discipline peuvent être retenues. Premièrement, il est apparu la nécessité d’inscrire la géographie dans un mode de connaissance critique qui puisse intégrer les valeurs d’émancipation et de justice dans l’élaboration même des connaissances produites. Dans un second temps a été soulignée la contribution de la géographie sociale à l’inscription de la discipline dans les sciences sociales. Affirmer une telle orientation, c’est tout à la fois revendiquer l’importance et l’omniprésence de l’espace et s’engager dans une approche dimensionnelle de l’espace qui permette de dépasser la contradiction d’une science qui se voudrait sociale tout en prenant l’espace pour objet, afin d’affirmer son autonomie. Cela passe par une déconstruction des catégories spatiales en vigueur au sein de la discipline et par l’adoption de notions qui renvoient à la dimension spatiale des rapports sociaux.

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Texte intégral

Hérin et FrémontAfficher l’image
Crédits : Robert Hérin http://www.ub.es/geocrit/pgc-06.jpg Armand Frémont http://redaction.blogs.paris-normandie.fr/2009/10/09
  • 1  Tradução do artigo « Demain la géographie sociale » apresentado no Géopoint 2006. Demain la géogra (...)
  • 2  “Espaços e sociedades hoje. A geografia social nas ciências sociais e na ação”.

1As reflexões que se seguem1 são uma continuação do colóquio « Espaces et sociétés aujourd’hui. La géographie sociale dans les sciences sociales et dans l’action »2, realizado em Rennes em outubro de 2004. Este colóquio revelou ao mesmo tempo, o dinamismo dessa corrente da geografia, sua diversidade e ainda sua ligação com certos conceitos da geografia social, incluindo-se ai as idéias de compromisso com questões mais sensíveis e éticas da pesquisa.

  • 3 “Pensar e fazer pensar a geografia social, Penser et faire penser la géographie Séchet R. & Vescham (...)

2A forte presença de comunicações de caráter teórico e epistemológico, que conduziu a um primeiro volume Penser et faire penser la géographie3, testemunha de um trabalho profundo de reflexão sobre conceitos e práticas de pesquisa e fornece rico material para considerar renovações nas formas de se fazer geografia no âmbito das ciências sociais.

3As duas grandes tendências que emergiram dos debates ocorridos durante o colóquio esboçam os principais campos teóricos envolvidos na geografia social e que nos parecem justificar ainda mais a afirmação desta tendência na geografia. A primeira consiste em reformular a idéia de uma especificidade da geografia social ao nível epistemológico, ligado à natureza crítica e emancipatória do conhecimento produzido. A segunda visa esclarecer o conceito de espaço como dimensão da sociedade e, assim, evitar qualquer forma substancialização do espaço.

De uma geografia social que se baseia na geografia humana à criação da geografia social ligada a uma teoria crítica do conhecimento?

4Para ambas figuras “históricas” da geografia social de língua francesa, que são R. Hérin e A. Frémont, esta se confundiria atualmente com uma geografia humana se afirmando plenamente na comunidade das ciências sociais. Para o primeiro, “a geografia social se define como a disciplina das ciências sociais que contribui para a compreensão das sociedades atuais ou passadas, através do estudo dos espaços por elas produzidos, utilizados, praticados, organizados e administrados, de acordo com suas necessidades, planos, idéias e mesmo seus sonhos e utopias”. Ele acrescenta que “assim definida a geografia social, esta se confunde com a geografia humana, ou mesmo com todo o conjunto que forma a geografia” (Hérin R. 1999, p. 131). O segundo acrescenta que “a geografia social não é uma disciplina entre outras. Mas vale a pena desenvolve-la. No século XXI, ela será simplesmente a própria geografia” (Fremont A., 2001, p. 14).

5A geografia social possui ainda outra especificidade? Do ponto de vista de seus métodos - isso é dos caminhos intelectuais percorridos que permitem alcançar o objetivo ao qual se liga - a geografia social abraça uma diversidade conforme todas as ciências sociais: empirismo e indução, hipótese e dedução (Frémont A. & al. 1984), construtivismo e complexidade (Hérin R. & al. 2005). Se certas técnicas, inspiradas pelos antropólogos, sociólogos ou pelos psicólogos sociais, como o questionário semi-dirigido ou a entrevista, foram desenvolvidas pela corrente da geografia social, elas não são, há muito tempo, nem privilégio nem um monopólio. Assim como, certas fontes originais (literatura, cinema, dados eleitorais, dados tributários, etc.) são agora trabalhadas na geografia social. Notemos que a análise geográfica apenas dos dados ditos “sociais” (desemprego, previdência social, etc.) não justificaria a nomeação de geografia social, ainda que aí exista uma confusão quando as pesquisas de geografia humana relativamente clássicas, portanto eventualmente acerca de questões sociais, são registradas por seus autores sob o rótulo de “geografia social “. Quanto à reversão da ordem de fatores proposta por R. Rochefort (1963) e retomada pelos autores do único manual de geografia social até hoje publicado na França (Frémont A. et al. 1984), esta parece em grande parte aceita atualmente: mesmo se a afirmação da geografia como ciência social não se faz unânime, é a sociedade, em suas conexões com o espaço que é considerada pela maioria dos geógrafos como o objeto da disciplina hoje. Qualquer geografia, sendo social, não precisaria mais da geografia “social” propriamente dita. Da banalização da geografia social, é fácil deslizar-se para a negação desta corrente da geografia: a ausência da rubrica “geografia social” no catálogo preparatório para o Repertório dos Geógrafos Franceses que estes foram chamados a preencher em 2006 não seria um sinal?

6Notemos que estes questionamentos sobre a identidade e a especificidade da geografia social não são exclusividades franco-fônicas. Nos países anglo-saxões, fala-se desde o final da década de 1980 em uma crise de identidade (Cater J. & Jones T. 1989). Com o advento da guinada cultural, a geografia social se mostrou cada vez menos preocupada com as questões sociais (Gregson N. 1995), o que poria fim à sua perpetuidade científica já questionada (Barnett C. 1998). Frente à “des-socialização” evidente e crescente da geografia humana (Philo C. & Söderström O. 2004), alguns autores fazem da retomada da questão social um terreno a se cultivar novamente (Gregson N. 2003).

7É então legítimo se perguntar sobre o amanhã da geografia social enquanto tal? Sim, se nós consideramos que aquilo que singulariza um programa de pesquisa é o tipo de conhecimento que se tem por objetivo produzir, e o interesse de produzir este conhecimento no que se refere ao campo social. Assim, o que, para nós, fundamentaria com razão a geografia social seria a necessidade de produzir um conhecimento crítico que permita aos indivíduos se emanciparem (Aldhuy J. 2006).

8Esta postura é baseada na antropologia filosófica de J. Habermas e implica o uso de uma teoria crítica da sociedade. Para este filósofo, a afirmação da razão técnica e científica não é neutra nem desinteressada, esta se baseia nos interesses do conhecimento que tenham relação com a reprodução da sociedade e o aumento dos conhecimentos ligados ao poder, e não à emancipação dos indivíduos que a compõe. No entanto, os interesses do conhecimento são os interesses da razão e, portanto, da humanidade em geral - entendida como uma subjetividade capaz de reflexão e, assim, de liberdade; e que seria universalmente o próprio do homem - e devem, deste fato, ser indissociáveis. Para Habermas, pensador da segunda geração da Escola de Frankfurt, a renovação da epistemologia crítica - na unidade do conhecimento e do interesse – implica re-enraizar a racionalidade técnica e científica em um sujeito humano, coletivo e histórico (Habermas, 1973, 1976 & 1987).

9Inscrever a geografia social em tal esquema de pensamento envolve recorrer a uma teoria social crítica cujos fundamentos baseiam-se na “desconfiança total em relação às normas de conduta que a vida social, como esta é organizada, produzem o indivíduo” (Horkheimer M. 1974, p. 38). Assim, a análise teórica da sociedade não pode ser simplesmente envolta pelo ideal positivista e pelo princípio da neutralidade científica. Recusando distinguir ciências sociais e filosofia social, a teoria crítica sugere a analise da sociedade em função de certos valores, como a razão universal, a liberdade e a justiça. No entanto, esse ideal não se realiza numa sociedade cujo funcionamento normal está atravessado de irracionalidades, de injustiças e onde a transparência e a liberdade têm restrito direito à cidadania, a cada vez que as dinâmicas sociais são reificados e que, com isso se parecem naturais. O modo de conhecimento crítico permite àquele ou aquilo que conduz a pesquisa prover aos indivíduos as informações lhes permitindo se liberar dos constrangimentos e dos condicionamentos próprios da humanidade. Assim, toda atividade humana produz instituições sóciopolíticos e jurídicas que podem ser injustas, dogmáticas, repressivas, assemelhando-se como “naturais”. Todos os indivíduos interiorizam os condicionamentos implícitos das coletividades as quais eles pertencem (instituições e família). O objetivo da teoria crítica é o de permitir a emancipação dos indivíduos pela tomada da consciência reflexiva das determinantes sociais que pesam sobre cada um e cada uma, afim de ampliar a autonomia pessoal do sujeito social, tornado consciente de sua condição e capaz de agir sobre ela. A desnaturalização do social torna-se a condição de emancipação e a meta da/o pesquisador(a) (F. Ripoll 2005).

10Criar um programa de pesquisa em geografia social guiado pela abordagem da análise teórica da sociedade chama um duplo processo de explicitação do implícito. Em primeiro lugar, ela busca explicar os princípios que guiam a pesquisa. Assim, um “desejo de justiça social” (Fremont A. et al. 1984, p. 155) estimula os trabalhos de geografia social desde os anos 60. Mas este nunca foi realmente explicitado e integrado em uma postura epistemologicamente embasada, ainda que certos autores destacados, como por exemplo, o marcado pelo pensamento de Renée Rochefort, de fascinação humanista, ou de radicalização dos sentimentos (Aldhuy J. 2006). Um dos objetivos que deveria ter quem quisesse se engajar numa pesquisa de geografia social seria tornar explícitos os valores que norteiam esta pesquisa e, ao mesmo tempo, como homem ou mulher, cidadã(o) e cientista de Ciências Sociais. Esta abordagem deve se apoiar sobre um conjunto de perguntas que excedem apenas a própria geografia, seja esta social. Uma sociedade é mais ou somente a soma dos indivíduos que a compõem? Ela é o “estado de impor ao individuo as maneiras de agir e pensar que ela consagrou de sua autoridade” (Durkheim E. 1981, p. 101-102)? Cada ação individual envolve a sociedade como um todo? As disparidades sociais, as assimetrias de poder e os fenômenos de dominação de todas as ordens são frutos de um funcionamento conforme da sociedade, ou de uma disfunção sua, uma anomalia? A partir daí, desenvolver um questionamento dos princípios que orientam a investigação científica conduziram a um questionamento acerca de todos os fenômenos sociais, institucionalizados ou não, que são reificados. O objetivo da pesquisa consiste-se, então, em explicitar todos os elementos que parecem “naturais” e participam implicitamente da reprodução da sociedade. E em primeiro lugar suas próprias categorias de análise.

Uma abordagem dimensional do espaço para focar as relações sociais

11Tendo estabelecido o enquadramento de uma teoria crítica da sociedade, na qual se propõe a inclusão da geografia social, resta-nos especificar como afastar esta postura do ponto de vista disciplinar, enquanto nos posicionamos no âmbito das ciências sociais.

12De nosso ponto de vista, a geografia social deve reafirmar a importância e a onipresença do espaço (Ripoll F. 2006) no funcionamento das sociedades, em sua produção e reprodução através da regulamentação, se afirmando assim entre as ciências sociais. Ao mesmo tempo, ela deve rejeitar firmemente a idéia de que o espaço constituiria o objeto específico da geografia, de que o espaço seria dotado de uma autonomia em detrimento do social e que este poderia ter uma ação qualquer (ou retroação) sobre os indivíduos e as sociedades: postura denunciada por P. Bourdieu, nos termos do pensamento substancialista dos lugares (P. Bourdieu, 1993). Roga-se, portanto, reafirmar que o espaço é uma produção social, no sentido de H. Lefebvre (2000), e refutar a idéia de que algo do espaço seria “natural” e exterior à sociedade. Esta recusa a naturalizar o espaço e a vontade de inscrevê-lo na sociedade participante desta postura emancipatória que chamaremos de nossos votos ou desejos: tudo o que foi socialmente construído pode realmente ser desconstruído (F. Ripoll 2005). Ou, para dizer as coisas de outra forma, é preciso afirmar que nenhum “espaço” pode ser ator e que só os seres humanos agem e transformam o mundo.

13Uma das principais aquisições da reflexão teórica e conceitual da geografia social corresponde, em nossa opinião, a uma tentativa de esclarecer a maneira de falar e de articular o espaço e a sociedade. Durante muito tempo, os defensores da geografia social, mesmo os que tenham afirmado seu compromisso com a reversão da ordem dos fatores, e com isso sua preocupação em privilegiar o social em relação ao espacial, continuaram considerando o espaço e a sociedade de forma distinta, numa maneira dual (F. Ripoll 2006), como os traduz uma série de expressões baseadas na simetria entre: relações entre relações sociais e relações espaciais, retroação do espacial sobre o social, dialética do social e do espacial... (V. Veschambre, 2006). Esta simetria é, ao mesmo tempo, uma divisão entre espaço e sociedade, o que poderia sugerir haverem relações sociais não-espacializadas e ainda, ser o espaço autônomo e externo à sociedade. Fabrice Ripoll (2005) fala, assim, acerca de uma “disjunção” entre espaço e a sociedade. A propósito do mesmo corpus, C. Philo e O. Söderström (2004) sugerem um separatismo espacial.

14No entanto, nos últimos tempos, as palavras para dizer isto mudaram um pouco: o recurso crescente, mais ou menos afirmado, mais ou menos assumido e explícito, à expressão “dimensão espacial do social” (ou “dimensões espaciais do social”) no âmago da geografia social, como também, e, sobretudo, em outros grupos de geógrafos, em particular aqueles do “Espaço-Tempos” (EspacesTemps), que se reuniram ao redor de J. Lévy traduziam o surgimento de outra maneira de pensar (V. Veschambre 2006). Considerar, na esteira desses geógrafos do EspacesTemps, que o espaço é uma dimensão fundamental da sociedade (da mesma forma que o tempo), e que a sociedade é espacial por inteira (J. Levy 1994), permite evitar o dualismo entre o espaço e a sociedade, o que significa dizer, a substancialização do espaço e, também, a desespacialização da sociedade. “Para nós [...], o espaço é o produto das relações entre objetos, materiais ou não, que o constroem. Seu conteúdo é intrinsecamente ligado aos fenômenos que o caracteriza. O espaço, como o tempo, são os modos de existência do real” (Elissalde B. e al. 1984, p. 6).

15Esta postura permite superar a contradição o fundante da geografia, ciência que se quer social por tomar o espaço como o objeto a fim de afirmar a sua especificidade (F. Ripoll 2006). Em sua tese, F. Ripoll bem mostra que, se os geógrafos temiam perder o espaço ao se inserirem no campo das ciências sociais é, pois, porque este já havia sido anteriormente separado do social, ao apoiar-se na idéia do binomial de espaço/sociedade. A abordagem, em termos de dimensão, é interessante por ser radicalmente anti-substancialista ao reafirmar que não há nada de social que não seja espacial.

16Não se deve entender estas dimensões (tempo e espaço) como armações pré-existentes à sociedade, mas como construções sociais (Veschambre V. 2006). Nesta perspectiva, qualquer relação ou interação social faz parte da dimensão espacial, implica espaço, “faz espaço”: como o escreveu por F. Ripoll, “se a geografia realmente é uma ciência de seres-humanos-em-sociedade, e não a superfície da Terra (mesmo que construída e organizada), ela deve poder lidar com qualquer objeto social, com relações sociais sem ter nenhuma inquietude quanto a este sujeito” (F. Ripoll 2006).

17Engajar-se resolutamente nessa lógica dimensional supõe ter um olhar crítico sobre as categorias do espaço que usamos e que sempre apresentam o risco de se tornarem categorias espatialistas; de acortinar as conexões à apreensão e compreensão real das relações sociais e da dinâmica social; e naturalizar a desigualdade social. Noções como as de território, região, cidade, bairro, periferia... são assim o suporte para retóricas holísticas, de geografismos, que tendem a mascarar as divergências de interesses e a induzir uma leitura imóvel das situações sociais. Urge encarar estas categorias espaciais como categorizações sociais e atentar para a desconstrução das associações entre os espaços definidos como territórios e os indivíduos ou grupos sociais, associações que geralmente não refletem a pluralidade de suas práticas e de suas referências identitárias, apenas contribuem para lhes qualificar e posicionar socialmente.

18Nessa lógica, propomos privilegiar as noções e os conceitos que se referem às relações sociais, às dinâmicas ao invés de configurações espaciais padronizadas. Discutir, por exemplo, em termos de apropriação do espaço (Ripoll F. e Veschambre V. 2005 a) em vez de território, apresenta a vantagem de evitar “retóricas holísticas”, privilegiando a evidenciação das relações sociais, das desigualdades sociais e de sua reprodução, sendo portanto coerente com a implicação invocada durante o colóquio de Rennes, destacando os processos de democratização no sentido de que D Critchley os definiu: “Tais processos de democratização, evidentes em numerosos exemplos (os novos movimentos sociais, Greenpeace, Anistia Internacional, Médicos Sem Fronteiras, etc.), trabalham no interior, através, acima e abaixo do território do Estado democrático, não em vão espere lograr criar um tipo de ‘sociedade sem Estado’, mas sobretudo submetendo ao Estado uma pressão constante, uma pressão com vocação emancipatória, tendo como meta a melhoria infinita, um modelar sem fim da atual forma da democracia” (Critchley D em 2005, p. 70).

19A abordagem em termos de dimensão espacial do social apresenta de interessante o fato de inscrever-se numa concepção dinâmica e relacional do social (F. Ripoll 2005). Uma concepção que é a antítese de uma reificação, da naturalização das posições sociais e das relações de dominação. A definição dimensional do espaço de R. Ledrut a este respeito é extremamente esclarecedora: “O espaço é aquilo através do qual existimos, quer dizer que somos relacionados. [...] Pode-se dizer que o espaço é produzido na medida em que as relações que são estabelecidas criam o espaço e determinam a estrutura [...]. O espaço nunca é um receptáculo vazio, alheio e separável das relações” (Ledrut R. 1976, p. 12).

20Tal concepção abre perspectivas extremamente estimulantes no sentido em que toda relação social, toda a estruturação social, pode ser vista a partir da perspectiva do espaço que é criado nesta relação e que também é, ao mesmo tempo, constitutiva deste. Como o escreveu F. Ripoll, “nada que é social escapa a essa condição que é a espacialidade” (Ripoll F. 2005, p. 112). Isto significa que, por exemplo, qualquer estruturação em grupo, categoria, classe social, abrange uma dimensão do espaço, passa pelo espaço e cria espaço. E esta entrada através do espaço, quer pelo geógrafo ou de qualquer outro cientista social que integra a dimensão espacial em seu pensamento, é absolutamente essencial para entender os padrões de estruturação social.

21Assim, não se pode, por exemplo, pegar o que faz a especificidade, a identidade dos professores do ensino secundário (Veschambre V. 1995), ou dos militares (Veschambre V. 2003) e, ao mesmo tempo aquelas que fazem as diferenciações internas e as transformações destes grupos, se não integrarmos a questão da mobilidade profissional, das representações do espaço, das estratégias residenciais... Temos também mostrado quanto uma questão tratada de modo freqüentemente a-espacial, como as relações de gênero, eram esclarecidas pela problemática dos espaços mistos e não mistos (Veschambre V. 2005). As relações entre mulheres e homens é também, e talvez principalmente, uma questão de lugares diferenciados e hierarquizados (e, portanto, de capacidades desiguais de se apropriar de espaços valorizados e valorizantes), de mobilidades e de visibilidades desiguais, incluindo, além do escrito, a atenção dos autores deste texto em sair do neutro masculino.

22E até mesmo fenômenos socioeconômicos abstratos, como a afirmação de uma classe transnacional de acionistas enriquecida pela financeirização da economia mundializada reveste uma dimensão espacial forte, embora raramente isto seja explicitado: a especulação imobiliária nos centros das cidades, a segregação e a exclusão que a acompanham são a expressão espacial das novas formas de distribuição da riqueza em favor de uma pequena minoria.

23Com relação ao objetivo que por muito tempo foi o de por em evidencia as desigualdades, notadamente através de mapas; a geografia social parece estar hoje comprometida de maneira mais afirmativa e ambiciosa no processo de desnaturalização do social, focando como se fabricam, constroem e reproduzem, na dimensão espacial, as disparidades sociais, sejam estas de classe, gênero, idade, religião, origem étnica, construídas no espaço ou pelo espaço.

24Com este ponto de vista F. Ripoll e V. Veschambre tentaram aplicar esta abordagem dimensional a uma leitura das relações sociais em termos de capital desigualmente distribuído (Ripoll Veschambre & F. V. 2005 b). Realmente é possível destacar quatro grandes tipos de capital propostos por P. Bourdieu:

25- A dimensão espacial do capital econômico se refere principalmente à oposição entre patrimônio e valores fundiários e imobiliários. Ela qualificaria a empreita, as propriedades, a concentração, a localização das porções de superfícies da terra (no senso largo, incluindo até o porão, etc.), da qual a apropriação está legalmente garantida.

26- A dimensão espacial do capital cultural levaria formas diferentes de acordo com três estados que ele pode ter (Bourdieu P em 1979). Para o estado institucionalizado, por exemplo os títulos escolares e as outras sanções legais, seria a área de validade, ou dito de outra forma, a escala territorial do reconhecimento oficial de diplomas. Em termos de bens materiais e culturais disponíveis (quadros, livros, máquinas, etc.) que formam o estado objetivado, ela poderia indicar sua localização, acessibilidade e facilidade de mobilização. Quanto ao capital cultural incorporado, sistema de disposições adquiridas e duradouras (ou habitus), a sua dimensão espacial denota o conhecimento sobre o espaço, a capacidade de se projetar em outros lugares, tanto em termos de representações (o leque de possibilidades), quanto de práticas concretas. Em sua introdução a Territórios do cotidiano, P. Tizon propõe trabalhar “a dimensão espacial do habitus”, referindo-se a “facilidade de se mover, agir e considerar pelo pensamento de uma parcela do espaço” (Tizon P. 1996, p. 31).

27- A dimensão espacial do capital social (relacional) voltaria aos espaços de vida e raios de ação das relações com as quais um indivíduo pode contar para achar uma habitação, um emprego...: espaços mais ou menos centrais; mais ou menos concentrados ou, pelo contrário, dispersos; de escala mais ou menos grande. Com as desigualdades evidentes entre aqueles que se sentem em casa em todos os lugares do poder (o dom da ubiqüidade da grande burguesia mencionado pelo casal Pinçon) e aqueles que ninguém conhece e não estão mais “em seu lugar”, desde quando cruzaram os limites do conjunto habitacional

28- Finalmente, a dimensão espacial do capital simbólico remete ao prestigio diferenciado dos endereços de residência e, mais amplamente, ao conjunto de lugares-de-vida de cada um. O processo de patrimonialização, que foi intensificado há aproximadamente vinte anos, representa a este respeito um modo de revalorização simbólica dos lugares dos quais se beneficiam os indivíduos e os grupos a estes associados (proprietários, moradores, associações, representantes eleitos) (Veschambre V. 2002). No mesmo sentido, as escolas freqüentadas e sua localização podem parecer ser mais importantes que o espaço oficial de reconhecimento dado aos diplomas na valorização de determinados cursos (Veschambre V. 2001).

29Esta abordagem parece ser muito mais satisfatória que a baseada em termos de capital espacial, tal como proposta por J. Levy e retrabalhada posteriormente por uma série de pesquisadores(as), e que apresenta o risco de substancializar o espaço, o que estamos buscando evitar aqui.

30Restaria cultivar seu interesse heurístico para as investigações micro-geográficas centradas sobre o indivíduo e suas práticas: para o ator individual, estrategista ou sujeito oprimido, o espaço é um quadro, um suporte, um jogador como freqüentemente afirma R. Séchet, compatível com a abordagem dimensional? Se classicamente a idéia de espaço-palco pode ser uma concepção em que o espaço é exterior, não se torna realmente útil quando é substituído pela aproximação dimensional: no cotidiano os indivíduos vivem e evoluem em uma moldura material que não lhes é, portanto, exterior: eles são parte inerente das relações sociais? As relações sociais e as relações com os outros, mas também com si mesmo e seu corpo, ainda estão em algum lugar, em locais, nos itinerários, nas opções, nas recusas, nos desvios. Quanto à questão do espaço-jogador, nos limitamos aqui a fazer alusão aos jogos de poder que são jogados com nomes de lugares e com palavras, que sejam o de espaços ganhos pelo turismo ou aqueles de habitação popular.  A reflexão está em curso...

Conclusão

31Ainda estamos longe de captar a medida das perspectivas abertas pela aproximação dimensional. Nesta etapa da reflexão, esta maneira de pensar o espaço parece satisfazer a dupla exigência de afirmar a importância do espaço para a compreensão das sociedades (e ponto de vista disciplinar da geografia nas ciências sociais) e de rejeitar radicalmente sua substancialização e reificação.

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Bibliographie

Do ponto de vista epistemológico, F. Ripoll vai ainda mais longe, ao postular que é esta apreensão da dimensão espacial que “permite (e aumenta) o contato entre as coisas práticas, estruturas, performances ... uns com os outros” (Ripoll F. 2005 , p.128) e assim produzir este questionamento sobre o conjunto de fenômenos sociais, tendencialmente reificados, próprio de uma abordagem crítica. Esta é a essência dessa abordagem crítica integrada à reflexão epistemológica, que pode justificar a afirmação de uma geografia social renovada, no seio da geografia e das ciências sociais.

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Veschambre V.,Penser l’espace comme dimension de la société : pour  une géographie sociale de plain-pied avec les sciences sociales. In R. Séchet, V. Veschambre, Faire et faire penser la géographie sociale, Presses Universitaires de Rennes, Rennes, 2006.

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Notes

1  Tradução do artigo « Demain la géographie sociale » apresentado no Géopoint 2006. Demain la géographie : permanences, dynamiques, mutations, Avignon, France (2006). Disponível no site halshs http://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-00312877/fr/

2  “Espaços e sociedades hoje. A geografia social nas ciências sociais e na ação”.

3 “Pensar e fazer pensar a geografia social, Penser et faire penser la géographie Séchet R. & Veschambre V., 2006.

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Pour citer cet article

Référence électronique

Julien Aldhuy, Fabrice Ripoll, Raymonde Séchet et Vincent Veschambre, « Amanhã, a geografia social? »Confins [En ligne], 7 | 2009, mis en ligne le 16 novembre 2009, consulté le 12 décembre 2024. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/6229 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/confins.6229

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Auteurs

Julien Aldhuy

Chercheur associé, UMR 5194 du CNRS Politiques publiques, action politique, territoires (PACTE), Grenoblejulien.aldhuy@iep-grenoble.fr

Articles du même auteur

Fabrice Ripoll

Maître de conférences, EA 3482 Lab'urba et Université Paris 12 Val-de-Marnefabrice.ripoll@free.fr

Raymonde Séchet

Professeure, UMR  6590 du CNRS Espaces et sociétés (ESO) et Université de Rennes 2 - Haute Bretagneraymonde.sechet@univ-rennes2.fr

Vincent Veschambre

ProfesseurÉcole nationale d'architecture de Lyonvincent.veschambre@lyon.archi.fr

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Droits d’auteur

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