1O presente artigo reflete sobre o processo de licitação, construção e implementação da ponte da integração e do CUF – Centro Unificado de Fronteira (1995 a 2023) e as suas dinâmicas de migração de fronteiriços, comerciais e políticas de desenvolvimento territorial.
Quadro 1: Dados sobre a da ponte da Integração São Borja-RS/ San Tomé-Argentina
Abertura de licitação
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1995 – sistema de obra pública com cobrança de pedágio, projeto, construção, operação, manutenção, e exploração da ligação rodoviária entre São Borja e San Tomé.
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Criação da COMAB
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22 de agosto de 1989
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Assinatura do contrato de concessão
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Dezembro de 1995
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Período de construção
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Maio 1996 – Dezembro 1997
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Inauguração da ponte
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09 de Dezembro de 1997
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Início Etapa de Exploração
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01 de Janeiro de 1998
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Prazo da concessão
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25 anos. 29 de Agosto de 1996 até 29 de Agosto de 2021
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Custo do Projeto
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U$S 50.000.000
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Dimensão da ponte
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1.402,5 metros
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Fonte: Dados do CUF – Centro Unificado de Fronteira.
Figura 1: Mosaico de fotos sobre a construção da ponte da Integração e estruturas do CUF
Fonte: Mercovia. S.A
- 1 Considerada a terceira maior construtora do mundo.
2A ponte da integração completa vinte sete anos da assinatura do contrato de concessão pública. Conforme consta nos objetivos do contrato destaca-se que até agosto de 2023 foi cobrado cobrança de pedágio para veículos vicinais fronteiriços com placas de São Borja e San Tomé. Além das cobranças para caminhões e veículos de turistas. A empresa vencedora da concessão Mercovia S.A1, desde a assinatura do contrato de concessão efetuou construção da ponte da integração, estruturas do CUF (Centro Unificado de Fronteira) e projeto, construção, operação, manutenção, e exploração da ligação rodoviária entre São Borja e San Tomé.
3Cabe destacar a importância do trabalho integrado entre diversos organismos públicos dos dois países (Policias, Receita Federal/ Aduana Argentina, departamentos de migrações, MAPA, entre outros).
4Segundo Pinto, Retamoso e Colvero (2017, p. 11):
Os discursos de exaltação há ponte da integração foram marcados por simbolismos e objetivos de desenvolvimento econômico e integração sulamericana. A partir destas narrativas, observa-se a importância dos atores empresariais nos processos decisórios deste projeto de desenvolvimento territorial para uma região de fronteira ao sul da América do Sul. Tal cenário abre para a discussão como os atores regionais estão inseridos nas escalas geográficas de poder.
5A partir das reflexões dos autores acima observa-se que durante o processo de construção e inauguração da ponte da integração surgiram diversas narrativas que vislumbravam um maior desenvolvimento econômico no local e na metade sul, uma maior integração regional, e assim como narrativas que vincularam a construção da ponte a simbologias históricas e políticas nacionais, como foram Getúlio Vargas e João Goulart. Neste processo de governança da construção da obra destaca-se a composição e participação de vários atores multiescalares (políticos eleitos e representantes de organizações comerciais) nas diversas arenas decisórias.
6A partir das palavras acima destaca-se que o processo de construção da ponte da integração se deu através de diversas articulações das comunidades fronteiriças através de mobilizações de atores locais/ regionais perante aos poderes centrais, onde por muitas vezes as municipalidades de São Borja e San Tomé relacionaram a obra da ponte com melhores políticas públicas para os territórios fronteiriços. (PINTO, RETAMOSO, COLVERO, 2017).
7Para Grimson (2007) a construção de novas estradas e pontes não buscam beneficiar as populações fronteiriças, e sim promover o comércio terrestre entre países atravessando cidades fronteiriças. Com tal atitude os Estados dificultam a circulação de pequenas mercadorias, chamado de “contrabando formiga” e favorecem ao fluxo de grande escala.
8Uma conseqüência perceptível com o controle da circulação é a anulação da história e das tradições locais (Grimson, 2007), visto que à construção de pontes expõem a representação de uma divisão territorial, que acaba ignorando as relações sociais, culturais e históricas entre as cidades fronteiriças. Tais atitudes dificultam as trocas e intercâmbios socioculturais entre as populações locais. Este processo de controle da circulação é descrito por Grimson (2005) como uma nova divisão, que causa novos rancores e disputas na fronteira.
9Como observa-se as narrativas emitidas na construção da ponte da integração confronta as ideias de Grimson, pois a devida obra despertou discursos simbólicos de valorização da história, cultura e política fronteiriça. No entanto, a construção da devida obra física gerou “mudanças nas relações socioculturais das comunidades ribeirinhas da fronteira, pois o traçado da obra foi erguido numa área mais afastada das áreas urbanas das municipalidades”. (PINTO, RETAMOSO, COLVERO, 2017, p.16).
10O centro Unificado de fronteira (CUF) de São Borja-Brasil e Santo Tomé-Argentina foi o primeiro centro unificado do Mercosul. O mesmo foi instituído através do Decreto 3.467 – Promulga o Acordo entre a República Federativa do Brasil e a República Argentina para o Funcionamento do Centro Único de Fronteira São Borja-Santo Tomé, celebrado em Brasília, em 10 de novembro de 1997.
11O processo de implementação do CUF – Centro Unificado de Fronteira conforme o Decreto 3.467 centra suas normativas e ações através de oito pontos: 1) área do CUF; 2) Área de atuação dos países; 3) Tributação; 4) Circulação e saída de veículos da concessionária e parceiros; 5) Contratação de pessoas, legislação trabalhista e previdência 6) Residência de trabalhadores; 7) Condições migratórias dos trabalhadores; e 8) COMAB.
12Em relação a área do CUF destaca-se que o devido território esta delimitado conforme o contrato de concessão, estando a devida estrutura sediada no lado Argentino, estando junto a ponte da integração para o maior controle de todas as atividades migratórias e desembaraços de mercadorias. A estrutura divide-se em área de controle integrado e demais instalações, sendo uma área alfandegada.
13Conforme o Decreto Decreto 3.467/ 97 caberá a comissão mista Argentina e Brasil (COMAB) a mediação entre a concessionaria e organismos que atuam no CUF, fazendo valer o funcionamento do centro unificado de fronteira. No caso da ponte da integração a demarcação das territorialidades nacionais são perceptíveis, principalmente no que toca a proteção e segurança dos espaços de soberania nacional, assim como ao mesmo tempo observa-se a articulação entre instituições públicas e atores que atuam no Centro Unificado de Fronteira (CUF). (CARNEIRO, 2008, p.12).
Figura 2: Nuvem de palavras dos documentos do CUF
Fonte: Elaboração dos autores.
14A partir da análise dos documentos e normativas de criação do CUF no software MaxQda foi elaborada uma nuvem de palavras que trazem palavras centrais no devido processo: entre estas destaca-se República (instituições, projetos, compromissos, tecnologia, ciência, direito, implementação), Argentina, Brasil, Desenvolvimento (trabalho, região, comércio, sustentável) ) Integração e cooperação (científica, estados, programa, intercâmbio, mercosul) ; e ministério (bilateral, política, ambiente, defesa, pessoal).
15O devido capítulo centrou-se em analisar os processos de planejamento, debate público, relações de poder e governança territorial no entorno das ações de renovação da nova concessão da Ponte da Integração de São Borja-Brasil/ San Tomé-Argentina (2021-2024). Para tanto, a investigação se debruçou em quatro matrizes conceituais-metodológicas, que foram os recursos territoriais, desenvolvimento e políticas territoriais; governança e escalas geográficas de poder.
16O recurso territorial refere-se, a uma intencionalidade dos atores envolvidos, ao mesmo tempo que ao substrato ideológico do território. Este objeto construído intencionalmente pode ser baseado em material (dados materiais, fauna, flora, patrimônio, ...) e/ou ideal (valores como autenticidade, profundidade histórica, ...). (PECQUEUR E GLON, 2006).
17Nesta reflexão Pecqueur e Glon (2006) apresentam uma outra abordagem para o conceito de desenvolvimento e recursos, que abarcam como abordagem os territórios de conhecimento. Para os autores o recurso não é apenas material, mas também ideal. Apresenta então dois estados de uma ponta a outra do processo de transformação que transformará o recurso inicial em um recurso realizado. Assim, no estado inicial, o recurso pode não existir materialmente ou mesmo ser um potencial que os atores não identificaram como um recurso possível.
18Já o desenvolvimento territorial conforme palavras de Baudelle (2011, p.20):
o desenvolvimento implica uma transformação social e cultural mais abrangente, portanto mais qualitativa. Sua analise é complexa e fortemente ligada a modelos subjacentes de desenvolvimento; não supõem apenas os indicadores econômicos, mas ainda analisa indicadores de nível de vida ou de qualidade de vida
19A percepção de desenvolvimento exposta por Baudelle (2011), não pensa apenas em questões quantitativas, como o crescimento do PIB, mas também, numa conjunção de ações sociais, culturais, econômicas, que dependem, ou são planejadas estrategicamente num determinado território. Portanto, qualquer projeto público-privado gera em consequência, ou objetiva um desenvolvimento territorial.
20O desenvolvimento territorial nestas condições pode ser descrito como um processo voluntarista que busca aumentar a competitividade dos territórios envolvendo os atores no âmbito das ações concertadas, geralmente transversais e muitas vezes envolvidas a altas dimensões espaciais (Baudelle, 2011).
21A partir das reflexões observa-se que as dimensões qualitativas vem ganhando espaço nas discussões sobre recursos territoriais, “muitas iniciativas já não vem mais se relacionando diretamente com o comércio, mas sim com as dimensões patrimonial, ambiental no sentido naturalista, cultural e social”. (PECQUEUR E GLON, 2006, p. 7). Através destas características se desenha uma outra abordagem do desenvolvimento que conforme Pecquer e Glon (2006) se sustenta a partir das diferenças territoriais e não no alinhamento destes na concorrência territorial.
As iniciativas muitas vezes emanam de mais e mais atores, vários que trabalham em estreita relação. A promoção de diferentes bens é por vezes acompanhada de iniciativas de integração de indivíduos excluídos do mercado de trabalho e da vida em sociedade. O meio ambiente é então considerado de forma global e essa dimensão social contribui para a apropriação das ações e para a construção de um território (PECQUEUR E GLON, 2006, p. 7).
22Tais atores que atuam nestes processos e dinâmicas territoriais enfrentam desafios de poder e obsessão com território limitado, sendo que a área de mobilização e ação de os atores muitas vezes não se adaptam bem aos limites pré-estabelecidos.
Os limites das regiões, departamentos e intercomunidades aparecem cada vez mais como territórios dados dos quais então justifica a relevância. Pelo contrário, todo o nosso raciocínio enfatiza a noção de um território em constante construção. Mobilização, envolvimento em torno do desenvolvimento de recursos importa mais do que estabelecer limites. (PECQUEUR E GLON, 2006, p. 10).
23No que toca a compreensão dos processos de construção de recursos territoriais Colletis e Pecqueur (2018) trazem à tona que muitos territórios não se sustentam mais com condições produtivas restritas a bases industriais e agrícolas, visto que o cenário atual não permite a permanência em concorrência econômica com base de ganhos de produtividade ou redução de custos.
A manutenção de um certo nível de desenvolvimento com produções genéricas não é mais possível. Cabe, portanto, a esses territórios desenvolver estratégias específicas, como produtos rotulados (DOP, tipo IGP, etc.) ou incluindo know-how específico. (COLLETIS, PECQUEUR, 2018, p. 1000).
24A partir desta revisão conceitual preliminar objetiva-se investigar a ponte da integração e o CUF como recursos territoriais e marcadores estratégicos para o desenvolvimento territorial não só local, regional, nacional e internacional.
25Nesta perspectiva destaca-se a circulação da devida aduana representa em média 30% da balança comercial entre Argentina e Brasil, mas também um importante marcador social, educacional, cultural e turístico, pois respectivamente representa a integração socioultural entre as comunidades fronteiriças de São Borja e San Tomé e demais comunidades fronteiriças nas margens do rio Uruguai, como integra os locais com os territórios das Missões Jesuítico-Guaranis e , ponto de migração turística para Cataratas do Iguaçu, Buenos Aires, Posadas, Corrientes, Cordilheira dos Andes, Ushuaia na Argentina e Encarnación no Paraguai. Nos últimos 20 anos a região tornou-se um polo educacional de ensino superior pois São Borja e Santo Tomé possuem em média 10 mil Universitários (PINTO,2020), assim como em Posadas e Corrientes também são polos Universitários.
26A partir da revisão conceitual sobre recurso territoriais e suas relações com o processo de renovação da concessão da Ponte da Integração São Borja e San Tomé, destaca-se este marcador territorial como um importante fator para as relações comerciais e integração sociocultural regional. Em relação a coesão territorial dos atores políticos e demais atores locais observa-se a unidade de defesa de três pontos centrais (a manutenção do modelo do CUF, fim do pedágio e a ponte como vetor de desenvolvimento regional). Nestas ações identificou-se que atores políticos dos mais diversos partidos e ideologias se manifestaram de forma coesa em relação as demandas supracitadas.
27Em relação as redes territoriais da ponte da integração destacam-se redes comerciais, redes turísticas, redes socioculturais e redes educacionais. O devido recurso territorial da ponte apresenta est diversidade de redes territoriais em virtude de sua localização geoestratégica no prata, além de um Centro Unificado de Fronteira (CUF), que torna-se um diferencial da região para outras aduanas, pois apresenta um trabalho integrado entre diversos organismos públicos e privados, dando agilidade ao desembaraço de mercadorias.
Figura 3: Folder da Mercovia S.A
Fonte: Mercovia S.A
28No que toca as redes comerciais a ponte se destaca por ser a via comercial entre Argentina, Chile e Brasil, além de articular o território brasileiro com outros países andinos.
29Em relação as redes socioculturais destaca-se a partir da ponte um maior intercâmbio cultural e social das cidades fronteiriças nas margens do rio Uruguai e com os territórios das Missões Jesuítico-Guaranis, já as redes turísticas demarcam a ponte da integração como um ponto de migração turísticas com as praias brasileiras, Cataratas do Iguaçu, Buenos Aires, Posadas, Corrientes, Cordilheira dos Andes, Ushuaia na Argentina e Encarnación no Paraguai. Em relação as redes educacionais destaca-se que nos últimos 20 anos a região tornou-se um polo educacional de ensino superior pois São Borja e Santo Tomé possuem em média 10 mil Universitários.
30Nestes 28 anos da inauguração da ponte da integração muitos atores locais e regionais se qualificaram para atuação no comércio exterior e internacional, muitas empresas locais/ regionais de comércio exterior foram abertas, assim como a vinda de grandes corporações qualificaram ainda mais os atores do CUF, assim como foram criados cursos de graduação e pós-graduação em Comércio exterior na Urcamp. No entanto ainda não se identificou um plano de desenvolvimento regional e territorial que melhor planeje e contemple o recurso territorial da ponte e CUF nos processos de planejamento e governança do desenvolvimento.
31Em relação as principais características dos recursos territoriais ponte da integração e CUF, em relação a especificidade apresenta-se como Primeiro centro Unificado de Fronteira da América do Sul; comporta 33% da balança comercial Brasil e Argentina; trabalho integrado entre diversos organismos públicos e privados e agilidade nos serviços prestados, além da localização estratégica no Mercosul. Estes ativos territoriais apresentados destacam-se como as principais marcadores de diferença destes recursos territoriais perante o internacional, nacional e regional. Seguindo nesta linha nos valemos das palavras de Pecqueur (2006), que ensina que a abordagem do desenvolvimento se sustenta a partir das diferenças territoriais e não no alinhamento destas na concorrência territorial.
32No que toca as potencialidades destaca-se a localização estratégica dos recursos territoriais no Mercosul, tem potencialidade para tornar-se um corredor bioceânico, um polo de desenvolvimento territorial e inovação, além do potencial do recurso para ser inserido no centro do planejamento regional, as relações organizacionais e institucionais integradas podem ser um diferencial ainda maior em tempos da necessidade de fluxos cada vez mais ágeis. Cabe destacar que os devidos territórios estarem em periferias espaciais as relações com as centralidades de poder decisório são sempre desafiadoras e centralizadas, que necessitam de uma maior escuta das comunidades regionais.
33A visibilidade dos recursos estudados ainda precisa de maior difusão para além das relações comerciais. Já a renovabilidade a partir da proposta de maior protagonismo do CUF e ponte nos processos de desenvolvimento regional (livre passe na fronteira, fundo para políticas públicas e turismo cultural e ecológico), as relações dos recursos com os processos de desenvolvimento sustentável e de inovação e indústria criativa.
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35O devido momento centrou-se em refletir sobre as escalas geográficas de poder nos processos políticos de renovação da concessão da ponte da integração São Borja-Brasil/ San Tomé-Argentina refletindo teoricamente e empiricamente sobre os atores, escalas de poder, interesses e densidade institucional e poder político local.
36A partir de uma revisão de literatura sobre os conceitos de escalas geográficas de poder nos valemos dos ensinamentos de Vainer (1986), Iná Castro (1994), Rambo e Ruckert (2008), Castells e Borja (1997), Franco (1998) e Carlos Brandão (2004). As reflexões teóricas dos devidos autores relacionaram os conceitos de escalas a outros conceitos centrais: escalas geográficas, cooperações escalares, relações institucionais , densidade institucional como inovação territorial; escala local; Escalas e poder Político local; e Desenvolvimento local/ regional/ territorial
37No estudo das escalas geográficas de poder, Castro (2014) destaca que necessário refletir sobre o fenômeno e sua extensão espacial , “na realidade, trata-se de tentar estabelecer uma distinção metodológica entre realidade e objeto de conhecimento, a primeira pode ser considerada “tudo que é” e o segundo é a parte concebida do real”. (CASTRO, 1994, p. 88).
38Iná castro (1994) ensina que a escala deve ser pensada como problema de pesquisa,
Para estabelecer um ponto de partida analítico, são necessários alguns pressupostos que tornam o conceito de escala operacional para a geografia. Em primeiro lugar, a escala é o artifício analítico que confere visibilidade à parcela ou dimensão do real. Como este só pode ser apreendido por representação e por fragmentação, a escala constitui uma prática, embora intuitiva e não refletida de observação e elaboração do mundo (CASTRO, 1994. p. 90).
39Nesta perspectiva, Castro (1994) enfatiza que as escalas são campos de representações
Na realidade, todo fenômeno tem uma dimensão de ocorrência, de observação e de análise considerada mais apropriada. Mas a escala é também uma medida, não necessariamente do fenômeno, mas aquela escolhida para melhor observá-lo, dimensioná-lo e mensurá-lo. (CASTRO, 1994, p.90).
40Sendo assim, definir as escalas local, regional, nacional e global trata-se de considerar o fato politico institucional, onde desde o período romano se organizam seus territórios de ação e desde o Estado moderno, onde as escalas se impôs-se como modelo de organização das estruturas de poder no território, ou seja, são recortes territoriais de importante conteúdo sociopolítico, “em outras palavras, mudança de escala implica transformações qualitativas não hierárquicas do fenômeno observado que precisam ser explicitadas” (CASTRO, 1994, p.92).
41A partir da reflexão destaca-se que as escalas também envolvem relações de poder e estratégias de gestão. Para Rambo e Ruckert (2008) escalas geográficas de poder e gestão caracterizam um procedimento metodológico que contribui para a compreensão da dinâmica territorial do desenvolvimento.
42Seguindo nesta linha, Castro (1994) destaca que as escalas devem ser abordadas como uma perspectiva metodológica, pois é “um problema operacional fundamental na definição do recorte espacial significativo para a análise do fenômeno na pesquisa em geografia”.
43Em relação as cooperações escalares, relações institucionais e densidade institucional, como fator de inovação territorial, destaca-se as palavras de Rambo e Ruckert (2008, p.149), “o local, a cidade, constituiu escala e arena de construção de estratégias transescalares e de sujeitos políticos a operarem de forma articulada com coalizações e alianças em multiplas escalas”. Para Rambo e Ruckert (2008) a inovação territorial pode ser gerada pela densidade institucional, pois tradicionalmente as ações são individualizadas nos territórios.
a densidade institucional assume grande importância, pois reunindo diversos atores – públicos e privados, individuais e coletivos – torna-se possível elencar demandas, bem como potencializar especificidades do território, e assim, de forma coletiva, realizar ações concretas promovendo processos de desenvolvimento. (RAMBO, RUCKERT, 2008, p. 101).
44Esta densidade institucional a partir de múltiplos atores tem como espacialidade central atuação o local, onde ocorrem as vivências, ideias, políticas, e cooperações. Para Castells e Borja (1997) a importância do local como centro de gestão do global pode se apreciar a partir de três ambitos: da produtividade e competitividade econômica; integração sociocultural; e representação e gestão política.
45Seguindo esta linha de pensamento observa-se na literatura uma maior aproximação do local das ações territoriais de participação e dos problemas públicos, o que Vainer (1986) ensinou como a cidadania a partir do local. É na esfera local que os problemas são melhor identificados, e portanto torna-se mais fácil encontrar a solução adequada (Franco, 1998, p.8).
46As palavras de Brandão destacam o local como escala do cotidiano, diálogo, da tecnocracia e do poder político, o que necessita também de uma melhor compreensão social, histórica e institucional dos territórios municipais e das cidades, “é necessário investigar os contornos histórico-institucionais concretos emque se processama execução das leis imanentes e das determinaçõesmais abstratas. Estas determinações não podemser utilizadas sem mediações”. (BRANDÃO, 2004, p.?).
47Como se observa pensar as escalas locais envolve uma aproximação das ações, atores e instituições, das vivências e recursos territoriais. A partir da literatura encotrada destaca-se frentes de pensamento que vem se debruçando na relação entre as escalas e o poder político local e a política como operadora das escalas. Para Brandão (2004, p.?) a política local deve ser concebida como parte de uma estratégia transescalar, que necessitam de objetivos mais ambiciosos, ”o certo é que a capacidade de ter centros de controle e de decisão internos à localidade, tendo por base a própria dinâmica endógena é bastante questionável”.
É neste sentido que a política pode ser considerada um fenômeno exemplar para a aplicabilidade da noção de escala: por ser intrinsecamente social e institucional o que significa que ela está em toda parte e, assim, é também territorial por excelência. Por isso mesmo, não é tarefa fácil tomar o fato político e seus desdobramentos sociais e territoriais como objetos de investigação “a olho nu”. (CASTRO, 1994, p.93).
48Segundo Castro (1994) o debate entorno da sensibilidade da escala para a compreensão da realidade política pode ser encontrado fora da reflexão geográfica, mas dentro da análise da política.
49Para Castro (1994) se abre um horizonte para a reflexão da geografia política e as escalas de poder, pois traz para a discussão a distribuição do poder em grupos da sociedade, processos de tomada de decisão nas escalas adequadas, espacialidade do processo decisório em diferentes escalas, e as territorialidade do poder, ao mesmo indaga sobre a normatização das análises a partir de escalas micro e macros que podem dificultar os fenômenos multiescalares.
50As palavras de Castro (1994) trazem para a reflexão um contraponto em relação as reflexões meramente sociais nas escalas políticas, pois as devidas escalas envolvem disputas políticas, conflitos, interesses pessoais e coletivos, horizontais, verticais e institucionalidade dos recursos de poder. A partir de cenário cabe destacar que são as escalas políticas que criam politicas públicas que podem melhor planejar e gerir recursos territoriais para os processos de desenvolvimento local/ regional.
51Para Rambo e Ruckert (2008, p.100) a metodologia das escalas geográficas de poder e gestão adotam o conceito de desenvolvimento territorial local/ regional “para tornar perceptível a interação dos atores ou dos poderes locais/regionais com as demais escalas de poder e gestão”.
52Conforme Rambo e Ruckert (2008, p.100) além a densidade e cooperação institucional para que os processos de desenvolvimento territorial ocorram necessita-se de uma “mudança de mentalidade, caracterizada pela busca do empreendedorismo (ou da inovação territorial coletiva), do pragmatismo em projetos concretos, nas vantagens dos consensos, em novas formas de solidariedade”.
53Para a realização da devida análise foram levantados e estudadas dez matérias jornalísticas de ministérios do governo brasileiro, revista Veja, Unipampa, Câmara de vereadores de São Borja, prefeitura de São Borja, jornais locais (Folha de São Borja e Digital San Tomé).
Figura 4: Mosaico de matérias jornalísticas sobre a concessão da ponte da integração
Fonte: ACISB. Ministério dos Transportes do Brasil. Comissão do Mercosul. Unipampa
Quadro 2: Escalas de poder, atores institucionais, interesses e densidade institucional
Escalas
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Atores institucionais
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Interesses institucionais
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Escalas, Poder político, densidade institucional e inovação
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Internacional
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6
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1,2,4,7,8,9,10, 13,
15 e 17
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-Fator de inovação Relações descentralizadas;
Fator de inovação: inovação relação das Universidades com o cuf e expertise dos atores.
- Cooperações escalares (Local-nacional; Internacional-local; local-regional);
- Maior ação por parte do Estado brasileiro;
- Centralidade das discussões e decisões entre representantes eleitos;
- poder decisório (internacional-nacional-local).
- raras arenas com ampla discussão pública;
- cooperações descentralizadas
- problemas diplomáticos e falta de consenso entre os governos na pauta (desde 2021).
- ações descentralizadas de atores na tomada de decisão;
- centralidade na discussão da prefeitura de São Borja.
-
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Nacional
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18
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4,5,6,7,8,9,10,11
12,13,14,15 e 16
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Regional
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6
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1,2,8,9,12 e 13
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Local
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8
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1,2,7,8,9,13,15, 16, e 17.
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Fonte: Elaboração dos autores
54Nas devidas matérias foram identificados diversos escalas de fala, como Brasília-DF, Porto Alegre-RS, Corrientes-AR, Santo Tomé-ARG e São Borja-RS. Em relação as escalas geográficas de poder analisadas durante as arenas decisórias divulgadas pela mídia, observa-se a centralidade das escala nacional e local em diálogo institucional com a escala binacional e regional, cabe destacar que a escala regional, representada pelo estado do Rio Grande do Sul e Província de Corrientes na Argentina, apareceram poucas vezes nas arenas de discussão. (cooperação nacional-local, Cooperação local-local, cooperação nacional-regional, cooperação binacional-nacional-local).
55Entre as principais demandas e interesses debatidos destaca-se: 1- Prorrogação de contrato; 2- Manutenção do Modelo de concessão privada da Ponte; 3- Modelo de concessão pública; 4-Escuta das comunidades locais; 5- Participação e protagonismo local; 6- modernização e manutenção de passos fronteiriços; 7- Novos contratos de concessão; 8– planejamento e Desenvolvimento local/regional/ nacional; 9- Integração regional; 10- Manutenção da Ponte Uruguaiana- Libres; 11 – Diplomacia e mediação; 12- Integração educacional; 13 – Fim do pedágio para comunidade, estudantes e turistas; 14- Preocupação com o juízo do CUF; 15- preocupação com parada do “cruze fronteiriço”; 16- Fundo para Políticas Públicas; 17- Preocupação com a perda de empregos.
56A partir da análise observa-se que a escala nacional demarcou o maior número de interesses (13) e atores (18) no processo, visto que a ponte e o CUF são estruturas binacionais, entre os ministérios brasileiros destaca-se a atuação do Ministério dos Transportes, Ministério da Casa Civil e Ministério da Relações Exteriores (desde o governo Bolsonaro a Lula), já na Argentina destaca-se a atuação do ministério do Interior e Embaixada em Brasília (no governo Fernandéz, já no governo Millei tudo ainda esta aberto. Ao longo do processo cabe mencionar a maior atuação dos atores brasileiros no processo em relação as atores argentinos, assim como problemas diplomáticos e falta de consenso entre os governos na pauta (desde 2021). Já as escalas local e internacional apresentaram dez interesses, sendo que as localidades fronteiriças tiveram oito atores participando das arenas. As escalas regional/estadual/ provincial não apresentaram muitos interesses e atores no processo.
- 2 A UNIPAMPA – Universidade Federal do Pampa e demais Universidades regionais realizaram dois eventos (...)
57Em relação as escalas, Poder político, densidade institucional e inovação nos processos de renovação da concessão da ponte da integração destaca-se: as relações descentralizadas entre Prefeituras, comissões do CIF – Comitê de Integração, OAB, Universidades, Despachantes, empresas, ACISB – Associação comercial, entre outras, vem tornando-se um fator de inovação do processo, pois contempla uma séria de demandas para além do modelo de concessão. Ao longo das ações constata-se uma centralidade das discussões e decisões entre os representantes eleitos, no caso das cidades fronteiriças, nota-se uma centralidade política da prefeitura de São Borja, no entanto o poder decisório da renovação cabe a COMAB – Comissão mista Brasil e Argentina criada para mediar e gerir o processo, portanto um poder decisório (internacional-nacional-local), que é presidida por representantes dos governos federais. Ao longo das ações foram raras as arenas com ampla discussão pública entre os setores da comunidade fronteiriça2.
58No que toca as Cooperações escalares observa-se cooperações descentralizadas e multiescalares entre duas frentes de atuação: frente do comércio internacional (prefeituras com despachantes, Acisb, empresas e atores governamentais) e frente do fim do pedágio e integração fronteiriça (Universidades, prefeituras, comissões do CIF, ACISB, atores do turismo). Tais redes institucionais possibilitaram as relações escalares (Local-nacional; Internacional-local; local-regional; e internacional-local-regional-nacional).
59Tais aproximações e diálogos com as centralidades de poder necessitaram de articulações políticas e redes suprainstitucionais. Outra reflexão necessária é pensar as escalas a partir de seus campos de representação, onde a análise dos discursos da mídia foram de grande importância para o entendimento de diversos marcadores escalares, relações políticas, demandas regionais e disputas de poder no processo. Neste processo cabe refletir o destaque escalar do local em relação a constituição de arenas de discussão, relações políticas, eventos multiescalares, junto as demais escalas no devido processo, pois é no cotidiano local que os atores territoriais melhor compreendem suas realidades e instituições políticas, fator que contribui para a vinda da centralidade nacional brasileira a conhecer o CUF e a Ponte da integração nos últimos anos, através de servidores do Ministério dos Transportes.
60A problemática desta pesquisa centrou-se em investigar como vem se dando as escalas de poder e os recursos territoriais nos processos de renovação da concessão da ponte da integração São Borja-BRA/ San Tomé-ARG (2021-2023). Como instrumentos metodológicos da pesquisa foram analisadas dez matérias em meios de comunicação institucionais, estatais e privados a partir da metodologia das escalas geográficas de poder e revisão de literatura.
61Os processos de renovação da concessão da ponte da integração São Borja-BRA/ San Tomé-ARG (2021-2023), vem se dando em momentos de relações diplomáticas tensas e com falta de consenso e diálogo entre os governos dos dois países em relação a concessão da devida obra, pois como se observa no processo por apenas um ano os dois presidentes estiveram alinhados ideologicamente e politicamente, em 2023 (Lula-Fernandéz), já nos demais anos apresenta-se um não alinhamento, como foi em (2021-2022 – Bolsonaro e Fernandéz); e (2024 – Millei-Lula). Tal cenário vem gerando decisões a curto prazo e nos últimos dias antes de vencer os contratos, prorrogando o prazo concessional para o setor privado.
62Em relação as principais características dos recursos territoriais da ponte da integração e CUF, em relação a especificidade apresenta-se como Primeiro centro Unificado de Fronteira da América do Sul; comporta 33% da balança comercial Brasil e Argentina; atores com trabalho integrado entre diversos organismos públicos e privados e agilidade nos serviços prestados, além da localização estratégica no Mercosul. Estes ativos territoriais apresentados destacam-se como as principais marcadores de diferença destes recursos territoriais perante o internacional, nacional e regional. Seguindo nesta linha nos valemos das palavras de Pecqueur (2006), que ensina que a abordagem do desenvolvimento se sustenta a partir das diferenças territoriais e não no alinhamento destas na concorrência territorial.
63Em relação a coesão territorial dos atores políticos e demais atores locais observa-se a unidade de defesa de três pontos centrais (a manutenção do modelo do CUF, fim do pedágio e a ponte como vetor de desenvolvimento regional).
64No que toca as potencialidades destaca-se a localização estratégica dos recursos territoriais no Mercosul, tem potencialidade para tornar-se um corredor bioceânico, um polo de desenvolvimento territorial e inovação, além do potencial do recurso para ser inserido no centro do planejamento regional, as relações organizacionais e institucionais integradas podem ser um diferencial ainda maior em tempos da necessidade de fluxos cada vez mais ágeis. Cabe destacar que os devidos territórios estarem em periferias espaciais as relações com as centralidades de poder decisório são sempre desafiadoras e centralizadas, que necessitam de uma maior escuta das comunidades regionais
65Em relação as redes territoriais da ponte da integração destacam-se redes comerciais, redes turísticas, redes socioculturais e redes educacionais. No que toca as redes comerciais a ponte se se destaca por ser a via comercial entre Argentina, Chile e Brasil, além de articular o território brasileiro com outros países andinos. Em relação as redes socioculturais destaca-se a partir da ponte um maior intercâmbio cultural e social das cidades fronteiriças nas margens do rio Uruguai e com os territórios das Missões Jesuítico-Guaranis, já as redes turísticas demarcam a ponte da integração como um ponto de migração turísticas com as praias brasileiras, Cataratas do Iguaçu, Buenos Aires, Posadas, Corrientes, Cordilheira dos Andes, Ushuaia na Argentina e Encarnación no Paraguai. Em relação as redes educacionais destaca-se que nos últimos 20 anos a região tornou-se um polo educacional de ensino superior pois São Borja e Santo Tomé possuem em média 10 mil Universitários.
66Nestes 28 anos da inauguração da ponte da integração muitos atores locais e regionais se qualificaram para atuação no comércio exterior e internacional, muitas empresas locais/ regionais de comércio exterior foram abertas, assim como a vinda de grandes corporações qualificaram ainda mais os atores do CUF, assim como foram criados cursos de graduação e pós-graduação em Comércio exterior nas Universidades regionais. No entanto ainda não se identificou um plano de desenvolvimento regional e territorial que melhor planeje e contemple o recurso territorial da ponte e CUF nos processos de planejamento e governança do desenvolvimento.
67A partir da análise dos dados destaca-se que os atores locais realizaram grandes esforços para se fazer escutar em Brasília e Buenos Aires (apresentação de cenário aduaneiro, educacional e econômico) das cidades gêmeas em estudo perante aos atores centrais de Brasília e Buenos Aires. Neste processo ainda resta muita reflexão, pesquisa e ações de extensão, no entanto pode-se afirmar que a a ponte e o CUF tornam-se marcadores territoriais estratégicos para os Estados nacionais, assim como um marcador de diálogo e aproximação entre Brasília e Buenos Aires de São Borja e San Tomé.
68No processo das escalas geográficas de poder observa-se o protagonismo e poder político do Estado brasileiro (predominância em número de atores e interesses no processo) e da Prefeitura Municipal de São Borja (a escala local demonstrou uma densidade institucional e descentralização das ações), que lideraram as discussões e arenas decisórias do devido processo concessional. Um ator estratégico por parte do Estado Argentino, foi o Embaixador Argentino em Brasília, Daniel Scioli. Ao longo das arenas analisadas constata-se a centralidade das discussões e decisões entre representantes eleitos, sendo raras as ações que possibilitaram o diálogo com os setores da comunidade.
69No âmbito local destaca-se também a participação ativa das Aduaneiros, Universidades regionais, ACISB, Comissões do CIF, OAB, sindicatos, Câmara de Vereadores, e Senador Luiz Carlos Heinze. Uma constatação inicial na pesquisa que ainda se encontra em fase preliminar, observa-se nas devidas ações diversas Cooperações escalares (Local-nacional; Internacional-local; local-regional), onde poder decisório ocorre respectivamente da escala internacional (Comab)-nacional (Estados nacionais)-local (prefeituras e territórios fronteiriços).
70Para finalizar este inicial reflexão afirma-se que o poder político e institucional local (São Borja e San Tomé), conseguiu mobilizar os atores principalmente do Ministério dos Transportes do Brasil, para virem a região conhecer e melhor planejar o edital de concessão, que teve como atividade simbólica o evento “Escuta da comunidade fronteiriça sobre a concessão da ponte”, realizado na Unipampa, campus São Borja, que contou com diversos atores.
71Neste processo político e territorial da nova concessão da ponte da integração e do Centro Unificado de fronteira (CUF), se observa dois fatores de inovação (ações descentralizadas que abarcaram três áreas centrais; e inovação a partir da relação entre Universidades, CUF e profissionais da logística e comércio internacional).