- 1 Este artigo decorre da pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paul (...)
1A partir dos mapas produzidos pelo professor Hervé Théry no segundo trimestre de 2024 sobre internet e telefonia móvel no Brasil, propomos uma análise1 de como se distribuem os sistemas de internet em diversos tipos de redes no território brasileiro. Estes mapas fazem parte da elaboração da 4ª edição do Atlas do Brasil que será publicado pela editora Edusp em 2025.
- 2 O conjunto de equipamentos que constitui a internet cumprem funções da rede serviço e a rede suport (...)
2A cartografia das redes de telefonia e internet móvel (4G e 5G), da qualidade da conexão, e da densidade da internet banda larga fixa apresentam um ordenamento frequente de concentração das redes suporte e rede serviço2 em determinados pontos e áreas no território, visto que agentes públicos e privados, via de regra, privilegiam a implementação destas redes onde há maior número de habitantes e infraestruturas. Ao mesmo tempo, há uma recente e importante capilarização por meio de determinados sistemas em rede para cidades de menor porte que nem sempre estão próximas às capitais dos Estados. Isso também pode ocorrer com outros tipos de redes, como as de energia elétrica, rodovias, rede bancária etc.
3A disparidade da implementação destas redes no território nacional, com a tradicional concentração no Sul e no Sudeste, ao longo do litoral nordestino e nas capitais dos Estados, evidencia a menor densidade infraestruturas de comunicação na região Norte e Nordeste, como as fibras óticas, enquanto há pontos pulverizados de conexão à internet por meio de telefonia móvel no território. Assim, há possibilidades de um novo funcionamento, uma nova organização e um novo uso do território a partir da emergência de tecnologias que capilarizam a informação em rede, baseadas numa integração eletrônica corporativa de pontos selecionados (Castillo, 1999) e que, inclusive, podem abranger lógicas cooperativas, horizontais e de agentes de menor poder político e econômico.
4A estrutura de banda larga fixa no Brasil começou a ser implementada e usada no começo dos anos 2000 para substituir a internet discada. Ela proporciona uma conexão com mais velocidade, e difere do acesso discado pela largura de sua banda, isto é, a capacidade de transmissão de determinado meio, conexão ou rede, definindo a velocidade com que trafegam os dados.
5As novas redes privadas vêm proporcionando um acesso mais veloz segundo o valor dos serviços. Há que se considerar também a participação das redes públicas, como por exemplo, a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), criada em 1989 pelo então Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) para ser uma infraestrutura nacional de internet no campo acadêmico e como estratégia para disseminar a rede pelo país (RNP, 2024a).
6As redes de propriedade de empresas com maior extensão em termos de infraestrutura, e as públicas em menor tamanho, foram implementadas no território com um encadeamento mais eficiente sobretudo a partir do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), criado em 2010 para atender a crescente demanda por acesso à internet com melhor qualidade de conexão e, assim, prover acesso massificado à internet banda larga no país, em parceria com empresas privadas de vários tamanhos e provedores de internet, por meio de ofertas de varejo, atacado e atendimento por satélite nos municípios.
7Em grande medida o PNBL se deu como consequência da política de privatizações da década de 1990, visto que as porções do território com menor densidade de infraestrutura para acesso à internet não receberam investimentos das empresas da iniciativa privada, pois, tendo população de baixa renda e/ou menor densidade populacional, não proporcionariam retorno de capital suficiente para os padrões de acumulação daquele período.
8Cabe ressaltar que recentemente está sendo colocado em prática uma série de ações governamentais para expandir a rede de fibra óptica pelo território, por meio de programas como Infovias Estaduais, Alunos Conectados, Conexão das Escolas, Nordeste Conectado e Norte Conectado (RNP, 2024b). Este último programa está em fase de instalação de fibras óticas nos leitos dos rios da Amazônia.
9Destacamos que para que as redes de telecomunicação transmitam informação e efetivem a comunicação, elas demandam operações complexas e custosas, e por isso que o panorama que vemos atualmente nos mapas apresentados é de um investimento seletivo das empresas em lugares e regiões capazes de lhes retornar em curto prazo o capital aplicado.
10A necessidade de um plano nacional de banda larga acentua a importância da presença da União e Estados federados como reguladores das definições de prioridades e do direito ao acesso à informação e à comunicação. A conexão por banda larga ainda é muito cara para a renda média do país, e, uma vez que empresas privadas não investem em algumas regiões, o Estado precisa fomentar esse desenvolvimento.
11A densidade das redes para acesso à banda larga fixa se espacializa atualmente segundo a configuração apresentada no Mapa 1.
Mapa 1 – Densidade de internet de banda larga fixa, Brasil, 2024
Fonte: IPS Brasil, 2024
12O Mapa 1 apresenta a densidade das redes de internet de banda larga fixa, com maior e mais contígua presença nas Regiões Sul e Sudeste, abrangendo até a metade do Estado de Minas Gerais. A partir daí, se verifica menor densidade até o norte deste Estado, identificada pela cor vermelha, sobretudo vermelho escuro. Há várias parcelas das regiões Sul e Sudeste que não estão cobertas por estas redes, como algumas manchas no noroeste e sul de São Paulo, centro do Paraná, centro de Santa Catarina e centro-norte do Rio Grande do Sul. Na região Centro-Oeste, as redes de internet banda larga fixa estão presentes de modo menos contíguo em comparação com as regiões supracitadas. Constatamos em todos os Estados desta região que, nos pontos onde as redes estão implantadas, elas servem especialmente às atividades da agroindústria, e com presença acentuada no Distrito Federal, que pode ser explicado pelas presenças de rendas mais altas, empresas e pelo poder político. Na Região Norte há menor densidade de infraestrutura de banda larga fixa de modo contíguo ao compararmos com outras regiões, e há concentração de redes nas capitais dos Estados, em pontos ligados às atividades agroindustriais e de mineração e/ou garimpo.
13Na Região Nordeste há uma grande área com pouca densidade desse tipo de rede. A presença da banda larga pode ser notada nas capitais dos Estados e áreas que correspondem às atividades da agroindústria. Também podemos observar que há maior densidade em cidades de menor porte no interior dos Estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.
14Tal ordenação na Região Nordeste decorre da presença dos Provedores Regionais de conexão à internet (PRs), que não substituem e nem respondem integralmente às necessidades de iniciativas públicas para ampliar o acesso à internet e integrar mais cidadãos às redes. Contudo, atendem regiões e lugares que são relegados por operadoras de maior porte, especialmente cidades menores, afastadas dos grandes centros e áreas rurais que não têm atratividade econômica para esses agentes (Bertollo, 2021).
15Em 2023, os PRs lideraram o mercado em mais de 5 mil municípios, principalmente aqueles entre 100 e 500 mil habitantes, somando 52% dos acessos. Entre os municípios de 30 mil a 100 habitantes obteve 83% da participação no total de acessos banda larga fixa. E naqueles municípios com menos de 30 mil habitantes, esses provedores abrangem até 93% das conexões (TELECO, 2023).
16Identificamos que nos lugares, cidades e regiões onde a qualidade da internet está mais ligada às estruturas físicas e contíguas, como os cabos de fibra ótica e uso de Wi-Fi, com um tipo de conexão de melhor qualidade que outras, ela se mostra mais concentrada no meio técnico-científico-informacional (Santos, 1988) com a presença importante de uma tecnosfera (Santos, 1996), isto é, com uma estrutura, um sistema de objetos técnicos encadeados que depende do desenvolvimento da ciência e da tecnologia, em razão da geografia dos fluxos, nesse caso, fluxos informacionais, se vincular à geografia dos fixos, que são a infraestrutura de cabos de fibras óticas.
17Há grandes disparidades de acesso entre os grandes centros urbanos e lugares afastados de cidades maiores, com poucas exceções como no caso das cidades atendidas pelos provedores regionais. E os lugares com menor densidade desse tipo de rede são aqueles que não oferecem contrapartida às operadoras, que não têm interesse em investir onde não há atrativo comercial. Por isso, a expansão das redes é uma questão de políticas sociais públicas e de direito à comunicação.
- 3 Há ainda conexões 2G e 3G ativas no território, e estão sobretudo onde não há outro tipo de conexão (...)
- 4 Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) abriu Consulta Pública sobre a proposta para homologa (...)
18As redes para conexão à internet móvel 4G e 5G têm uma capilaridade maior do que a de banda larga fixa. Há que considerar, no panorama da internet móvel, que ainda se faz uso da conexão 2G e 3G3 em alguns pontos e regiões4, com um tipo de conexão de menor qualidade, mas que permite o uso de aplicativos de forma restrita como o WhatsApp, por exemplo, tornando-o muito popular em vários estratos sociais no Brasil (Mello, 2023).
19A Internet Móvel 4G e 5G têm suas redes ampliadas numa topologia e, com o passar dos anos, alcança uma grande parte dos municípios do território brasileiro. Esse fenômeno foi possível ela utilização massificada dos novos sistemas técnicos fixos e portáteis dado pelo smartphone, que aos poucos chegou a pontos do território antes excluídos dessa e de outras redes.
20Destacamos que no Brasil, em 2014, os smartphones se tornaram os aparelhos preferenciais para se conectar à internet, ultrapassando os computadores. Atualmente, segundo a TIC Domicílios de 2023 (CGI, 2023), praticamente a totalidade (99%) dos usuários de internet brasileiros com 10 anos ou mais se conectou à rede por meio do smartphone, que continua sendo o dispositivo mais utilizado para esse fim.
- 5 A letra G indica a geração de cada uma dessas redes. As mais antigas, projetadas somente para tráfe (...)
21No que diz respeito às gerações5 das tecnologias, a rede de quarta geração (4G), começou a ser instalada em meados de 2012 e, diferente das redes anteriores, utiliza antenas de transmissão menores, e produz um sinal mais estável e veloz, pois se conecta às estações rádio base (ERB) ou antenas com a central por cabo de fibra ótica.
- 6 O 5G abrange os espectros de 24,3 GHz a 27,50 GHz, 3.300-3.700 MHz, 2.300-2.390 MHz; e a 4G (ou LTE (...)
22A quinta geração, (5G), começou a ser implementada e utilizada em 2021, com velocidade maior de conexão e menor atraso na transmissão de dados por meio de ondas de rádio, e, com maior cobertura nos espectros em que é utilizada6 se comparada à 4G, com capacidade de conectar muitos dispositivos simultaneamente. Isso abriu possibilidades para uma série de inovações e aplicações como a internet das coisas (internet of things ou IoT) nas cidades e no campo.
23Frisamos que para o desenvolvimento técnico das redes, o espectro eletromagnético é o meio indispensável, por é por onde se transportam as frequências. As diferentes frequências são separadas conforme o comprimento de onda e agrupadas em zonas chamadas espectros. Isso significa que há cada vez mais a transformação dos atributos naturais de um território, nesse caso, o seu espectro eletromagnético, em elementos de competição espacial ou, em outros termos, de apropriação corporativa do território. No Mapa 2 é possível observar a espacialização dessas redes.
Mapa 2 – Cobertura de internet móvel (4G/ 5G), Brasil, 2024.
Fonte: IPS Brasil, 2024
24No Mapa 2, a Região Sudeste tem cobertura da internet móvel 4G e 5G com maior densidade, notadamente no Estado de São Paulo, com quase todo o seu território coberto, assim como o Estado do Rio de Janeiro, a parte sul do Estado de Minas Gerais e parcela importante do Estado do Espírito Santo. Algumas áreas da Região Centro-Oeste apresentam cobertura maior do que a internet banda larga fixa apresentada no Mapa 1, com extensas áreas cobertas, sobretudo, para atender as atividades da agroindústria, além da densidade observada no Distrito Federal.
25A Região Norte também dispõe de uma cobertura maior de internet móvel 4G e 5G do que de internet banda larga fixa, principalmente no interior dos Estados, dada a expansão capilarizada dessas redes baseadas em novas tecnologias de internet via satélite que atendem as demandas de conexão de várias atividades como os garimpeiros na fronteira da Amazônia Legal (Fernandes, 2024). Segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), em setembro de 2024, 90% dos municípios da Amazônia Legal tinham acesso à internet pelas antenas e satélites da empresa Starlink. Essas infraestruturas e conexões estão presentes em cidades com maior densidade demográfica como as capitais dos Estados, mas também em cidades de menor porte distantes das capitais, que também têm demandas a serem atendidas em relação a outros tipos de infraestutura de comunicação e de transporte, por exemplo (ANATEL, 2023). Nos 125 municípios que compõem a faixa de fronteira da Amazônia Legal, todos possuem pelo menos uma antena da Starlink em seu território. (Fernandes, 2024).
26Na Região Nordeste a densidade de telefonia móvel 4G e 5G também se encontra mais capilarizada do que a rede de internet banda larga fixa e há importante presença no interior dos Estados do Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Sergipe e Alagoas. Na Bahia a densidade é maior na faixa litorânea e nos Estados do Piauí e Maranhão os pontos de conexão são pulverizados pelo interior.
- 7 A maior participação de provedores regionais faz parte das ações do Plano Nacional de Banda Larga ( (...)
27Essa ordenação na Região Nordeste está ligada à maior participação de provedores regionais onde a conexão é insatisfatória e não há fornecimento de serviços pelas grandes empresas de telecomunicação, como já citamos na análise do Mapa 1. Houve um movimento de capilarização das redes suporte pelo território para que provedores regionais7 pudessem fornecer o sinal e a conexão à rede serviço aos usuários de cada smartphone (Bertollo, 2021). Salientamos que em 2023 existiam 20 mil provedores regionais de internet no país, com aproximadamente 23 milhões de pontos de acesso (Ministério das Comunicações, 2023).
28Esse tipo de integração envolve, portanto, relações interescalares, em que diversos pontos do território, ainda que distantes dos nós das redes de internet, se conectam a diversas redes e recebem ordens e informações que procedem de pontos distantes. Assim, a partir desse novo ordenamento, os fluxos que em outros períodos eram apenas regionais, têm agora um alcance maior por se conectarem com outras metrópoles nacionais e internacionais, capitais regionais ou nacionais e pequenos centros.
29A rede suporte e a rede serviço têm um papel importante na abordagem das redes geográficas, pois constituem uma tipologia. Esses dois tipos de redes se articulam e uma define a outra, possibilitando entender como as redes se transformam. O uso do smartphone requer infraestruturas especializadas e demandam serviços capilarizados, como as operadoras de internet móvel e fixa, assistência técnica de software e hardware, atendimento ao cliente etc. Logo, a difusão social e espacial dessa rede depende da capilarização tanto da infraestrutura quanto dos serviços, como por exemplo o condicionamento da implantação das ERB pelo aluguel da área, como os topos dos prédios e locais com maior altitude nas cidades e no campo.
30A telefonia móvel tem um papel significativo na capilarização da internet pelo território, e se constitui numa importante ferramenta para compreender a relação entre as diversas escalas, visto que os fluxos de informações que percorrem essas redes são variáveis subordinadas ao sistema financeiro integrado mundialmente, à organização econômica e à política dos lugares.
31Simultaneamente, influenciam as práticas sociais, devido à importância da informação na vida cotidiana das pessoas, pois se torna corriqueira pela junção da comunicação e computação em que a digitalização de dados e informações para difusão e tratamento de mensagens eletrônicas, juntamente com suas intencionalidades, produzem a massificação da informação banal (Bertollo, 2019).
- 8 Entendemos que o conceito psicosfera deve ser apreendido de modo inseparável do conceito tecnosfera (...)
- 9 Estas são as corporações que exercem um poder com pouco ou nenhum obstáculo normativo e material pa (...)
32Portanto, vários pontos do território são alcançados por uma psicosfera8 (Santos, 1994), isto é, “o reino das ideias, crenças, paixões e lugar da produção de um sentido que fornece regras à racionalidade e estimula o imaginário” (Santos, 1994, p. 128). Assim, chegam novos vetores de consumo, de informações, de conhecimentos e inúmeras possibilidades. Esse sistema comunicacional também tem o poder de influenciar e difundir ideologias, reproduzindo e transmitindo padrões de pensamentos sobre política, cultura, economia e comportamentos, por meio do monopólio das corporações9 de tecnologia sobre a produção e circulação de informações e estruturas de conexão à internet.
33O Mapa 3 apresenta a densidade de telefonia móvel no território brasileiro, onde estão presentes as infraestruturas de conexão, isto é, a rede suporte que viabiliza a conexão à rede serviço.
Mapa 3 – Densidade de telefonia móvel, Brasil, 2024
Fonte: IPS Brasil, 2024
34O Mapa 3 evidencia que, de forma geral, a densidade das redes de telefonia móvel no Brasil, abrangendo todas as gerações tecnologias de conexão em uso, compreende muito mais pontos e apresenta uma contiguidade importante quando comparamos à espacialização apenas da densidade de internet banda larga fixa ou exclusivamente da cobertura de internet móvel 4G e 5G, demonstradas nos Mapas 1 e 2.
35Ao espacializar todas as redes de telefonia móvel no território brasileiro, o Mapa 3 indica que os acessos à internet são dependentes da tecnosfera, pois há diversos modos de realizar conexão como fibras óticas, ERB e satélites para um acesso mesmo que sem muita qualidade, e ainda existem as segunda e terceira gerações (2G e 3G) em atividade. Portanto, ocorrem outras formas não obrigatoriamente ligadas “ao fio”, com capacidade de conexão, em que pesem a perda de qualidade, as disparidades de renda e as possibilidades de se consumir ou não os serviços disponíveis. De maneira geral é possível verificar no Mapa 3 a possibilidade de obtenção de sinal de internet mais abrangente no país.
36A Região Sul apresenta maior densidade nas porções próximas às capitais e menor densidade no interior dos Estados, que também têm menor densidade de internet banda larga fixa e da cobertura de internet móvel 4G e 5G, como visto nos Mapas 1 e 2. Na Região Sudeste há a tradicional densidade nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, e Minas Gerais comporta uma densidade importante até o começo da sua porção norte, onde as redes começam a ficar mais rarefeitas.
37A Região Centro-Oeste conta com uma certa densidade nas capitais dos Estados e no Distrito Federal, e é possível inferir que estas redes estão presentes, mais uma vez, nas parcelas do território responsáveis pela produção da agroindústria, ainda que existam vastas extensões de terras sem nenhum provimento de internet móvel.
38A Região Nordeste tem pontos com densidade dessas redes principalmente nas capitais dos Estados e sem nenhuma provisão de serviços no interior dos Estados em municípios distantes das capitais demonstrando que, de maneira geral, as principais conexões em porções do interior dos Estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará são da internet móvel 4G e 5G, como visto no Mapa 2.
39A Região Norte, ao compararmos com a densidade de internet banda larga fixa e a cobertura de internet móvel 4G e 5G, apresenta uma maior presença de telefonia móvel, ainda que pulverizada pelos Estados e mais presente nas capitais. Esta ocorrência se dá pelo acesso à internet por meio das antenas e satélites da empresa Starlink, como é o caso analisado do Mapa 2 sobre a cobertura de internet móvel 4G e 5G.
40Ao abordarmos a densidade e cobertura de várias redes de internet no Brasil, um ponto importante é entender qual é a condição da conexão, isto é, a qualidade do acesso, que está ligada à alta velocidade de download e upload de dados, à baixa latência durante o uso, a estabilidade da conexão, a segurança em termos de vírus e ataque de hackers, o tipo de infraestrutura e se há suporte técnico hábil (NIC.br, 2024). A qualidade da internet impacta em diversos âmbitos sociais e econômicos, como produtividade no trabalho, educação à distância, entretenimento, comunicação, negócios online, IoT e automação de estruturas na cidade e no campo, e acesso à serviços sociais, de saúde e financeiros como, por exemplo, o Sistema Único de Saúde e Caixa Econômica Federal.
41A possibilidade e a qualidade do acesso com velocidade e fluidez também são dadas em função da localização do indivíduo e de sua capacidade de adquirir objetos conectores e pagar pelo serviço que permite sua conexão com melhor ou pior qualidade.
42Ressaltamos que, por um lado, as redes de internet são diferentes das redes de comunicação pretéritas como o rádio, a televisão e os jornais, que têm orientação unidirecional de pouca interatividade e uma hierarquia de informação verticalizada, analógica, linear e centralizada, que apreende sobretudo as escalas do lugar à formação socioespacial. Por outro lado, as redes digitais herdam as infraestruturas passadas e têm uma essência multidirecional de alta interatividade, com topologia distribuída que ultrapassa fronteiras e se consolida como uma rede transnacional de redes (Bertollo, 2019).
43Por meio do Mapa 4, observamos como a rede de telecomunicações se disseminou pelo território de modos diferentes, resultando em distintos impactos, pois acumula objetos e ações no território com o passar do tempo, de acordo com a condição de implementação e uso, constituindo a disparidade de densidade das redes de acesso à internet e a sua qualidade.
44Assim, as variáveis de cada porção do território – como a topografia, a rede hidrográfica, a presença de redes técnicas como rodovias e estruturas de telecomunicações, a demografia, o nível de urbanização entre outros fatores - onde essas redes são implementadas, influencia no tipo e na qualidade do fluxo que a percorre.
45O suporte desigual no território quanto à qualidade do fornecimento do serviço de conexão à internet segue a densidade populacional, a acumulação de riqueza e a densidade de redes técnicas das regiões metropolitanas. Elas têm melhor cobertura, maior número de linhas e de pontos de assistência, melhor qualidade e mais velocidade de conexão, atendendo ao objetivo de rentabilidade das corporações de telecomunicações, que investem em áreas com maior potencial de retorno do capital aplicado.
46A má qualidade do acesso à internet em muitas porções do território brasileiro se deve à falta de expansão da rede suporte, principalmente dos cabos de fibra ótica, que podem ser instalados sob o solo, mares ou rios. As metrópoles abrigam a maior parte das fibras com velocidades melhores e nesses termos, há imensas disparidades de acesso entre os grandes centros urbanos e porções distantes dos grandes centros, como nos apresenta o Mapa 4.
Mapa 4 – Qualidade de internet móvel, Brasil, 2024
Fonte: IPS Brasil, 2024
47O Mapa 4 indica que a qualidade da internet móvel é mais efetiva e generalizada nas Regiões Sul e Sudeste, salvo alguns fragmentos do Estado de Minas Gerais na sua porção norte, com baixa qualidade. As Regiões Centro-Oeste e Nordeste apresentam pior qualidade ao adentrar no interior dos Estados, isto é, quando se distanciam das capitais, e ao mesmo tempo podemos observar que a qualidade da internet móvel é satisfatória em pontos onde estão localizadas atividades da agroindústria e eventualmente pela presença de provedores regionais que fornecem acesso onde não há grandes empresas provedoras.
48De todas as regiões, a Região Norte é a que tem pior qualidade, ainda que apresente pontos dispersos com melhor conexão.
49É importante considerar que a rede urbana brasileira é marcada por uma “complexidade genética, com diversos padrões espaciais, crescente complexidade funcional dos seus centros e diversos tipos e intensidade de integração interna e externa” (Corrêa, 2001 p. 95). Portanto, ela é composta de diversas divisões territoriais do trabalho pretéritas (Santos, 1985), em que convivem, no mesmo espaço da cidade, fixos que implementados no início da colonização e outros estabelecidos no começo do século XXI, sob a ação de distintos processos que compõem os centros urbanos em tempos desiguais.
50Logo, a rede urbana nacional não tem um único padrão espacial, pois o território apresenta altas densidades demográficas e de redes técnicas em algumas porções da Região Sudeste e nas capitais nordestinas e, ao mesmo tempo, também há baixas densidades nas regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste, e isso impacta na densidade das redes e da qualidade da conexão à internet.
51Nos mapas sobre a densidade de internet banda larga fixa, cobertura de internet móvel 4G/ 5G, densidade de telefonia móvel, e qualidade de internet móvel, constatamos que o suporte desigual no território quanto ao fornecimento do serviço de conexão à internet segue a densidade populacional, a acumulação de riqueza e a densidade de redes técnicas das regiões metropolitanas.
52Nessas porções há melhor cobertura, maior número de linhas e de pontos de assistência, melhor qualidade e mais velocidade de conexão, atendendo ao objetivo de rentabilidade das corporações de telecomunicações, que investem em áreas com maior potencial de retorno do capital aplicado.
53Sua implementação e distribuição no território nacional decorrem da herança de desigualdades estruturais, sociais e econômicas, o que restringe o acesso à conexão a certos lugares, aliada às definições do mercado sobre quem pode arcar com os custos do acesso à rede.
54Podemos notar a indissociabilidade entre o fenômeno da urbanização e o meio técnico-científico-informacional num território das dimensões do Brasil, onde a comunicação e conexão entre os pontos, fundamental e estratégica, sempre foi difícil por ter sido tradicionalmente centralizada.
55O advento do smartphone e a banalização de seu uso transformaram as interações a partir do momento em que um número crescente de pessoas passou a se comunicar. A capilarização das informações, por meio deste objeto técnico que é praticamente um computador na mão de cada cidadão, deu nova dinâmica de funcionamento à sociedade, e ainda não há resposta a fenômenos e eventos que estão em andamento.
56Nessa conjuntura, cabe a reflexão sobre o direito ao acesso à tecnologia e à comunicação, ou seja, qual a situação dos desconectados da rede. Negar o acesso aos serviços de comunicação descumpre o direito do cidadão, e a regulação das redes define o acesso ou não de determinados pontos, cidades, regiões e cidadãos.
57O comando da cobertura das redes e sua difusão afetam os processos produtivos e sociais, e ainda, o acesso à informação, à comunicação e a inclusão da população no uso das tecnologias remete à Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (Gonçalves, 2011, p. 20), no âmbito da contestação às práticas excludentes como meio de se superarem as desigualdades e, para Lévy (2000, p. 237), “o excluído e desconectado não participa da densidade relacional e cognitiva das comunidades virtuais e da inteligência coletiva”.
58O acesso às diferentes redes como direito humano fundamental conecta e interliga práticas sociais, campos de conhecimento e direitos, intensificados e fortalecidos pelos objetos técnicos que são disponibilizados. Acessar informações e serviços públicos, compartilhar vivências online, produzir e difundir conhecimento e informações através da internet são aspectos da cidadania. E as disparidades no território brasileiro envolvem tanto o significativo crescimento do uso do smartphone como a desconexão da internet.
59Nesse quadro, também há novos desafios a serem considerados, como uma série de informações falsas que atingem a população mais vulnerável ao uso perverso da informação. Esse fenômeno acorre desde a capilarização do sinal de televisão pelo território a partir dos anos 1950, mas se intensifica com o smartphone se tornando o principal objeto técnico na promoção dessa ação, configurando o que Santos (2000) definiu como violência da informação.
60Procurando resolver a desconexão de várias porções do território, governos de vários países, inclusive o do Brasil, lançaram planos nacionais de banda larga, para incentivar a migração para redes mais atualizadas e eficientes. E para implementá-las, o plano considera a existência de redes legadas, a densidade populacional, as condições topológicas e a extensão territorial (Bertollo, 2019).
61E para a potencial conexão e para os já conectados com melhor qualidade de acesso, ainda há a problemática sobre o que concerne a economia da internet, que se baseia nos dados que se captam dos usuários, muitas vezes sem que estejam cientes do que estão dispondo. Portanto, a reflexão e discussões sobre a capilarização da informação pelo território são importantes e urgentes, pois abarcam um entendimento sobre o funcionamento dos sistemas técnicos, dos equipamentos, dos agentes e dos objetos que formam espaço de forma simultânea.