1Implementar estratégias para fortalecimento do desenvolvimento territorial no espaço rural é um grande desafio e estratégias territoriais devem ser pensadas considerando além da economia, perspectivas sociais e ambientais. A história da agricultura mostra que ao longo dos anos os seres humanos criaram uma série de conhecimentos e tecnologias para serem aplicados na produção de alimentos, porém na década de 1970, houve uma mudança significativa no campo mundial, através da denominada “revolução verde” ou “modernização da agricultura” (NUNES, 2017). Os pequenos agricultores são os que mais sentem os impactos socioeconomicos negativos causados por este modelo de produção em parte por apresentarem dificuldade em atingir a escala necessária ou, em certa medida, por contrair dívidas com a compra de maquinários e insumos agrícolas que o mercado demanda.
2Um dos fenômenos atuais que gerou impactos socioeconômicos positivos para pequenos agricultores é o sistema de agricultura apoiada pela comunidade, as CSA – Comunidade que Sustenta a Agricultura/Comunidade Sustentada pela Agricultura (FERREIRA NETO et al, 2015). Essa iniciativa diz respeito a uma parceria entre co-agricultores e agricultores na gestão de um contrato de economia solidária/associativa que se baseia no pré-financiamento total da produção pelos co-agricultores possibilitando dinâmicas menos mercantilistas onde são contabilizados valores que correspondem à qualidade de vida de agricultoras e agricultores em amplo espectro, que são cobertos, em orçamento anual, pelos co-agricultores da comunidade (HENDERSON & VAN EN, 2007). É um movimento que busca criar um sistema agrícola alternativo através da agricultura e seu consumo, consolidando uma forma de inovação social com forte potencial para a mudança social e desenvolvimento territorial (KONDOH, 2014).
3A prática da Agricultura Solidária já recebeu diversos nomes. O termo Community Supported Agriculture (CSA) se popularizou em inglês por todo o mundo a partir de 1985 quando a prática ganhou representatividade nos Estados Unidos. No português, a tradução “Comunidade que Sustenta a Agricultura” possibilitou manter a sigla CSA, embora outros nomes já tenham sido encontrados na literatura como “Agricultura Apoiada pela Comunidade” (CASTELO BRANCO, et. al., 2011). Na Alemanha foi mantido o termo criado antes da consolidação nos Estados Unidos, Solidariche Landwirtschaft – SoLaWi, que pode ser traduzido para “Agricultura Solidária”, embora o termo CSA seja também muito utilizado e difundido entre os praticantes hoje em dia.
4Um dos primeiros conceitos aplicados às CSA tem sua origem no ano de 1917 quando foi falado da Economia Associativa na Alemanha. No final dos anos de 1980, a Alemanha inicia a experiência das Solidarische Landwirtschaft – SoLaWi onde a produção é financiada por um grupo de pessoas que participa em diversos níveis da autogestão e/ou do próprio processo agrícola de plantio e cuidado com a terra (EUROPEAN CSA RESEARCH GROUP, 2016) com vistas a proporcionar benefícios sociais e ambientais, como a multiplicação da biodiversidade e a preservação dos recursos naturais restaurando e melhorando as paisagens ecológicas e agriculturais (DAROLT, 2014; BLÄTTEL-MINK, et. al., 2017).
5No Brasil, o primeiro grupo começou em 1997 na cidade de Fortaleza no Ceará com o nome ADAO – Associação de Desenvolvimento da Pecuária Orgânica e permaneceu em atividade por 10 anos (YAMAMOTO, 2006). Mais recentemente, em 2011, surge na cidade de Botucatu/SP, a CSA mais antiga em atuação até os dias de hoje, a CSA Demétria. O estado de São Paulo apresenta um crescimento no desenvolvimento das CSA, e conta com a atuação da rede CSA Brasil que se consolidou, em 2014, com membros das CSA do Estado de São Paulo (CSA BRASIL, 2018). Este movimento se mostra semelhante ao ocorrido na Europa, onde durante a década de 1980 e início dos anos 2000, o número de CSA em atuação se manteve estável passando por um forte crescimento a partir de 2005. Na Europa, atualmente, já estão catalogadas 2.783 comunidades operantes, e no Brasil, 72. É um movimento muito dinâmico e os números estão mudando rápido, uma vez que muitas CSA estão em fase de planejamento e estarão funcionando brevemente (EUROPEAN CSA RESEARCH GROUP, 2016).
6O objetivo deste artigo foi analisar os aspectos ambientais que constituem as práticas e relações das SoLaWi e das CSA, apresentando indicadores qualitativos que foram construídos através de uma combinação de metodologias e que compreendem variações de biodiversidade, preservação do solo e saúde das pessoas e ecossistemas, conservação do solo e acesso à terra, além de mostrar como as CSA são diversas e podem, de acordo com o contexto em que estão inseridas, colaborar com os desafios socioambientais da produção de alimentos.
7O artigo está organizado em quatro seções. A primeira começa com esta Introdução, na sequência falaremos sobre a metodologia de pesquisa aplicada, seguida da apresentação dos resultados e elaboração das discussões e, por fim, as Considerações Finais.
8Para o desenvolvimento da pesquisa foi elaborado um arranjo de metodologias que buscasse ferramentas necessárias à estruturação de uma narração reflexionada da vida cotidiana entre pesquisadores e participantes de forma individual e coletiva. O enfoque das ferramentas está em realizar um processo comunicativo de entendimento e reflexão, onde as interpretações são válidas a partir das perspectivas dos participantes e dos sentidos que são atribuídos por eles (GÓMEZ, et. al, 2006). O arranjo apresenta como base fundamental a metodologia comunicativa-crítica proposta por Gómez, et. al (2006). Foi utilizada como ferramenta para guiar as entrevistas realizadas com os participantes da pesquisa o Roteiro do Relato Comunicativo de acordo com a proposta da metologia de Gómez, et.al, (2006).
9Um primeiro levantamento foi feito para os dois grupos nos respectivos sites de articulação das redes CSA Brasil e Urgenci. Foram consultadas, por meio de um e-mail convite, quais CSA no estado de São Paulo e na Alemanha teriam disponibilidade e interesse para realizar a entrevista e receber a visita da pesquisadora durante o periodo de coleta de dados para cada localidade.
10Na Alemanha foram escolhidas 5 CSA (Figura 1), para serem entrevistadas, considerando questões logísticas do trajeto a ser percorrido na viagem à Alemanha, as visitas em cada fazenda duravam em média 4 dias e ocorreram entre os dias 20 de julho a 10 de agosto de 2016. Foram visitadas na Alemanha, na seguinte ordem, SoLaWi Freudenthal no município de Witzenhausem, SoLaWi Dorfgarten no município de Neu-Eichenberg, SoLaWi Dalborn no município de Blomberg, SoLaWi Wilde Gartenrei no município de Biesenthal e SoLaWi Rote Beete no município de Taucha.
Figura 1. Mapa das SoLaWi visitadas na Alemanha
Fonte: Autoras / QGIS, 2024
11Em São Paulo foram escolhidas 4 CSA (Figura 2), para serem entrevistadas, de acordo com a disponibilidade dos agricultores em participar da pesquisa ao longo do período de coleta de dados entre 13 de outubro de 2017 a 31 de janeiro de 2018. Foram visitadas no estado de São Paulo, na seguinte ordem, CSA Demétria no município de Botucatu, CSA Itapê no município de Itapetininga, CSA SP na capital metropolitana de São Paulo e CSA São Carlos no município de mesmo nome.
Figura 2. Mapa das CSA visitadas em São Paulo
Fonte: Autoras / QGIS, 2024
12As entrevistas realizadas foram gravadas e transcritas para a realização da análise qualitativa. As entrevistas foram estruturadas nas ferramentas chamadas Relatos Comunicativos quando realizados com uma pessoa e Grupos de Discussão Comunicativos quando realizados com mais de uma pessoa (GÓMEZ, et. al, 2006). Para a análise dos dados transcritos e agrupamento dos temas optou-se por uma segunda metodologia de análise de dados, a análise de conteúdo com categorias não definidas a priori (FRANCO, 2005) que auxiliou no agrupamento e cruzamento dos temas.
13A metodologia comunicativa critica organiza os resultados em duas dimensões qualitativas, a excludente, representada pelas barreiras que pessoas ou coletivos encontram que os impede de incorporar uma prática ou benefício social, e a dimensão transformadora que se constitui das categorias que ajudam a superar barreiras que impedem a incorporação de pessoas ou coletivos excluídos a práticas ou benefícios sociais. Os temas construídos com base na análise de conteúdo das entrevistas foram organizados nas categorias excludentes e transformadoras de acordo com as interpretações dos dados e respectivas validações e contribuições dos entrevistados e para o presente trabalho servirão de base para a comparação qualitativa entre as CSAs dos dois países. A identificação destas dimensões devem ser um passo prévio para a concretização de ações superadoras das barreiras encontradas, pois o peso da investigação recai na busca de formas para superar as desigualdades sociais (GÓMEZ, et. al., 2006).
14Estes resultados agrupados em temas excludentes e transformadores são chamados neste trabalho de Indicadores Ambientais por representarem qualitativamente as diretrizes pelas quais estas CSA orientam suas relações e práticas em busca da preservação do ambiente natural e na mitigação dos impactos da agricultura. Estes indicadores podem ser um ponto de partida para aprofundamentos em pesquisas futuras que busquem compreender o cenário socioambiental das práticas associativas e que podem ser fortalecidas para auxiliar na preservação ambiental aliada à produção de alimentos na agricultura.
15Os Indicadores Ambientais foram construídos a partir dos resultados encontrados com base nas metodologias aplicadas considerando os métodos de produção, as relações com a preservação do ambiente natural e os impactos da agricultura praticada, e foram agrupados nos temas: Modelos produtivos, Produtividade da terra e Desafios e impactos da produção.
16Dois grupos foram escolhidos para participar da pesquisa, SoLaWi na Alemanha e CSA no estado de São Paulo, Brasil, de forma a gerar um comparativo qualitativo dos indicadores encontrados. Espera-se das SoLaWi uma contribuição acerca dos desafios socioeconômicos e ambientais enfrentados pelas CSA, pelo fato de estarem em operação há mais tempo e estabelecidas em um modelo socioeconômico que prioriza e financia a produção orgânica em grande escala. A partir das informações coletadas poderá ser realizado um estudo comparativo entre Alemanha e Brasil, tais estudos comparativos já foram feitos em relação às CSA nos Estados Unidos e no Brasil por Castelo Branco, et. al. (2011).
17Após análise das entrevistas segundo a metodologia de Franco (2005) e agrupamento das análises em indicadores dentro das dimensões transformadoras e excludentes de acordo com a metodologia comunicativa crítica (GÓMEZ, et. al., 2006), serão apresentadas aqui as discussões sobre os principais diálogos e distanciamentos entre os modelos de produção. A categoria transformadora se refere aos indicadores levantados que potencializam o trabalho e as relações das CSA em sua busca pela preservação ambiental e a produção de alimentos saudáveis de forma sustentável. A categoria excludente se refere aos indicadores levantados que desafiam o estabelecimento de formas de trabalho e relações que prezam pela preservação ambiental e a produção de alimentos saudáveis.
18Ao observar os aspectos ambientais referentes ao tema Modelo de Produção, é notável que todas as SoLaWi adotam o modelo de produção orgânico, com ou sem certificação, e em todos os casos há uma preocupação em ir além do que propõem as práticas da agricultura orgânica. Para além das exigências e condições para a produção de acordo com o selo orgânico local, há preocupação com a preservação e construção do solo através da incorporação de composto, matéria orgânica e pousio de acordo com as respostas referentes ao tema Produtividade da terra, buscando “fazer mais trabalho com composto e esterco, pois muito da agricultura orgânica não é sustentável, não estamos fixando carbono no solo, queremos ter mais húmus e mais matéria orgânica. Não é só usar insumos biológicos, mas fazer de forma que seja bom para o sistema ecológico e tem uma diferença, os selos orgânicos muitas vezes são feitos pensando apenas na saúde das pessoas” (participante F. SoLaWi Freudenthal). Participantes observam uma melhoria na qualidade e quantidade dos cultivos, embora nem sempre possam afirmar que o fato se deve a uma maior produtividade da terra, o que necessitaria análises mais profundas e complexas.
19Os principais indicadores referentes ao tema Desafios da produção citados são a diminuição do período de chuvas ou tempestades que foram citados por participantes, levantando a questão das mudanças climáticas e como podem afetar a produção de alimentos como comentado pela Participante P. da SoLaWi Dorfgarten: “tenho dúvidas se será possível continuar fazendo agricultura como fazemos nos próximos anos devido às mudanças climáticas, tem um jornal que publicou que na parte oeste da Alemanha a produção de alimentos diminuiu muito devido as fortes nevascas e chuvas e isso vai ser cada vez mais comum, mais regular”. O solo mal manejado e degradado de algumas regiões também é um desafio levantado bem como o acesso a terra que também foi um desafio enfrentado pelas SoLaWi, dependentes em muitos casos do arrendamento de pequenas áreas espalhadas entre grandes áreas de monoculturas pois “tudo já está vendido para grandes fazendas ou grandes investidores ou criadores de cavalos onde tudo é pasto, por isso precisamos comprar vários campos separados e longe um do outro” (participante S. SoLaWi Wilde Gartenrei).
Figura 3 Uma das áreas de cultivo da SoLaWi Freudenthal ao lado de áreas de monocultura – Witzenhausen
Fonte: Acervo da pesquisadora
20Em resumo pode-se afirmar que as práticas dos modelos de produção escolhidos pelas SoLaWi trazem impactos positivos para o ambiente que são observados pelos agricultores e membros como aumento da diversidade de cultivos, plantas, insetos e animais silvestres graças a uma busca pela construção e preservação do solo e o baixo consumo de combustíveis fósseis por se alimentarem de uma produção local.
21Ao observar os aspectos ambientais referentes ao tema Modelo de Produção das CSA é possível observar que múltiplos modelos produtivos são adotados, entre eles agricultura orgânica, biodinâmica, agroecológica, quilombola de subsistência e manejo biointensivo, sendo que a maioria possui certificação participativa embora não seja um requerimento da comunidade.
22As observações feitas sobre o tema Produtividade da terra apontam para uma melhora, pois na maioria dos casos, as áreas agrícolas eram solos mal manejados e degradados. Ao longo do tempo, agricultores notam uma maior resiliência e diversidade de plantas, insetos e animais, como resultado, a produção apresenta cada vez mais qualidade, como afirma a participante S da Csa Itapê “quando eu cheguei (em uma antiga árrea de pasto) não crescia nem mato em alguns lugares, depois a Brachiaria invadiu e hoje já vejo várias outras espontâneas, e tá claramente mais abundante”.
Figura 4 . Área de cultivo biodinâmico da CSA Demétria – Botucatu
Fonte: Acervo da pesquisadora
23Os desafios enfrentados pelas CSA são bastante divergentes e tem relação com os diferentes contextos. A horta urbana, onde cultiva o agricultor e participante Tn. da CSA SP, enfrenta desafios ambientais diferentes de outros agricultores rurais, com destaque para a má qualidade do ar seguida da situação precária de conservação das áreas urbanas ociosas que viram hortas, “é uma diferença de quanto você trabalha no campo, aqui meu trabalho rende menos, fico mais cansado (devido à má qualidade do ar) (...) e não é fácil limpar uma área como essa cheia de entulho, não é difícil só pro solo que foi desgastado por monocultura ou pasto, mas um solo subutilizado numa cidade também e temos que dar um fim melhor pra essas áreas”.
Figura 5. Área de cultivo biodiverso em área urbana da CSA SP – São Paulo
Fonte: Acervo da pesquisadora
24A CSA São Carlos enfrenta alguns desafios ambientais como as secas prolongadas e, mais recentemente, de acordo com participante L., estudos de solo foram feitos e foi constatado uma alta concentração de fósforo na água utilizada pela irrigação.
25De acordo com a proposta da metodologia comunicativa crítica (GÓMEZ, et. al., 2006), as entrevistas foram analisadas e, com o auxílio da análise de conteúdo proposta por Franco (2005), dentro dos temas construídos no Roteiro de Relato Comunicativo (Modelos de produção, Produtividade da terra e Desafios na produção) foram feitas as análises críticas que permitiram agrupar os indicadores qualitativos nas dimensões transformadoras e excludentes. Os resultados foram compartilhados via e-mail com os participantes para validação, e se julgassem necessário, alterações fossem feitas. Complementações foram feitas por algumas CSA e foram incorporadas nos resultados.
26Os indicadores qualitativos das práticas e relações transformadoras são apresentados de forma comparativa entre as SoLaWi e as CSA no quadro 1 abaixo.
Quadro 1. Indicadores ambientais das SoLaWi e CSA e indicadores transformadores
Aspectos Ambientais Transformadores
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SoLaWi
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CSA
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Modelo de produção orgânico, com certificado Bioland (SoLaWi Dalborn e Wilde Gartenrei e Freudenthal);
Sem certificação, apenas da comunidade (SoLaWi Rote Beete e Dorfgarten)
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Modelo de produção orgânico com certificação participativa (todas as CSA);
Produção agroecológica (CSA São Carlos, SP e Itapetininga);
Manejo biointensivo e agricultura tradicional caiçara (CSA SP)
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Melhoria na qualidade e quantidade dos alimentos, não necessariamente ligada à produtividade da terra (todas as SoLaWi)
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Melhoria na qualidade e quantidade dos alimentos e do estado de conservação inicial dos solos (todas as CSA)
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Impactos ambientais positivos pela maior diversidade de cultivos, plantas silvestres, insetos e animais (todas as SoLaWi)
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Impactos ambientais positivos pela maior diversidade de cultivos, plantas silvestres, insetos e animais (todas as SoLaWi)
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Baixo consumo de combustíveis fósseis pelo consumo local (SoLaWi Dalborn)
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Baixo consumo de combustíveis fósseis pelo consumo local (CSA SP)
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Preocupação com a criação e preservação do solo através da incorporação de composto, matéria orgânica e pousio (todas as SoLaWi)
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Melhoria do estado de conservação do solo (todas as CSA)
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Fonte: Dados da pesquisa de campo
27Os indicadores transformadores das SoLaWi e CSAs apontam que os modelos de produção orgânicos, principalmente certificados de forma participativa ocorrem nos dois países e são importantes para a preservação ambiental, pois em muitos aspectos as certificações se propõem a práticas agroecológicas na produção de alimentos buscando melhorar a capacidade do ambiente em produzir alimentos de forma sustentável (BLÄTTEL-MINK, et. al., 2017).
28Nos dois países, o aumento da biodiversidade é um indicador transformador de impacto ambiental positivo, bem como a melhoria na quantidade dos alimentos, oferecendo a possibilidade de uma alimentação variada e nutritiva aos consumidores, sendo que estes, podem se relacionar com sua alimentação de uma perspectiva mais ampla e integrada com a manutenção da biodiversidade (DAROLT, 2012). O consumo local foi apontado como um indicador transformador nos dois países que prezam pela redução no consumo de combustíveis fósseis para a preservação ambiental.
29A melhoria do estado de conservação do solo também está presente como indicador transformador nos dois países, embora sejam expressos e observados a partir de perspectivas diferentes. No Brasil, nas regiões das CSAs entrevistadas, onde o solo é rico em matéria orgânica por sua composição natural, é possível observar maior parte da agricultura orgânica acontecendo em solos oriundos de exploração intensiva da agricultura monocultura e necessitando de conservação para aumento da produção. Na Alemanha é abordada a necessidade de incorporação de matéria orgânica para a criação e preservação do solo, seguindo a proposta de modelos agroecológicos que incorporam matéria orgânica no solo para a criação de um ambiente mais parecido com o florestal tropical que recicla sua matéria orgânica com mais rapidez e eficiência, trazendo benefícios para a produção de alimentos e demandando um menor uso de máquinas e insumos (MACHADO, 2014; CASTELO BRANCO, et. al., 2011).
30Os indicadores qualitativos das práticas e relações excludentes são apresentados de forma comparativa entre as SoLaWi e as CSA no quadro 2 abaixo e se referem principalmente ao tema Desafios da produção.
Quadro 2. Indicadores ambientais das SoLaWi e CSA e indicadores excludentes
Aspectos Ambientais Excludentes
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SoLaWi
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CSA
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Desafios ambientais de períodos de seca prolongada e tempestades (todas as SoLaWi);
Mudanças climáticas e problemas para o futuro da agricultura (SoLaWi Dorfgarten);
Solos mal manejados e degradados (SoLaWi Wilde Gartenrei)
Impactos ambientais negativos pelo uso excessivo ou inadequado de máquinas (SoLaWi Freudenthal e Rote Beete)
Acesso à terra (todas as SoLaWi)
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Desafios ambientais de crise de gestão hídrica (CSA São Carlos e Demétria);
Solos mal manejados e degradados (todas as CSA exceto Demétria);
Qualidade do ar (CSA SP).
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Fonte: Dados da pesquisa de campo
31A prática da agricultura orgânica em áreas de solos mal manejados e degradados foi apontada como indicador excludente nos dois países, dificultando o início do processo de produção de alimentos nessas áreas. Há uma demanda por qualificação nas formas de produção orgânica e agroecológica para enfrentar este desafio, principalmente na Alemanha onde a agricultura orgânica já é mais mecanizada. Observa-se, como indicador excludente, a dificuldade de realizar a conservação do solo com a utilização de grandes equipamentos agrícolas vendidos aos agricultores orgânicos, para aumentar a produtividade reduzindo o trabalho manual; no entanto, muitas vezes os agricultores não acessam o financiamento governamental para aquisição destes equipamentos, buscando ao invés disso, investir em práticas da agricultura ecológica para melhorar a produção (EUROPEAN CSA RESEARCH GROUP, 2016).
32A falta d´água e/ou ou mudanças climáticas são também um indicador excludente que dificulta a produção de alimentos de forma constante, causando perda de colheitas.
33De forma menos homogênea um indicador excludente foi elaborado através da análise das entrevistas para a CSA que realiza agricultura urbana em SP, onde o fator que dificulta o rendimento do trabalho é a poluição do ar que afeta a saúde dos agricultores e a presença de entulhos nas áreas que demanda uma força de trabalho. Estes desafios presentes nas grandes cidades dificultam ocupar melhor as áreas e garantir uma produção de alimentos para a alta demanda urbana (CASTELO BRANCO, et. al., 2011).
34Ao final das análises é possível destacar que há uma heterogeneidade nas relações das CSA, o que é importante para a garantia da resiliência deste modelo, no entanto, no que se refere aos aspectos ambientais muitos dos indicadores transformadores são equivalentes e apontam potencialidades em relação à modelos de produção agroecológicos que buscam garantir a saúde do ambiente e das pessoas envolvidas na atividade agrícola, consumidores e agricultores (DAROLT, 2012). Os indicadores excludentes apontam os desafios para a manutenção da produção orgânica que são enfrentados através do aprofundamento nas práticas agroecológicas de produção de alimentos, mas ainda esbarram em questões socioeconômicas como a falta de acesso à terra e o desafio das mudanças climáticas para a agricultura.
35A pesquisa sobre Comunidades que Sustentam a Agricultura ainda é pouco explorada, principalmente no Brasil. A literatura existente sobre experiências na Europa e outros países desenvolvidos muitas vezes não reflete os aspectos sociais, econômicos e ambientais do nosso país, sendo assim importante contextualizar os locais para evitar análises qualitativas incompatíveis; mesmo considerando as especificidades locais, nota-se uma aproximação dos desafios à medida que os impactos para a produção de alimentos hoje em dia alcançaram níveis globais (CASTELO BRANCO, et. al., 2011).
36A aproximação física entre campo e cidade não é o bastante para a consolidação das CSA, se faz necessário um grande esforço nas relações pessoais, incluindo capacitação de agricultores para a gestão e investimento na educação, destacando os riscos da agricultura. Esse esforço é fundamental para o fortalecimento e consolidação das comunidades ao longo do tempo no Brasil, tal esforço, associado às políticas públicas têm sido medidas importantes neste processo em alguns países, como na Alemanha, evidenciando a importância de suas ampliações.
37Por fim, são indicados estudos futuros sobre o processo de formação e construção de comunidades no contexto da América Latina.