1Os dois segmentos distintos de políticas públicas – alimentação escolar e agricultura familiar – são pautas de ações mundiais para o combate à fome. O Brasil apresenta alto grau de insegurança alimentar, dados da Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional) mostram que mais da metade da população no Brasil (58,7% ou cerca de 125,2 milhões) vive com algum tipo de insegurança alimentar. Diante da pandemia de Covid-19 muitos perderam o emprego, a insegurança alimentar e nutricional vem crescendo no mundo todo e a pandemia acelerou esse processo e aumentou a quantidade de pessoas nessa situação (Rede Penssan, 2022).
2Em contrapartida a prevalência de sobrepeso e obesidade também tem crescido ano após ano de forma alarmante, este padrão tem sido sustentado pelas más escolhas alimentares, nas quais alimentos cada vez mais processados – com altos índice calóricos, ricos em açúcares simples, sódio e gorduras – têm se tornado frequentes na alimentação e ao surgimento de modos de vida mais sedentários, resultando no aumento de peso médio da população e em Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT) (CECANE UFRGS, 2017).
3O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é reconhecido como um dos maiores programas de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) no Brasil, sendo referência para muitos países, uma vez que tem como objetivo ofertar uma alimentação de qualidade, a fim de garantir o direito à alimentação escolar, de todos os estudantes matriculados na Educação Básica de escolas públicas brasileiras, e de promover a saúde e a construção de hábitos alimentares saudáveis (FNDE, 2019).
4Durante a sua existência, o PNAE passou por diversas reestruturações que levaram a avanços, dos quais um dos mais importantes é o apoio ao desenvolvimento sustentável, com incentivo para a aquisição de gêneros alimentícios diversificados, produzidos em âmbito local por agricultores familiares com respeito aos hábitos alimentares saudáveis e regionais (Vilar et al. , 2013). Nesse sentido, em 2009 foi aprovada a Lei 11.947, a qual dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e consolida a vinculação da agricultura familiar com o PNAE, ao estipular que no mínimo 30% do total dos recursos financeiros do programa, devem ser destinados à aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar, preferencialmente alimentos orgânicos ou agroecológicos que sejam produzidos por povos e comunidades tradicionais (Brasil, 2009b).
5Essa legislação colocou em cena inovações relevantes no âmbito da simplificação das compras públicas e do fortalecimento da agricultura familiar. Sob esta perspectiva, o PNAE passa a representar uma via para os agricultores familiares comercializarem seus produtos, constituindo um novo e expressivo mercado institucional. O programa assume, então, característica de política pública estruturante, com repercussões importantes para o desenvolvimento local, para a proteção de grupos vulneráveis e para a reconfiguração do sistema alimentar, com potencial para impactar favoravelmente na saúde das populações (Triches; Gerhardt; Schneider, 2014).
- 1 Entidades Executoras (EEx) – Secretarias de Educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municíp (...)
6Em 2009, o PNAE passou a abranger também escolas da rede federal de ensino, incluindo as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), as quais passaram também a ser Entidades Executoras (EEx)1 do programa (Brasil, 2009). Apesar de representar uma conquista e uma oportunidade, o mercado do PNAE impõe também um grande desafio para as instituições e organizações produtivas da agricultura familiar. Nas regiões metropolitanas brasileiras esse desafio é ainda maior, pois, devido ao elevado grau de urbanização, o número de agricultores familiares locais é significativamente menor e os desafios operacionais do PNAE são enormes, como a falta de conhecimento do programa e do mercado, carências de estruturas e logística, falta de integração com outras políticas públicas, falta de produtos na região, entre outras (Malaguti, 2015).
7A Região Metropolitana de Belém (RMB) é a segunda mais populosa da Amazônia e apesar de corresponder a um território de menos de 1% do estado do Pará, concentra 1/3 da população estadual (IBGE, 2010). Essa metrópole, em geral, caracteriza-se por distribuição desproporcional dos investimentos na infraestrutura, como a concentração de riqueza e pobreza, a precariedade dos serviços de saúde pública, educação, saneamento básico e desemprego (Pereira, 2017).
8Diante da realidade local, relevância social e econômica da alimentação escolar e considerando o amparo legal que o PNAE vem propiciando, esse artigo tem como objetivo analisar o processo de aquisição de alimentos da agricultura familiar para alimentação escolar nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) da Região Metropolitana de Belém, Pará como instrumento para o desenvolvimento local e para a Segurança Alimentar e Nutricional.
9A pesquisa contempla as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) que executam o PNAE, localizadas na RMB. Conforme mostra a Figura 1, a RMB é formada por 07 (sete) municípios Belém, Ananindeua, Benevides, Marituba, Santa Bárbara do Pará, Santa Izabel do Pará e Castanhal, os quais estão integrados economicamente (Pereira 2017). Refere-se à extensão da capital paraense, formando com seus municípios lindeiros (ou próximos) uma mancha urbana contínua (IPEA, 2015). Dentre as regiões metropolitanas brasileiras, a RMB possui a maior incidência de domicílios em aglomerados subnormais, com 52,5% do total dos domicílios (IBGE, 2010), ou seja, domicílios em áreas consideradas precárias, em situação de favelização. Essa metrópole, em geral, caracteriza-se pela baixa renda da população, acesso desigual e concentrado na área central do município sede, de infraestrutura, serviços urbanos, acúmulo de capital e emprego (Pinheiro et al. , 2013).
Figura 1 - Municípios integrantes da Região Metropolitana de Belém
Fonte: IBGE, 2020; DNIT, 2016. Elaboração: LARC (NUMA/UFPA), 2022.
10A RMB está situada na foz do rio Pará, sendo ainda cortada por vários rios e igarapés, formando uma grande área de várzea. Esta região possui terreno parcialmente peninsular, por ter sido implantada às margens do rio Guamá e da baía de Guajará (formada pela confluência dos rios Guamá, Moju e Acará) e, por sua formação geomorfológica fluvial recente, é composta por um conjunto de ilhas, com um revelo pouco acidentado e de origem sedimentar, tanto na sua porção continental quanto insular, influenciando no perfil do seu sítio urbano, com características de inclinações suaves e de pouco desnível (Gregório e Mendes, 2009).
11Cobre uma extensão territorial de 3.565,8 km ², sendo que deste total, 29,97% (1.070 Km2), pertencem ao município de Belém, apesar de corresponder a um território de menos de 1% do estado do Pará, concentra 1/3 da população estadual, 2 505 242 habitantes, segundo a estimativa populacional de 2019 do IBGE, sendo a segunda região metropolitana mais populosa da Amazônia (IBGE, 2010).
12A RMB destaca-se por sua especificidade como espaço urbano, a qual se constitui uma variante do processo de metropolização no Brasil, onde apesar de apresentar-se como centralidade econômica e moderna, integrada a centros dinâmicos regionais, nacionais e internacionais (Cardoso et al., 2015), ainda verifica-se a existência de uma economia tradicional, articulada com a tradição ribeirinha, com a manutenção de alguns padrões rurais (Padoch et al. , 2008).
13A pesquisa inclui todas as 03 (três) IFES da RMB (Figura 2) que apresentam ensino básico em sua organização e que são contemplados pelo PNAE. Em razão da necessidade de preservar a identidade dos participantes da pesquisa, adotou-se a identificação das coordenações de compras do PNAE, na sequência em que as entrevistas foram realizadas nas instituições, foi usada a denominação Instituição, seguida de um numeral de um a três, na seguinte forma Instituição 1, Instituição 2 e Instituição 3.
Figura 2 – Localização das Instituições Federais de Ensino Superior na RMB
Fonte: IBGE, 2020; DNIT,2016. Elaboração: LARC (NUMA/UFPA), 2022.
14Os dados desta pesquisa teve como técnica de coleta a entrevista semiestruturada com servidores das IFES envolvidos nos processos de compras da alimentação escolar, realizada de forma presencial e grupal, uma vez que envolveu a coordenação de compras do PNAE dentro das IFES composta por diferentes atores (gestor, assistente administrativo, nutricionista, pregoeiro, entre outros), além de análises dos processos de chamada pública executados ou em execução, foram avaliadas ainda literaturas constantes em livros, dissertações, teses, artigos acadêmicos, revistas especializadas, informativos institucionais e legislações pertinentes à pesquisa.
15Para registrar as informações das entrevistas, foi utilizado um gravador de voz, foi realizada as transcrições e para a interpretação dos dados foi adotada a análise de conteúdo.
16Este trabalho faz parte de estudo mais amplo intitulado “Alimentação Escolar e Alimentos da Agricultura Familiar em Instituições Federais de Ensino Superior: Uma Via de Mão Dupla, aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Pará – UFPA através do parecer nº 4.003.336 /2020.
17Entre as instituições pesquisadas, nenhuma soube informar, de forma precisa, desde quando recebem orçamento para execução do PNAE. A Instituição 1 informou que em 2011 já existia este recurso; a Instituição 2 frisou que tomou conhecimento em 2014 com a entrada da nutricionista atual; a Instituição 3 informou que pode ter começado em 2010, mas de uma forma singular, na qual o orçamento do PNAE era repassado para a Prefeitura da cidade, a qual efetivava as compras da alimentação escolar e entregava na Instituição, somente a partir de 2011 que a Instituição passou a receber o recurso e precisou do profissional nutricionista em seu quadro técnico para gerenciar o programa.
18Inicialmente o PNAE tinha como público-alvo estudantes da educação infantil, ensino fundamental, em 2009, com a Lei nº 11.947, e posteriormente, com a Resolução nº 26/2013, o programa foi estendido ao conjunto da educação básica (educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos), abrangendo também escolas da rede federal de ensino, incluindo as Instituições Federais de Ensino de Superior (IFES), as quais passaram também a ser Entidades Executoras (EEx) do programa (Brasil, 2013). No entanto a efetiva implementação do PNAE nessas EEx não aconteceu de forma imediata e efetiva, como determinava a instrução legal, as IFES ainda enfrentam muitas dificuldades para gestão do Programa, em especial ao que se refere a compra da agricultura familiar.
19Os valores recebidos pelas IFES da RMB para financiamento do PNAE não foram suficientes para a aquisição de gêneros para alimentação escolar, todas as Instituições estudadas precisaram utilizar outros recursos para complementação (Quadro 1). As Instituições 1 e 2 são amparadas também pela Política Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), em que um dos objetivos é aumentar os níveis de alimentação e nutrição do estudante, com vistas a elevar seu rendimento escolar (Brasil, 1983), na narrativa dessas duas Instituições o recurso proveniente deste programa é muito maior que o recurso proveniente do PNAE, desta forma consideram que o recurso do PNAE como complementação. A Instituição 3 utiliza seu próprio orçamento para complementar os valores do PNAE, no entanto é necessário solicitar e justificar a cada ano, sendo algo incerto e impreciso, o que dificulta o planejamento da alimentação escolar.
20Conforme a Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009 o valor repassado pela União para o financiamento da Alimentação Escolar é de caráter suplementar, deveria ser complementado pelos estados, municípios e rede federal de ensino, no entanto, não há regulamentação para esta complementação, deixando entes e Entidades Executoras (EE) totalmente flexíveis, grande parte acaba utilizando o valor federal como valor total de investimento no programa, o que acaba comprometendo a qualidade da alimentação escolar. uma vez que a alimentação escolar é atribuição dos três níveis de governo (municipal, estadual e federal). Além da discrepância do censo escolar, uma vez que o valor repassado é realizado com base no ano anterior, não coincidindo com a quantidade de alunos matriculados no ano vigente.
21Embora não haja um percentual determinado para a complementação, as EEx devem fornecer toda a infraestrutura física adequada ao fornecimento da alimentação escolar, uma vez que todo o valor do recurso repassado pela União deve ser exclusivamente destinado à aquisição de alimentos e ainda ofertar alimentação adequada, que atenda às recomendações nutricionais estabelecidas pelas legislações vigentes (FNDE, 2020).
22A Lei nº. 11.947, de 16 de junho de 2009, que regulamenta o atendimento da alimentação escolar, prevê no seu artigo 3º que “a alimentação escolar é direito dos alunos da educação básica pública e dever do Estado e será promovida e incentivada com vistas no atendimento das diretrizes estabelecidas nesta Lei”. Esta mesma Lei estabelece como diretrizes da alimentação escolar a inclusão da educação alimentar e nutricional no processo de ensino e aprendizagem, a universalidade do atendimento aos alunos matriculados na rede pública de educação básica, a participação da comunidade no controle social, o apoio ao desenvolvimento sustentável, a garantia da segurança alimentar e nutricional dos alunos e ainda, como uma das diretrizes, no inciso I do artigo 2º, refere :
O emprego da alimentação saudável e adequada, compreendendo o uso de alimentos variados, seguros, que respeitem a cultura, as tradições e os hábitos alimentares saudáveis, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento dos alunos e para a melhoria do rendimento escolar, em conformidade com a sua faixa etária e seu estado de saúde, inclusive dos que necessitam de atenção específica. (Brasil, 2009b).
23Atualmente “alimentação saudável” assume um sentido muito mais amplo, envolvendo aspectos sociais, econômicos e culturais, sendo a realização de um direito humano básico, com a garantia ao acesso, permanente e regular, a uma prática alimentar adequada aos aspectos biológicos e sociais dos indivíduos, de acordo com o ciclo de vida e as necessidades alimentares especiais, pautada no referencial tradicional local. Atendendo ainda aos princípios da variedade, equilíbrio, moderação, prazer (sabor), às dimensões de gênero e etnia, e às formas de produção ambientalmente sustentáveis (Scarparo et al. , 2016).
24Dessa forma, fica evidente que a alimentação escolar não se reduz a uma questão puramente nutricional ou ao cumprimento de uma determinação legal e sim, um ato social, inserido em um contexto cultural.
Quadro 1- Perguntas aplicadas à Comissão de Compras do Programa Nacional de Alimentação Escolar
Perguntas
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Instituição 1
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Instituição 2
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Instituição 3
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Qual o número de alunos atendidos por esse orçamento
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2216 (Ensinos Médio, integrado e subsequente)
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1200 (Ensino Médio, integrado e subsequente)
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1300 (Ensino Básico)
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Qual o valor que o seu Órgão recebeu de orçamento do PNAE na última chamada pública realizada?
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120.000,00 (2017)
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R$136.258,00 (2020)
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R$ 204.160,00 (2021)
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O valor recebido foi suficiente para custear a alimentação escolar?
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Não, se fosse executar só com o dinheiro do PNAE a qualidade da alimentação seria abaixo do necessário
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Não, a verba da assistência estudantil é muito maior
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Não, todo ano tem que pedir complementação.
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Foi necessário complementação?
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Sim, na verdade o PNAE que é complementação
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Sim, o PNAE é complementação, a verba da assistência estudantil é bem maior.
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Sim, a escola complementa.
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Fonte: Elaborado pela autora da pesquisa, 2022.
25O PNAE é destinado aos alunos da a educação básica (educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos) matriculados em escolas públicas, filantrópicas e em entidades comunitárias (conveniadas com o poder público) (Brasil, 2009b; FNDE, 2013). No entanto, observou no presente estudo que nas Instituições 1 e 2, utilizam o recurso do PNAE de forma interligada à Política Nacional de Assistência Estudantil e estudantes de nível superior e técnico subsequente são beneficiados com o recurso do PNAE, relatando o uso indevido deste e falhas no sistema de monitoramento e avaliação do Programa, esta prática fica clara ao comparar os valores recebidos para o PNAE e o número de alunos informados em cada Instituição (Quadro 2), bem como na entrevista com a Instituição 1:
[...] do ponto de visto legal, o recurso do PNAE deveria ser para todos os alunos do Instituto, inclusive nível superior, isso já acontece na prática a gente junta com o outro recurso do ensino superior, não tem como executar um cardápio separado para educação básica e educação superior. (Instituição 1).
26Ribeiro, Ceratti e Broch (2013) ressalta para a importância do Conselho de Alimentação Escolar (CAE), responsável pela fiscalização e prestação de contas, o CAE é fundamental para que o PNAE tenha êxito no objetivo de fornecimento de alimentos aos estudantes e principalmente dos agentes responsáveis no acompanhamento do programa. Desde a sua formação o CAE vem desempenhando o papel de acompanhar, monitorar e assessorar os recursos federais para o desenvolvimento do PNAE, dessa forma ressalta a importância deste conselho para que os estudantes tenham acesso a alimentação nas escolas (FNDE, 2017).
27Nas instituições estudadas não apresentam CAE, existe somente comissão de compras do PNAE. Pesquisando a legislação, a exigência deste conselho é somente para escolas estuais e municipais, não condicionando o repasse do recurso à existência do CAE para as escolas federais (Brasil, 2009b). Nas escolas das redes municipal e estadual o PNAE alcançou avanços importantes referente a sua gestão e execução, no entanto, na rede federal de ensino, o assunto ainda é recente, a qual, por vezes aparecem como lacunas nas próprias legislações do programa (Costa, 2015).
28A compra institucional para o PNAE nas Instituições estudadas é realizada através de duas modalidades, licitações na forma de pregão com o menor preço e através de Chamada Pública para compra específica da agricultura familiar. A legislação prevê que a forma de Chamada Pública é a mais recomendada pois é a ferramenta mais adequada que cumpre com as diretrizes do PNAE, pois possibilita uma maior abrangência de beneficiados, que são os agricultores familiares no fornecimento de produtos que valorizam os hábitos locais, utilizam e respeitam o uso dos recursos naturais de forma mais equilibrada ( FNDE, 2019).
- 2 Procedimento administrativo voltado à seleção de proposta específica para aquisição de gêneros alim (...)
29Questionados se já executaram Chamada Pública2, dentre as três IFES analisadas, duas realizaram Chamada Pública uma única vez, e uma IFES realizou duas chamadas públicas, o que deve refletir as dificuldades em realizar a aquisição da agricultura familiar, e o que mostra que é um assunto relativamente novo nessas instituições, embora a lei seja de 2009. A Instituição 1 informou que que sua primeira chamada pública foi em 2017 para ser executada em 2018, no ano de 2019 não foi realizada devido o processo ter ficado parado no setor jurídico e em 2020 estavam em processo para lançar o edital ao final do ano, o que não ocorreu devido a pandemia do covid19; a Instituição 2 executa chamada pública há 4 anos e foram bem sucedidos, realiza chamada pública de dois em dois anos desde 2016, sendo a última chamada pública em 2019 e que no ano de 2020 não foi realizada devido a pandemia. A Instituição 3 informou que executou o processo de chamada pública pela primeira vez em 2020 e destacou:
[...] houve algumas tentativas de execução, mas parou no âmbito administrativo, só agora houve um acompanhamento mais de perto e principalmente porque antes da publicação da Chamada Pública fizemos reunião com agricultores familiares para conhecer a produção na região. (Instituição 3).
30Na última Chamada Pública realizada, participaram do processo 04 (quatro) representantes de Agricultores Familiares e todos eram componentes de associações ou cooperativas nas Instituições 1 e 2. A Instituição 3 informou que 02 (dois) representantes da Agricultura familiar participaram, sendo uma associação e um agricultor individual. A Lei 11.947/2009 e a Resolução nº 38, do FNDE estimulam a organização dos agricultores em associações ou cooperativas. A organização social dos agricultores em cooperativas, associações representa um espaço público de articulação e um poder local para fazer frente às demandas externas e para valorização da produção local no mercado globalizado. O papel da estrutura de organização dos sujeitos locais é primordial para amenizar os conflitos e a busca de melhores condições de vida, geração de renda, valorização da identidade dos agricultores. Os recursos locais são as principais fontes de trabalho e renda para a agricultura familiar. As frutas, verduras, grãos, raízes e os animais que vivem e crescem em ambientes diversificados fornecem a população diferentes tipos de alimentos, cada um com sua própria identidade, agregando valor econômico, cultural, social e político.
31Estudo realizado por Jesus et al. (2018) constatou que a compra institucional da agricultura familiar no estado do Pará ainda é pouco expressiva, entre os fatores associados a este contexto podem ser mencionados: o acesso aos editais, a falta de informação sobre o programa, a inexistência de ações de extensão rural e políticas públicas, aspectos logísticos, operacionais e ao menor contato entre órgãos públicos e os produtores.
32O quadro 2 sintetiza o tipo de gêneros de alimentação que as Instituições adquiriram da agricultura familiar e o percentual de compras da agricultura familiar em relação ao total de recurso repassados pela União para o financiamento do programa.
Quadro 2- Gêneros Adquiridos nas chamadas públicas IFES/Região Metropolitana de Belém
Instituição
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Produtos Adquiridos
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% Compras da AF
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Instituição 1
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Couve manteiga, pimentinha verde e cheiro verde, polpa de frutas (taperebá, maracujá, graviola, cupuaçu, acerola, caju e bacuri).
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100%
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Instituição 2
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Jerimum, alface, banana prata, batata doce, caruru, cebolinha, chicória, coentro, corante de urucum, couve manteiga, farinha de mandioca, farinha de tapioca, fécula de mandioca, feijão-caupi, feijão de corda, jambu, laranja, limão-taiti, macaxeira, maniva pré cozida, maxixe, melancia, milho verde, ovo caipira, pepino, pimenta do reino, pimenta verde, polpa de frutas (acerola, taperebá, cupuaçu, maracujá), pupunha, quiabo, repolho verde, cheiro verde e tangerina.
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100%
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Instituição 3
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Banana prata, laranja, melancia, batata doce, batata inglesa, beterraba, cebola, feijão verde, limão galego, macaxeira, pimenta verde, pimentão verde, tomate, jambu, cheiro verde, couve manteiga, alface, polpa de fruta (açaí, acerola caju, abacaxi, taperebá, maracujá, muruci) e farinha de tapioca.
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30%
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Fonte: Elaborado pela autora da pesquisa, 2022.
33As Instituições 1 e 2 utilizam o recurso do PNAE para comprar 100% da Agricultura Familiar, ressaltando que essas Instituições são contempladas pela Política Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), este recurso é muito maior que o recurso proveniente do PNAE. A Instituição 3 conseguiu alcançar 30% do preconiza a lei de aquisição da agricultura familiar.
34Apesar de todas as Instituições do estudo alcançarem ou ultrapassarem os 30%, observa-se no quadro 05 que as compras de alimentos da agricultura familiar para atender as IFES da RMB se concentram nos mesmos tipos de gêneros – frutas e hortaliças, variando com outros tipos de gêneros nas Instituições 2 e 3, o que demonstra ser possível ampliar a aquisições das compras da agricultura familiar para atender a alimentação escolar neste território. É válido ressaltar que a Instituição 2 se situa em uma região que possui um número significativo de agricultores familiares, o que nos leva a considerar a possibilidade de que a questão de proximidade institucional com os produtores da alimentação contribui para uma maior variedade de produtos na chamada pública.
35Pesquisa desenvolvida pelo SEBRAE/PA (2010) referente a agricultura na RMB corrobora com este estudo ao identificar que os principais produtos cultivados na região são folhosos como alface, coentro (cheiro verde), salsa, cebolinha, chicória, couve, jambu entre outros. Em trabalhos de Triches et al. (2019); Barone et al. (2016) é evidenciado que ainda que o mercado institucional de alimentos estimule a diversificação, em razão da necessidade das escolas em prol dos cardápios elaborados, houve um aumento da produção, mas não houve a diversificação, e isto pode se configurar em entraves sobre a variedade de produtos nos processos de aquisições de gêneros alimentícios da agricultura familiar.
36O PNAE indica a prioridade, sempre que possível, da aquisição de produtos orgânicos e/ou agroecológicos (Brasil, 2020). No entanto, no presente estudo, não houve aquisição de alimentos orgânicos ou agroecológico por nenhuma Instituição, uma vez que não compareceram à chamada pública produtores desses alimentos. Pesquisas mostram que, apesar de alguns territórios fornecerem alimentos orgânicos para alimentação escolar, muitas dificuldades ainda são enfrentadas para a certificação desses alimentos (Santos et al, 2014).
37Assim como neste trabalho, estudos realizados (Turpin, 2009, Triches et al. , 2014, Triches; Silvestre, 2018) indicam que a compra de produtos da agricultura familiar para o PNAE tem demonstrado potencialidades no que diz respeito aos consumidores, indicando aumento na disponibilidade e na quantidade de alimentos de qualidade nutricional superior, como frutas, verduras e legumes, e a valorização de produtos da cultura alimentar da região, o que providenciaria mudanças nas práticas alimentares e concepções dos estudantes.
38Todas as instituições pesquisadas relataram realizar reunião com os agricultores antes de realizar a Chamada Pública, pois não existe um mapeamento por parte de órgãos locais, o que demonstra a preocupação com o êxito da chamada pública.
39O mapeamento dos gêneros da agricultura familiar local é essencial e indispensável no planejamento dessa modalidade de compra, como consequência dessa ausência, Gomes e Bezerra (2019) aponta o seguinte: a inclusão no planejamento dos cardápios de alimentos não produzidos localmente ou a não inclusão de alimentos da produção local “[...] que deve conter, no mínimo, a discriminação dos produtos locais, quantidade de produção e época de colheita (calendário agrícola)” (Brasil 2016, p. 9).
40Sobre como avaliam o processo de compra chamada pública e quais as sugestões para melhoria do processo, as repostas foram:
[...] muito bom, porque beneficia os alunos com a alimentação e ajuda a comunidade economicamente. Para melhorar, deveria ter contato anterior à elaboração do edital com os agricultores, não tem banco de dados, queremos executar o recurso, mas não sabemos o que eles produzem, está complicado obter esses dados. (Instituição 1).
[...] muito positivo, os alunos conseguirem consumir algo mais próximo do que se consome na região, porque tinha uma rejeição grande, por exemplo, a farinha que compra na licitação, não é a mesma que eles comem em casa, e a farinha da agricultura familiar é, ela é ótima, de uma qualidade excelente, as frutas são fresquinhas, pois eles trazem de um local mais próximo, elas chegam com uma melhor qualidade do que o pessoal da licitação e dura mais tempo. (Instituição 2).
[...] é um programa pertinente do governo federal deve ser continuado e cada vez mais abrangente dentro da localidade da instituição que vai favorecer aquela localidade. Para melhorar necessita a aproximação com os agricultores, indo no local, algo mais direcionado, às vezes o agricultor não tem acesso a informação, também os processos dentro das instituições precisam ser mais rápidos, pois a demora faz com que muitos agricultores desistam de participar. (Instituição 3).
41Todas as Instituições participantes da pesquisa avaliam como relevante a realização da Chamada Pública como um instrumento de uma política pública de incentivo, de fundamental importância para os alunos e os agricultores familiares e mesmo que não fosse obrigatório, para atender a lei acreditam que é oportuno continuar com aquisição da agricultura familiar, o que demonstra interesse envolvido por parte desses atores. No entanto, neste estudo, observou-se que os entrevistados não recebem nenhum treinamento para efetuar as compras e não conheciam parte ou toda a legislação sobre o Programa de Aquisição da Agricultura Familiar, o que pode dificultar sua execução e comprometer seu funcionamento. O bom andamento de um Programa ou política se dá mediante prévio conhecimento das legislações que os regem (Cano, 2002), portanto a execução do PNAE está diretamente relacionada ao conhecimento que os agentes envolvidos detêm sobre o assunto.
42Observa-se na literatura que estudos (Ferigollo et al., 2017; Machado et al., 2018; Triches et. al., 2019) vêm tentando entender o papel dos sujeitos sociais na implementação das compras públicas de AF para o PNAE. Estes têm evidenciado que, em locais onde as relações sociais são mais próximas e os atores são mais dialógicos e comprometidos, estas aquisições têm mais sucesso, já que os problemas são resolvidos e suplantados mais efetivamente. Portanto, a simples mudança legal não seria suficiente para que as Entidades Executoras (EEx) atuassem em prol disso, mas seria necessário que gestores, agricultores e sociedade civil fossem participativos e desejassem que as mudanças ocorressem.
43Conforme aponta Soares (2013), a integração de todos os agentes envolvidos na cadeia produtiva de alimentos fornecidos pela agricultura familiar para a alimentação escolar é importante na busca pela garantia da SAN. A implementação do Programa, notadamente no que se refere à aquisição dos produtos da agricultura familiar, demanda essa ligação de ações de atores que exige o redesenho das relações sociais, políticas e econômicas no âmbito local e regional. Compreender estas dinâmicas torna-se um elemento central para a plena execução do PNAE e, nesse sentido, identificar os formatos institucionais construídos nas mais diversas realidades pode possibilitar a sistematização de informações que promovam a implementação do Programa.
44No Brasil, o Mercado Institucional da agricultura familiar, viabilizada através do PNAE, é uma grande conquista das políticas públicas dos últimos anos. Através dela, os agricultores familiares podem produzir para um mercado exclusivo, promovendo a sua inclusão social, por outro lado, estudantes podem acessar alimentos produzidos localmente e com critérios de maior qualidade. Essa inovação permite que tanto agricultores como estudantes sejam beneficiados, construindo uma nova relação de mercado que promova o desenvolvimento local, Segurança Alimentar e Nutricional.
45Constatou-se que a organização do PNAE nas IFES da RMB atende à Lei nº 11.947/2009, no que concerne a aquisição de gêneros alimentícios da AF. No entanto essa aquisição é recente nas Instituições estudadas, tem mostrado avanços importantes, apesar de fatores limitantes ainda estarem presentes, como a pouca variedade de alimentos, o conhecimento ainda limitado dos atores envolvidos no processo de compra sobre a legislação e normas que regulam o fornecimento de alimentos para o PNAE.
46Apesar de representar uma conquista e uma oportunidade, o mercado do PNAE impõe também um grande desafio para as instituições e organizações produtivas da agricultura familiar. A realidade vivida pelas IFES da Região Metropolitana de Belém (RMB) indicou que, apesar do potencial apresentado para implantação do PNAE, o assunto ainda é recente na rede, com lacunas na própria legislação do programa. Gerir o recurso do PNAE e implantar as ações do PNAE de forma plena, em especial a compra direta da agricultura familiar, tornou-se um grande desafio para estas Instituições, as quais tem particularidades muito distintas das demais Entidades Executoras do programa.
47As aquisições da agricultura familiar para a alimentação escolar configuram-se como exemplo concreto da importância da intersetorialidade na formulação e implementação de políticas públicas no sentido de destacar o quão importante é o papel dos atores sociais e suas interfaces para que os programas tenham êxito.
48Esse panorama mostra que o PNAE tem capacidade para um maior aproveitamento, tanto por parte da administração pública quanto por parte dos agricultores familiares, mas para tanto exige boa articulação entre quem compra (demanda de alimentos para as instituições) e quem vende (oferta de alimentos produzidos pelos agricultores familiares), uma vez que o programa possui complexidade própria, com uma série de especificidades como a multiplicidade de atores e arranjos institucionais em que é executado.
49Compreender tais especificidades e identificar as melhores formas de promover a comercialização dos seus produtos são condições para o sucesso da inserção da agricultura familiar no PNAE. A inserção do agricultor familiar local nesse mercado institucional é um fator decisivo para proporcionar aos escolares uma alimentação mais saudável e adequada, além de proporcionar geração de trabalho e renda para as populações locais.
50As Instituições estudadas fazem parte da rede federal de ensino, apresentam ensino básico e por isso são comtempladas pelo PNAE, no entanto devido especificações das mesmas, o programa necessita ser aprimorado. Estes resultados podem contribuir para o aprimoramento de mecanismos de execução, monitoramento e avaliação do PNAE nessa esfera e consequentemente adequação das legislações às especificidades e particularidades da rede federal de ensino. Os resultados acenam para novas inquietações, que podem gerar outras pesquisas sobre a temática, além de contribuir como um subsídio para pensar o PNAE e a compra da agricultura familiar tendo em vista a melhoria de sua execução, oportunizando o desenvolvimento da economia local e Segurança Alimentar e Nutricional.