1O século atual tem demonstrado uma ampliação do processo de digitalização do território, com a adoção e o uso das tecnologias da informação e comunicação. A intensidade da penetração do fenômeno tem se acelerado nos últimos tempos, mormente, pelo avanço da pandemia de Covid-19 e dos impactos decorrentes da crise sanitária que envolveram, entre outros fatores, o distanciamento social, a ampliação do trabalho remoto e a expansão de atividades econômicas ligadas ao uso e à difusão da internet. Nesse sentido, tomando como pano de fundo tal contexto, o objetivo central do trabalho é analisar a atuação e as estratégias corporativas das maiores companhias do segmento das telecomunicações no Cone Sul da América do Sul, que abrange nações com relativa diversidade territorial e econômica (Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Chile), no quadro da digitalização do território, levando-se em conta, especialmente, a expansão dos serviços de telecomunicação e a participação nos mercados nacionais. Para tanto, foram realizados diferentes procedimentos metodológicos, que envolveram levantamento e revisão bibliográfica sobre o tema, pesquisa de dados secundários em sítios eletrônicos, análise documental e de conteúdo, tabulação de dados obtidos e produção cartográfica a respeito. Pretende-se, por fim, como principais resultados, oferecer elementos interpretativos para leitura dessa realidade tão cara aos estudos de Geografia e áreas afins, demonstrando as características do processo e, também, evidenciando as particularidades das companhias no uso do território.
2A produção e o avanço das tecnologias da informação e comunicação possibilitaram transformações profundas, nos últimos anos, na sociedade. Avaliar esse contexto complexo é desafiador, considerando a amplitude do fenômeno, a desigualdade de acesso entre os diferentes países e as assimetrias dos mercados nacionais. Tendo como preocupação tal universo, este trabalho optou por efetuar um recorte analítico que pudesse viabilizar a interpretação da realidade em tela, privilegiando o Cone Sul da América do Sul. Essa região, por sua vez, abrange economias heterogêneas, a saber: Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Chile.
3Na América Latina e no caso do Cone Sul, as transformações apresentam características particulares que necessitam ser estudadas mais profundamente. Assim, o processo de irradiação das tecnologias da informação e comunicação, suportadas pelos serviços de telecomunicação, não apresenta a capilaridade que a comunidade dos países desenvolvidos possui.
4Nesse caso, vale frisar que vários autores, em diferentes momentos, já dissertaram acerca das alterações decorrentes da disseminação de tais tecnologias. Castells (1992, 2003, 2016), quando analisa esse contexto, reporta-se, especialmente, à ideia de “sociedade e rede” e “era informacional”, assim como Milton Santos (2002, 2013), ao debater o conceito de “meio técnico-científico-informacional”. Mas há outros pesquisadores, como Han (2022), que também têm feito um trabalho abrangente sobre o fato. Destaca-se, por exemplo, que:
“A digitalização do mundo da vida avança, implacável. Submete a uma mudança radical nossa percepção, nossa relação com o mundo, nossa convivência. Ficamos atordoados pela embriaguez de comunicação e informação. O tsunami de informação desencadeia forças destrutivas. Abrange também, nesse meio-tempo, âmbitos políticos e leva a fraturas e disrupções massivas no processo democrático. A democracia degenera em infocracia” (Han, 2022, p. 25).
5Essa “infocracia”, à qual se referiu Han (2022), está atrelada a um projeto de poder capaz de controlar o planeta. Ela influencia nas formas de comportamento das pessoas, na política, na cultura e na economia, a partir da adoção irrestrita de algoritmos controlados e difundidos por grandes grupos econômicos, como já escreveu O’Neil (2020). Dessa maneira, é importante deixar claro que a intensidade da inserção das tecnologias nos diferentes espaços, somada à rápida disseminação da internet, em âmbito global, possibilitou, a chamada “digitalização do território” (Arroyo, 2020).
6Assim, essa conjuntura justifica a representatividade e a importância de estudos que se dediquem a melhor entender esse quadro, considerando-se que se vive um momento pós-pandêmico, em que o uso das tecnologias foi aprofundado, conforme já destacou Fernández et alii (2021), para o caso da América Latina, ao avaliar a distribuição dos serviços de telecomunicação.
7Do ponto de vista da desigualdade social, segundo dados do Banco Mundial (2022), os países que compõem essa região apresentavam um patamar intermediário, no índice de Gini, sendo que para o ano de 2021, o Brasil (52,9) era o país mais desigual da área. De acordo ainda com a mesma fonte, o Chile, em 2019, apresentava um índice de 44,9 e, em 2021, o Paraguai possuía 42,9, seguidos por Argentina, com 42, e Uruguai, 40,8, sendo, portanto, este último o menos desigual dos países analisados. Os dados mencionados se relacionam diretamente à penetração dos serviços de telecomunicação na América Latina, sendo que:
“Em 2019, 66,7% dos habitantes da região possuíam conexão com a internet, enquanto o restante tem acesso limitado ou nenhum acesso às tecnologias digitais por causa de sua condição econômica e social, em particular, sua localização” (Arroyo, 2020, p. 30).
8Tomando como base esse pano de fundo, o artigo tem como objetivo principal analisar a atuação e as estratégias corporativas das maiores empresas do segmento de telecomunicações do Cone Sul, assim como a expansão da digitalização do território e a ampliação da penetração dos serviços do segmento. Nesse sentido, foi necessário recortar o tema, de modo a apreender melhor o assunto. A rede de internet e os celulares se posicionam como principais vetores de difusão da digitalização no território, sendo a justificativa fundamental para a observação do fenômeno em tela.
9Com esse intento, foram escolhidos o segmento da internet e da telefonia celular para a visualização do cenário de pesquisa, apoiando-se, especialmente, na abordagem dos grandes grupos, considerando que há um universo muito amplo de empresas menores que operam no setor. Em outras palavras, parte-se da leitura crítica, material da realidade para se fazer a interpretação do período contemporâneo, no momento em que o Brasil e outros países do continente passaram por uma crise econômica, processos inflacionários e efeitos negativos decorrentes da pandemia de Covid-19.
10Nessa perspectiva, visando analisar a dinâmica exposta, a metodologia abrangeu um conjunto de procedimentos que foram articulados em distintos momentos da pesquisa. Primeiramente, foi efetuado levantamento e revisão bibliográfica de obras sobre o assunto, em bases reconhecidas de pesquisa, sendo essa etapa importante para embasar, teoricamente, a pesquisa, mas também descrever um contexto acadêmico atualizado sobre o tema.
11A partir disso, foram coletados dados em sítios eletrônicos institucionais, a exemplo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), bem como em agências regulatórias dos países estudados. Tal etapa envolveu a obtenção de dados relacionados à difusão das telecomunicações no território, como é o caso de ressaltar a distribuição e a densidade de aparelhos celulares, a penetração dos serviços de comunicação, entre outras variáveis correlatas. Foram compilados dados, em consultorias como Teleco e Telesemana, possibilitando correlacionar tais informações à dimensão teórica da pesquisa. Essas, por sua vez, subsidiaram a compreensão da atuação e das estratégias de grandes companhias do segmento, proporcionando a identificação das sedes corporativas, a abrangência e a atuação espacial e a participação nos mercados nacionais da região em questão. Tendo como referência os dados mencionados, foram elaborados mapas, tabela e gráficos que auxiliaram na interpretação da realidade estudada e que culminaram na interpretação da expansão da digitalização do território.
12Assim, visando apresentar os resultados angariados, foi construído este artigo que está organizado na presente introdução, que trata de expor o tema desenvolvido, bem como em dois itens teóricos que destacarão a privatização do setor de telecomunicações, a atuação das principais empresas, assim como a digitalização do território e as transformações decorrentes do fenômeno no Cone Sul, para, por fim, serem apresentadas as considerações finais, em que são destacadas as principais características do processo, assim como perspectivas sobre possíveis trabalhos que possam vir a ser executados na área.
13Em grande parte dos países da América Latina, o processo de privatização do setor das telecomunicações ocorreu a partir de 1990, embora em algumas nações isso tenha ocorrido mais cedo, a exemplo do Chile, que em 1982 aprovou uma lei para privatização do setor e da respectiva agência reguladora no período de 1977-1982 (Murillo, 2009). No Cone Sul, conforme Murillo (2009), seguidamente ao Chile, encontram-se a Argentina, com a criação da lei, em 1990, o Uruguai (1991), o Brasil (1997) e o Paraguai (2000).
14De acordo com Cáceres (2011), em estudo da Cepal, tal dinâmica está relacionada à ideia de liberalização e desregulamentação da economia, sendo que os:
“[...] procesos de liberalización de mercados y el cambio del rol del Estado en la provisión de servicios públicos en el mundo, dieron origen en América Latina y el Caribe en la década de los noventa, a un nuevo ordenamiento institucional en el sector de telecomunicaciones. Un número importante de países privatizaron las empresas públicas, liberalizaron los mercados, y establecieron reguladores que velaran por el bienestar de los consumidores en el largo plazo” (Cáceres, 2011, p. 11).
15No caso brasileiro, o processo de: “[...] privatização do sistema de telecomunicações acontece a partir da cessão onerosa às empresas do direito de exploração de toda uma infraestrutura construída pelo Poder Público [...]” (Iozzi, 2006, p. 1). Nesse contexto, é possível considerar que: “[...] em vários desses países, a entrada de companhias privadas no setor de telecomunicações ficou condicionada a investimentos nas redes de infraestrutura, visando à ampliação ou modernização” (Jurado da Silva, 2015, p. 222).
16Houve uma associação entre o capital internacional e o nacional, no processo de operação no território, a partir das concessões que envolveram a ação de capitais provenientes de países como: Espanha, Itália, Estados Unidos da América, Japão, Canadá, Argentina, Israel, Holanda, França e Inglaterra, o que equivalia, conforme Dalmazo (2000), ao domínio de nove operadoras no território, considerando a exploração do segmento no contexto de privatização do sistema Telebrás.
17Para Carvalho (2003), esse ingresso de capital estrangeiro no mercado de telecomunicações da América Latina poderia ser compreendido a partir de três momentos distintos e complementares, isto é: “1) ‘a fase de privatização/monopólio’; 2) ‘a fase de aliança estratégica’; 3) ‘a fase de entrada competitiva’” (Carvalho, 2003, p. 69). Esse último período ainda se encontra em andamento, tendo em vista os diferentes reflexos e as dinâmicas atinentes ao processo, inclusive com a compra de ativos de empresas com menor participação no mercado, a exemplo da Oi, que apresentavam um balanço financeiro pouco favorável, embora tenha sido acrescida a essa dinâmica a inserção da tecnologia 5G, nos últimos tempos, e a possibilidade de conexão via satélite, como é o caso de ressaltar a ação da Starlink, empresa que pertence ao bilionário Elon Musk e a Viasat, fundada na Califórnia, por Mark Dankberg, Steve Hart e Mark Miller, cuja operação possibilita que locais mais interioranos, rurais e de floresta possam ter acesso à internet.
18Ademais, em alguns países da América Latina, a entrada de companhias privadas teve outras particularidades, como é o caso de Cuba, em que o controle do setor se dá, basicamente, pela ação da estatal Etecsa (Empresa de Telecomunicaciones de Cuba), e do Uruguai, em que o processo de privatização foi retardado e ainda conta com a operação da estatal Antel (Rozas Balbotín, 2005). Esta última, a Antel, possui os direitos de exploração dos segmentos de telefonia celular, internet e banda larga fixa, sendo que a Claro (América Móvil) e a Movistar (Telefónica Espanha) são as telefonias móveis de celular.
19No caso argentino, a atividade de abertura ao capital privado se deu com base no ingresso de duas companhias: Telefónica Argentina e Telecom Argentina (Coloma; Gershunoff; Schippacasse, 1994). Para os referidos autores, essas empresas tiveram investimento do capital bancário, investimento estrangeiro e também do Poder Público. contudo: “Estas participaciones iniciales en el capital de las compañias fueron sufriendo rapidamente modificaciones [...]” (Coloma; Gershunoff; Schippacasse, 1994, p. 21), com a inclusão de novas estruturas societárias, destacando-se a participação do capital internacional.
20A Telefônica (Telefónica, no espanhol) é uma dessas companhias que adotaram o sistema de aquisição de empresas preexistentes para ampliar seu escopo territorial, operando como O2 na Europa, Movistar nos países da América Latina (excetuando-se o Brasil, que opera com a marca Vivo), sendo um dos maiores grupos do continente americano, tanto por market share (participação de mercado), quanto por presença e abrangência territorial (Teleco, 2022). Ao lado dessa companhia, outro grande nome é a Claro que, por sua vez, é controlada pelo grupo América Móvil. Este último grupo é o que possui maior abrangência espacial em termos de atuação na região citada, estando presente em diversos países do continente, sendo que suas operações iniciais ocorreram no México e depois se difundiram, estrategicamente, para outros países.
21Isso não foi diferente em relação ao Paraguai, sendo que, nesse caso, observou-se que a abertura do mercado possibilitou o ingresso de novas companhias, inclusive com um número mais expressivo de companhias em operação, se comparado a países com maior população. Com isso, “La mayor parte de los países contaba con 3 operadores móviles por lo menos, mientras que Brasil y Paraguay tenían en algunos casos 5 ó 6 operadores en determinadas áreas del país” (Cáceres, 2011, p. 12).
22Apesar de ter havido a inserção maior de companhias na região, observa-se que poucos grupos ainda controlam as maiores empresas, embora possa haver a atuação de companhias estatais no segmento, em certos países, como frisado anteriormente, e ainda de forma difusa/restrita, a atuação de companhias regionais e/ou mesmo com ação na escala local. Em outras palavras, pode-se escrever sobre um oligopólio para os países do Cone Sul na escala nacional, apesar de se verificar particularidades no processo e em operações menores, especialmente, no segmento de internet, em que há a incidência de provedores menores com suporte da rede, especialmente na periferia dos grandes centros e em cidades de pequeno e médio porte.
23Observando o cenário competitivo pelo território, verifica-se a ação de grandes e poucas companhias, sendo o volume de recursos e capital para ingresso relativamente alto, o que inviabiliza planos para ação nacional de companhias que apresentem recursos mais escassos e porte médio/pequeno. Para Telesemana (2022), em 2021, as principais participações no mercado móvel no Brasil (vide Gráfico 1) pertenciam, respectivamente, às empresas: Vivo (Grupo Telefónica), com 33,6% de participação, Tim (Telecom Itália), com 25,7%, Claro (América Móvil) e Oi com (15,7%), mas ainda comparecendo empresas de menor porte e operação restrita, em termos espaciais, como Sercomtel e Algar, segundo Telesemana (2022), com base em dados oficiais de regulação do setor. Todavia, é preciso lembrar que os ativos da Oi, no segmento de telefonia móvel celular, foram adquiridos no final de 2020, pela Vivo, pela Claro e pela Tim, aumentando ainda mais a concentração no setor.
Gráfico 1 – Participação das principais operadoras de telefonia móvel celular no Brasil, 2021.
Fonte: Telesemana (2022). Organização: Paulo Fernando Jurado da Silva (2024).
24Já no caso da Argentina, conforme a Telesemana (2022), operam três grandes companhias: a Claro, com 37,2%, a Movistar (29,2%), e a Personal (33,7%), sendo que a Movistar pertencia ao grupo Telefónica, e a Personal, ao Clarin (importante conglomerado de mídia argentino). Caso semelhante é o do Uruguai, com a participação da Antel (51,2%), Movistar (30,7%) e da Claro (18%) (Telesemana, 2022).
- 1 Informações obtidas a partir do sítio institucional da companhia na internet.
- 2 A referência é do site oficial da empresa.
25No Paraguai, quatro companhias possuem destaque na participação de mercado: Tigo (43,3%); Personal (31,5%); Claro (21,2%) e Vox (4%) (Telesemana, 2022). O grupo Tigo1 atua em vários países da América Latina, sendo que sua sede fica em Luxemburgo, e o escritório, em Miami, e o grupo controlador, denominado Millicom, opera no segmento de telefonia celular, banda larga fixa e TV por assinatura. A Vox2, por sua vez, pertence à Hola Paraguay, cuja sede é em Assunção e tem abrangência nacional, em termos de operação.
26O Chile possui a operação de quatro grandes companhias (Telesemana, 2022), sendo: Entel (32,2%); Movistar (24,9%); Claro (21,3%); e Wom (20%). A Entel foi uma companhia estatal e depois privatizada, com o ingresso de grupos, como Chilquinta, Matte Group, bem como Telecom Itália e, em 2005, o grupo chileno Almendral passou a deter o seu controle (Entel, 2022). A Wom (2022), por sua vez, é controlada pelo grupo de investimento britânico vinculado a Novators Partners LLP, com filiais na Polônia e na Colômbia.
27Do ponto de vista da sede das maiores companhias do segmento de telecomunicações no Cone Sul, verifica-se, conforme a leitura dos sítios eletrônicos institucionais das empresas selecionadas para a investigação, que há uma concentração da representação da sede das companhias nas maiores cidades: precisamente, em grandes áreas metropolitanas, como é o caso de São Paulo e Rio de Janeiro, Santiago do Chile e Buenos Aires. Assim, a Telecom Itália, cuja sede é em Roma, tem, no Rio de Janeiro, headquarter; Telefónica com sede em Madrid, representações de subsidiárias em São Paulo, Buenos Aires, Montevidéu e Santiago; América Móvil com sede na cidade do México, em Santiago do Chile, São Paulo e Buenos Aires.
28Porém, há outras companhias cuja operação é restrita à formação socioespacial da área de outorga da concessão, apresentando uma abrangência menor, se comparada às citadas anteriormente. Consequentemente, a hierarquia dessas metrópoles do continente se repete quase que invariavelmente em termos da localização da sede das companhias. Assim, é preciso considerar que:
“[...] a metrópole está presente em toda parte e no mesmo momento. A definição do lugar é cada vez mais, no período atual, a de um lugar funcional para a sociedade como um todo. Os lugares seriam mesmo lugares funcionais da metrópole. E, paralelamente, através das metrópoles, todas as localizações tornam-se funcionalmente centrais.” (Santos 2013, p. 145)
29Ademais: “Nenhuma cidade, além da metrópole, ‘chega’ a outra cidade com a mesma celeridade [...]” (Santos, 2013, p. 146). Com isso: “Nenhuma dispõe da mesma quantidade e qualidade de informações que a metrópole [...]” (Santos, 2013, p. 146). Nesse sentido, o endereço das sedes das companhias está associado a bairros e avenidas importantes, no contexto metropolitano, como é o caso de mencionar a localização da sede da Vivo no Brasil. No entanto, no plano corporativo, empresas de capital regional podem ter sedes em outros endereços, como é o caso da Algar, em Uberlândia (Minas Gerais) e da Sercomtel, em Londrina (Paraná).
30Do ponto de vista da atuação territorial, é importante destacar que apesar de parte das companhias pertencerem aos mesmos grupos internacionais, poucas ações, no sentido da integração regional de infraestrutura, têm sido produzidas, e essa disputa feita, basicamente, no âmbito das formações socioespaciais de cada país. A partir da leitura da Imagem 1 e do subsídio teórico da pesquisa, é importante realçar que há diferentes interesses na região. Esses são manifestos no uso corporativo do território, decorrentes da ação das elites locais e do capital internacional, que acabam por influenciar na política e na constituição dos países, mas também, no uso corporativo que as companhias assumem em sua feição, configuração e projeção territorial.
Imagem 1 – Atuação das principais companhias de telecomunicações no Cone Sul, 2022.
Fonte: Dados extraídos dos sites institucionais das companhias. Elaboração: Paulo Fernando Jurado da Silva (2024).
31As normas e o aparato legal de cada nação, apesar de terem sido flexibilizadas nos últimos anos para favorecer o processo de privatização, não incluem, na sua totalidade, a integração territorial de infraestruturas entre países ou a livre ação de companhias para atuarem regionalmente. De todo modo, há medidas em tramitação no contexto regional que visam à suspenção de cobranças, como o roaming internacional, que possibilitaria aos turistas, moradores de áreas fronteiriças, estudantes e trabalhadores que circulam no Mercosul, desfrutar do benefício sem o ônus da cobrança frequente. Em 17 de julho de 2019, foi assinado, conforme a “Mensagem de Acordos, convênios, tratados e atos internacionais MSC 508/2019”, disponível no site institucional da Câmara dos Deputados do Brasil, um “Acordo para a Eliminação da Cobrança de Encargos de Roaming Internacional aos Usuários Finais do Mercosul” (Brasil, 2019). O referido instrumento tramita nas esferas competentes dos demais países que são signatários do Mercosul, embora isso não tenha sido ainda aprovado nessas instâncias, passados anos do acordo inicial.
32Outras medidas, por parte das companhias, no sentido de buscar otimizar sinergias em âmbito regional, têm sido conduzidas pela Claro. A empresa, por meio da sua controladora América Móvil, criou a “[...] sua nova empresa de infraestrutura de torres. A Sitios Latinoamérica (ou simplesmente Sitios Latam) terá 29 mil torres em 13 países da região, sendo 39% delas (cerca de 11,3 mil) no Brasil” (Julião, 2022). Em outras palavras, a Sitio Latinoamérica disponibilizará torres para que até mesmo suas concorrentes possam usá-las e, assim, maximizará o retorno financeiro do negócio. Dessa maneira, não se escreve sobre um mercado único, pleno e integrado no sentido do Cone Sul e na América Latina, apesar de alguns movimentos terem sido dados na direção de possibilitar maior fluidez para ações em escala regional.
33Do exposto, pode-se afirmar que, apesar de grandes grupos operarem no mercado latino, poucas são as companhias que possuem uma estratégia corporativa voltada à operação em larga escala no continente. Assim, as principais operadoras se resumem a dois grandes grupos com ação territorial mais abrangente: Telefónica Espanha e América Móvil (Claro). Este último é maior em escala de atuação, estando presente em todos os países estudados, cuja área de operação prioritária é a América Latina.
34Em outras palavras, apesar da constatada internacionalização de alguns grupos, a configuração de atuação é descontínua e não uniforme territorialmente. Isto é, as empresas processam um ajustamento espacial e econômico, em relação ao local de operação, para atender aos marcos jurídicos de cada país, mas também aos seus interesses corporativos e econômicos, que possam garantir lucros, especialmente, levando à concentração de investimentos (particularmente, nas áreas mais adensadas, em termos populacionais e econômicos).
35Muitas lacunas em termos de difusão digital precisam ser enfrentadas no continente, sendo a desigualdade a principal delas, tanto no acesso das pessoas às tecnologias da informação e comunicação, quanto no aspecto da dependência dos países latinos em relação à questão tecnológica.
36Outros aspectos que merecem ser pontuados são a qualidade da conectividade digital e também o preço pago para o acesso a ela, como demonstrado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (2021). No caso do Cone Sul, o custo mensal em dólares (PPC - Paridade do Poder de Compra) da assinatura de banda larga fixa, conforme o BID (2021), em 2020, era: para o Brasil, 46,91; para a Argentina, 27,31; para o Chile, 52,86; para o Uruguai, 51,32; e para o Paraguai, 55,39.
37No entanto, há de se ressaltar que, recentemente, diversas tecnologias têm ganhado espaço no mundo, como é o caso do 5G, que chegou à América do Sul e está se estabelecendo no local. Assim, as tecnologias anteriores serão substituídas por essa nova forma de transmitir os dados e as informações de modo gradual. No Brasil, a implantação do 5G ocorreu de forma restrita a algumas capitais (avenidas e pontos de maior interesse econômico, nessa fase inicial); no Chile, as empresas Wom, Entel e Movisar operam no segmento, sendo que na China e em outros países, essa tecnologia já é amplamente difundida e, nesse contexto:
A América do Sul já conta com 14 redes 5G operacionais. As redes estão distribuídas em sete países da região: Brasil (quatro redes), Chile (três redes), Peru (três redes), Colômbia (uma rede), Suriname (uma rede), Uruguai (uma rede) e Argentina (uma rede). Além disso, testes em 5G já foram anunciados em oito países. Os dados são fruto de uma pesquisa da 5G Américas, associação setorial de provedores e fabricantes do setor de Telecom, com base em informações de órgãos reguladores, agências e operadoras (Meio Mensagem, 2022).
38Assim, há uma sucessão de técnicas no território, sendo sua expressão bastante desigual em termos espaciais, temporais e econômicos. O fato é que, independentemente da tecnologia alocada para acesso à internet, o número de celulares no continente e de acesso à internet têm sido cada vez maiores, e embora o acesso à telefonia móvel celular tenha se difundido nos últimos anos, ela ainda não é universal. Os Gráficos 2 e 3 sinalizam a distribuição de aparelhos e a sua respectiva densidade no recorte selecionado para a investigação.
Gráfico 2 – Distribuição de aparelhos celulares (milhares) por países selecionados, 2017-2020.
Fonte: Dados extraídos da Teleco (2022). Elaboração: Paulo Fernando Jurado da Silva (2024).
Gráfico 3 – Densidade de aparelhos celulares (/100) por países selecionados, 2017-2020.
Fonte: Dados extraídos da Teleco (2022). Elaboração: Paulo Fernando Jurado da Silva (2024).
39Quando se avalia a distribuição de aparelhos celulares, verifica-se que Argentina e Brasil têm os maiores números no Cone Sul, embora esse indicador tenha recrudescido, ao longo do tempo; enquanto Paraguai, Uruguai e Chile se mantêm relativamente estáveis. Escreve-se, portanto, de diferentes números para os países selecionados, tendo em vista os variados quantitativos populacionais do continente e as condições de acesso das pessoas, bem como um plano, ao qual se vinculará, seja pré-pago ou pós-pago. No entanto, chamam a atenção, especialmente, os dados do Uruguai que, em 2020, apresentava uma densidade de aparelhos (100) de 156,4, sendo a maior do grupo analisado. O Brasil (110,1) possuía números menores que o Chile (128,1) e a Argentina (120) e demonstrava maior desigualdade nesse quesito; mas em volume, o Brasil era o que apresentava maior quantidade, isto é, 234.067 milhões de aparelhos celulares.
40Esse número pode ser cotejado vis-à-vis com a penetração dos serviços de comunicação nesses países ao longo do tempo (Gráficos 4, 5, 6, 7 e 8). Na série histórica que compreende um período de 20 anos, ou seja, de 2000 a 2020, com base em dados da União Internacional de Telecomunicações (UIT), disponibilizados no Portal Brasileiro de Dados Abertos, constata-se que a telefonia móvel celular e a banda larga foram os serviços mais acessados pela população dos países do Cone Sul, sendo o serviço de telefonia móvel o que possui o maior número de acessos, seguido pela banda larga móvel. Observado esse fenômeno, é importante destacar que em alguns países, como Brasil, Uruguai e Argentina, a tendência de alta de acesso para telefonia foi quebrada nos últimos anos, em razão de múltiplos fatores que incluem, em linhas hipotéticas, crises econômicas, mas também, mudanças nos planos das operadoras e maior integração territorial nas operações em relação aos serviços prestados.
Gráfico 4 – Penetração dos serviços de comunicação no Brasil, 2000-2020.
Fonte: União Internacional de Telecomunicações (UIT), disponível na página oficial do Portal Brasileiro de Dados Abertos (2022). Elaboração: Paulo Fernando Jurado da Silva (2024).
Gráfico 5 – Penetração dos serviços de comunicação na Argentina, 2000-2020 *
Fonte: União Internacional de Telecomunicações (UIT), disponível na página oficial do Portal Brasileiro de Dados Abertos (2022). * Nos anos de 2015 e 2016, bem como de 2018 a 2020, os dados não estão disponíveis no quesito banda larga. Elaboração: Paulo Fernando Jurado da Silva (2024).
Gráfico 6 – Penetração dos serviços de comunicação no Chile, 2000-2020.
Fonte: União Internacional de Telecomunicações (UIT), disponível na página oficial do Portal Brasileiro de Dados Abertos (2022). Elaboração: Paulo Fernando Jurado da Silva (2024).
Gráfico 7 – Penetração dos serviços de comunicação no Uruguai, 2000-2020 *
Fonte: União Internacional de Telecomunicações (UIT), disponível na página oficial do Portal Brasileiro de Dados Abertos (2022). Elaboração: Paulo Fernando Jurado da Silva (2024). *Dado de 2020 não está disponível.
Gráfico 8 – Penetração dos serviços de comunicação no Paraguai, 2000-2020 *
Fonte: União Internacional de Telecomunicações (UIT), disponível na página oficial do Portal Brasileiro de Dados Abertos (2022). Elaboração: Paulo Fernando Jurado da Silva (2024). *Dado de 2020 não está disponível.
41Ao longo do período analisado, verifica-se também que o serviço de banda larga fixa tem apresentado discreto crescimento, enquanto a telefonia fixa tem tendência de declínio, excetuando-se o caso uruguaio, em que os serviços se mantiveram relativamente estáveis.
42No Brasil, os dados obtidos na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), realizada pelo IBGE (2022), em referência ao período 2018-2019, atestam a importância do uso do celular para acessar a internet no Brasil. Na pesquisa, ficou demonstrado que o principal equipamento para acessar a internet era o celular, o que correspondia a 98,6% da amostra para 2019. Para os estudantes que acessavam a internet por meio da telefonia móvel celular, o número era de 97,4%, sendo que desse quadro, 83,7% correspondia à rede pública e 98,4%, à privada, demonstrando a desigualdade social. Adiante, isso ficou ainda mais evidente no contexto da pandemia (Monje; Segura; Bolaño, 2021), em que o ensino passou a ser remoto e muitas famílias tiveram rendimentos reduzidos ou vivenciaram o desemprego e, por conseguinte, os estudantes passaram por muitas dificuldades no que diz respeito ao acesso à internet e à aprendizagem.
43Um dos dados que possibilitam pensar no cenário de defasagem tecnológica, embora nos últimos anos tenham ocorrido avanços, é o índice de preparação para tecnologias de fronteira, divulgado pela ONU/Unctad (2021), conforme pode-se verificar na Tabela 1, para o recorte espacial da pesquisa.
44Assim, na leitura da Tabela apresentada, é possível identificar que a melhor posição de preparo para incorporação de tecnologias de ponta, vinculadas aos segmentos de maior inovação da economia, é ocupada no Cone Sul, pelo Brasil (41a posição no mundo), estando em um grupo de classificação como intermediário para superior no mundo (meio superior no ranking), algo presente também no Chile, na Argentina e no Uruguai, sendo exceção o Paraguai, que apresenta um índice menor, se comparado a outros países, ocupando uma posição considerada, pelo estudo, baixa. Esse cenário expõe, nitidamente, os gargalos e os desafios para o continente, como assimilação de novas tecnologias. Em outras palavras, além da desigualdade social, há uma desigualdade territorial nos diferentes países.
Tabela 1 – Índice de preparação para tecnologias de fronteira, 2021.
País
|
Ranking por categoria
|
Pontuação total
|
Posição no mundo
|
Grupo
|
TICs
|
Habilidades
|
P&D
|
Indústria
|
Finanças
|
Brasil
|
0.65
|
41
|
Meio-Superior
|
73
|
53
|
17
|
42
|
60
|
Chile
|
0.57
|
49
|
Meio-Superior
|
61
|
45
|
45
|
109
|
20
|
Argentina
|
0.49
|
65
|
Meio-Superior
|
81
|
38
|
51
|
87
|
138
|
Uruguai
|
0.47
|
68
|
Meio-Superior
|
58
|
50
|
80
|
73
|
110
|
Paraguai
|
0.29
|
102
|
Mais-baixo
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89
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105
|
115
|
135
|
85
|
Fonte: Os dados foram extraídos de estudo da ONU/Unctad (2021, p. 137-141). Elaboração: Paulo Fernando Jurado da Silva (2024).
45A fibra óptica - que também é uma importante infraestrutura para circulação de informação no território -, apresenta uma distribuição desigual no mundo. No Cone Sul, segundo o Relatório Anual do Índice de Desenvolvimento da Banda Larga do Banco Interamericano de Desenvolvimento (2021), o porcentual de linhas de banda larga com acesso por fibra óptica por 100 habitantes era de 1,64% no Cone Sul; no Paraguai, 0,20%; no Uruguai, 18,80%; no Chile, 2,20%; na Argentina, 0,50% e, no Brasil, 1,60%.
46Dessa maneira, existiriam territórios bem equipados com os vetores tecnológicos e outros com mais rarefação, em que as densidades são menores e, assim, a informação tende a circular com mais velocidade, especialmente nos locais em que há maior difusão dos sistemas de engenharia relacionados às Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e onde coexiste maior presença de capital e poder. Porém, isso não significa acesso, ou seja, inclusão igualitária, em termos da digitalização do território.
47Apesar da importância de se levar em conta o número de acessos e as tecnologias difundidas territorialmente no contexto da América do Sul e Latina, a participação no total do tráfego de dados digitais dessa região ainda é considerada pequena, face a outros continentes. Conforme a Cisco (2019 apud Banco Interamericano de Desenvolvimento, 2020), a América Latina representava 6% do tráfego, estando à frente apenas do Oriente Médio e da África (3%). A liderança regional era da Ásia-Pacífico, com 35%, seguida por: América do Norte (34%), Europa Ocidental (15%) e Europa Central e Oriental (7%).
48Com isso, é importante frisar que cada pedaço do território guarda especificidades que se ligam a essa dinâmica, agora impulsionadas pelo avanço do processo de digitalização do território. Contudo, esse processo só pode ocorrer em razão do suporte que as empresas de telecomunicações promoveram no território, no sentido de viabilizar as redes necessárias para a circulação de dados e informações.
49No momento em que a telefonia celular e internet se configuram como os principais vetores do processo de digitalização do território, torna-se importante destacar que há um pequeno grupo de empresas que controlam as telecomunicações no Cone Sul, confirmando um oligopólio em cada mercado nacional. Assim, as infraestruturas associadas ao segmento das telecomunicações privilegiaram, historicamente, determinados pontos de concentração econômica das formações socioespaciais nacionais, o que não significou, no presente momento, integração e convergência regional de ação espacial das companhias.
50A pandemia expôs as desigualdades de acesso às tecnologias da informação e comunicação, mas evidenciou as lacunas de qualidade, preço pago, bem como a possibilidade de gerar inovação e tecnologias de fronteira, atestando a dependência tecnológica da América Latina e do Cone Sul na divisão territorial do trabalho. Contudo, a participação de diversas cidades e regiões nesse processo não implica pensar que não existam contradições. Ou seja, há territórios em que a digitalização avançou de forma mais acentuada, contrastando com outros pedaços de território em que se teve impacto e difusão menos marcantes.
51Como consequência, a penetração dos serviços de telecomunicação e a inserção dos diferentes países no plano da competição internacional são assimétricas. Passado colonial e desigualdade de renda persistente (histórica) são alguns dos fatores que colaboraram para esse quadro. Além disso, cabe ressaltar que as políticas dos diferentes governos têm implicações diretas nesse mercado, tanto do ponto de vista da ação estatal direta - por meio da atuação de empresas públicas em alguns países no segmento -, quanto por meio da ação de regulação, financiamento, associação de capitais ou abertura ampla dos mercados nacionais à operação e investimento das companhias.
52Com isso, mediante a experiência acumulada, ressalta-se que as perspectivas futuras, baseadas na produção de novos trabalhos, poderiam abranger a importância de se efetuar estudos de caráter nacional e regional sobre o tema proposto neste trabalho, que envolva, por exemplo, o uso de variáveis semelhantes para identificar as características dessa dinâmica que é diversa territorialmente. No mundo globalizado, a avaliação do território e da digitalização é fundamental para ler criticamente as formas de produção e reprodução do capital.