1Em 2019, o Brasil registrou o segundo maior número de homicídios da América do Sul ao apresentar uma taxa de 30.5 assassinatos para cada 100 mil habitantes. Naquele ano, o país ficou atrás apenas da Venezuela, com 56.8, de acordo com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (United Nations Office on Drugs and Crime – UNODC). Os dados do relatório intitulado “Estudo Global sobre Homicídio” (Global Study on Homicide) ainda apontam que o continente americano é a região com a maior concentração de assassinatos do planeta, estando à frente, até mesmo, da África e da Ásia.
2Nesse contexto, entre 1991 e 2017, cerca de 1,2 milhões de brasileiros perderam suas vidas em função dessa fatalidade, onde o crime organizado é responsável por 1 a cada 5 mortes. É possível afirmar que o número de homicídios em todo o planeta é maior do que a quantidade de mortes ocorridas em função de confrontos armados, o que chama a atenção para a intensidade deste problema social (UNODC, 2019).
3De acordo com o Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS), durante 2019, o país apresentou 45.503 registros de mortes por assassinato, o menor valor mensurado desde o ano de 1995. Apesar da redução, o número deve ser visto com cautela em função do fenômeno iniciado em 2018 de crescimento de Mortes Violentas por Causa Indeterminada (MVCI), decorrente da deterioração da qualidade dos registros oficiais do SIM/MS (Cerqueira et alii, 2021). Assim, ao observar o “Atlas da Violência 2019” (Cerqueira et alii, 2020) e o “Atlas da Violência 2020” (Cerqueira et. alii, 2020), pode-se notar uma diminuição na taxa de homicídios registrados, principalmente em função de três fatores:
4“[...] 1.) a mudança do regime demográfico rumo ao envelhecimento da população e a diminuição do número de jovens; 2.) a implementação de ações e programas qualificados de segurança pública em alguns estados e municípios brasileiros; e 3.) o Estatuto do Desarmamento (Cerqueira et alii, 2021).”
5Este artigo tem o objetivo de investigar os fatores socioeconômicos dos bairros de Belo Horizonte para tentar descobrir possíveis fatores condicionantes da distribuição espacial irregular do comportamento criminoso homicida. De acordo com a Teoria da Desorganização Social (Shaw; Mckay, 1942), pressupomos que locais caracterizados por uma forte vulnerabilidade e pobreza, além de concentrações étnicas segregadas do restante da população em razão das desigualdades socioeconômicas, são aqueles onde os crimes de homicídio acontecem com mais frequência, exatamente em função da dificuldade que o poder público encontra para estabelecer o controle dessa população, não apenas por meio de fatores de segurança pública, mas também devido à privações de serviços básicos, como educação de qualidade, que dificultam a absorção de cultura e das normas que a sociedade como um todo estabelece.
6A relevância desta pesquisa consiste no tipo de análise espacial fornecida, ainda rara de se encontrar em publicações no campo da Segurança Pública, mas que oferece um valioso subsídio para os poderes do Estado.
7Este estudo emprega dados de ocorrências de homicídios em Belo Horizonte e informações socioeconômicas do Censo Demográfico de 2010, produzindo uma análise espacial e uma análise de regressão linear múltipla na busca dos fatores condicionantes dessa modalidade de crime. A distribuição espacial dos homicídios mostra um padrão centro-periférico, com taxas mais altas nas periferias da cidade. O modelo de regressão incluiu variáveis como renda per capita, densidade demográfica e porcentagem de pessoas negras e os resultados demostraram que baixa escolaridade, pobreza e desigualdade social estão relacionadas aos homicídios, enquanto maior escolaridade e presença feminina na chefia de família estão associadas a menores taxas de homicídio. No entanto, outras variáveis como densidade demográfica e porcentagem de pessoas jovens não foram significantes no modelo devido à multicolinearidade.
8Além da introdução, o artigo está dividido em cinco seções. Primeiro, discute-se o estudo científico dos homicídios, com um foco posterior nos fatores sociais que influenciam a mortalidade por homicídio. As últimas seções abordam a metodologia, os resultados e sua discussão, seguidos das conclusões finais
9O estudo científico dos homicídios tem uma longa trajetória e diversos autores tentaram explicar por que as pessoas cometem crimes. Lombroso (1911), considerado o pai da criminologia positivista, introduziu a noção do atavismo. Trata-se da primeira tentativa de teorização científica no pensamento criminológico, inspirada na teoria da seleção natural de Darwin. De acordo com essa abordagem, o homicida é uma categoria distinta de indivíduo com uma predisposição biológica ou psicológica para matar. Lombroso afirmava que a criminalidade era herdada, e que alguém "nascido criminoso" poderia ser identificado por defeitos físicos, afirmando que os criminosos são distinguíveis dos não-criminosos por múltiplas anomalias físicas. Na esteira da escola positivista, Hooten (1939) postulava que o comportamento criminoso está enraizado na genética. Logo, a eliminação do crime só poderia ser efetuada pela extirpação dos indivíduos fisicamente, mentalmente e moralmente inadequados; ou por sua completa segregação.
10Teoria da Anomia formulada por Merton (1938) representa uma das mais tradicionais explicações de viés sociológico acerca da criminalidade. De acordo com o autor, o motivo por trás da delinquência seria devido à impossibilidade de o indivíduo alcançar as metas desejadas por ele, como, por exemplo, o sucesso econômico. Salienta-se que a operacionalização de tal teoria originou três possibilidades distintas de aferição, sendo elas: 1.) disparidade entre as aspirações pessoais e os meios disponíveis, ou expectativa de se realizar; 2.) falta de oportunidades (Agnew et alii, 1987); e 3.) privação relativa (Burton et alii, 1994).
11Inaugurada por Sutherland (1942), a Teoria da Associação Diferencial apresenta um foco de análise no processo pelo qual os indivíduos, principalmente a população jovem, desenvolvem seus comportamentos a partir de suas experiências de vida em função de situações de conflito. Assim, essas experiências seriam favoráveis ou desfavoráveis ao crime, sendo apreendidas por meio de interações com outros indivíduos, baseadas na comunicação interpessoal e diretamente relacionadas à família, os grupos de amizades e as comunidades locais.
12Também com foco na socialização dos indivíduos, Nye (1958) propôs a Teoria do Controle Social, calcada na ideia de que as pessoas desenvolvem o autocontrole por meio dos processos de socialização e aprendizado social, elementos considerados essenciais para a redução da propensão para se envolver em comportamentos desviantes e cometer crimes. Diferentemente das demais teorias que buscam elucidar o motivo pelo qual as pessoas cometem crimes, a abordagem do controle social percorre a motivação daqueles indivíduos que se abstêm de cometê-los. Sendo assim, a questão seria explicar os elementos que dissuadem o cidadão do caminho criminoso, afirmando que tais fatores estão consubstanciados pela chance do criminoso ser descoberto e o custo representado pela respectiva punição (Briar; Piliavin, 1965).
13Gerry Becker (1968) estabeleceu um marco no discurso acerca das determinantes da criminalidade ao desenvolver um modelo formal onde o ato criminoso seria visto como uma avaliação racional em torno dos benefícios e custos envolvidos comparados à alocação do seu tempo inseridos no mercado de trabalho local. Dessa maneira, a decisão de cometer ou não um crime resultaria de um processo de maximização da utilidade esperada, onde o indivíduo ponderaria os potenciais benefícios resultantes do ato criminoso, subtraídos pelo salário alternativo e relativo ao mercado de trabalho.
14A Teoria das Atividades Rotineiras sugere que a ocorrência de um crime é condicionada pela associação de três elementos que formam uma equação criminal, sendo eles: uma vítima em potencial, um agressor em potencial, além da ausência de “guardiães capazes”, entendidos como qualquer objeto ou pessoa, que desencoraja a ocorrência do crime. Esses guardiães capazes incluem alarmes, sistemas de monitoramento por câmera, seguranças privados, ou pessoas circulando na rua, por exemplo. De acordo com esta teoria, quanto mais investimentos em recursos de proteção, maior seria a dificuldade para se consolidar o crime e menores as oportunidades visíveis do agressor (Cohen, L.; Felson, 1979).
15Gottfredson e Hirschi (1990) trouxeram à tona a Teoria do Autocontrole, diferenciando as pessoas que apresentam comportamentos desviantes e vícios em desvirtudes, como jogos de azar, promiscuidade sexual, fumo, drogas e alcoolismo, de outros cidadãos que desenvolveram mecanismos de autocontrole durante a fase entre dois ou três anos de idade até a fase pré-adolescente. Tal comportamento decorreria de más formações no processo de socialização da criança, desenvolvidos pela ineficácia na conduta educacional professada pelos pais, que teriam falhado em não impor limites aos filhos, seja em função da falta de supervisão mais próxima ou mesmo por negligenciar eventuais falhas do comportamento juvenil. Tenderia essa criança, depois de velha, a agir motivada exclusivamente em seus próprios interesses, visando voluptuosamente prazeres passageiros, sem levar em consideração as consequências a longo prazo e possíveis impactos de suas ações sobre terceiros, desencadeando, assim, os comportamentos criminosos.
16Thornberry (1996) foi o primeiro a propor a Teoria Interacional, representada por um modelo que analisa o comportamento desviante ocorrido durante um processo interacional dinâmico. Assim, foi possível mais do que entender a delinquência como uma consequência advinda de um conjunto de fatores e processos sociais, mas em uma perspectiva interacional, procurando compreendê-la diretamente como causa e consequência de uma variedade de relações recíprocas desenvolvidas no decorrer do tempo. Para tanto, é preciso observar os fatores evolucionários da pessoa e aqueles efeitos chamados de recíprocos. Quanto à perspectiva evolucionária, presume-se que o crime não é um fenômeno constante na vida do indivíduo, mas trata-se de um processo em que a pessoa inicia sua atividade criminosa entre os 12 ou 13 anos, aumentando seu envolvimento por volta dos 16 ou 17 anos e finaliza o processo até os 30 anos. Já os efeitos recíprocos são derivados da interação de variáveis socioeconômicas entre si e entre elas e o fenômeno criminal que se busca compreender. Essas variáveis são sugeridas pelas teorias da Associação Diferencial e do Controle Social.
17Outros autores buscaram elaborar um modelo integrado para elucidar a violência, cuja síntese seriam os níveis construtores da personalidade humana, ou, estrutural, institucional, interpessoal e individual. Para este modelo ecológico, melhor do que analisar determinadas características isoladas, considerar a combinação de tais atributos pertencentes aos diferentes níveis da personalidade humana seria o ideal para explicar a violência (Shrader, 2000).
18Como vimos, existem muitas teorias que abordam o fenômeno criminal. No entanto, cabe destacar que segundo Cressey (1968), uma teoria que anseia elucidar o comportamento social, e particularmente o comportamento criminoso, deve levar em consideração ao menos dois aspectos: 1.) o entendimento das motivações e do comportamento individual; e 2.) a epidemiologia associada, ou como esses comportamentos estão distribuídos, deslocando-se espacial e temporalmente. Essas ideias são corroboradas por Cerqueira e Lobão (2003), que afirmam que os estudos acerca da causalidade criminal apresentam duas ramificações. A primeira considera as motivações pessoais e os processos que levariam as pessoas a enveredar pela criminalidade; a segunda concentra seus esforços em verificar relações entre as taxas de crime diante de variações culturais e organização social.
19Este trabalho está conectado à segunda vertente, buscando entender os determinantes socioespaciais dos homicídios em Belo Horizonte, a partir de dados agregados na escala dos bairros. Utiliza-se como aporte teórico a Teoria da Desorganização Social, exatamente por tratar-se de um enfoque que busca relacionar a criminalidade com o entorno geográfico onde ela está concentrada.
20A Teoria da Desorganização Social explica as diferenças ecológicas na incidência criminal com base em fatores estruturais e culturais. Influenciado por Parks e Burgess (1925), a Teoria da Desorganização Social foi desenvolvida originalmente por Shaw e McKay (1942) na Escola de Chicago nos anos 1940. Os estudiosos que trabalham nesta frente buscam compreender o fenômeno por meio de uma visão integradora, ou seja, como as comunidades locais, redes comunitárias formais e informais, incluindo relações de amizades e parentesco, entre outras, de alguma forma contribuem para o processo de socialização e aculturação do indivíduo.
21De acordo com a Teoria da Desorganização Social, o crime é desencadeado pelo enfraquecimento dos níveis de integração social dos bairros devido à ausência de mecanismos de autorregulação, que, por sua vez, são decorrentes do impacto de fatores estruturais nas interações sociais ou da presença de subculturas delinquentes. O primeiro processo define a desorganização como o reflexo de baixos níveis de controle social gerados pela desvantagem socioeconômica, rotatividade residencial e heterogeneidade populacional; o último destaca a convergência de padrões culturais conflitantes em bairros pobres e o surgimento de comportamentos de grupo ligados à criminalidade (Rengifo, 2010).
22É correto afirmar que essa teoria se baseia na ideia de que os indivíduos possuem ligações diretas com a sociedade em que vivem, havendo certo grau de concordância entre o indivíduo e a sociedade que pode ser chamado de trato social. Dessa maneira, quanto mais assertiva for a integração entre o indivíduo e o sistema social, e, na mesma proporção, sua aceitação dos valores e normas vigentes, menores são as chances dessa pessoa se tornar um criminoso (Durkheim, 1897).
23Assim, podemos compreender a desordem social como um problema comportamental: é possível percebê-lo acontecer por meio da prostituição, senti-lo de perto com o assédio sexual, ou notar suas evidências indiretas nos muros e paredes onde existe a presença de pichação. Em corolário, depreende-se que a desordem física envolve sinais aparentes de negligência e deterioração, como construções abandonadas, iluminação urbana deficiente, lotes vagos e calçadas com a presença intensa de lixo (Skogan, 1991 p.4).
24Sampson e Groves (1989) testaram a teoria por meio de uma pesquisa que utilizou dados de mais de 238 localidades da Grã-Bretanha, tomando como referência milhares de residências em 1982. Durante o estudo, foram levados em consideração os crimes contra o patrimônio e contra a pessoa como variáveis dependentes. Já as variáveis independentes, regionalizadas pelas localidades supracitadas, foram selecionadas por características socioeconômicas como: estabilidade residencial; desagregação familiar; urbanização; além de heterogeneidade étnica; redes de vizinhança; e localização de grupos de adolescentes carentes de supervisão ou orientação dos pais e da família. O resultado final foi significativo quanto às variáveis de desagregação familiar, urbanização e grupos de jovens sem supervisão, ajudando a explorar os inescrutáveis fatores que envolviam a variação criminal presente nas comunidades in situ.
25Neste contexto, a Teoria da Desorganização Social seria motivada por uma abordagem sistêmica, onde as comunidades urbanas e redes de vizinhança são descritas como um enredado mosaico de ligações formais e informais, relações de amizade e parentesco, que, não obstante, tenderiam a proporcionar todo um processo de socialização e aculturação deficientes nos indivíduos, enquanto estes estiverem conectados a vulnerabilidade social. Dessa forma, a criminalidade seria observada por meio desse viés do mosaico urbano, sendo compreendida como uma das consequências negativas da desorganização socioespacial das redes de comunidades (Shaw; Mckay, 1942).
26Sampson (1997) disserta que essas redes sistêmicas acabam por colaborar ou atrapalhar o controle social. Partindo deste entendimento, a criminalidade seria uma consequência inapropriada dessa rede de relações sociais em nível comunitário (Entorf; Spengler, 2002). É importante destacar que as teorias que enfatizam fatores contextuais de determinadas comunidades consideram os locais onde os crimes acontecem. Essa categoria de análise está baseada na ideia de que o comportamento individual é um tipo de reação gerada por influência da vizinhança em que a pessoa está inserida. Assim, os indivíduos tornam-se criminosos ou vítimas, exatamente por morarem ou frequentarem locais onde as características do entorno favorecem o ato criminal.
27Destaque-se que o crescimento e o adensamento populacional urbano possibilitam maiores retornos pecuniários e menores probabilidades de detenção e aprisionamento, aumentando os incentivos para a prática criminal (Glaeser e Sacerdote, 1999). No entanto, a distribuição populacional por sexo e idade tem sido adotada como referência não apenas nas abordagens teóricas, mas, também, em diversos estudos empíricos. Cerqueira e Moura (2014) asseveram que o crime, em linhas gerais, está fortemente relacionado ao sexo masculino, sendo condicionado pelo ciclo de vida do indivíduo, tendendo a ser mais prevalente no período que se inicia na pré-adolescência, atingindo o seu apogeu n os 18, sofrendo uma inflexão à medida que a idade se aproxima dos 30 anos.
28Mas a teoria não é isenta de críticas. Umas das manifestações mais antigas foi vocalizada por Cohen (1955), que indicou que a teoria explica o crime como resultado da ausência de controle, negligenciando o papel da agência humana e da impulsividade individual como condicionantes criminais. Merton (1957) assevera que mecanismos de controle social podem exercer maior ou menor pressão em determinados indivíduos já naturalmente predispostos ao envolvimento em comportamento desviante ou atividades criminais.
29Apesar dessas críticas, a Teoria apresenta uma explicação ecológica para as variações do crime que continua atual e relevante (Porter et alii. 2015), tendo sido empregada em diversos contextos e passado por substantivos testes empíricos (e.g. Warner e Pierce, 1993; Veysey e Messner, 1999; Kawachi et alii. 1999; Osgood e Chambers, 2000; Markowitz, 2001; Diniz, 2005; Borges e Diniz, 2011; Tavares, 2016; Da Silva 2019; Soares et alii. 2022).
30Ao desenvolver análises baseadas em indicadores, o primeiro passo a ser tomado é estabelecer conceitos ou fenômenos que podem ser observados. No que tange às políticas públicas, criar indicadores capazes de auxiliar os gestores no acompanhamento dos vários tipos de resultados relativos às ações empreendidas é, deveras, importante (Mata; Diniz, 2021). Nesse trabalho, foram utilizadas algumas variáveis para correlacionar com a taxa de homicídio em Belo Horizonte, propondo que elas estariam diretamente conectadas às condicionantes sociais deste tipo de mortalidade. O “Diagnóstico dos homicídios no Brasil”, produzido pelo Ministério da Justiça (2015) e adotado como referência para fundamentar o presente estudo, prevê quatro macrocausas principais do fenômeno, a saber: gangues e drogas, violência patrimonial, violência interpessoal e violência doméstica. Contudo, nota-se também a presença de alguns fatores que se apresentam como transversais a todos os homicídios, como a disponibilidade de armas de fogo e o acúmulo de vulnerabilidade sociais (Ministério da Justiça, 2015).
31É possível citar que, em relação à realidade brasileira, o acúmulo de vulnerabilidades e desigualdades, sejam econômicas ou sociais, são apontadas como grandes causadoras gerais de conflitos e violência, dentre os quais podemos destacar os homicídios. Durante a década de 1980, a eclosão da violência esteve associada às grandes mazelas socioeconômicas arraigadas no seio da sociedade brasileira, o que refletiu na estagnação de renda e aumento gradativo da desigualdade social, tendo sido esses fatores suplantados por um combalido sistema de segurança pública (Cerqueira, 2014). De acordo com o Ministério da Justiça (2015), os perfis de vulnerabilidade e vitimização no Brasil apresentam-se bem característicos, com a população negra correspondendo a 72,0% das mortes, contra 26,0% para brancos e amarelos, em um total de 50.715 homicídios no ano de 2014; jovens com idade entre 15 e 29 anos também se destacam no topo da pirâmide de homicídios no país, apresentando um percentual de mortes de 52,9% no cômputo geral. Acoplada à questão transversal da vulnerabilidade social está a proliferação das armas de fogo, sendo este o fator mais importante para elucidar o aumento dos homicídios na década 1990 (Cerqueira, 2014). Uma questão atual que pode gerar riscos conjunturais futuros é a política permissiva para esse tipo de armamento patrocinada pelo Governo Federal, desde 2019. Facilitar o acesso a essas armas, em suma, favorece a ocorrência de crimes interpessoais e passionais, podendo também as mesmas caírem nas mãos de criminosos, graças à comprovada conexão entre os mercados legal e ilegal de armas (Cerqueira; Bueno, 2021).
32A macrocausa da violência atrelada às gangues e drogas, bem como o seu respectivo consumo e tráfico, tem sido destacada por diversos pesquisadores como ponto de partida dos homicídios. Na literatura, a relação encontrada entre esta variável e a violência é especialmente relacionada com o mercado de crack (Nappo; Sanchez, 2002; Nappo; Oliveira, 2008). Cerqueira (2014) reforça que a partir dos anos 2000 foi observado um grande aumento do consumo de drogas proibidas, particularmente o crack, ensejando o crescimento de mercados ilícitos principalmente nos estados do Nordeste. O tráfico de drogas é uma questão complexa, especificamente no tocante ao aumento dos homicídios. Presente no discurso midiático e mesmo em algumas publicações científicas, o consumo de drogas é tido como fator de risco para os homicídios. Essa perspectiva ganha fôlego com a existência de um mercado clandestino e paralelo, provedor de guerras entre facções e até mesmo contra o Estado. É certo que o mercado clandestino de entorpecentes é responsável por um número enorme de mortes no Brasil e no mundo (CGPD, 2011).
33Além disso, o elevado percentual de jovens, proporcional à população, tem uma relação direta e invariante entre o aumento da taxa de crimes, no geral, sendo que as vítimas, na maioria das vezes, são os jovens do sexo masculino, negros ou pardos (Hirschi; Gottfredson, 1983). A grande presença de jovens e a sua respectiva vulnerabilidade são fatores determinantes para a existência de gangues, pois a juventude é mais facilmente aliciada pelo tráfico de drogas. Isso deixa evidente que essa parcela da população é, consequentemente, a mais vitimada. Destarte, percebe-se uma fragilidade específica em relação aos jovens negros. Um exemplo disto é o IVJ (Índice de Vulnerabilidade Juvenil), que agrega indicadores dimensionadores desta perspectiva, entre eles: violência entre jovens, frequência escolar, situação empregatícia, pobreza e escolaridades de risco relativos à possibilidade de jovens negros e brancos serem vítimas de assassinatos (Tavares et alii, 2016).
34Quanto a violência patrimonial no Brasil, nota-se poucos homicídios por ela motivados (Cerqueira, 2014). Em pesquisas sobre os fatores de risco que estariam associados a esse tipo de homicídios, encontram-se as motivações transversais supracitadas, como a alta circulação de armas de fogo, as desigualdades e as vulnerabilidades sociais.
35Já em relação à violência interpessoal, os homicídios ocorrem por conflitos, que, por infelicidade das partes, consumam-se de forma violenta. Assim, a violência interpessoal decorre de atritos ocorridos na rua e que não envolvem uma filiação parental. Isso porque a violência doméstica é envolvida por uma lógica de poder diferente, a qual ainda abordarei aqui. São decorrentes da violência interpessoal as brigas de bar, vizinhos, vingança, brigas e conflitos em espaços públicos, cujos sujeitos não apresentam uma relação conjugal ou de parentesco.
36Concatenado à violência interpessoal está a desordem urbana, onde elementos situacionais relacionados à vida comunitária, com destaque à desorganização, ausência ou precariedade de políticas públicas, associada ao espaço urbano e a qualidade de vida nas formas de habitação, saneamento, iluminação, transporte e acesso aos serviços públicos básicos, deixam o ambiente desordenado e propiciam a existência de maior incivilidade e ações criminosas. Depreende-se disso que o abuso de álcool e drogas pode potencializar reações violentas de situações adversas de conflito e aumentar o perigo de homicídio, pois, raramente, um crime desse tipo acontece por um trabalhador no seu local de trabalho, estando os locais associados ao ócio àqueles em que as pessoas lutam e se matam. Ainda, é possível destacar um tipo de violência interpessoal caracterizado pelo fenômeno crescente e motivado por preconceitos e discriminação em relação à públicos específicos, como os grupos LGBTs, indígenas, negros, população em situação de rua, ou ainda aqueles relacionados a uma ideologia ou religião. Essa categoria de violência é chamada de crime de ódio (Ministério da Justiça, 2015).
37Ao entrar na violência doméstica, destacamos as vítimas mulheres representadas por todas as idades. Machado (2000) ressalta que os homicídios de mulheres, crianças e idosos estão conectados às relações violentas de poder consumadas no ambiente doméstico e baseadas em relações de filiação parental. Os homicídios de mulheres representam cerca de 10% do total da mortalidade por agressão, fato que constitui um problema social sem igual quanto a enraizada cultura patriarcal, estando a maior parte dos homicídios femininos ligados à condição de gênero. Neste caso, a utilização de álcool e drogas também pode ser observado como um fator potencializador das consequências extremas da violência doméstica, mas não podendo ser esta sua causa primária (Zilberman; Blume, 2005).
38Outro fator relacionado à violência doméstica é o abuso sexual, este sim uma condicionante de risco para a criação de sociabilidades violentas e vulnerabilidades perpetradas em jovens, podendo influenciar na aceitação dos mesmos em grupos como gangues e facções de tráfico, o que gera também comportamentos agressivos. Dowdney (2003) acrescenta que uma grande parcela dessas crianças e jovens costumam vir de famílias com presença constante de apenas um dos pais, comumente a mãe, e de lares superlotados, mantendo péssimas relações com os outros membros da família, o que inclui os próprios pais, ocasionando, muitas vezes, a violência doméstica.
39Cabe ainda destacar que os conflitos geradores de letalidade da população perpetrados por policiais e vice-versa constituem uma parcela importante dos homicídios e apresentam-se como um fenômeno específico (Bueno et alii, 2013), o qual exorta a criação de políticas e ações públicas específicas visando o seu abrandamento.
40As informações criminais utilizadas foram obtidas junto ao sistema REDS – Registro de Eventos de Defesa Social, implantado nas Polícias Civil e Militar no município de Belo Horizonte, ao passo que as informações de natureza socioeconômica foram buscadas no Censo Demográfico de 2010. Esses dados foram agregados na escala dos bairros, que totalizam 495 na cidade e Belo Horizonte (figura 1).
41A variável dependente, taxa de homicídio, foi produzida com base na média trienal (Gal, 1995), utilizando a soma do número de crimes registrado em 2009, 2010 e 2011, dividido pela população de cada bairro em 2010, buscando-se eliminar as oscilações aleatórias na distribuição do fenômeno. Por sua vez, as variáveis independentes correspondentes às informações socioeconômicas, foram retiradas do Censo Demográfico de 2010.
Figura 1 Bairros e Regionais de Belo Horizonte
(Fonte: PRODABEL, 2022)
42Para explorar os condicionantes dos homicídios em Belo Horizonte, utilizou-se o método de regressão linear Step-wise, no pacote SPSS. Trata-se de método que permite regredir múltiplas variáveis enquanto se remove simultaneamente aquelas que não são estatisticamente relevantes. O método Step-wise essencialmente faz a regressão múltipla várias vezes, com base em um conjunto de variáveis independentes predeterminadas. Essas variáveis são inseridas e removidas do modelo, segundo o seu nível de significância estatística e colinearidade com as demais variáveis presentes no modelo. No final, o algoritmo identifica o modelo com o melhor ajuste estatístico possível, dentre o conjunto de variáveis independentes apresentado. Os únicos requisitos são que os dados sejam normalmente distribuídos (ou melhor, que os resíduos sejam), e que não haja correlação entre as variáveis independentes (conhecida como colinearidade). Ver Draper e Smith (1981) e Anderson (1984) para uma discussão detalhada sobre o método.
43Buscando testar os pressupostos da Teoria da Desorganização Social para um melhor entendimento dos fatores que controlam a distribuição espacial das taxas de homicídio em Belo Horizonte, desenvolveu-se um modelo de regressão linear que conta com um conjunto de variáveis independentes que capturam as condições socioeconômicas prevalentes nos bairros da cidade, em especial a vulnerabilidade social, que mitigaria a integração entre os indivíduos de certos arranjos urbanos e a sociedade vigente.
44Shaw e Mckay (1942) sugerem, por exemplo, que cidades com alta densidade demográfica são locais de fácil propagação do crime. Some-se a isso o fato de que lugares marcados pela desigualdade socioeconômica, vulnerabilidade das condições de vida e desagregação familiar tendem a potencializar a desorganização social, ampliando, assim o seu potencial criminogênico
45Entorf e Spengler (2002) também sinalizaram que a criminalidade pode ser uma consequência inapropriada da rede de relações sociais em nível comunitário, onde os homicídios, entre outros crimes, acontecem. Além disso, Sampson e Groves (1989) ao testarem a teoria da Desigualdade Social, verificaram que fatores socioeconômicos como a desagregação familiar, heterogeneidade étnica e concentração de jovens carentes de supervisão, são variáveis que, quando concentradas em determinados locais da cidade, podem vir a ser motivadoras do comportamento criminoso.
46Com base na literatura discutida previamente neste trabalho, empregou-se, inicialmente as seguintes variáveis independentes na modelagem das taxas de homicídio em Belo Horizonte entre os bairros da cidade: renda per capita, densidade demográfica, percentual de pessoas negras, percentual de pessoas alfabetizadas com idade entre 5 e 20 anos, percentual de pessoas com idades entre 15 e 29 anos, percentual de responsáveis por domicílios alfabetizados, percentual de responsáveis por domicílio do sexo feminino.
47Segundo os pressupostos da Teoria da Desorganização Social e as características da sociedade brasileira, espera-se que as variáveis renda per capita, percentual de pessoas alfabetizadas com idade entre 5 e 20 anos e percentual de responsáveis por domicílios alfabetizados apresentem um impacto negativo nas taxas de homicídio. Por outro lado, os preditores densidade demográfica, percentual de pessoas negras, percentual de pessoas com idades entre 15 e 29 anos e percentual de responsáveis por domicílio do sexo feminino deverão estar positivamente relacionados à incidência de homicídios nos bairros de Belo Horizonte.
48Antes de passarmos à análise dos resultados estatísticos, destaque-se que a variável dependente sofreu uma transformação logarítmica, uma vez que ela não apresentava uma distribuição normal, violando os princípios da regressão linear. O primeiro passo da análise foi a geração de um conjunto de correlações de Pearson com a finalidade de explorar a intensidade e a direção das relações lineares entre os homicídios e cada uma das variáveis independentes.
49Na tabela 1 pode-se notar que quase todas as variáveis independentes apresentam coeficientes de correlação de moderado a forte com a taxa de homicídio. A renda per capita obteve um valor de - 0,464, sugerindo que locais com uma população vitimada pela pobreza apresentam taxas de homicídios maiores. A porcentagem de negros por bairro também apresentou um valor moderado de + 0,409, sugerindo que a população negra está mais exposta à violência homicida.
Tabela 1 Coeficientes de correlação de Pearson
|
Renda per capita |
Densidade demográfica no bairro |
% de residentes Negros |
% de pessoas alfabetizadas com idades entre 5 e 20 anos |
% de pessoas com idade entre 15 e 29 anos |
% de chefes de domicílio alfabetizados |
% de chefes de domicílio do sexo feminino |
Taxa de Homicídio por 100.000 hab. (log10) |
-0,464** |
0.080 |
0,409** |
0,335** |
0.037 |
-0,539** |
-0,135** |
** A correlação é significativa no nível 0,01 (2 extremidades).
* A correlação é significativa no nível 0,05 (2 extremidades).
50Fonte: os autores (2022)
51O coeficiente correspondente ao percentual de alfabetizados com idade entre 5 e 20 anos ficou na casa dos +0,335, valor moderado e positivo, indicando que a população jovem, mesmo alfabetizada, está exposta de modo desproporcional aos homicídios. Por sua vez, é interessante observar que a variável percentual de população jovem (entre 15 e 29 anos) não obteve significância estatística contrariando a literatura especializada que associa os jovens aos homicídios. O percentual de responsáveis por domicílio alfabetizados obteve o maior valor dentre os fatores socioeconômicos, atingindo um coeficiente de - 0,539, atestando a relação inversa entre escolaridade e homicídios. A variável de densidade demográfica, não obteve significância estatística, contrariando a previsão da literatura. Por último, a variável de porcentagem de mulheres responsáveis por domicílios, utilizada para indicar desagregação familiar, não obteve alta significância, aparecendo com o valor negativo, contrariando os pressupostos da Teoria da Desorganização Social, segundo a qual a falta de supervisão de jovens em função da inserção da mulher no mercado de trabalho seria um fator crimogênico.
Tabela 2 Resumo do Modelo
R |
R quadrado |
R quadrado ajustado |
Erro padrão da estimativa |
0.586 |
0.343 |
0.338 |
0.32798 |
Fonte: os autores (2022)
Tabela 3 ANOVA
|
Soma dos Quadrados |
df |
Quadrado Médio |
Z |
Sig. |
Regressão |
22.098 |
3 |
7.366 |
68.475 |
,000 |
Resíduo |
42.276 |
393 |
0.108 |
|
|
Total |
64.373 |
396 |
|
|
|
Fonte: os autores (2022)
52Como informado na seção dedicada à metodologia, empregou-se a regressão linear de tipo step-wise partindo do conjunto de variáveis independentes previamente informado. Os resultados da regressão linear revelam que apenas três dos preditores alcançaram significância estatística e entraram no modelo final (Tabelas 2 e 3). Este modelo apresentou um coeficiente de correlação de 0,586 entre a variável dependente e o conjunto de variáveis independentes, sendo elas o percentual de chefes de domicílio alfabetizados, renda per capita e percentual de chefes de domicílio do sexo feminino. O coeficiente de determinação do modelo aponta que 33,8% da variância estatística na ocorrência de homicídios nos bairros de Belo Horizonte foram devidamente explicados pelas variáveis independentes inseridas no modelo.
Tabela 4 Coeficientes
|
Coeficientes não padronizados |
Coeficientes padronizados |
t |
Sig. |
|
B |
Erro Erro |
Beta |
|
|
(Constante) |
3.289 |
0.116 |
|
28.342 |
0.000 |
% de chefes de domicílio alfabetizados |
-0.043 |
0.005 |
-0.514 |
-8.702 |
0.000 |
Renda per capita |
-7.296E-05 |
0.000 |
-0.194 |
-3.758 |
0.000 |
% de chefes de domicílio do sexo feminino |
0.024 |
0.007 |
0.173 |
3.571 |
0.000 |
Fonte: os autores (2022)
53Retomando a Teoria da Desorganização social, os indicadores de baixa escolaridade, pobreza e desagregação familiar são apontados como agentes crimogênicos quando conectados a vulnerabilidade social. A divisão espacial utilizada para retornar os valores das variáveis socioeconômicas foram os bairros de Belo Horizonte, que, conforme Sales e Cardoso (2012), são uma divisão territorial que respeita as características urbanas, sentimento de pertencimento ao lugar das comunidades e estruturas presentes no espaço. De acordo com os teóricos da Desorganização Social, o fenômeno da criminalidade está diretamente conectado as comunidades locais, redes de vizinhança, incluindo as relações de amizade e parentesco, que formam o processo de socialização e aculturação do indivíduo (Shaw; Mckay, 1942). Nesse contexto, a própria divisão territorial de Belo Horizonte beneficia a análise realizada neste artigo, onde as condicionantes da criminalidade encontram-se distribuídas como um mosaico pelos próprios limites dos bairros, subsidiando as especulações sobre as comunidades locais e redes urbanas.
54Assim, sobre as condicionantes da criminalidade citadas anteriormente, o acúmulo de vulnerabilidades e desigualdades, tanto econômicas como socias, apresentam-se como fortes fatores crimogênicos de conflitos e violência, dentre os quais estão os homicídios. Nesse contexto, o resultado da regressão linear aponta que a variável com maior valor dentre as demais é a porcentagem de domicílio com chefes de família alfabetizados. Na casa dos -0.514 no coeficiente padronizado, essa variável diz que onde as pessoas têm uma escolaridade maior existem menos homicídios, além do que a baixa escolaridade está diretamente relacionada a incidência de assassinatos. Nesse caso, podemos destacar a violência interpessoal diretamente conectada com desordem urbana, onde elementos sociais de vulnerabilidade propiciam maior incivilidade e ações criminosas (Ministério Da Justiça, 2015). Em relação a renda per capita, com o valor de -0.194 no coeficiente padronizado, podemos apontar as mesmas macrocausas da violência, pois a regressão demonstra que a precariedade de vida está diretamente relacionada aos crimes de homicídio, sendo que, neste caso, ainda cabe uma contribuição sobre anomia, relacionada a falta de possibilidades de a pessoa alcançar um patamar estável em relação ao sistema social vigente, entregando-se então à infiltração no tráfico de drogas como uma alternativa de fuga da pobreza (Durkheim, 1897). O indicador da porcentagem de mulheres chefes de família obteve um valor de 0.173, demonstrando um resultado importante a sobre a desagregação familiar. A variável atestou um valor alto e positivo para explicar como a inserção da mulher no mercado de trabalho demonstra que a supervisão dos jovens e adolescente fica defasada.
55Esses resultados vão na direção dos estudos de Sampson e Groves (1989), que também alcançaram resultado positivo para as variáveis de desagregação familiar, urbanização e grupos de jovens sem supervisão. Ainda sobre a variável de mulheres chefes de família, vale ressaltar o que Dowdney (2003) diz sobre a violência doméstica, onde uma grande parcela de crianças e jovens, costumam vir de lares superlotados com a presença constante de apenas um dos pais, comumente a mãe e mantém relações defasadas com o outros membros da família, o que inclui os próprios pais. Esses jovens e crianças também são mais vulneráveis a serem aliciados por gangues e pelo tráfico de drogas, além de apresentarem comportamento agressivo.
56Há que se notar que diante da presença desses três indicadores de vulnerabilidade, no caso dos bairros de Belo Horizonte outras importantes medidas ficaram de fora do modelo, quais sejam: densidade demográfica, percentual de pessoas negras, percentual de pessoas alfabetizadas com idade entre 5 e 20 anos, percentual de pessoas com idades entre 15 e 29 anos. Existe uma razão estatística para a não inclusão dessas medidas, que guardam entre si uma forte correlação linear. Como um dos pressupostos da técnica de regressão linear múltipla é que as variáveis independentes não guardem níveis importantes de multicolinearidade, essas variáveis violam esse importante princípio e, portanto, foram expelidas do modelo pelo algoritmo step-wise no ambiente SPSS.
57A Teoria da Desorganização Social foi confirmada pelos resultados apresentados. Afirma-se que em locais com grandes concentrações de desigualdades e vulnerabilidades sociais, verifica-se que as comunidades locais e redes urbanas colaboram para o descontrole social, agindo como um fator criminogênico. Assim, a criminalidade seria um efeito inapropriado desse tipo de relação em nível comunitário (Entorf; Spengler, 2002). Tais locais, onde os crimes acontecem, são caracterizados por precariedades urbanas em nível social e estrutural, trazendo à tona o comportamento individual influenciado pela vizinhança onde a pessoa está inserida. O mosaico urbano em questão é permeado de questões sociais mal resolvidas que conectam a vulnerabilidade social ao crime, sendo esse um fato negativo da desorganização social em que as redes comunitárias se envolvem.
58Sendo assim, o processo de anomia é destacado como uma das condicionantes da criminalidade, onde uma geração, ou mais delas, são influenciadas por uma cultura, ou contracultura, que se caracteriza por ressaltar a presença do crime na cidade, exatamente porque a esperança de ter uma vida com civilidade são jogadas aos traços, junto ao tráfico de drogas, prostituição e todas aquelas determinantes que fazem um jovem escolher pela vida criminal, ao invés de ter as condições de vida comum que uma pessoa de classe média teria.
59O REDS, como fonte dos dados, mostrou-se uma ferramenta estratégica na construção deste artigo, possibilitando o monitoramento de indicadores de criminalidade que, junto às variáveis socioeconômicas, demonstrou ser um ótimo subsídio para as análises de correlação e regressão.
60Este artigo traz resultados significativos, onde as variáveis socioeconômicas se tornam determinantes no processo de construção do espaço e influenciam no jeito de ser de cada indivíduo que habita a cidade. Ele trouxe à tona especulações suficientes para que políticas públicas sejam realizadas a favor das comunidades carentes, como projetos sociais e educacionais, por exemplo, além de políticas de segurança pública.