Navigation – Plan du site

AccueilComplémentsTraductions2024A etnização do olhar através do t...

2024

A etnização do olhar através do turismo: etnografia de um parque temático étnico na Malásia (Sabah)

L’ethnicisation du regard par le tourisme : ethnographie d’un parc à thème ethnique en Malaisie (Sabah)
The ethnicisation of the gaze through tourism: ethnography of an ethnic theme park in Malaysia (Sabah)
Bertrand Réau
Édité par Patrícia Reuillard
Traduction de Isabel B. de Queiroga
Cet article est une traduction de :
L’ethnicisation du regard par le tourisme : ethnographie d’un parc à thème ethnique en Malaisie (Sabah) [fr]

Résumés

Après avoir présenté les contexte historique et touristique de Sabah en Malaisie, cet article propose une analyse de la mise en scène de l’ethnicité pour les touristes au sein du Sabah Village. Selon le profil socio-culturel des touristes, la visite peut être perçue comme : un renforcement du sentiment nationaliste, un renforcement d’un sentiment de supériorité et de la différence entre « nous » et « eux », ou encore comme une visite qui favorise une quête d'exotisme et de primitivisme. Ces différents types se rejoignent autour de l’aspect ludique des activités offertes.

Haut de page

Entrées d’index

Index de mots-clés :

tourisme, ethnicité, Malaisie, parc à thème

Index by keywords:

tourism, ethnicity, Malaysia, theme park

Index géographique :

Malásia

Índice de palavras-chaves:

turismo, etnia, Malásia, parque temático
Haut de page

Texte intégral

1Desde a década de 1990, os parques temáticos étnicos vêm alcançando grande sucesso na China e no Sudeste Asiático. Em sua maioria construídos pelos governos, eles podem ter sido interpretados como instrumentos de propaganda nacionalista (Nyiri, 2006) dentro do contexto de sociedades multiétnicas. Para tornar essa interpretação mais complexa e levando em conta a diversidade de tipos de parques, Edward Bruner (2001) destaca suas raízes históricas no início do século XX. De acordo com Bruner, essas raízes deram lugar a parques temáticos específicos: por um lado, o museu folclórico representaria uma mostra do "Eu" para o "Eu", enquanto as exposições coloniais se refeririam a uma mostra dos "outros". Assim, essas tipologias parecem corresponder a públicos e objetivos específicos, dependendo de cada parque. Desde a década de 1980, as inúmeras criações de parques na China (Taunay, 2009) e no Sudeste Asiático parecem refletir uma exibição do "Eu" para o "Eu", por parte de governos de sociedades multiétnicas com o objetivo de demonstrar unidade, geralmente para o benefício do grupo dominante. O discurso nacionalista se destinaria principalmente aos turistas "nacionais". Por outro lado, a exibição dos "Outros" corresponderia à forma "pós-colonial" estudada por Bruner por meio do parque Mayers Ranch, de propriedade de uma família britânica, representando os Maasai. O discurso é nostálgico em relação a um passado imperial e seria voltado principalmente para turistas estrangeiros em busca do autêntico "primitivo".

2Entretanto, essa interpretação é bastante questionável por dois motivos. Por um lado, ela se baseia apenas no discurso dos produtores dessas aldeias, sem levar em conta a diversidade de significações que uma visita pode assumir de acordo com os perfis sociais e culturais dos turistas. Por outro lado, a tipologia de Bruner é problemática: mesmo quando os visitantes pertencem ao mesmo grupo étnico ou nacional que aqueles que estão sendo retratados, na realidade eles não são "os mesmos"; seja porque os atores fazem uma representação desse grupo como ele "era" no passado, seja porque há uma distância geográfica ao interpretar um mundo rural para visitantes urbanos. Ao mesmo tempo, são essas diferenças que despertam a curiosidade do público.

  • 1  Para uma apresentação de todos os resultados da pesquisa, consulte RÉAU, Bertrand. Investir le tem (...)

33 Através do estudo de um parque temático (etnografia ao longo de seis meses em 2012, questionários, observações, entrevistas)1, localizado perto de Kota Kinabalu, este artigo tem por objetivo dar conta da complexidade da encenação turística da etnicidade, revelando as diferentes significações atribuídas à visita pelos turistas, em função de seus perfis sociais e culturais.

O que é a “Sabah Village”?

  • 2 O nome foi modificado.

4Embora seja oficialmente habitado por 32 grupos étnicos, a promoção turística de Sabah2 se concentra principalmente na natureza (Monte Kinabalu, florestas com animais livres, parques marinhos), na praia e em resorts cinco estrelas. O turismo étnico está relacionado à encenação da natureza: é também uma questão de proteger, manter vivos e preservar os elementos culturais dos grupos étnicos, um discurso próximo ao do zoológico e que já estava presente nos primeiros museus folclóricos da Europa.

Figura 1 Mapa do estado malásio de Sabah

Figura 1 Mapa do estado malásio de Sabah
  • 3  Ele foi muito discreto sobre sua trajetória. Seria de origem filipina. Junto com a diretora de mar (...)
  • 4  A gerente da aldeia explicou que a origem étnica dos atores não era o critério mais importante. El (...)

5Nesse contexto, o surgimento de um parque temático étnico, o Sabah Village, perto de Kota Kinabalu, representa uma atração a mais para a área de concentração de turistas em Sabah (Luquiau, 2015). O parque foi criado em 2009 por um empresário local3, proprietário de uma agência de turismo especializada em rafting, que, com sua sócia, construiu uma "aldeia" localizada a dez quilômetros de Kota Kinabalu, centro administrativo de Sabah. A Sabah Village apresenta uma mostra de diferentes grupos étnicos desse estado da federação, e não do país como um todo (como o Taman Mini Malaysia). Os diferentes grupos étnicos são interpretados por atores que pertencem em sua maioria ao grupo majoritário de Sabah, os Kadasan-Dusun4. Como resultado, a Sabah Village pode ser vendida de forma ambígua aos ocidentais como uma aldeia "autêntica", uma vez que os atores pertencem a grupos étnicos locais e, por isso, supostamente se espera que pratiquem sua "cultura", mesmo que não no lugar certo: na maioria das vezes, os jovens atores, de origem popular, adquiriram seu conhecimento das culturas étnicas de Sabah trabalhando na Sabah Village.

  • 5 Tzvetan Todorov oferece um panorama histórico dos usos dos "outros" com base na análise de uma vast (...)

6Cada casa abriga uma "tribo" (Kadazan-Dusun, Rungus, Lundayeh, Bajau, Murut) e um estande dedicado a um ofício ou atividade considerada específica do grupo5. Um dos pontos de destaque no marketing da aldeia é justamente o fato de ela possibilitar a familiarização com cinco grupos étnicos diferentes em uma única aldeia, a qualquer momento. É muito claro que esses grupos vivem em regiões distantes de Sabah. Aqui, essa reunião física também é metafórica: a unidade na diversidade. Na Sabah Village, a cultura é “vivificada” de forma lúdica e participativa. O guia atua como um mediador. Ele dá significado, embora na maioria das vezes os turistas ouçam mais ou menos atentamente as explicações.

7Tudo é feito para que pareça uma aldeia de verdade, onde todos estão empenhados em suas atividades diárias. Os atores não moram na aldeia, mas chegam pela manhã em um ônibus coletivo, antes dos turistas. A maioria deles mora em um prédio na periferia de Kota Kinabalu. São três sessões diárias de visitas que duram duas horas, seguidas de um intervalo de uma hora para almoçar em um bufê. A viagem de Kota Kinabalu até a aldeia leva cerca de 25 minutos. A aldeia está situada na margem de um rio em uma encosta e, portanto, não é adequada para a agricultura. O tamanho das excursões varia consideravelmente, de duas a mais de 35 pessoas. Embora os guias, todos homens, tenham recebido um roteiro a ser seguido em cada etapa do passeio, pode haver variações significativas de um guia para o outro. Vestido com uma camisa tradicional Kadazan, o guia explica aos turistas as regras da visita ("proibido fumar, pegar objetos, jogar lixo etc.") para não perturbar os "espíritos da natureza". O guia escolhe um líder do grupo entre os turistas, geralmente um homem que deve dar o exemplo e incentivar os outros a participar das atividades da aldeia (veja as Figuras 1 e 2).

Figuras 1 e 2 "Nós" e os "Outros": primitivismo e alcoolismo

Figuras 1 e 2 "Nós" e os "Outros": primitivismo e alcoolismo

Explicações do guia turístico e casa longa Murut.

Fonte: Bertrand Réau (2013)

8Na entrada da primeira casa, a dos Dusun, há uma cesta para armazenar arroz, alguns instrumentos musicais e um berço de bebê. O guia decide se quer ou não apresentar esses itens aos turistas. A escolha depende do tempo que o guia tem disponível para a visita (que, por sua vez, depende do número de grupos na aldeia), de seus interesses e de seu conhecimento.

9Na casa dos Dusun, cada guia apresenta, a cada vez, os dois elementos a seguir: 1. Acima da sala principal, há um espaço reservado para as meninas, acessível por uma escada removível projetada para permitir que elas se protejam dentro de casa de possíveis agressões dos homens, que bebem muito uma bebida alcoólica de arroz. 2. A atriz, uma figura muda vestida com trajes típicos, sentada no chão, prepara a pasta de arroz que será usada para produzir a bebida alcoólica. O guia explica como essa pasta é preparada e enfatiza a importância do tamanho dos frascos que contêm o licor e depois permite que os turistas o cheirem e o toquem, enquanto tiram fotos. Do lado de fora da casa, o estande da destilaria dessa bebida à base de arroz mostra o processo de maceração e filtragem da pasta e os turistas são convidados a provar e tirar fotos.

Figuras 3 e 4 Atividades turísticas

Figuras 3 e 4 Atividades turísticas

Fonte: Bertrand Réau (2013)

  • 6 Deve-se observar aqui que a grande maioria dos Kadasan-Dusun foi cristianizada e submetida por agen (...)

10A ênfase dada pelos guias ao forte consumo de álcool ajuda a estabelecer a distância entre "eles" (primitivos, "alcoólatras" e violentos) e "nós" (turistas civilizados e pacíficos). Alguns guias não hesitam em jogar com a ambiguidade entre o passado e o presente, acrescentando que hoje a cerveja substituiu essa bebida tradicional de arroz, o que insinua, com a espirituosa cumplicidade dos turistas, que o consumo de álcool não diminuiu6. Se os guias, geralmente os próprios Kadasan-Dusun, não se sensibilizam com essa apresentação pouco lisonjeira, sem dúvida é porque aspiram a empregos e a um modo de vida urbano, mais do que à defesa das tradições. Assim, a tipologia de Bruner de uma representação do "Eu" para o "Eu" encontra um limite aqui: o "Eu" do passado e do mundo rural pode ser zombado por membros do grupo que aspiram à "modernidade" incorporada por um modo de vida urbano.

"Nós" e "Os Outros": engenhosidade técnica

  • 7 Essas casas ainda existem em vilarejos, embora seus usos sejam muito diferentes daqueles apresentad (...)

11No mesmo sentido, a Sabah Village representa uma tentativa de recuperar elementos culturais anteriores ao período colonial, quando a conexão entre o homem e a natureza era "harmoniosa" (uso de materiais "naturais", agricultura de subsistência pouco variada, o mito do "caçador-coletor"). No entanto, não se trata de reproduzir a imagem do "bom selvagem", um pouco ingênuo e ignorante, mas sim de exaltar as habilidades técnicas dos povos nativos, seu know-how, truques e tecnologias (cf. o trampolim caseiro na casa longa dos Murut7). Por exemplo, na casa dos Rungus, a atividade consiste em mostrar aos turistas como acender uma fogueira na floresta usando pedaços de bambu seco, esfregando-os de uma determinada maneira. Na terceira casa, a dos Lundayeh, o guia reforça a engenhosidade dessa tribo, destacando que o galinheiro funciona como um alarme contra a aproximação de possíveis inimigos. Lá dentro, ele explica o sistema de "climatização", apontando para a janela no teto.

"Nós" e "Os Outros": todos os mesmos “Outros”

12A falta de diferenciação nas práticas dos grupos étnicos contribui para misturar a representação das diferenças; o guia geralmente fala de "malaios de antigamente" sem levar em conta as diferenças entre os grupos étnicos, seus conflitos etc., reunindo-os sob um único rótulo, "malaio", que tem um significado racial e político específico na Malásia contemporânea. Por exemplo, na casa dos Lundayeh, o guia mostra um crânio humano, explicando que os troféus pendurados nas casas tinham o objetivo de afastar os inimigos e que, se os turistas quiserem ver crânios humanos de verdade, conservados por um xamã, podem ir a Monsopiad. Ninguém sabe que essa aldeia é, na verdade, uma aldeia Kadazan, dedicada ao herói de Monsopiad, enquanto o crânio apresentado na Sabah Village está alojado em uma casa Lundayeh. No show de dança final, que apresenta danças tradicionais das tribos visitadas, a diferenciação entre os grupos também está longe de ser clara. O espectador não sabe se essa ou aquela dança é específica de um grupo étnico. A última dança, que consiste em pular entre bambus que são abertos e fechados em um ritmo cada vez mais rápido, reúne todos os atores e o público é convidado a participar.

"Nós" e "Os Outros": nossos amigos assustadores

13Antes de chegar à última casa, a dos Muruts, o guia reúne os turistas e explica as regras de comportamento que eles devem respeitar. Os Muruts têm a fama de serem indivíduos perigosos e cortadores de cabeça. O líder do grupo de turistas fica à frente da fila, enquanto os atores, escondidos em um bosque, aguardam a passagem do grupo para que possam saltar no momento certo, gritando e agindo de forma ligeiramente agressiva. O líder do grupo de turistas é convidado a colocar a mão no ombro do chefe Murut, em uma pequena cerimônia de boas-vindas. Os turistas podem então entrar na casa da tribo. É uma casa comprida com um trampolim de bambu em seu interior onde os atores dão saltos. Nenhum turista consegue competir com eles, apesar das inúmeras tentativas. O salto é uma performance e habilidade admirada pelos turistas. Eles são convidados a experimentar o trampolim, formando um círculo e cantando músicas malaias com os atores.

14Dessa forma, os atores são ao mesmo tempo distantes, exóticos e próximos, assustadores e amigáveis. Eles brincam com a distância cultural dos turistas (com suas boas-vindas suspeitas) e os incentivam a "experimentar" suas atividades (zarabatana, trampolim). É como se, uma vez cumprido o rito de passagem, os turistas fossem admitidos na intimidade da tribo. Essa transição da distância para a proximidade é o que produz a emoção e o entusiasmo dos turistas. Por fim, os turistas podem tirar fotos com os atores caracterizados. Em seguida, o almoço os aguarda. Os turistas se servem no bufê e se sentam em mesas coletivas num grande galpão. Eles têm cerca de uma hora para almoçar e, depois da refeição, retornam ao ônibus para voltar a Kota Kinabalu.

Distintas significações sociais e culturais: turistas malaios, chineses e australianos

  • 8 A produção de dados estatísticos "internacionais" traz grandes problemas metodológicos de comparabi (...)

15As significações sociais e culturais associadas a essa visita podem variar de um tipo de turista para outro. Três casos servirão de exemplo. Os turistas malaios, os chineses da China continental e os australianos estão bem representados entre os visitantes da Sabah Village (segundo os dados estatísticos do questionário), mas escolhi esses exemplos sobretudo para mostrar que a mesma visita pode ser interpretada de forma diferente de acordo com diferentes meios socioculturais. Mesmo que esses turistas geralmente compartilhem propriedades sociais comuns (classes médias urbanas), elas ganham um significado diferente quando inseridas em contextos nacionais específicos. Não se trata de qualquer turista chinês, malaio ou australiano. Suas trajetórias sociais particulares, suas posições sociais em seus países de origem, são elementos que devem ser levados em conta para interpretar o sentido que eles dão às suas práticas, apesar de todas as dificuldades e limitações desse tipo de exercício8.

Os turistas malaios

  • 9 Que era também o slogan da campanha de Najib Razak em 2008, o primeiro-ministro da Malásia.

16A Sabah Village faz parte do discurso nacionalista: " a diversidade na unidade". Esse é o slogan nacional9, Satu Malaysia, transmitido regularmente pela mídia e que associa o exotismo à descoberta de uma parte da nação. Essa parte da nação é, em termos culturais e sociais, a mais distante da nova classe média urbana da modernidade. Em contrapartida, os turistas malaios personificam o sonho dos atores da aldeia (Kota Kinabalu, mas talvez também a capital) de ir para a cidade e participar da vida urbana moderna. Como resultado, durante o único intervalo antes do show, os atores nunca perdem a oportunidade de conversar com os jovens malaios urbanos sobre suas visitas à cidade, sobre seus amigos que encontraram emprego por lá ou que se mudaram para a capital, sobre publicações recentes no Facebook e assim por diante.

17A Sabah Village oferece uma apresentação dos grupos étnicos da região. Entretanto, os guias adaptam seu discurso ao seu público. Para os não malaios, eles não têm medo de generalizar, chamando as tribos de "povo malaio", embora as chamem de "Bumi Sabah", que se refere aos Bumiputera de Sabah, na frente dos malaios, fazendo referência explícita à sua condição de Orang Asli (povos autóctones). Esse status permite oficialmente que eles sejam incluídos na categoria Bumiputera, mas, na prática, eles são amplamente excluídos dos direitos correspondentes. Graças a essa generalização "espontânea", o guia mostra sua visão "inclusiva" dos grupos étnicos presentes; eles claramente fazem parte dos Bumiputera. Embora isso corresponda ao discurso oficial do Estado, é bastante contestado pelas forças políticas de Sabah, que frequentemente condenam a maneira como a população dos Estados do leste da Malásia é tratada no país.

18Essa visão de "harmonia" entre os malaios e outros grupos étnicos, que são bem distantes uns dos outros, corresponde à propagação desse discurso nas escolas. Em todo o currículo, os alunos são incentivados a respeitar "os direitos especiais dos malaios e dos Bumiputera e os interesses legítimos de outras raças" (Brown, 2005: 11). A língua malaia é promovida como um "instrumento de unidade". A parte do programa que trata do processo de independência reflete uma 'história segundo os vencedores', com foco exclusivo nos partidos políticos malaios" (Brown, 2005: 11). No fim das contas, "esses 'cidadãos étnicos' são incentivados a participar da nação malaia sem espírito crítico por meio do culto virtual de símbolos de desenvolvimento e da obediência cega à liderança política" (Brown, 2005: 3).

19Nesse contexto de uma educação nacionalista que promove a harmonia étnica, a Sabah Village oferece a descoberta de outros grupos étnicos em um ambiente encantador, protegido e mitificado. Os turistas malaios são os únicos que afirmam ter buscado informações sobre as minorias étnicas antes de visitar Sabah. Por certo, eles geralmente já ouviram falar delas na escola e na mídia. Ao oferecer uma visão completamente a-histórica dos grupos étnicos de Sabah, a aldeia produz representações reconfortantes da cultura, deixando de lado os desafios contemporâneos relacionados à preservação das identidades locais em face da migração dos malaios da península para Sabah (ocupação de cargos administrativos, gestão do território e das populações de Sabah pelo governo federal, exploração dos recursos petrolíferos e florestais). A promoção dessa visão, que se apresenta como apolítica, cristaliza as oposições entre urbano/rural e classe média moderna/classes populares dos subúrbios em um cenário "atemporal". Os turistas malaios se dirigem principalmente ao guia e pouquíssimos deles dizem ter falado com os atores. Dessa forma, o turismo alimenta a visão promovida pelo Estado por meio da mídia e da educação. Essa "harmonia multiétnica e desistoricizada" em um vilarejo imaginário de grupos étnicos geralmente dispersos geograficamente não tem o mesmo significado para os visitantes estrangeiros.

Os turistas chineses

20A visita a lugares que resgatam a história da China está incluída nos currículos escolares chineses. Alguns desses lugares, que representam e simbolizam "minorias étnicas", constam da lista de coisas a serem vistas (Chen, 2014; Xu, Wan & Fan, 2014). O turismo é uma ferramenta de propaganda nacionalista para o governo chinês (Nyiri, 2006). Assim, "uma das especificidades da China é que a nova classe média, a dos engenheiros, não substitui a antiga classe média, a dos pequenos comerciantes, construtores e outros intermediários" (Rocca, 2010: 65). Essas classes médias estão representadas nas categorias de nossos visitantes da Sabah Village. Para eles, o turismo é uma maneira de afirmar seu status social (Rocca, 2010: 72). Na aldeia-parque, encontramos vários aspectos já destacados em outros estudos (Xie, 2011): raras trocas entre turistas e funcionários; características sociodemográficas idênticas; comportamentos semelhantes durante a visita; e impressões superficiais da cultura apresentada. Sua prioridade não é visitar uma aldeia folclórica, nem vivenciar a autenticidade. A visita faz parte de uma viagem organizada que os turistas escolheram mais pelos restaurantes de frutos do mar e pela praia. O objetivo não é aprender, mas experimentar, saborear e participar das atividades oferecidas. O objetivo é brincar de ser o “Outro”. O anacronismo das técnicas exibidas as torna ainda mais atraentes e divertidas. Por exemplo, enquanto o ator tinha dificuldade para acender uma fogueira com bambu, um turista sacou um isqueiro e o ofereceu ao ator, em uma tentativa de divertir todo o grupo. Por fim, a visita à Sabah Village é uma oportunidade de reafirmação da identidade coletiva e de sua valorização, em um contexto lúdico e seguro. O objetivo não é aprender sobre a história das populações locais, mas sim (re)afirmar a superioridade da modernidade, em oposição ao primitivismo indígena. Essa modernidade é exibida tanto para os chineses continentais, que não podem se dar ao luxo de viajar, quanto para a população local da Sabah Village (atores, guias), que entram em cena para o prazer dos turistas, demonstrando técnicas antigas que não têm nenhuma utilidade no mundo moderno.

Os turistas australianos

  • 10  Por sua vez, esse fato questiona as categorias de percepção dos chineses e dos malaios, que, sem d (...)

21Os turistas australianos são, em média, mais velhos, apesar de também pertencerem à classe média urbana. Alguns deles estão em busca de autenticidade na Sabah Village, como demonstra sua decepção com a apresentação considerada "artificial" e "superficial" das tradições10 (ver McCannell, 1976). Aqui reside toda a ambiguidade da maneira como a aldeia é vendida aos turistas. A publicidade da aldeia faz uma promessa: "ver, saborear e sentir a essência de Sabah apresentada a você como ela era e como ela é. Cada dólar que você gasta ajuda o povo autóctone a preservar a cultura e as tradições de seus ancestrais". (Site da Sabah Village, 2015). Então essa publicidade é voltada para turistas que viajam por conta própria.

22É interessante notar que a proporção de turistas asiáticos e ocidentais se inverteu completamente em dois anos: de 2009 a 2011, os números passaram de 80% de turistas ocidentais para 80% de asiáticos (de acordo com o gerente da aldeia). Uma política de marketing voltada para a Ásia e a introdução de voos diretos de Hong Kong, Shenzhen, Taipei e Singapura explicam em parte o aumento no número de turistas asiáticos. Mas a "artificialidade" da aldeia, aos olhos dos ocidentais, provavelmente também teve um impacto na diminuição do número desses turistas. Os grupos mais cultos das classes média e alta ocidentais (professores, profissionais liberais etc.) estão de fato subrepresentadas entre os visitantes da Sabah Village. E aqueles que vão até lá por acaso estão entre os visitantes "decepcionados". Eles preferem ir a aldeias "de verdade". Em compensação, os grupos econômicos dessas mesmas classes (funcionários, pequenos comerciantes, empresários etc.) acham o local atraente, pois ele corresponde à sua aspiração de "cultura geral". Com isso, elas podem abraçar a diversidade étnica em um só lugar e experimentar um "gostinho" da cultura local (no sentido de "culinária" e "ambientação"). Assim, eles desfrutam do mesmo tipo de atividade que os turistas chineses, mas enfatizam mais a "cultura" e o "conhecimento" que acreditam ter aprendido. O aspecto lúdico é ressaltado porque permite que as crianças se familiarizem com o que muitas vezes é apresentado de forma entediante nos museus (entrevista informal, família australiana, 13/07/2012).

Conclusão: diferentes formas de “reafirmação identitária”? 

23Finalmente, a relativa adaptação do discurso dos guias ao seu público e a diversidade de possíveis significações permitem atrair visitantes de uma variedade de horizontes socioculturais. Em contraste com as tipologias simplistas de Bruner (2001), é possível então dizer que diversos níveis de sentido podem coexistir. Enquanto o Taman Mini Malaysia apresenta a nação em favor dos malaios, a Sabah Village despolitiza as relações entre os grupos étnicos de uma região e oferece uma visão de harmonia que ganha uma significação peculiar para os malaios em comparação com outros turistas. Eles encontram ali uma reafirmação do discurso nacionalista predominante, a unidade na diversidade, ainda que as relações entre a península e Sabah sejam frequentemente condenadas pelos Sabahans como uma forma de colonialismo interno. Os chineses encontram ali uma reafirmação de sua superioridade, ligada à sua modernidade, no que muitas vezes é percebido como uma área sob a crescente influência da China continental. Já os australianos encontram uma forma de exotismo e primitivismo que, dependendo de suas experiências de viagem anteriores e de suas características sociais, pode corresponder às suas expectativas em termos de "cultura geral" e de descoberta ou, ao contrário, provocar decepção para aqueles que buscam autenticidade. Diferentemente do Taman Mini Malaysia, que foi construído pelo poder público, a “aldeia” Sabah Village foi criada por um empresário cujo objetivo principal era obter lucro com seu investimento, e o governo local só se interessou por ela a partir do momento em que se tornou um sucesso econômico. Diante dessa exibição dos diferentes grupos étnicos locais, eles construíram uma aldeia concorrente em Kota Kinabalu, centrada apenas no grupo étnico dominante, o Kadazan, que foi um relativo fracasso econômico devido à falta de visitantes. Como consequência, a diversidade de significações possíveis na Sabah Village é, sem dúvida, um dos segredos de seu sucesso. Ela nos convida a refletir sobre os interesses políticos dos mercados de turismo no âmbito da globalização da cultura. Como os mercados de turismo produzem uma etnização do olhar? Que consequências sociais e políticas resultam disso?

Haut de page

Bibliographie

Backhaus, N. 2003. « “Non-place jungle”: The construction of authenticity in National parks of Malaysia », Indonesia and the Malay World, vol. 31, no 89, 1/3 : 151-160.
DOI : 
10.1080/13639810304438

Brown, G. 2005. Making Ethnic Citizens: The Politics and Practice of Education in Malaysia. Working paper n°23, CRISE Queen Elizabeth House, University of Oxford.
DOI : 
10.1016/j.ijedudev.2006.12.002

Bruner, E. 2001. “The Maasai and the Lion King: Authenticity, nationalism, and globalization”, American Ethnologist, nov, 28/4 : 881-908.

De Koninck, R. 2007. Malaysia : La dualité territoriale, La Documentation française.

Kahn, J. S. 2006. Other Malays: Nationalism and cosmopolitanism in the modern Malay world, Singapore University Press.

Lafaye de Micheaux, E. 2012. La Malaisie, un modèle de développement souverain ?, Lyon, ENS, Collection De l’Orient à l’Occident.

Lasimbang, R. & Miller, C.P. 1993. “Language labelling and other factors affecting perception of ethnic identity in Sabah”, in Language and Oral Traditions in Borneo, Kuching, Borneo Research Council: 115-39.

Luquiau, C. 2015. La nature écartelée: tourisme, environnement et développement dans la Kinabatangan à Bornéo (Sabah, Malaisie), doctorat de géographie, Université de Nanterre.

MacCannell, D. 1976. The Tourist : A New Theory of the Leisure Class. Schocken Books.

Nyiri, P. 2006. Scenic Spots: Chinese Tourism, the State, and Cultural Authority, University of Washington Press

Réau. B. 2016. Investir le temps libre : Travail vacancier, vacanciers au travail et travailleurs des loisirs, HDR en sociologie, Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne.

Rocca, J-L. 2010. Une sociologie de la Chine, La Découverte.
DOI : 10.3917/dec.rocca.2010.01

Shamsul, A. B. 2001. “A History of an Identity, an Identity of a History: The Idea and Practice of ‘Malayness’ in Malaysia Reconsidered”, Journal of Southeast Asian Studies, 32: 355-366.

Stanley, N. 1998. Being Ourselves for You: The global display of cultures, Middlesex University Press.

Taunay, B. 2009, Le tourisme intérieur chinois : approche géographique à partir de provinces du sud-ouest de la Chine, Doctorat de géographie, Université de la Rochelle : 255-263

Todorov, T. 1989. Nous et les autres. La réflexion française sur la diversité humaine, Seuil.

Xie, P.F. 2011. Authenticating Ethnic Tourism, Tourism and Cultural Change.
DOI : 
10.21832/9781845411596

Zawawi, I. 2004. “Globalisation and national identity: managing ethnicity and cultural pluralism in Malaysia”, In Yoichiro Sato (Ed.), Growth and Governance in Asia, Asia-Pacific Center for Security Studies.

Haut de page

Annexe

Anexo: fatos históricos sobre a Malásia

Ex-colônia britânica, as fronteiras atuais da Malásia datam de 1963, quando as regiões do leste da ilha de Bornéu e Singapura se tornaram independentes. Além da Península Malaia, dos estados de Sarawak e Sabah (ex British North Borneo), Singapura juntou-se à Federação da Malásia em 1963. Em 1965, Singapura deixou a Federação e se tornou uma cidade-estado independente. Essa divisão está ligada aos conflitos étnicos que colocaram malaios contra chineses (às vezes apoiados por indianos), detentores do poder econômico.

Consequentemente, as definições dos grupos étnicos assumem uma importância particular. Depois das revoltas raciais de 13 de maio de 1969, o governo instituiu a Nova Política Econômica (NEP) em 1971, uma política de discriminação positiva em favor dos malaios (Shamsul; 2001; Kahn 2006). Apesar de a NEP ter sido um fracasso econômico e não ter reduzido significativamente a desigualdade econômica entre a minoria chinesa e a maioria malaia, ela foi mantida para conservar a hegemonia política malaia por meio do partido governamental, o UMNO (De Koninck, 2007; Lafaye de Micheaux, 2012). Os orang asli (povos autóctones) de Sabah e Sarawak foram em grande parte excluídos dessa política de discriminação positiva. Essa lógica do Estado é altamente difundida entre a população (Zawawi, 2004). Ela também sustenta a criação de parques temáticos "étnicos" na península desde 1980. No leste da Malásia (os estados de Sabah e Sarawak), o contexto político se torna mais complexo devido a uma história local e a uma diversidade de grupos étnicos (Lasimbang e Miller, 1993), e os malaios da península são incentivados pelo governo a migrar para Sabah.

Haut de page

Notes

1  Para uma apresentação de todos os resultados da pesquisa, consulte RÉAU, Bertrand. Investir le temps libre, HDR em sociologia, Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne, novembro de 2016, pp. 161-214.

2 O nome foi modificado.

3  Ele foi muito discreto sobre sua trajetória. Seria de origem filipina. Junto com a diretora de marketing, eles não se inspiraram nas diversas aldeias da China, mas tomaram como modelo os parques temáticos visitados na Nova Zelândia. Em seguida, percorreram Sabah para identificar os costumes e as práticas mais interessantes do ponto de vista turístico. Portanto, foi com uma visão de marketing, sem consultar um etnólogo ou leitura, que eles selecionaram as atividades do parque (entrevista com o proprietário e com a diretora de marketing-gestora do parque, 13 de março de 2012).

4  A gerente da aldeia explicou que a origem étnica dos atores não era o critério mais importante. Ela busca principalmente jovens que sejam "motivados" e tenham "talento artístico" (entrevista informal, 29 de março de 2012). De fato, os outros grupos étnicos estão bem menos representados na região de Kota Kinabalu, o que também explica o número maior da representatividade de jovens Kadasan-Dusun entre os atores.

5 Tzvetan Todorov oferece um panorama histórico dos usos dos "outros" com base na análise de uma vasta bibliografia. Ele destaca, em especial, as características do "bom selvagem" já presentes em Montaigne: um modo de vida minimalista e uma conformidade com a natureza. (Todorov, 1989, p. 355-376). As análises apresentadas aqui têm como objetivo entender a forma como essa figura genérica é representada no turismo

6 Deve-se observar aqui que a grande maioria dos Kadasan-Dusun foi cristianizada e submetida por agentes da Igreja a uma batalha feroz contra o alcoolismo e a violência doméstica.

7 Essas casas ainda existem em vilarejos, embora seus usos sejam muito diferentes daqueles apresentados na aldeia de Sabah.

8 A produção de dados estatísticos "internacionais" traz grandes problemas metodológicos de comparabilidade. O questionário (700 participantes) tinha o objetivo de delimitar de maneira modesta as observações e entrevistas. Ele forneceu alguns dados sobre o perfil dos visitantes: 1. Nacionalidades mais frequentes: 31% de malaios, 20% de chineses da República Popular da China, 8,5% de australianos; 2. Profissões: 18% estudantes, 12% funcionários do setor administrativo, 6% funcionários do setor comercial, 6% pequenos empresários, 10% funcionários públicos; 3. Faixa etária: 25% entre 19 e 29 anos; 25% entre 30 e 40 anos.

9 Que era também o slogan da campanha de Najib Razak em 2008, o primeiro-ministro da Malásia.

10  Por sua vez, esse fato questiona as categorias de percepção dos chineses e dos malaios, que, sem dúvida, são menos socializados no turismo desmistificado e não têm a mesma noção da "autenticidade".

Haut de page

Table des illustrations

Titre Figura 1 Mapa do estado malásio de Sabah
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/docannexe/image/55719/img-1.png
Fichier image/png, 758k
Titre Figuras 1 e 2 "Nós" e os "Outros": primitivismo e alcoolismo
Légende Explicações do guia turístico e casa longa Murut.
Crédits Fonte: Bertrand Réau (2013)
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/docannexe/image/55719/img-2.png
Fichier image/png, 630k
Titre Figuras 3 e 4 Atividades turísticas
Crédits Fonte: Bertrand Réau (2013)
URL http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/docannexe/image/55719/img-3.png
Fichier image/png, 360k
Haut de page

Pour citer cet article

Référence électronique

Bertrand Réau, « A etnização do olhar através do turismo: etnografia de um parque temático étnico na Malásia (Sabah) »Confins [En ligne], Traductions, mis en ligne le 19 février 2024, consulté le 08 décembre 2024. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/55719 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/confins.55719

Haut de page

Auteur

Bertrand Réau

Conservatoire National des Arts et Métiers,bertrand.reau@lecnam.net

Haut de page

Éditeur scientifique

Patrícia Reuillard

UFGRS

Haut de page

Droits d’auteur

CC-BY-NC-SA-4.0

Le texte seul est utilisable sous licence CC BY-NC-SA 4.0. Les autres éléments (illustrations, fichiers annexes importés) sont « Tous droits réservés », sauf mention contraire.

Haut de page
Search OpenEdition Search

You will be redirected to OpenEdition Search