1Longe de ser uma região subpovoada, selvagem ou virgem, a Amazônia é, pelo contrário, o centro de origem de algumas plantas importantes da humanidade. Denominamos esse fenômeno de fábrica das plantas globais pelo duplo sentido que evoca: lugar de fabricação de uma mercadoria e também e processo de uma ação em curso. Então, o cacau, o tabaco, a quinquina, a coca, o mamão e a borracha, assim como a pimenta, o amendoim, a batata doce, a salsaparrilha, o abacaxi e a mandioca, além de muitas espécies de abóboras e de tomates, apenas para citar alguns exemplos de vegetais emblemáticos, são todos originários da maior floresta tropical do planeta. No entanto, ainda que a Amazônia tenha sido e ainda seja uma grande geradora de plantas fundamentais para a biodiversidade, para a alimentação e para a medicina mundial, essas regiões e populações pouco se beneficiaram de sua globalização tanto em termos sociais como econômicos e ecológicos (HETCH; COCKBURN, 2010 [1990], KOPENAWA; ALBERT, 2010; ROOSEVELT, 2013; HOMMA, 2012, 1992).
2Para melhor compreender como processos de divisão dos benefícios provenientes da biodiversidade poderiam ser implementados, primeiro devemos responder à questão a seguir, que será o objeto de estudo deste artigo: como as plantas da Amazônia se tornaram globais? Quais são os mecanismos dessa globalização? Em outras palavras, como os vegetais, originalmente produzidos e consumidos em escalas locais ou regionais, tornam-se mercadorias trocadas e por vezes financeirizadas em escalas globais?
- 1 A função extrativista-capitalista pode ser definida como uma extração de recursos (plantas ou miner (...)
3Em um primeiro momento, veremos que a Amazônia pouco se beneficia da comercialização e do comércio mundial das riquezas provenientes desses recursos, sobretudo vegetais, mesmo que ela possa ser considerada como um centro de origem dos mais importantes de domesticação das plantas. Em um segundo momento, apresentaremos nosso modelo de globalização das plantas amazônicas, que chamamos de fábrica das plantas globais. Mostraremos que a mundialização dos vegetais da Amazônia se baseia em um conjunto de processos socioecológicos no tempo e espaço que denominamos de estratos: difusão, colonização, massificação e mercantilização. Trata-se de estruturas em torno de cadeias globais de valor e que têm uma função extrativista-capitalista (GEREFFI; KORZENIEWICZ, 1994; BAIR, 2009)1. O conjunto desses estratos é o que forma a globalização dos vegetais da Amazônia: a fábrica das plantas globais.
4A biodiversidade, definida como a variabilidade de organismos que vivem na Terra, está presente no cotidiano e na cultura através da alimentação, da medicina e do oxigênio que nos mantém vivos. Enquanto a biodiversidade se encontra muito concentrada no cinturão tropical do globo, as riquezas econômicas estão majoritariamente nas regiões temperadas. No começo dos anos 2000, os mercados econômicos constituídos a partir da utilização de produtos da biodiversidade representavam em média 800 bilhões de dólares, repartidos entre produtos farmacêuticos, agricultura, sementes agrícolas, pesticidas, horticultura, cosmética e higiene, mas esse dado é certamente subestimado (LAIRD; KATE, 2002, p. 245). A Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO) estima que 80% da produção de alimentos, em escala mundial, é assegurada pelos pequenos produtores da agricultura familiar. Em um famoso artigo de 1997, Robert Constanza mostrou que o valor total de serviços dos ecossistemas que formam nossos sistemas de suporte à vida representa algo em torno de 33 trilhões de dólares por ano, ou seja, quase o dobro do Produto Interno Bruto (PIB) mundial (CONSTANZA et al., 1997).
5No entanto as populações autóctones e tradicionais continuam sendo as menos favorecidas do mundo, e uma maioria das 4.900 línguas faladas na Terra está atualmente em vias de extinção (BRONDIZIO; LE TOURNEAU, 2016; GORENGLO et al., 2012). Segundo Nina Pacari Vega, representante da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador,
Os médicos indígenas reconheceram as propriedades terapêuticas das plantas e dos animais em seu meio ambiente, baseando-se em milhares de anos de experiências de comunidade transmitidas ao longo de centenas de gerações. As contribuições médicas são imensas, porque a maior parte do que é conhecido atualmente em farmacologia vem de nossos recursos biológicos. Estima-se que 75% dos medicamentos comerciais que utilizamos vêm de regiões indígenas. Mas o que recebemos? Qual garantia temos de que nossos recursos e conhecimento serão reconhecidos por aqueles que lucram financeiramente a partir de nossas contribuições? (SENANAYAKE, 1999, p. 145).
6Portanto, a valorização dos produtos da biodiversidade levanta a questão da repartição das riquezas criadas a partir da utilização dos vegetais via comércio e trocas, sobretudo no âmbito jurídico do artigo 8j da Convenção sobre Diversidade Biológica, que impõe que “Cada parte contratante deve [...] encorajar a repartição equitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas [...] das comunidades e locais e populações indígenas” (Convenção sobre a Diversidade Biológica, 1992, p. 12).
7Qual a importância da Amazônia, o maior ecossistema florestal do mundo (7 milhões de km²) na globalização das plantas? Até 1492, pelo menos 85 plantas eram cultivadas em algum grau na Amazônia (LEVIS et al., 2017). Nas Américas, de 15 plantas alimentícias importantes do intercâmbio colombiano (CROSBY, 2003 [1972]), seis são originárias da Amazônia; no mundo, das sete mercadorias tropicais mais importantes em termos de volume (café, tabaco, algodão, açúcar, borracha, chá e cacau), três são plantas de origem amazônica (algodão, seringueira, cacaueiro), sendo as duas últimas endêmicas (GIBBON, 2001, p. 60). Enfim, de seis plantas constitutivas de nossa civilização — cacau, tabaco, borracha, coca, tomate e batata —, ao menos as quatro primeiras são da Amazônia. Ainda hoje, quando expandimos suas fronteiras à bacia hidrográfica, que se estende até o centro da Cordilheira dos Andes, vê-se que a região continua fornecendo plantas de uma importância considerável para o mundo todo, tais como a quinoa, a estévia, o guaraná, o mate e o açaí.
- 2 Em relação às plantas visionárias, psicodélicas ou alucinógenas, a Amazônia é também admirável. Ric (...)
8Mas é pela riqueza de plantas não nutritivas que a Amazônia é verdadeiramente excepcional como centro de origem da biodiversidade cultivada. Entre estas, fora a seringueira, encontramos todas as plantas que são consumidas por necessidades que vão além das estritamente alimentares: as plantas psicoativas, definidas como “plantas que as pessoas ingerem sob a forma de preparos simples ou complexos com o objetivo de afetar a mente ou de alterar o estado de consciência” (RÄTSCH, 2005, p. 9). Fora as plantas ditas visionárias, psicodélicas ou alucinógenas, a Amazônia é de fato o berço de oito ou nove espécies de plantas psicoativas, enquanto a Europa, no século XVI, começava a descobrir os efeitos estimulantes do café (SCHIVELBUSCH, 1993, p. 15-49). Assim, na América de 1492, eram cultivadas duas espécies de mate (Ilex paraguariensis & guayusa), duas produzindo três variedades de guaraná (Paullinia yoco, Paullinia cupana Typica & Paullinia cupana Sorbilis), ao menos dois cacaus (Theobroma cacao & Theobroma bicolor) e duas espécies de coca (Erythroxylum coca & Erythroxylum novogranatense)2.
Mapa 1 - A Amazônia como centro de origem da biodiversidade vegetal mundial
Fonte: Beaufort adaptado de Clément et al. (2015), Piperno (2011), Schultes & Hoffmann (1992) e Harlan (1971).
9À esquerda, de cima para baixo: Uso das plantas alucinógenas: Amanita muscaria, Anadenanthera peregrina, Banisteriopsis caapi, Brugmansia spp, Datura spp, Lophophora williamsii, Psilocybe spp, Turbina corymbosa e Ipomoea violacea, Virola spp. Sítios arqueológicos amazônicos. Terraplanagens Amazônicas. Rotas de migração das plantas. Centros de origem das plantas alimentícias: Cacau; calabaça; maranta, taro, tupinambo de Caiena?; coca; algodão, baunilha; feijão, algodão, abóbora, tomate?; milho, abóbora, feijão, pimenta Capsicum, abacate; mandioca, amendoim, pimenta Capsicum, abóbora, coca, tabaco, taro, urucum; mate; dendezeiro? castanha de caju?; batata, morango; quinoa, amaranto; inhame, taro?, batata-doce?, pimenta Capsicum?, abacaxi, mamão?; bacia hidrográfica da Amazônia.
10Assim, longe de ser uma região vazia, selvagem ou virgem, a Amazônia é, pelo contrário, a terra de origem de algumas espécies de plantas fundamentais da humanidade. No entanto, a região e seus povos pouco se beneficiaram do resultado da utilização da biodiversidade, em uma dinâmica histórica marcada por um conjunto de ciclos que podemos chamar de maldição amazônica.
11Entre inferno verde e natureza selvagem, a Amazônia sempre cristalizou os preconceitos da alteridade, apagando a construção cultural muitas vezes milenar das florestas, dos rios, dos povos e dos territórios (LE TOURNEAU, 2019). A profusão animal e vegetal que lá reina não é exceção: maior laboratório fitoterápico do planeta, a Amazônia desperta cobiças que geram ainda hoje movimentos econômicos de corrida para seus recursos minerais, vegetais e animais. A rapidez do desenvolvimento de seus ciclos econômicos só é igual à decadência por vezes grotesca que acompanha suas quedas. De fato, a história da Amazônia é “ritmada por uma sucessão de booms e de longos períodos de letargia” (BRUNET; FERRAS; THÉRY, 1993, p. 28). Com frequência, os vegetais amazônicos acabam sendo transplantados no exterior, não beneficiando nem a região, nem seus países, nem os povos amazônicos (AUBERTIN, 1996a). Essa arritmia econômica, dependente dos avanços extrativistas em direção às matérias-primas de acordo com demandas localizadas no final das cadeias de valor, é em grande parte responsável pelo subdesenvolvimento estrutural da região, levando-nos a falar de maldição amazônica. A borracha, cuja produção foi deslocada para a Ásia após ter sido quase a única fonte de riquezas para as elites da Amazônia no final do século XIX e início do XX, é o exemplo paradigmático disso. Esses ciclos, que se reproduzem cada vez que um novo recurso é explorado, são constitutivos da formação geohistórica dos países do sul global (DROULERS 2001, para o caso emblemático do Brasil).
12Em um célebre artigo de 1968, o ecologista Garret Hardin afirmou que toda exploração privada de um recurso disponível a todos sem uma regulação particular tinha por consequência sistêmica o seu esgotamento: “a ruína é o destino final para onde todos os seres humanos se precipitam, cada um perseguindo seu próprio interesse em uma sociedade que crê na liberdade coletiva. A liberdade nas coletividades traz a ruína para todos” (HARDIN, 1968, p. 1244). Inspirado por essa abordagem e a adaptando para a situação amazônica, o agrônomo brasileiro Alfredo Kingo Oyama Homma demonstrou que as plantas úteis da Amazônia sofrem uma exploração extrativista sob a forma de um boom, crash e letargia antes de serem transplantadas para o exterior, consequentemente não beneficiando sua região de origem (HOMMA, 2012, 1992).
13O modelo de Homma enriquecido pelas trajetórias das plantas amazônicas que se tornaram globais — cacau, quinquina, estévia, salsaparrilha e coca — revela diversos estratos de mundialização dos vegetais amazônicos. Cada um deles é caracterizado por economias políticas e modos de exploração agronômicos particulares (os regimes agroeconômicos), assim como por um certo número de critérios a serem preenchidos para passar de um estrato a outro. Construímos nosso modelo de globalização dos vegetais da Amazônia combinando os estratos de mundialização, baseados em regimes agroeconômicos particulares e em critérios que devem ser preenchidos para passar de um estrato ao outro, em uma trajetória espacial e histórica de cada uma das plantas (BEAUFORT, 2017).
- 3 A formulação e demonstração completa do nosso modelo da globalização das plantas da Amazônia está d (...)
14Primeiramente, distinguiremos aqui a mundialização, que pode ser definida como o conjunto de trocas entre as sociedades humanas, e a globalização, definida como uma modalidade particular desta última, que articula a escala local à escala planetária (GHORRA-GOBIN, 2012, p. 492, 328-329, 502; GRATALOUP, 2007 [2015], p. 9). O modelo de globalização que propomos se baseia em quatro estratos: a difusão, que começa nos confins das origens da agricultura (Holoceno, 11.000 a.C.), a colonização, que começa em 1492 (conquista das Américas e destruição das sociedades pré-colombianas), a massificação, que começa no século XIX (segunda onda de colonização e transplantação dos vegetais em monocultura), e a mercantilização, que começa no século XX (revolução biotecnológica e financeirização das economias). Cada estrato é caracterizado inicialmente por regras de trocas econômicas particulares, que construímos de acordo com a fórmula geral do capital (MARX, 1867 [1985], capítulo 4, da segunda seção, do primeiro livro, p. 171-180)3. Cada estrato é caracterizado por modalidades particulares de explorações agronômicas: a extração para a colonização, a plantação em monocultura para a massificação e a biologia sintética ou isolamento de moléculas para a mercantilização. Cada um dos estratos tende a combinar o conjunto de regimes agroeconômicos anteriores, aumentando a economicização geral dos bens (e dos serviços), transformando-os pouco a pouco em mercadorias… A acumulação de todos esses estratos forma a globalização (Esquema 1).
Esquema 1 - Um modelo de globalização a partir dos vegetais das Américas, especificamente da Amazônia
Fonte: Beaufort (2017) adaptado de Marx (1867 [1985]), Homma (2012, 1992) e Hardin (1968, p. 1244)
Legenda: P = bem ou serviço, A = dinheiro-moeda, P’ = quantidade superior de bem ou serviço, A’ = quantidade superior de dinheiro-moeda.
Acompanhando o gráfico, de cima para baixo, da esquerda para a direita:
Difusão: Mamão, milho, abóboras, calabaça, baunilha, milho, castanha de caju, batata, inhame, taro, tupinambos de Caiena, morango, girassol, algodão, tomate, pimentas, maranto, feijões, amendoim, batata-doce; tabaco, coca, cacau, estévia, quinquina, mandioca, açaí, urucum, mate e salsaparrilha.
Colonização: Tabaco, coca, cacau, quinquina, estévia, urucum, mate, açaí e salsaparrilha.
Massificação: Tabaco, coca, cacau, quinquina, borracha, estévia, (mate, açaí). Abaixo: Extrativismo.
Mercantilização: Cacau, quinquina, borracha, estévia, tabaco e coca. Plantações (em vermelho). Biologia de isolamento ou de síntese (em verde).
Abaixo: Mundialização. Lateral direita: Globalização.
15Em um primeiro momento, a difusão se apresenta como uma troca antes de tudo não monetária e de soma positiva, na medida em que os vegetais seguem um crescimento geométrico. Nessa modalidade, que era sem dúvida aquela dos intercâmbios pré-colombianos e que perdura até hoje nas economias camponesas, uma planta, por exemplo, pode ser espalhada em uma superfície maior de terra por reprodução de sementes ou reprodução vegetativa. Duas plantas emblemáticas da difusão pré-colombiana dos vegetais na América são o cacau e o milho. Por um lado, o cacau é originário da Amazônia, a partir de onde foi difundido provavelmente na virada do Pleistoceno e do Holoceno em direção à América Central, onde se tornou planta de civilização (THOMAS et al., 2012). Por outro lado, presume-se que o milho seja originário da América Central, mas é cultivado na Amazônia desde pelo menos 6000 a.C. (BUSH et al., 1989).
16Muitas plantas originárias das Américas e sobretudo da Amazônia se difundiram globalmente — as pimentas Capsicum, o mamão, o feijão, as calabaças, as abóboras de diversos tipos, o cacau, o abacate, o abacaxi, o amendoim, as batatas doces, a mandioca e os tomates, além do tabaco, planta mestra do xamanismo americano — e hoje são cultivadas e consumidas na maioria dos países da Terra em quantidades significativas. Nos mapas 2 e 3 a seguir, veremos que cerca de dois terços dos vegetais originários das Américas, especialmente da Amazônia, difundidos pelo mundo, são hoje produzidos fora do continente americano, sendo a Ásia o primeiro produtor mundial desses alimentos.
17O estrato da difusão forma a base da mundialização. Nele, as economias das plantas são principalmente locais ou regionais e são historicamente baseadas em sistemas de trocas não financeiras, até mesmo não monetárias (permuta), características das sociedades rurais e autóctones, na origem da sua difusão mundial (BRAUDEL, 1985, p. 52-67).
Mapas 2 e 3 - A difusão planetária das plantas da Amazônia. Produção mundial de plantas alimentícias e do tabaco (em toneladas)
Canto inferior esquerdo, de cima para baixo: Tabaco, pimentas Capsicum, mamão, feijão, abóboras, calabaças e abóboras, cacau, abacate, abacaxis, amendoins.
Canto superior direito, de cima para baixo: China, Índia, Estados Unidos, Gana, Argélia.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do FAOStats (2014)
Canto superior direito, de cima para baixo: China, Nigéria, Indonésia, Egito, Rússia. Tomates, mandioca, batatas-doces.
- Gomes e Barroso da Rocha (2016) discorrem que, a partir dos anos 2000, inicia-se uma discussão no (...)
18O surgimento do comércio de longa distância baseado na formação de uma classe comerciária autônoma do século XIII ao XVII na Europa, associado às grandes descobertas e à conquista da América, abre o segundo estrato da mundialização: a colonização. Trata-se de uma modalidade de monopolização dos agroecossistemas produtivos e de exploração dos povos que coloca o extrativismo capitalista em seu centro organizacional. Territórios são conquistados e povos autóctones são subjugados: para conquistar mais territórios e povos, novos recursos devem ser captados e, para captar novos recursos, é preciso conquistar mais territórios e povos. Esses movimentos socioespaciais geram uma acumulação primitiva do capital na Europa. Assim, os minerais em todas as Américas, o pau-brasil na faixa atlântica do atual Brasil, o cacau na América Central e no norte da América do Sul, a coca e a quinquina nos Andes, assim como a salsaparrilha e o mate no Paraguai, são alguns dos principais exemplos de vegetais inseridos pelo uso de força nas cadeias globais de valor em formação durante o estrato da colonização (BOUMÉDIÈNE, 2016; DROULERS, 2001; ALDEN, 1976; BERGMAN, 1969).
19A exploração das vidas humanas atinge seu ápice de barbárie com o comércio triangular, que adicionou a mão de obra escrava africana à dos ameríndios para alimentar essas cadeias. Formas de colonizações infrarregionais ou nacionais emergem sob o despotismo das elites locais, como mostra a exploração por vezes escravagista das pessoas, sacrificadas aos milhares durante o boom da borracha no final do século XIX, na Amazônia do Brasil, do Peru e da Colômbia (DEAN, 1987 [2002]). O dinheiro foi progressivamente acumulado nesse estrato, levando à monetarização crescente das economias na Europa e suas colônias e gerando rapidamente a acumulação primitiva do capital, de tal forma que a fórmula de troca se estendeu tanto quanto as cadeias ao longo dos quais ele circulava. Desde então, o dinheiro-moeda serviu de intermediário sistêmico para todas as trocas. Estas se tornaram mais desiguais: uma soma de um produto de partida trocada por dinheiro permitia obter mais produto ou um produto de mais alto valor, segundo um sistema na fronteira da troca, e da troca monetária, característica até hoje das trocas paternalistas-capitalistas na Amazônia (Beaufort, op. cit., 288-298). A classe que surgia de comerciantes, financiada pelas elites políticas europeias, adquiriu um poder cada vez maior nas cadeias de valor, à medida que os vegetais se desprendiam um pouco mais de suas matrizes socioecológicas amazônicas.
Mapa 4 - A colonização com o exemplo das plantas da Amazônia a partir de 1492
Fonte: Beaufort (2017) adaptado de Boumédiène (2016), Alden (1976) e Bergman (1969)
20Canto inferior, de cima para baixo: Limite do Tratado de Tordesilhas (1494). Capitanias de Portugal no Brasil. Audiências da Nova Espanha. Portos de exportação da salsaparrilha. Portos de exportação da quinquina. Locais de extração do pau-brasil. Zonas de colheita do cacau. Zonas de colheita da coca. Zonas de colheita do mate. Zonas de colheita da quinquina. Zonas de colheita das drogas do sertão. Bacia hidrográfica da Amazônia. Florestas tropicais úmidas.
21A colonização das Américas engendrou uma acumulação primitiva do capital nos países do norte da Europa, sobretudo na Holanda e na Inglaterra. Estes drenavam e depois acumulavam as riquezas dos países do sul da Europa. Ao mesmo tempo, os rendimentos decrescentes da lógica exploratório-extrativista (quando todos os territórios estão conquistados, onde encontrar novos recursos?) criaram as condições de uma terceira modalidade agroeconômica: a monocultura de plantação, que pode ser definida como a cultura extensiva de um único vegetal exótico com uma mão de obra estrangeira (DEAN, op. cit., p. 165). Portanto a monocultura está na base da massificação e também das novas ondas de escravidão. Terceiro estrato da mundialização dos vegetais da Amazônia, a massificação está intimamente ligada à segunda grande onda da colonização mundial lançada pela Coroa Britânica no século XIX, sobretudo na Ásia. A massificação combina as características extrativistas-capitalistas da colonização, adicionando a destruição dos ecossistemas e das florestas inteiras para a implantação de monoculturas, apoiando-se em mãos de obra estrangeiras, muitas vezes escravas.
22A massificação economiciza mais os vegetais da Amazônia em um movimento em que não é mais o produto que é a origem da troca comercial, mas sim o dinheiro: a fórmula geral do capital segundo Karl Marx. Os bancos injetam moeda nas economias por meio dos comerciantes, que reforçam sua dominação das cadeias de valor. Ao mesmo tempo, a expansão da química na Europa possibilita os primeiros isolamentos de moléculas ativas com a descoberta da cafeína, da guaranina e da teína, em 1820, na Alemanha e na França; a Revolução Industrial nos transportes (máquina a vapor) e na energia (eletricidade) potencializam a massificação e assim fazem nascer diversas inovações maiores, que respondem à demanda crescente das massas operárias na Europa. Estas constituem um poder de compra considerável para um conjunto de produtos do sul global adaptados à civilização termoindustrial: chocolate, bebidas de quinina, cigarros, remédios de cocaína, pneus de carros, de aviões e de bicicletas feitos de borracha, e, para os tônicos não americanos, chá e café. As cinco principais plantas amazônicas — cacaueiro, quinquina, tabaco, coca e seringueira — encontram-se então no centro do consumo industrial na Europa. Para poder atender à demanda, foi preciso aumentar as quantidades produzidas, que não eram mais suficientes com os rendimentos decrescentes do extrativismo primitivo da colonização das Américas. Essa baixa dos rendimentos foi o ponto de partida da transplantação dos vegetais da Amazônia para fora de seus locais de origem, retirando-os um pouco mais de suas matrizes socioecológicas.
23Seguindo essa dinâmica, a introdução do chá chinês no Ceilão (atual Sri Lanka) pela Coroa Britânica destruiu 95% da floresta tropical úmida da ilha e seus jardins florestais milenares (os gewatta) entre 1850 e 1947. No Brasil, a cobertura florestal inicial da Mata Atlântica foi reduzida a menos de 7% no mesmo período pelos imigrantes europeus para a plantação de café. O cacau foi inicialmente transplantado pelas elites portuguesas na Bahia no século XVIII, onde foi cultivado em monocultura por escravos africanos e depois por afrodescendentes. Em seguida, ele foi transplantado para a África Ocidental pela Coroa Britânica, no século XIX, destruindo milhões de km² de floresta até o século XXI. A quinquina foi transplantada com sucesso para a Ásia e para a África. Plantações experimentais de coca foram igualmente iniciadas na Indonésia pelos holandeses, mas sem sucesso. Todas as vezes populações estrangeiras foram utilizadas como mão de obra. Em algumas décadas, a massificação queima milhões de km² de florestas plurimilenares e desloca dezenas de milhares de trabalhadores e escravos de suas terras nas colônias. A exploração desses territórios como monocultura de produção expulsou as populações autóctones de seus territórios.
24A borracha é um exemplo emblemático dessa dinâmica de massificação: a produção foi bruscamente deslocalizada para a Malásia no final do século XIX após o contrabando feito por Henry Wickham em 1876 de cerca de 70 mil sementes, por encomenda do jardim botânico de Kew, na Inglaterra. Essa transplantação, geralmente considerada como o exemplo paradigmático da maldição amazônica (ou da biopirataria), levou não apenas à falência das elites que viviam nas cidades amazônicas, como Manaus ou Iquitos (Peru), mas também salvou certamente as populações ameríndias, principais vítimas da escravidão e dos patrões que dominavam a exploração de borracha na Amazônia antes de seu colapso. Se é certo que a massificação levou à ruína algumas elites locais que tinham como base o extrativismo primitivo da colonização na Amazônia, esse estrato também engendrou um vasto processo de acumulação capitalista em outras regiões do mundo. Ao mesmo tempo, com a alta dos rendimentos permitida pelo sistema escravagista de plantação (baixa dos custos de fatores naturais e da mão de obra humana), vimos uma separação maciça de um grande número de vegetais transformados nas cadeias globais de valor das plantas da Amazônia.
Mapa 5 - A massificação das plantas da Amazônica a partir do exemplo do cacau
Fonte: Beaufort 2017 adaptado de Alden (op. cit.) e Bergman (op. cit.)
Canto esquerdo inferior, de cima para baixo: Montante das exportações (1765-1824). Venezuela (225.822 toneladas), Amazônia portuguesa (70.997 toneladas), Haiti (9777 toneladas).
Parte central superior: Colonização, extrativismo e transplantação do cacau tendo em vista sua massificação (1550-1822)
Canto esquerdo inferior, de cima para baixo: Difusão do germoplasma do cacau. Portos de exportação internacional. Ilha de Curaçao – Base dos contrabandistas holandeses. Portos da Amazônia portuguesa. Imposto sobre o cacau português – Fortaleza de Gurupa. Plantações de cacau venezuelano. Zonas de colheita de cacau na Amazônia portuguesa. Principais plantações na América Central. Fronteiras administrativas atuais.
25O quarto e último estrato da mundialização dos vegetais da Amazônia, a mercantilização, está ligado à financeirização contemporânea, ao aumento das novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) e ao advento de uma economia baseada em produtos sintéticos, à revolução biotecnológica dos anos 1980, assim como ao deslocamento do centro do sistema-mundo para os Estados Unidos, iniciado a partir da Segunda Guerra Mundial. Nessa modalidade, os recursos são extraídos de todos os ambientes: culturais, agronômicos, biológicos… mesmo as próprias terras, com a grilagem e a concentração fundiária. Com a reprodução sintética de moléculas in vitro ou a inserção no mercado futuro de ações de grandes quantidades de matérias-primas (para o café, o chá e o cacau, por exemplo), não é mais o recurso que forma a riqueza principal, mas sim o próprio dinheiro nas trocas. Nesse estrato da mercantilização, o dinheiro se autofrutifica ao se tornar independente do vegetal, do ecossistema e, claro, dos povos. Ao mesmo tempo, são as informações contidas nos genes e nas moléculas das plantas, mais do que elas próprias, que são objeto de cadeias globais de valor nesse último estrato. Um exemplo dessa mercantilização dos vegetais da Amazônia em torno das moléculas é a planta estévia. Domesticada durante séculos pelos indígenas Guarani no Paraguai, ela foi transplantada inicialmente para a China e para o Japão, nos anos 1960, por iniciativa do governo japonês, depois para a Malásia, nos anos 2000, sob a direção da PureCircle, empresa transnacional de biotecnologia de alimentos. A estévia teve várias moléculas isoladas patenteadas (os glicosídeos de esteviol) por parte de empresas transnacionais de bebidas, assim como glicosídeos sintéticos desenvolvidos in vitro, ainda que por vários anos tenha enfrentado grandes obstáculos regulamentares à sua comercialização na Europa antes de 2017. Uma trajetória similar de globalização foi seguida pela quinquina. Essa planta amazônica, que foi importada do Piemonte Andino pela Europa no século XVI e que foi massificada no XIX em plantações em monocultura na África e na Ásia, passa hoje ao mesmo tempo por grandes regulamentações em torno de sua comercialização; é principalmente vendida sob a forma de hidroxicloroquina, medicamento antimalárico sintético proveniente da quinina, seu principal alcaloide. A mercantilização das plantas da América do Sul também está em andamento com o cultivo na Europa, mais ou menos desde 2010, da quinoa, originária dos Andes, com sementes híbridas patenteadas.
Mapa 6 - A mercantilização das plantas da Amazônia a partir do exemplo da Estévia
Fonte: Beaufort (2017, 2015) adaptado de Lazarin e Couplan (2009), Geuns (2007).
No canto inferior esquerdo, de cima para baixo: Produção de estévia por país em 2013 (em toneladas): 90000 na China, 10000 na Malásia e 2000 no Paraguai.
No canto inferior direito, de cima para baixo: Consumo de estévia por país em 2013: Ka’a henê planta inteira - uso habitual. Moléculas de estévia isoladas - uso “moderno”. Outra variedade de estévia (planta inteira ou moléculas). Ausência de informação.
26No Quadro 1 a seguir, sintetizamos os critérios gerais aos quais as plantas atendem para chegar a um novo estrato de suas trajetórias de mundialização e etapas. Para o estrato da difusão, esses critérios são a presença de uma cultura pré-colombiana e uma difusão ao menos regional; para o da colonização, um comércio de longa distância regular e uma transplantação para o exterior; para o estrato da massificação, a inovação industrial de massificação e o isolamento de moléculas; por fim, no estrato da mercantilização, os critérios são a financeirização/capitalização e o controle regulamentar. Os critérios mencionados não são bem estanques entre eles: o período da difusão não exclui, por exemplo, alguns comércios de longa duração, assim como o da massificação não excluiu o isolamento de moléculas, bem pelo contrário, ele a potencializa. Enfim, a transplantação dos vegetais para o exterior se fez tanto no contexto da colonização como da massificação.
27Escolhemos o termo “estrato” em referência à geologia para mostrar que esses estratos não se justapõem, como quando se passa de um período a outro na história, ou de um diatope a outro na geografia. Pelo contrário, eles se acumulam no tempo e se estendem no espaço para formar o fenômeno da globalização. Assim, tal como o dinheiro-moeda aumenta a mercantilização de tudo, inclusive nas comunidades tradicionais e autóctones, cada um dos estratos aumenta a economicização geral das plantas americanas na mundialização.
28A extração dos vegetais da Amazônia de sua matriz socioecológica contribui, portanto, para uma captação superior do valor agregado no final da cadeia e, consequentemente, para uma distribuição mais desigual dos dividendos extraídos da biodiversidade.
29Portanto, nosso modelo teórico da globalização dos vegetais da Amazônia deve ser lido combinando o esquema 1 dos estratos de mundialização – cada um com seus regimes agroeconômicos particulares (regras de trocas econômicas e modos de exploração agronômica) – e o quadro 1 das etapas de mundialização pelas quais as plantas passam para chegar a um estrato superior. A soma das etapas seguidas pelas plantas amazônicas permite avaliar sua globalidade respectiva e, consequentemente, compará-las. A acumulação de todos os estratos de mundialização corresponde, desse modo, à globalização dos vegetais da Amazônia, região que se mostra como uma verdadeira fábrica de plantas globais.
Quadro 1 - Avaliar a globalidade de plantas amazônicas pelas etapas de mundialização
Fonte: Beaufort (2017).
30Em que X = 1 ponto e O = 0,5 pontos. Quanto mais a nota final se aproxima de 8, mais uma planta é global.
Primeira coluna: Estratos: difusão, colonização, massificação, mercantilização, globalização.
Segunda coluna: Etapas: Domesticação e cultura pré-colombianas, disseminação continental, comércio de longa distância regular, transplantação no exterior, isolamento de moléculas, inovação industrial de massificação, financeirização e/ou capitalização, controle regulamentar, total (sobre 8).
Primeira linha, da esquerda para a direita, a partir da terceira coluna: tabaco, coca, cacau, quinquina, borracha, guaraná, estévia, mandioca, açaí, urucum, castanha-do-Pará, mate, salsaparrilha.
- 4 É o sentido do conceito de globalização proposto por Robertson (2012). Conferir também Alexiades (2 (...)
31Para concluir, a globalização se mostra como o estado último da mundialização e, ao mesmo tempo, como uma articulação nos âmbitos regional e global, combinando diferentes estratos que se acumulam no tempo e se estendem no espaço. O sentido profundo, portanto, pode ser compreendido como uma simultaneidade de experiências heterogêneas em um espaço dado e em um lapso de tempo comprimido, no meio do qual a Amazônia parece ter um papel central4. À luz das trajetórias espaço-históricas de seus vegetais, a Amazônia não aparece mais como uma região periférica do Planeta, mas, ao contrário, como um dos cruzamentos da globalização. A partir de 1492 ao menos, esse território florestal envia plantas de uma importância considerável para o resto do mundo. No entanto, a região e seus povos ainda não se beneficiaram muito delas. O conhecimento preciso dos mecanismos da globalização das plantas da Amazônia que analisamos neste trabalho, com seus estratos de mundializações, suas estruturas em cadeias globais de valor e sua função extrativista-capitalista, se revela, portanto, como uma condição prévia para um compartilhamento dos benefícios extraídos da biodiversidade.
32Um jardim florestal pode ser definido como um campo utilizado para a cultura de plantas com pelo menos 40% da superfície coberta por árvores (SENANAYAKE; JACK, 1998). Segundo o geógrafo Donald Lathrap, um jardim florestal genérico da América tropical contém a minima a árvore da calabaça (Crescentia cujete), a pupunheira (Bactris gasipaes), o abacateiro Persea americana, ao lado de outras frutas comestíveis, como o ingá (Inga edulis), a goiaba (Psidium sintenisii ou guajava) ou o mamão (Carica papaya), o cacau (Theobroma cacao), a castanha de caju (Anacardium occidentale). Encontram-se nele igualmente as duas principais plantas tintoriais de toda a América, também originárias da Amazônia, o jenipapo (Genipa americana) e o urucum (Bixa orellana), assim como o algodão amazônico (Gossypium barbadense). Plantas baixas, como a pimenta (Capsicum spp.), várias espécies aparentadas do tomate (Solanum spp.) e também o abacaxi (Ananas comosus) e duas espécies de tabaco (Nicotiana tabacum e rustica) podem estar presentes nesse local. Enfim, para a Amazônia especificamente, várias plantas subterrâneas como o amendoim (Arachis hypogaea) e plantas com tubérculos muito importantes na oferta nutricional tropical como a batata-doce (Ipomoea batatas), o cará (Dioscorea spp. e particularmente trifida), a taioba (Xanthosoma spp. e particularmente sagittifolium), a araruta (Maranta arundinacea) e, a mais importante de todas, a mandioca (LATHRAP, 1977, p. 731-733). De acordo com William Balée (1994, p. 138), no momento da conquista, os Tupinambás do lado brasileiro cultivavam, por sua vez, o milho, 28 variedades de mandioca, bananas, amendoim, pimentas, abóboras, inhame (yam), batatas-doces, abacaxis, mamão, calabaças, castanhas de caju, abóboras, feijões, maracujá, algodão, urucum, caroá (um tipo de planta de fibra têxtil muito resistente) e tabaco. De acordo com Darell Posey, “A agricultura dos Kayapós se baseia em batatas-doces (Ipomoea batatas), das quais possuem 22 cultivares; mandioca, doce e amarga (Manihot esculenta Kranz.), das quais ao menos 22 cultivares foram descritas (KERR; POSEY, 1984); 21 cultivares de cará (Dioscorea sp.); 21 variedades de milho e 13 tipos de banana Musa sp. Os Kayapós plantam também abacaxis (três tipos), abóboras (oito tipos), a araruta, dois tipos de favas (Vicia faba, Leguminosae), quatro variedades de Phaseolus sp. (Leguminosae), dois tipos de feijão (Vigna spp., Leguminosae), três tipos de tabaco, quatro variedades de mamão (Carica, Caricaceae), e três tipos de amendoins (Arachis, Leguminosae). Ao menos 46 tipos de frutas e nozes são plantados. Estas têm “nichos” específicos de plantação e são geralmente plantadas na agricultura de sucessão (ibe), ao longo dos caminhos (pry), nos jardins familiares (ki krê bum), na floresta (bà), nas clareiras (bà kre-tí) ou em inúmeros lugares de savana (apêtê)” (POSEY, 2002, p. 172). Philippe Descola, por sua vez, observou, nos jardins florestais dos indígenas Achuar do Oeste amazônico, as seguintes plantas: o inhame (12 cultivares ou variedades), a araruta, a batata-doce (22 variedades), as pimentas (8 variedades), o abacate, a pinha (Annona squamosa), a naranjilla (Solanum coconilla, 4 variedades), a achira (Renealmia alpinia), o abacaxi, a mandioca doce (17 variedades), os feijões (12 variedades), o feijão-macuco (Pachyrhizus tuberosus), a cruá Sicana odorifera, o amendoim (7 variedades), a maranta (Calathea exscapa), a banana-da-terra (Musa balbisiana, 4 variedades), a banana (15 variedades), a cana-de-açúcar, o taro (Colocasia spp.), o taro Xanthosoma spp. (2 variedades), a cebola, o milho (2 variedades), um tipo de cucurbitácea nomeada tente em Achuar, uma outra espécie de taro (Colocasia esculenta), pupunheira (Giulielma gasipaes, 6 variedades), duas espécies de cupuí (Theobroma subincanum, 2 variedades e bicolor), ingá (Inga edulis), um outro taro chamado wanchup, o mamão (3 variedades), o caimito (Chrysophyllum cainito, 3 variedades) e a abóbora Cucurbita maxima (3 variedades) (DESCOLA, 1986, p. 199-200). Todos esses vegetais, exceto a cana-de-açúcar e a cebola, são endêmicos das Américas e, exceto a naranjilla, originária a priori dos Andes, e provavelmente os feijões a priori originários da América Central, da Amazônia em particular. Além disso, Descola observa dezenas de plantas têxteis, medicinais, narcóticas, psicotrópicas e tóxicas, assim como espécies silvestres transplantadas (ibid., p. 202-205). Mélanie Congretel, por sua vez, observa 40 plantas alimentícias úteis, medicinais, cosméticas e tintoriais cultivadas nos guaranazeiros (jardins florestais de guaraná, Paullinia cupana var. Sorbilis) entre os indígenas Sateré Mawé da Amazônia Central, cuja metade é endêmica (CONGRETEL, 2017, p. 175). Enfim, parece que a árvore da castanha-do-Pará (Bertholletia excelsa), após ser considerada por muito tempo como uma árvore natural, cujos frutos eram objeto de colheita selvagem e presente em quase toda a Amazônia, foi, se não cultivada, mas pelo menos amplamente administrada pelos indígenas desde a época pré-colombiana (ver nossa discussão sobre a origem antrópica ou natural da castanha-do-Pará em [BEAUFORT, 2017, p. 184-190]).