1O aumento do nível de resíduos sólidos é, atualmente, um significativo problema nas áreas urbanas do mundo. A alta taxa de crescimento da renda por habitante tem resultado na geração de enormes quantidades de resíduos sólidos, representando uma séria ameaça à qualidade ambiental e à saúde humana. Isto é particularmente preocupante na realidade dos países em desenvolvimento (emergentes). Nesses, as crescentes quantidades de resíduos sólidos são despejadas em locais inapropriados, colocando em risco os biomas, o solo e os recursos hídricos, ao mesmo tempo que afeta negativamente a saúde dos seres humanos, principalmente a das pessoas pobres que têm maior exposição a esses resíduos.
2A geração de resíduo sólido urbano - RSU registrou significativo incremento no Brasil entre 2010 e 2019, passando de 67 milhões para 79 milhões de toneladas por ano (incremento de 15,64%), com a geração por habitante crescendo de 348 kg/ano para 379 kg/ano (8,15%). Destaca-se, em especial, que os menores índices de cobertura de coleta foram registrados nas regiões Norte e Nordeste (ABRELPE, 2020).
3No Brasil, a disposição dos RSUs coletados em aterros sanitários registrou um aumento de 10 milhões de toneladas, passando de 33 milhões de toneladas por ano para 43 milhões de toneladas em uma década. Por outro lado, a quantidade de resíduos que é disposta em unidades inadequadas (lixões e aterros controlados) também cresceu, passando de 25 milhões para pouco mais 29 milhões de toneladas por ano no mesmo intervalo de tempo (ABRELPE, 2020). Nesse cenário, a Política Nacional de Resíduos Sólidos - PNRS estabeleceu em 2010 um conjunto de metas, objetivos, diretrizes, princípios e instrumentos, visando minimizar os impactos ambientais ocasionados pela destinação inadequada de resíduos (Brasil, 2010).
4Esse incremento na geração de RSU ocorre simultaneamente a uma crescente redução de áreas livres para a construção de aterros sanitários em atendimento a regulamentações existentes. À essa escassez relativa de espaço acrescentam-se dificuldades técnicas, elevados custos de instalação e de manutenção, limitações de recursos orçamentários e de linhas de financiamento, regulamentação inadequada, entre muitas outras. Todas essas limitações explicam, pelo menos em parte, o porquê de muitos municípios iniciarem a criação de um aterro sanitário, mas por não possuírem informações científicas, condições técnicas e financeiras adequadas acaba o transformando em aterro controlado ou lixão. Dessa forma, esses municípios passam a depositar os resíduos de forma irregular, sem medidas de proteção ambiental ou à saúde pública, ampliando ainda mais os impactos ambientais (Calderan, 2018).
5A PNRS fixa, também, metas de não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento de resíduos sólidos e de disposição final ambientalmente adequada para os resíduos sólidos nos municípios. Entre as principais metas estão a eliminação dos lixões, a implantação da coleta seletiva e a elaboração do Plano de Gerenciamento de Resíduo Sólido - PGRS. Merece destaque, dentre os princípios referidos na PNRS, o da visão sistêmica, que aborda a relação de interdependência entre as variáveis ambiental, social, cultural, econômica, tecnológica e de saúde pública na gestão dos resíduos sólidos (Brasil, 2010).
6A partir da PNRS, os municípios, na condição de entes federativos, ficaram com muitas responsabilidades que pertenciam somente à União, entre elas, a gestão de resíduos sólidos (Brasil, 1988). Dessa forma, criou-se disparidade entre competências e arrecadação: permanece uma grande concentração dos recursos financeiros junto ao Governo Federal, porém, atribuições e encargos crescentes recaem sobre os estados e municípios (Calderan, 2018). Nesse cenário, os consórcios públicos passaram a ser instrumentos estratégicos para a gestão de resíduos, de acordo com os propósitos da PNRS.
7Consórcios públicos baseiam-se na cooperação voluntária entre entes da federação para atuação conjunta em assuntos de interesses comuns, conforme regulamentado pela Lei de Consórcios Públicos (Brasil, 2005; Brasil, 2007). Os Consórcios Públicos estão presentes em diferentes setores, como saúde, transporte, desenvolvimento regional, turismo, saneamento, resíduos sólidos, entre outros (Brasil, 2005), em especial, autoriza a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos e serviços essenciais, pessoal e bens, aos entes federados, como estratégia para a prestação de serviços públicos de interesse comum (Brasil, 1988, 2005). Essa cooperação promove a construção de políticas públicas que visam melhorar a qualidade de vida da população e possibilita aos gestores municipais cumprirem seu papel, por exemplo, na gestão de RSU (Brasil, 2005).
8Os consórcios públicos podem ser formados de maneira horizontal, mesma esfera de governo, entre município – município ou estado - estado; ou vertical, com entes federativos diferentes, município e estado ou município, estado e União (Brasil, 2005). O território de abrangência é restrito à soma dos territórios dos entes consorciados. Os objetivos do consórcio são determinados pelos entes federativos consorciados e estão relacionados no Protocolo de Intenções, que é o contrato preliminar do consórcio. Os consórcios públicos para RSU podem atuar para desenvolver o Plano de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos - PGIRS, na prestação dos serviços de coleta regular e/ou seletiva, implantar unidades de compostagem e material reciclável, construir e operar aterros sanitários para disposição final, compartilhar instrumentos e equipamentos, realizar intercâmbio de experiências e informações, entre outros objetivos de acordo com os interesses e necessidades dos entes consorciados. Fica a critério de cada ente consorciado se associar a todos os objetivos ou apenas a uma parcela deles.
9Para Matos e Dias (2011), os consórcios públicos desenvolvem um novo modelo de gestão de políticas públicas a partir da ampliação de oferta de serviços, com flexibilização da contratação de pessoal, cooperação técnica e a realização conjunta de obras, serviços e atividades temporárias ou permanentes. Linhares, Messenber e Ferreira (2017) destacam que mais de 3.100 municípios brasileiros realizavam ações de uma ou mesmo de várias políticas públicas pelas quais eram responsáveis, em cooperação com outras prefeituras, por meio de consórcios intermunicipais. Esse número representava em 2017 mais da metade dos municípios brasileiros. Esse fenômeno torna-se especialmente relevante quando se considera o fato de esta ter sido uma prática muito pouco frequente antes da Constituição de 1988. Ainda segundo os autores, dos consórcios intermunicipais em operação no país em 2017, apenas oito existiam antes de 1988.
10O consórcio público pode ser uma alternativa para os municípios da RIC unirem esforços na implantação de um local para o gerenciamento de seus RSU, facilitando o processo de triagem, tratamento e destino final de forma adequada, cumprindo as diretrizes da PNRS, bem como racionalizando o uso de recursos financeiros. Não obstante, um consórcio municipal para gestão de resíduos sólidos urbanos apresenta desafios que precisam ser enfrentados para que os benefícios dele derivados sejam maximizados. Dessa forma, este trabalho teve como objetivo avaliar os desafios e as potencialidades do consórcio público para a gestão de resíduos sólidos urbanos, com foco na Região de Integração de Carajás, Pará, considerando os problemas de gestão de RSU apresentados, o estímulo à inovação e ao desenvolvimento de políticas públicas da região (Ribeiro et al., 2022).
11Para alcançar o objetivo deste trabalho, foi realizado o levantamento bibliográfico nas plataformas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (www.gov.br/capes/pt-br), Scielo (scielo.org/), Google Acadêmico (Scholar), na Confederação Nacional dos Municípios (consorcios.cnm.org.br/), no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (www.ibge.gov.br/), utilizando as palavras-chave: resíduo sólido e consórcio público, visando obter dados científicos (e.g. livros, artigos, dissertações, teses) e técnicos (e.g. leis, decretos, portarias, políticas) vigentes sobre o escopo da pesquisa.
12A Região de Integração de Carajás - RIC está localizada no sudeste do estado do Pará e possui grande potencial na indústria metalúrgica, sendo a região de Carajás reconhecida como a maior produtora de minério de ferro do mundo (Vale, 2022), apresentando três dos cinco municípios com maior Produto Interno Bruto - PIB do Estado (Figura 1).
Figura 1 – Região de Integração de Carajás, Pará
Fonte: Pará, 2021.
13A RIC é formada por 12 municípios e é responsável por quase 20% da geração de RSU no estado do Pará (Pará, 2021). A maioria dos municípios pertencentes à RIC não possui disponível em seu site oficial o Plano de Gestão de Resíduos Sólidos - PGRS, mesmo este sendo uma exigência da PNRS para o município ter acesso aos recursos da União (Brasil, 2010).
14Segundo dados da Confederação Nacional de Municípios - CNM (2022), houve um aumento de 11% no número de consórcios públicos e de 84% do uso compartilhado de aterros sanitários entre 2019 e 2022, destacando a importância dos consórcios na gestão dos resíduos sólidos urbanos. Entretanto, é importante ressaltar que a região Norte apresentou a menor aderência a pesquisa, apenas 42% dos municípios responderam ao diagnóstico da situação dos municípios brasileiros em relação a PNRS.
15No Brasil, a média de municípios que integram os consórcios públicos é de 39%, com a exceção da região Norte, que apresentou valor inferior à média nacional (18%), possivelmente devido a distância entre os municípios da região, que pode dificultar o compartilhamento de infraestruturas e serviços de manejo dos RSU (Brasil, 2020).
16A análise da literatura especializada sugere que há casos de sucesso na implantação de consórcios públicos para a gestão compartilhada de RSU. Um exemplo a destacar é o Consórcio Intermunicipal de Gestão de Resíduos Sólidos - CIGRES, localizado no Rio Grande do Sul. Todos os municípios integrantes reconheceram que houve melhora do gerenciamento dos resíduos sólidos e no desenvolvimento da microrregião com a implementação do CIGRES (86,66% dos municípios avaliaram como boa e 10% como ótima), considerando os serviços de tratamento e destinação final de resíduos e a função social junto às comunidades, como a implantação de projetos de coleta seletiva envolvendo toda a comunidade. Destaca-se que os alunos das escolas dos municípios consorciados podiam visitar as instalações do aterro sanitário, como forma de ensino-aprendizagem da importância da reciclagem, separação e destinação adequada dos RSU (Calderan, 2018).
17Como já destacado, um consórcio desse tipo visa a descentralização e a prestação de serviços públicos de coleta, transporte, tratamento e destinação final de resíduos sólidos, bem como a priorização de repasse de incentivos instituídos pelo Governo Federal aos municípios consorciados (Brasil, 2010). É exatamente desse último aspecto que surge um grande desafio. Um dos pontos principais para a solicitação de financiamentos governamentais refere-se ao Plano de Gerenciamento de Resíduo Sólido, que é uma condição primária para a apresentação das propostas, requisito incorporado na PNRS. No entanto, Silva (2025) relata que poucas propostas são aproveitadas, pois não atendem as exigências mínimas do Edital, como licenças ambientais ou comprovação da propriedade da terra, capacidade técnica em preparar as propostas e apresentação do PGRS.
- 1 Coordenador de Saneamento em Saúde, FUNASA. Comunicação Pessoal. Entrevistas concedidas nos dias 3 (...)
18A falta de PGRS é apontada como uma das maiores dificuldades dos municípios para a elegibilidade ao financiamento. Segundo Silva (2015) e Barreto (2014)1, cerca de 70% das propostas apresentadas no Edital de 2014 não possuíam o PGRS e foram recusadas. Dados do IBGE reforçam esta declaração ao constatar que apenas 33,48% dos municípios brasileiros possuem PGRS e 30% Plano de Saneamento Básico que contemple o serviço de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos.
19Silva (2015) também evidenciou no estudo de caso com 29 consórcios públicos, envolvendo 285 municípios, que a formação de consórcios tende a se concentrar nos municípios com até 50.000 habitantes, sendo a maior parte situada nas faixas entre 10.001 a 50.000 habitantes. A formação desses consórcios tinha como principal objetivo o processo de disposição final de RSU, com a operação e construção de aterros regionais, o fechamento de lixões e recuperação de áreas degradadas. Isto é, a formação concentrava-se na fase final do processo de gestão e gerenciamento de resíduos previstos na PNRS.
20Em tal contexto, parece evidente na formação de consórcios intermunicipais para gestão de RSU que algumas etapas são determinadas por regras e regulamentações, seguindo a tradição brasileira de ênfase em instrumentos que usualmente se denominam “instrumentos de comando e controle” (Souza, Guedes, 2019). Na perspectiva econômica, é fundamental materializar os custos de transação para a tomada de decisão dos elaboradores, gestores e administradores. Se esses custos de transação forem elevados, eles afetarão a efetivação de um consórcio público intermunicipal.
21Não obstante, o primeiro passo para projetar e implementar uma alternativa de gestão eficiente ou custo-efetiva é explicitar claramente seu(s) objetivo(s). Os formuladores de determinada alternativa precisam especificar com precisão o(s) objetivo(s) que estão tentando alcançar. Quais são os objetivos de um consórcio municipal de gestão de resíduos sólidos? O que se deseja alcançar com uma cooperação federativa horizontal que seria mais difícil de ser alcançada por outras alternativas de gestão? Respostas a essas perguntas aparentam naturalidade, mas podem apresentar elevado grau de complexidade em situações concretas.
22A tentativa de se evitar ou reduzir custos de transação pode ter efeitos nefastos sobre a definição clara e material dos objetivos do consórcio. Na negociação política entre os entes do consórcio, definir de maneira superficial e genérica os objetivos da cooperação federativa horizontal pode acelerar o acordo entre as partes, entretanto, enfraquece a eficácia de um consórcio intermunicipal em maximizar o bem-estar social na gestão de resíduos sólidos. Para Dieguez (2011), é essencial que haja cooperação política entre os municípios consorciados, por meio de planejamento de agenda regional e de coesão entre os gestores nas tomadas de decisão, visando solucionar os conflitos internos e garantir legitimidade e sustentação do consórcio.
23O Estado do Pará possui 11 consórcios públicos e apenas um para gestão de RSU (CNM, 2021). Essa experiência isolada é o Consórcio Intermunicipal sobre a Gestão Integrada de Resíduos Sólidos - CONCISSS, criado em 7 de dezembro de 2017, que tem os municípios de Castanhal, Inhangapi, Santa Isabel do Pará, Santa Maria do Pará e São Francisco do Pará como integrantes. O CONCISSS tem recebido em média 415 toneladas dia (t/dia) de resíduos gerados pelos cinco municípios consorciados (Castanhal, 2021). O limitado número de consórcios para gestão de RSU paraense é surpreendente, uma vez que a formação desses consórcios é uma orientação do Governo do Estado do Pará (Pará, 2014a, 2014b).
24No estado do Tocantins, em condições semelhantes às existentes na RIC (considerando as dimensões territoriais e as características ambientais da Amazônia Oriental), os municípios de Silvanópolis e Monte do Carmo têm avançado para a implementação de um consórcio para gestão integrada de resíduos. Estudo de viabilidade apontou que as características dos dois municípios são favoráveis à implementação, o que possibilitará a redução de custos e melhor aproveitamento das particularidades geográficas do território (Alves, Ribeiro, 2020).
25A Região de Integração de Carajás apresenta condições demográficas, sociais e econômicas que indicam o potencial para implementação de consórcio para gestão de RSU. Uma dessas condições é a capacidade de coleta dos resíduos sólidos nos doze municípios, que são apresentadas na Tabela 1 (Instituto Água e Saneamento, 2021). Fica evidente que, em geral, a taxa de coleta de resíduos sólidos na RIC é elevada. Para quase todos os municípios da RIC com informações disponíveis, essa taxa é significativamente superior à média do Estado do Pará e, em certos casos, à média brasileira. Assinala-se, também, que os percentuais de coletas em regiões rurais são, para quase todos os municípios, inferiores às urbanas.
Tabela 1 – Taxa de coleta e massa per capita de resíduos sólidos na Região de Integração de Carajás.
Região de Integração de Carajás
|
Percentual de coleta de RSU
(%)
|
Massa de RSU domiciliares e públicos coletados (per capita)
kg/hab/dia
|
Bom Jesus do Tocantins
|
Nd
|
Nd
|
Brejo Grande do Araguaia
|
92,06
|
1,07
|
Canaã dos Carajás
|
77,58
|
1,92
|
Curionópolis
|
Nd
|
Nd
|
Eldorado dos Carajás
|
76,69
|
1,07
|
Marabá
|
99,69
|
0,63
|
Palestina do Pará
|
100,00
|
0,85
|
Parauapebas
|
97,48
|
0,72
|
Piçarra
|
100,00
|
0,45
|
São Domingos do Araguaia
|
38,42
|
0,98
|
São Geraldo do Araguaia
|
Nd
|
Nd
|
São João do Araguaia
|
Nd
|
Nd
|
Pará
|
64,25
|
0,94
|
Brasil
|
76,04
|
0,98
|
Nd: dado não disponível
Fonte: Instituto Água e Saneamento, 2021.
26A primeira etapa – a coleta – do ciclo de gestão é, portanto, elevada. Existe um sistema de coleta estabelecido que poderá, potencialmente, ser utilizado para viabilizar o funcionamento de uma alternativa de gestão de resíduos sólidos baseada em um consórcio intermunicipal. É provável que boa parte do resíduo sólido coletado atualmente, em cada um dos municípios, seja depositado em aterros controlados e lixões. Dessa forma, evidências concretas dessa realidade só poderão ser obtidas a partir de dados científicos.
27É relevante assinalar que a massa de resíduos sólidos coletada, medida em quilos por habitante por dia (Tabela 1), também é significativa. Quando se considera a população municipal total, três municípios da RIC – Canaã dos Carajás, Palestina do Pará e São Domingos do Araguaia – coletam quilos de resíduos por habitante por dia em volume superior à média para o Estado do Pará e o Brasil. Se considerarmos, por outro lado, a média da massa de resíduos coletados por habitante na região urbana, além dos três municípios já mencionados, mais dois municípios da RIC ultrapassam as médias do estado e do país (Brejo Grande do Araguaia e Eldorado dos Carajás).
28Fica evidenciado um segundo aspecto que sugere a potencial eficácia de um Consórcio Público Intermunicipal para Gestão de RSU na RIC: o volume não desprezível de resíduos gerados por habitante. Em um cenário de crescimento de população e de renda por habitante, esse volume tende a aumentar e se diversificar.
29Macedo e Lange (2018) assinalam que, apesar do aumento da disposição em aterros sanitários após a implementação da PNRS, se verifica ainda o predomínio de lixões e aterros controlados em 60% dos municípios brasileiros, que a eles destinaram 81 mil toneladas de resíduos por dia em 2016, correspondendo de 17% a 24% do volume coletado. Ainda segundo os autores, os municípios, sobretudo os de pequeno porte, têm apresentado estrutura fragilizada frente aos modelos tradicionalmente adotados para a gestão dos RSU. Esta é a realidade da Região de Integração de Carajás, que é responsável por quase 20% da geração de RSU no estado do Pará (Pará, 2021). Não surpreendente, nenhum município que compõem a RIC possui aterro sanitário e a destinação final tem ocorrido em aterros controlados e lixões (Figuras 2 e 3).
Figura 2 – Visão panorâmica do aterro controlado do município de Parauapebas.
Fonte: Autores, 2023.
Figura 3 – Lixão de Eldorado do Carajás.
Fonte: Autores, 2023.
30Dessa forma, enquanto os gestores municipais continuarem a interpretar a destinação de resíduos a lixões como uma alternativa de custo econômico zero, certamente qualquer alternativa de gestão terá custos mais elevados. Além disso, o investimento necessário para a construção de novo aterro para cada município crescerá de forma diretamente proporcional ao ritmo de "esgotamento" dos atuais lixões. Evidentemente, esse investimento será maior para aqueles municípios que não dispõem de áreas para a instalação de novos aterros.
31Nesse contexto, Oliveira (2002) já apontava a necessidade de incluir no cálculo de custos econômicos da gestão de RSU: 1) o valor financeiro da desapropriação de novos terrenos, cada vez que um lixão/aterro é saturado, considerando também que as áreas disponíveis tornam-se cada vez mais escassas e, por isso, de maior custo financeiro e de custo de oportunidade crescente; 2) o aumento nas distâncias a serem percorridas (da geração ao destino), considerando que essas áreas ficam, no caso de um consórcio de municípios, cada vez mais afastadas dos centros urbanos de cada município individual; 3) a eventual despesa financeira com a descontaminação do solo; 4) o custo de obtenção de material para cobertura dos resíduos; e 5) a recuperação vegetal da área degradada.
32Os valores obtidos em estimativas de custos financeiros e econômicos podem ser expressivos para determinada alternativa de gestão de resíduos sólidos. Para os municípios, a identificação dos custos de serviços de RSU pode apresentar variações dependendo da população, tipos de empresas (pública ou privada), formas de governança aplicadas no serviço (única ou várias empresas explorando), tipo de coleta realizada e sua extensão (uso ou não da coleta seletiva), topografia do terreno onde ocorre a coleta, frequência de coleta, qualidade de serviço, entre outras.
33Por essas razões, Bozzini (2019) alerta aos administradores públicos sobre a necessidade de contemplar todas as alternativas tecnológicas e organizacionais, a fim de reduzir os gastos e promover um modelo de gestão eficiente no qual serão despendidos recursos escassos. Crespo e Costa (2012) afirmam que um município é insuficiente para garantir a sustentabilidade financeira e econômica de unidades de destinação dos RSU, sejam aterros sanitários, unidades de compostagem dos resíduos orgânicos ou a reciclagem. Schneider, Ribeiro e Salomoni (2013) estimam que o custo operacional de manutenção de um aterro sanitário situa-se em torno de um terço do custo de sua implementação e que o custo per capita de implantação só possui economicidade quando a população atendida pelo aterro é superior a 100 mil habitantes. Assim, é muito difícil para um município de pequeno porte implantar, equipar e manter um aterro sanitário por muito tempo sem apoio da união, do estado ou de uma articulação intermunicipal.
34Há um certo consenso na literatura especializada – parcialmente referenciada ao longo deste trabalho – que a capacidade de enfrentar o problema decorrente da destinação final dos resíduos sólidos, além de possuir raízes socioeconômicas – diretamente vinculadas ao nível e à distribuição da renda, à tecnologia de produção, ao padrão de consumo, nível educacional, entre outros –, está relacionada à capacidade de gestão dos municípios e à escala populacional adequada. Isso pode significar – e em geral significa – que o âmbito territorialmente ótimo da política pública de destinação final de resíduos sólidos nem sempre corresponde ao território do município.
35Não obstante, de uma forma geral, os municípios brasileiros tendem a implementar políticas públicas de forma isolada, a partir da elaboração do Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, como argumentado por Bozzini (2019). Entretanto, na RIC foi possível observar que a maioria dos municípios não possui disponível o PMGIRS em execução, mesmo este sendo uma ferramenta fundamental para gerenciamento dos resíduos, além de possibilitar acesso a recursos da União (IBICT, 2021).
36Nesse cenário, os consórcios intermunicipais de resíduos sólidos têm sido vistos como uma alternativa no campo da gestão integrada de RSU, tanto para os municípios que buscam alternativas de local para a disposição final como para o ganho de escala, otimizando recursos e tratamento dos resíduos, além de atenderem a um maior número de municípios e viabilizarem a gestão dos RSU.
37A consolidação dos consórcios públicos regionais como modelos de gestão de resíduos sólidos é uma estratégia dos governos federal e estadual, como a criação de programa de capacitação para os consórcios de gestão de RSU, estações de transferência e aterros sanitários regionais propostas pelo Governo do Estado do Pará (Pará, 2014a), visando minimizar a degradação ambiental, elevar as escalas de aproveitamento dos RSU e reduzir os custos envolvidos nos processos de tratamento de resíduos e disposição dos rejeitos.
38Parece evidente que os consórcios públicos intermunicipais possibilitam a reunião de esforços para a solução de um problema comum a diversos municípios. Há várias possibilidades para a atuação desses arranjos institucionais como as obras e serviços públicos, saúde, turismo, gestão ambiental e, em particular, gestão de resíduos sólidos. Os consórcios intermunicipais surgem como uma alternativa estratégica para tratamento de RSU, dando uma nova visão para a gestão pública e servindo como instrumentos para auxiliar no planejamento regional e na solução de problemas comuns vivenciados entre os entes federados, como na Região de Integração de Carajás. Além do ganho de eficiência na gestão, execução e despesas públicas, o consórcio conduzirá a elaboração e execução de políticas públicas que impactam positivamente na vida da sociedade.
39Todavia, a operação eficaz, eficiente e equânime de uma federação descentralizada e cooperada demanda a criação de um conjunto de regramentos que autorizem e acomodem legalmente as diferentes formas de articulação entre os entes federados. Por outro lado, reconhece-se que a elaboração de PGRS deve ser prioridade para municípios, conforme a realidade e necessidades locais, e que deve ocorrer antes da criação de consórcios.
40Colocar um consórcio em funcionamento exige planejamento, pois os custos administrativos são altos. Iniciar as atividades sem se assegurar que haverá recursos para a manutenção e mecanismos de cobrança pela prestação dos serviços induz também a soluções que passam longe da eficiência, como o retorno de aterros à condição de lixões quando da ausência de recursos para manutenção. Reconhece-se que a falta de recursos para a manutenção dos serviços de RSU é um fator limitante para a permanência da prestação dos serviços. Esses recursos necessitam ser assegurados, por meio de estudos de viabilidade técnica de valores e tipos de cobrança adequados.
41O consorciamento dos municípios da Região de Integração de Carajás para gestão de RSU é, portanto, essencial para o planejamento estratégico do poder público e da sociedade civil, possibilitando a utilização de novas tecnologias, implantação da coleta seletiva e tratamento de lixo, visando o aproveitamento máximo dos resíduos (geração de valor agregado aos resíduos), prolongando a vida útil dos aterros sanitários compartilhados, diminuindo o impacto ambiental e melhorando a qualidade de vida da população. Além disso, o consórcio pode promover o desenvolvimento sustentável e transformar problemas em fonte de emprego e renda de forma direta e indireta para a população da RIC.
Os autores agradecem a Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa) pelo apoio financeiro do projeto "Produção de Subsídios à Formulação de Políticas Públicas para a Região de Carajás".