1A mortalidade de mulheres na fase materna é um problema de saúde pública que provoca impactos sociais graves e está relacionado com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, em especial o ODS3, que propõe assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todas e todos, em todas as idades e teve meta definida para 2030 de redução da taxa/razão de mortalidade materna global para menos de 70 mortes por 100.000 nascidos vivos (ONU, 2021). Isto sinaliza para um olhar de cuidado para as tensões que envolvem esta questão, bem como, implementação, monitoramento e avaliação de políticas públicas.
2Os óbitos maternos afligem a maioria dos países e, no ano de 2015, ocorreram 303.000 mortes maternas, o que representa uma taxa global de 216 mortes maternas por 100.000 nascidos vivos (Ozimek e Kilpatrick, 2018). As mortes maternas que, em grande parte, são decorrentes de causas previsíveis e podem ser evitadas contam com iniciativas para redução da morte na gravidez, parto e pós-parto no mundo (Cardoso e Faúndes, 2006). A mortalidade materna também revela uma característica importante da desigualdade social, pois mulheres brancas apresentam Razão de Mortalidade Materna (RMM) menor que de mulheres negras (Martins, 2006).
3Segundo o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde (Brasil, 2020a), as causas dos óbitos maternos podem ser diretas e indiretas. Entende-se por mortes maternas de causas diretas, quando estão relacionadas ao processo de gravidez, parto ou puerpério em decorrência de intervenções, omissões, tratamento incorreto ou uma série de eventos como resultados de quaisquer causas já citadas. As indiretas são devidas às doenças que as mulheres já tinham antes da gestação ou que se desenvolveram durante este processo, desde que não sejam incitadas pelas causas diretas, mas agravadas pelos efeitos fisiológicos do estado de gravidez. Há as causas inespecíficas que não se encaixam entre as diretas e indiretas (Brasil, 2020a).
4No período de 1996 a 2018, os óbitos maternos por causas diretas, em no de casos no Brasil foram: hipertensão (8.186), hemorragia (5.160), infecção puerperal (2.624), aborto (1.896); e por causas indiretas: doenças do aparelho circulatório (2.848), doenças do aparelho respiratório (1.748), Síndrome de Imunodeficiência Adquirida- AIDS (1.108) e infecciosas e parasitárias (839) (Brasil, 2020a).
5No ano de 2017, os registros de mortes maternas variaram de forma inversa com a cobertura populacional atendida por equipes de Atenção Básica e equipes de Saúde da Família e de forma direta com a quantidade de óbitos de mulheres em idade fértil, fenômeno que não ficou tão evidente no ano de 2018, provavelmente como reflexos de determinações da política nacional, que transparece na qualidade da atenção à saúde da mulher (Souza, Cunha e Suplici, 2021).
6Ressalta-se a importância de análise das estatísticas de mortalidade para o planejamento em saúde e avaliação e monitoramento das metas propostas pelo Ministério da Saúde. Segundo dados do relatório Redatam publicado em 22 dezembro de 2021 pela CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe), países como Peru, Chile, Brasil e Costa Rica apresentaram aumento do número de mortes em 2020, decorrentes das condições de urbanização e contágio por Covid-19 (Castanheira e Silva, 2021). Diante dos dados indaga-se: a pandemia do Covid-19 elevou a Razão de Mortalidade Materna no Brasil no ano de 2020? Há diferenças regionais da mortalidade materna devido às desigualdades ambientais e sociais? As mulheres negras continuam apresentando RMM maiores que as das mulheres brancas?
7Portanto, este estudo tem como objetivo analisar a distribuição espacial da Razão de Mortalidade Materna no Brasil no período de 2016 a 2020, levando em consideração as mulheres na faixa etária de 10 a 49 anos e a questão de desigualdade racial. O estudo se justifica, pois traz contribuições para o acompanhamento de um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável assumidos pelo Brasil e joga luz sobre um dos impactos provocados pelas desigualdades espaciais, sociais e raciais observadas em nosso país, e possíveis reflexos da pandemia do Covid-19, no ano 2020, que evidenciou as desigualdades socioeconômicas no país.
8A mortalidade materna é “um indicador de acesso da mulher aos cuidados de saúde e da capacidade do sistema de saúde responder às suas necessidades” (Brasil, 2020 a, p.21). De acordo com a 10a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID-10), morte materna é concebida como óbito de uma mulher em condições de risco que pode ocorrer durante a gestação ou dentro de um período de 42 dias após o término da gestação, independentemente da duração ou da localização da gravidez, devido a qualquer causa relacionada com ou agravada pela gravidez ou por medidas em relação a ela, não ocasionados em decorrência de causas acidentais ou incidentais, Organização Mundial de Saúde (WHO, 2005).
9De acordo com a Agência de Saúde Suplementar (2021), as mortes precisam ser classificadas conforme o Capítulo XV da CID 10, excetuando os códigos O96 e O97 (Morte Materna Tardia e Morte por Sequela de Causa Obstétrica Direta). Há doenças que não fazem parte do Capítulo XV, porém devem ser levadas em consideração, desde que fique comprovada sua relação com o estado gravídico-puerperal. São as mortes decorrentes de: tétano obstétrico (cód. A34, Cap. I); doenças causadas pelo vírus da imunodeficiência humana (cód. B20 a B24, Cap. I); necrose pós-parto da hipófise. Dimensão “Atenção à Saúde” - 3ª fase. Taxa de Mortalidade Materna (cód. E23.0, Cap. IV); osteomalácia puerperal (cód. M83.0, Cap. XII); transtornos mentais e comportamentais associados ao puerpério (cód. F53, Cap.V); e Mola hidatiforme maligna (cód. D39.2, Cap. II). Nos casos de mola hidatiforme é necessário que o óbito tenha ocorrido até 42 dias após o parto. Ressalta-se que, embora sejam raras, existem causas externas (Cap. XX) que afetam o estado gravídico-puerperal e que devem entrar no cálculo da Razão de Mortalidade Materna (OPAS, 2002).
10O indicador, taxa, razão de mortalidade materna é uma medida aplicada para identificar o nível de morte materna ou de mulheres durante a gestação ou até 42 dias após o fim da gestação, independente da duração ou da localização da gravidez, determinada por qualquer fator associado ou agravado pela gravidez ou por medidas tomadas em relação a ela (Laurenti, 1997). Assim, a Razão de Mortalidade Materna é a razão entre o número de mortes de mulheres devido as causas maternas (ligada a gravidez, parto e puerpério) e o número de nascidos vivos, multiplicada por 100 mil, na população residente em espaço geográfico específico, no ano a ser considerado (OPAS, 2002).
11Um dos desafios para o serviço de saúde brasileiro e para toda a sociedade, é a redução da RMM, por ser um problema grave de saúde pública que apresenta diferenças regionais consequentes da vulnerabilidade e pobreza multidimensional. De acordo com dados de Brasil (2020a), as mortes maternas poderiam ser evitadas em 92% dos casos e são muito frequentes em países em desenvolvimento. A prevenção da mortalidade materna é um desafio a ser vencido para garantir os direitos humanos fundamentais das mulheres.
12Outro desafio é evidenciar a presença do racismo estrutural e institucional nos serviços de atendimento à saúde que pode ser observada nas inequidades decorrentes desta ideologia da superioridade da raça branca e assim, consequentemente, proporcionar elementos para a conscientização dos profissionais. Os gestores e provedores necessitam implementar estratégias como pacotes nacionais para segurança do paciente e melhorar o atendimento de mães com signo racial considerado estereótipo negativo (Minehart Bryant, Jackson e Daly, 2021).
13As políticas públicas para evitar a mortalidade materna, que é um acontecimento evitável, fundamenta-se na promoção da saúde sem distinção de gênero, raça, classe, credo, idade, porque todas as mulheres, são cidadãs, têm direito inalienável ao atendimento de qualidade e respeito. Santos Neto, Alves, Zorzal e Lima (2021) trazem o histórico das políticas públicas iniciadas em 1940 com a criação do Departamento Nacional da Criança, mas que também se estendia às mulheres grávidas e na amamentação. Nos anos de 1970, após o fracasso do sistema previdenciário imposto, e impactos relevantes na saúde, principalmente das mulheres, emergiram alguns programas verticais de atenção à saúde materno-infantil como o Programa de Saúde Materno-Infantil (1975) e o Programa de Prevenção à Gravidez de Alto Risco (1978) e, com a promulgação da Constituição Federal do Brasil em 1988, houve novas estratégias como o Programa de Humanização.
14O Ministério da Saúde do Brasil, em 1 de junho de 2000, estabelece o Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento (PHPN) na Portaria nº 569, em 8 junho de 2000 para todas as unidades federativas, como resposta às necessidades de atenção específica à gestante, ao recém-nascido e à mulher no período pós-parto. Esta ação foi um caminho proposto para diminuir as elevadas taxas de morbimortalidade materna e perinatal, buscando assegurar o acesso, a melhoria da cobertura e da qualidade do acompanhamento pré-natal, da assistência ao parto, puerpério e neonatal. Para isto, o Ministério da Saúde promoveu ações na atenção à gestante, alocou recursos para investimentos nas redes estaduais e de forma indireta nos municípios para maior atenção a gestação de alto risco, acréscimo do custeio de procedimentos específicos e outras medidas como o Projeto de Capacitação de Parteiras Tradicionais. Houve, também incremento no financiamento de cursos de especialização em enfermagem obstétrica e nas unidades hospitalares integrantes das redes credenciadas. As três instâncias gestoras no âmbito federal, estadual e municipal exercem papéis específicos para o cumprimento do Programa (PHPN, 2002).
15Barbastefano e Vargas (2009) enfatizam que as políticas públicas de saúde precisam ser implementadas e envolver toda equipe de enfermagem para que todos tenham consciência, angariar esforços e sensibilidade nas ações preventivas. Esses autores apontam que a Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, por meio das Resoluções nº 1.052/1995 e nº 1.642/2001 demonstra sinais da vontade política nas propostas e projetos para diminuir as taxas de mortalidade materna. Santos Neto et alli. (2021) corrobora Barbastefano e Vargas (2009) de que as políticas para gênero para combate da mortalidade materna ainda não se mostraram altamente efetivas.
16De 1996 a 2018, na região Sul do Brasil, a RMM variou de 52,5 a 56,2 por 100.000. Ao desagregar por faixa etária, no ano de 2018, as RMM foram: 10 e 19 anos (42,9); 20 e 29 anos (47,8); 30 e 39 anos (69,7) e 30- 49 anos (62,8). No intervalo de 10 a 29 anos não houve mudança do quantitativo, de forma que ficou abaixo de 70 por 100mil, no entanto, elevada para diminuição projetada com a meta ODS3.1 da agenda 2030, ajustada à realidade nacional para 30 por 100.000 nascidos vivos (IPEA, 2019). Estes dados demonstram a necessidade de melhor qualidade dos serviços de pré-natal, focado com as mulheres na faixa de 10 a 29 anos e complicações hipertensiva (Motta e Moreira, 2021).
17Vettorazzi, Valério et alii. (2021) identificaram 2.481 mortes de mulheres na idade fértil e 43 óbitos durante a gravidez ou no período pós-parto, e somente 28 foram óbitos maternos em Porto Alegre. A taxa de mortalidade no Hospital de Clínicas de Porto Alegre entre os anos de 2000 e 2019, de 37,6 por 100.000 nascidos vivos, e as principais causas foram: 57,1% ligadas a gravidez, 35,1% associada de forma indireta e 7,1% não relacionados, e a hipertensão e esteatose hepática aguda (25%) foram as principais causas de morte, enquanto no período 1980-1999, a causas eram complicações hipertensivas (17,2%) e infecção pós-cesárea (16%), 129 mortes por 100.000 nascidos vivos.
18Nogueira e Passos (2020) apontam que as mulheres negras e pobres, devido à divisão sexual e racial do trabalho, normalmente estão ocupadas como empregadas domésticas ou como cuidadoras, muitas vezes de forma precária e informal, e a pandemia do Covid19 contribuiu para elevar a vulnerabilidade social. Segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese, 2021), no término do ano de 2020, os negros apresentavam 40% mais chances de morrerem de Covid -19 do que os brancos.
19Este trabalho pode ser enquadrado como um estudo ecológico, em que a unidade de análise é a população (Pereira, 2008), documental e com caráter quantitativo. A pesquisa documental possibilita, por meio de dados e informações secundárias, subsidiar o pesquisador no processo analítico dos dados, como também, na observação e na evolução de indivíduos, grupos, conceitos, conhecimentos, comportamentos, mentalidades, práticas etc. (Yin, 2010).
20Os dados de óbitos maternos de mulheres com idades de 10 a 49 anos, no período de 2016 a 2020, foram obtidos no site do Departamento de Análise em Saúde e Vigilância das Doenças Não Transmissíveis (DASNT), órgão vinculado ao Ministério da Saúde, (Brasil, 2020a). Os dados de nascidos vivos foram coletados no Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC) (Brasil, 2020c). A unidade espacial básica adotada é a Unidade da Federação e os dados foram coletados de forma a viabilizar a desagregação racial entre negras e brancas.
21Quanto aos dados, ficou definida seleção de mortes maternas de mulheres na faixa etária de 10 a 49 anos para o cálculo da Razão de Mortalidade Materna por corresponder majoritariamente a idade fértil das mulheres brasileiras (Brasil, 2020a), mas Organização das Nações Unidas (2005) esta idade varia conforme o país, na faixa de vida fértil 15 a 50 anos. Foi preconizado a Razão de Mortalidade Materna como um dos indicadores adotados para acompanhar óbitos maternos e como indicador de qualidade de vida (ONU, 2021).
22Para coleta das informações secundárias de mortalidade materna no site do DASNT foram selecionados os parâmetros: Base de dados (Brasil, 2020a): Ano de referência 2020, País: Brasil; Abrangência: país; Local: óbitos por residência; Indicador: maternos declarados; Categoria: notificação de óbitos de mulheres; Estatística: número de óbitos; Local de ocorrência: todos; Óbitos atestado por médicos: todos; Grupo etário: 10 a 49 anos; Raça/cor: todos (branca, preta, parda, amarela, indígena, branco/ignorado); Visualização-linha: localidade e visualização-coluna: ano de referência. Vale reforçar que, ao selecionar o ano de referência igual a 2020, na realidade o sistema fornece dados para o período de 2016 a 2020.
23Os dados obtidos são fornecidos pelas Secretarias de Saúde municipais e estaduais, que coletam as Declarações de Óbitos dos cartórios e inserem no SIM. Uma das informações essenciais é a causa básica de óbito, que é codificada a partir do declarado pelo médico atestante, segundo regras estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde (Brasil, 2020a). As informações obtidas pelo SIM foram por local de residência das mulheres.
24Para acesso às informações secundárias de nascidos vivos no site do SINASC foram selecionados os parâmetros: Base de dados (Brasil, 2020b): Ano de referência 2020, mas o sistema disponibiliza de 2016-2020; País: Brasil; Local de registro: nascidos vivos por residência; Categoria: notificação de nascidos vivos; Estatística: número de nascidos vivos; Grupo etário: todos; Escolaridade da mãe: todos; situação conjugal da mãe: todos; Mês de gestação em que iniciou o pré-natal: todos; Número de consultas de pré-natal: todos; Tipo de gravidez; todos; Semana de gestação: todos; tipo de parto: todos; Local do nascimento: todos; Nascimento assistido por: todos; Teste de Apgar no 1º minuto (Observatório da Saúde da Criança e do adolescente,2020) todos; Teste de Apgar no 5º minuto: todos; Grupo Robson: (Robson, 2001) todos; Peso ao nascer: todos; Raça/cor: todos (branca, preta, parda, amarela, indígena, branco/ignorado); Sexo: todos; Anomalia identificada: todos; Função do responsável pelo preenchimento: todos; Visualização-linha: localidade e visualização-coluna: ano de referência.
25No estudo foram consideradas desagregações raciais somente pelas raças brancas e negras, sendo que raça negra se refere às pessoas de cor de pele preta e parda (Brasil, 2010). Os dados também foram desagregados por Unidade da Federação e por Grande Região, ou seja, Centro-Oeste, Norte, Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil.
26A variável de nascidos vivos é convencionada como uma aproximação para o número de mulheres grávidas. O conceito de Nascido Vivo relaciona a expulsão ou extração completa do ventre ou abdome da mãe, independente da duração da gestação, de um produto de concepção que, depois da separação, respira ou manifesta outro sinal de vida, como batimento cardíaco, pulsação do cordão umbilical ou contração voluntária, desde que tenha sido ou não sofrido um corte no cordão umbilical e esteja ou não desprendido a placenta (Merchan-Hamann, Tauil e Costa, 2000).
27A Razão de Mortalidade Materna direta foi calculada por meio do número de óbitos classificados como maternos no DASNT e o número de nascidos vivos do SINASC, sem nenhum fator de correção, conforme Ministério da Saúde (Brasil, 2018, p.44).
28A coleção de mapas com a representação da Razão de Mortalidade Materna no período de 2016 a 2020 foi elaborada tomando as Unidades da Federação como unidades espaciais básicas. Para efeito de comparação, todos os mapas foram elaborados adotando o critério de classificação por Quebras Naturais, adaptado empiricamente a partir dos resultados de 2020. A base cartográfica por Unidade da Federação foi obtida no site do IBGE, tendo o SIRGAS 2000 como Sistema de Referência Geocêntrico, e tratada no software QGIS 3.20. O tratamento estatístico dos dados, bem como a construção de gráficos e cálculo da RMM foram realizados no software Excel 2010 e no Ambiente R.
29A análise de resultados foi feita partindo do geral para o particular. Assim, inicialmente, a RMM foi avaliada para o Brasil e suas Grandes Regiões, no período de 2016 a 2019 e os valores obtidos foram comparados com o observado em outros países e com a meta dos ODS(Brasil, 2021). Na sequência, os resultados serão apresentados na escala de Grande Região brasileira e desagregados por raça e, finalmente, analisados na escala de Unidade da Federação.
30A Tabela 1, apresenta o número de mortes maternas, o número de nascidos vivos e a RMM no Brasil para cada um dos anos do período proposto para estudo. Observa-se uma tendência a redução da RMM de 2016 a 2019, mas com significativo aumento no ano de 2020, já no período da pandemia de Covid-19, quando saltou de 55,3 para 67,9 mortes por 100.000.
Tabela 1- Número de mortes maternas e nascidos vivos – Brasil
Ano
|
Número de mortes maternas
|
Número de nascidos vivos
|
Razão de Mortalidade Materna (por 100.000)
|
2016
|
1.666
|
2.857.800
|
58,3
|
2017
|
1.716
|
2.923.535
|
58,7
|
2018
|
1.658
|
2.944.932
|
56,3
|
2019
|
1.575
|
2.849.146
|
55,3
|
2020
|
1.850
|
2.726.025
|
67,9
|
Fonte: Elaborado a partir de dados do SINASC/DASNT.
31Considerando todo o período estudado, a média foi de 1.693 óbitos maternos e 2.806.288 crianças nascidas vivas por ano e média geral de RMM igual a 59,2 mortes por cem mil, abaixo do proposto pelos ODS para 2030, que é de 70,0 mortes por cem mil (Figura 1), mas acima das 30 mortes por cem ajustadas para a realidade brasileira (IPEA, 2019; Motta e Moreira, 2021).
Figura 1- RMM no período 2016-2020
Fonte: Elaborado a partir dos dados do DASNT.
32Os dados anuais apontam que o Brasil tem cumprido a meta global nos últimos anos, mas não de forma espacialmente homogênea, como será visto mais adiante e, ainda, conforme OPAS (2002, p. 111), a identificação de aumento na RMM, como observado no ano de 2020, pode significar que “valores elevados podem estar refletindo os esforços realizados, em cada estado, para melhorar a qualidade da informação”, porque a RMM do Brasil ainda é, presumivelmente, acima do total publicado. Outro fator que pode estar relacionado com a elevação da RMM no ano de 2020 se refere ao Covid19.
33Para a OMS a Razão de Mortes Maternas no mundo reduziu cerca de 44% nos últimos 25 anos, saindo de 385 para cada 100 mil nascidos vivos em 1990 para 216 para cada 100 mil nascidos vivos em 2015. Apesar dos avanços alcançados com a redução da RMM, o Brasil não conseguiu atingir a redução de 75% neste indicador até o ano de 2015, como pactuado quando da proposição dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), pela ONU, em 2000. Mesmo tendo alcançado a meta global, o Brasil não cumpriu a meta de RMM menor ou igual a 35 para cada 100.000 nascidos vivos (OPAS, 2018) e, em 2018, a RMM no Brasil foi de 56,3 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos.
34Traçando um comparativo com outros países, Portugal apresentava RMM de 115,5 em 1960, mas a partir de 2016 vem apresentando razões bem inferiores às observadas no Brasil: RMM de 6,9 em 2016, 12,8 em 2017, 17,2 em 2018 e 10,4 em 2019 (Fundação Manoel dos Santos, 2021). Dados da ONU (2017), apontam que em 2017 a RMM apresentava grande variabilidade pelo mundo. Com exemplo, para países do BRICS, foram observadas: África do Sul (119), Rússia (17), Índia (145), China (29), Brasil (60); e para alguns países da América Latina: Argentina (39), Bolívia (155), Chile (13), Colômbia (83), Cuba (36) e México (33), Paraguai (84), Peru (88) e Uruguai (17)].
35Os achados desse estudo corroboram com os resultados de Martins (2006), que considera como consenso que as mulheres acometidas pela morte materna são as de menor renda e escolaridade e, ainda, que os dados evidenciam que as mulheres negras vivem em piores condições de vida e saúde no Brasil. Para o período de 2016 a 2020, as mulheres brancas tiveram menos óbitos (51,5 óbitos maternos por 100 mil nascidos vivos) que as mulheres negras (62,8 mortes maternas por 100.000 nascidos vivos). Ao avaliar por Grandes Regiões, o Norte e o Nordeste apresentam as maiores RMM, também convergente com Martins (2006).
Tabela 2- RMM global e regiões por raça no período de 2016 a 2020
Regiões/BR
|
Negras – RMM
|
Anos
|
2016
|
2017
|
2018
|
2019
|
2020
|
Média
|
Desvio
Padrão
|
Brasil
|
63,0
|
61,7
|
60,1
|
58,7
|
70,4
|
62,8
|
4,1
|
Norte
|
65,1
|
63,8
|
66,2
|
67,0
|
79,5
|
68,3
|
5,7
|
Nordeste
|
66,9
|
65,8
|
61,3
|
57,7
|
76,1
|
65,5
|
6,2
|
Sudeste
|
57,1
|
59,7
|
54,3
|
57,5
|
64,1
|
58,5
|
3,2
|
Sul
|
68,2
|
56,4
|
53,8
|
47,1
|
61,4
|
57,4
|
7,1
|
Centro-oeste
|
63,2
|
50,5
|
69,6
|
59,0
|
59,5
|
60,4
|
6,2
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Regiões/BR
|
Brancas- RMM
|
Brasil
|
52,0
|
54,8
|
49,9
|
49,1
|
61,9
|
51,5
|
2,2
|
Norte
|
153,0
|
170,0
|
137,2
|
124,0
|
198,4
|
146,0
|
17,2
|
Nordeste
|
89,9
|
83,6
|
81,8
|
82,8
|
124,7
|
84,5
|
3,2
|
Sudeste
|
49,1
|
56,9
|
50,6
|
47,1
|
56,0
|
50,9
|
3,7
|
Sul
|
33,6
|
30,4
|
31,0
|
34,3
|
36,7
|
32,3
|
1,7
|
Centro-Oeste
|
79,5
|
73,9
|
55,1
|
60,0
|
89,5
|
67,1
|
9,9
|
Fonte: Elaborado por Cláudia Aparecida Avelar Ferreira e Paulo Fernando Braga Carvalho(2022).
36A região Norte apresentou razões de mortes maternas altíssimas para mulheres brancas em todos os períodos, sempre acima de 120 mortes por 100.000 nascidos vivos. Uma possível explicação para este fato é o reduzido número de nascidos vivos brancos nesta região, quando comparado com outros estados. Assim, pequenas oscilações nos registros de mortes maternas impactam fortemente o indicador projetado para 100.000 nascidos vivos. Como exemplo, foram registrados 24.157 e 24.711 nascidos vivos brancos nos anos de 2016 e 2017, enquanto foram registradas 37 e 42 mortes maternas de mulheres brancas nos mesmos anos. Observe que a variação de 5 mortes ocasionou variação de RMM de 153,2 para 170,0 neste período. Para efeito de comparação, o número de nascidos vivos negros nesta região foi de 264.523 em 2016 e de 269.550 em 2017.
37A Figura 2 apresenta uma coleção de mapas com as Razões de Mortalidade Materna para cada Unidade da Federação (UF) do Brasil no período de 2016 a 2020.
Figura 2 –Distribuição da Razão de Mortalidade Materna por UF no período de 2016 a 2020, Brasil
Fonte: DASNT; SINASC.
38Os dados de RMM evidenciam que a região Norte do país apresenta os piores resultados no período do estudo, seguido pelo Nordeste brasileiro e as regiões Sul e Sudeste registram menores razões de mortalidade materna. A região Centro-Oeste foi a que apresentou maior oscilação. As maiores RMM no período de 2016 a 2019 sempre foram registradas em estados da Região Norte: Amapá (109,5 em 2016), Pará (93 em 2017), Amazonas (90,9 em 2018), Pará (87,5 em 2019) e Roraima (146 em 2020). Isto sugere deficiência nos serviços de atenção básica à saúde nestes estados, pois a relação de mortes maternas é inversamente correlacionada à cobertura populacional de equipes de Atenção Básica e equipes de Saúde da Família (Souza et alii., 2021). O estado do Acre merece destaque, pois, apesar de pertencer à Região Norte apresentou RMM inferior à média nacional em todo o período.
39A Tabela 3 coloca em destaque os estados que alcançaram a meta proposta para o Brasil, menor ou igual a 30 mortes maternas por 100.000 nascidos vivos, os que alcançaram a meta global de até 70 mortes por 100.000 nascidos vivos e aqueles que ficaram acima desta meta.
Tabela 3- Classificação das unidades federativas conforme RMM de 2016- 2020
Ano
|
RMM / Nível de classificação
|
Unidades da Federação
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2016
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RMM ≤ 30
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Santa Catarina
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30 < RMM ≤ 70
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Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia, Acre, Roraima, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Goiás, Distrito Federal
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70 < RMM ≤ 100
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Amazonas, Pará, Tocantins, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Maranhão, Piauí, Paraíba
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RMM > 100
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Amapá
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2017
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RMM ≤ 30
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Alagoas e Paraná
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30 < RMM ≤ 70
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Acre, Amapá, Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Rondônia, Amazonas, Roraima, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Sergipe, Bahia, Espírito Santo, São Paulo, Mato Grosso, Goiás
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70 < RMM ≤ 100
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Piauí, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Pará, Tocantins, Maranhão
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2018
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RMM ≤ 30
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Tocantins
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30< RMM ≤ 70
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Rondônia, Alagoas, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Acre, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Goiás, Pernambuco, Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Distrito Federal
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70 < RMM ≤ 100
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Roraima, Pará, Maranhão, Amazonas, Amapá, Piauí
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2019
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RMM ≤ 30
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Amapá, Distrito Federal, Santa Catarina
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30< RMM ≤ 70
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Rondônia, Acre, Pernambuco, Sergipe, Paraná, Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Ceará, Paraíba, Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso, Goiás
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70 < RMM ≤ 100
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Amazonas, Roraima, Pará, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro
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2020
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RMM ≤ 30
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Acre, Santa Catarina
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30 < RMM ≤ 70
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Rondônia, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal
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70 < RMM ≤ 100
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Amazonas, Pará, Tocantins, Maranhão, Piauí, Ceará, Paraíba, Alagoas, Sergipe, Bahia, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Goiás
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RMM > 100
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Roraima, Amapá
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Fonte: Elaborado por Cláudia Aparecida Avelar Ferreira e Paulo Fernando Braga Carvalho.
40Observe que Razões de Mortalidade Materna acima de cem mortes por 100.000 nascidos vivos foram registradas apenas em 2016 e 2020 em Roraima e Amapá e, além disso, nenhum estado brasileiro conseguiu se manter abaixo da meta nacional de 30 mortes por 100.000 nascidos vivos em todos os anos.
41Assim, os resultados mostram que o Brasil vinha avançando no objetivo de reduzir a Razão de Mortalidade Materna até o ano de 2019, apresentando resultados cada vez melhores, mas ainda bem acima da meta de 30 mortes maternas por 100.000 nascidos vivos. Portanto, a mortalidade materna continua sendo um grave problema de saúde pública em nosso país e que merece maior atenção dos gestores públicos no planejamento em saúde e monitoramento de suas metas.
42O fenômeno da pandemia de Covid-19 contribuiu para quebra na tendência de redução da RMM e o ano de 2020 deve ser visto como um ano atípico não só para o Brasil, mas para todos os países devido à Covid-19. Apesar disso, é importante ressaltar que a pandemia explica parte do aumento na RMM, mas ao mesmo tempo evidenciou deficiências no sistema de atendimento básico à saúde.
43Outra característica importante evidenciada por este estudo é de que a distribuição espacial da RMM no Brasil não é homogênea, tendo as regiões Sul e Sudeste apresentado os melhores resultados. Partindo da hipótese de que a RMM tem associação direta com o atendimento básico à saúde, mais uma vez, o Brasil se mostra um país de grandes dimensões e enormes desigualdades sociais.
44O racismo estrutural e institucional na sociedade brasileira impacta na vida de toda população negra, principalmente em relação ao gênero feminino devido a tripla discriminação, sexismo, racismo e classe social, influenciando na qualidade de vida desde a gestação a vida adulta.
45E, finalmente, os resultados diferenciados da RMM entre negras e brancas também refletiram as desigualdades raciais. Como citado anteriormente, a mortalidade materna é um indicador de acesso da mulher aos cuidados de saúde e da capacidade do sistema de saúde responder às suas necessidades, assim, é preciso que os gestores implementem estratégias para promoção da saúde sem distinções de classe ou raça para todas as mulheres, que têm direito a um atendimento de saúde de qualidade e com respeito.
46Este artigo teve como objetivo analisar a distribuição espacial da Razão de Mortalidade Materna no Brasil no período de 2016 a 2020, levando em consideração as mulheres em período fértil, na faixa etária de 10 a 49 anos e a questão de desigualdade racial. Ressalta-se neste estudo a não utilização de fator de correção, por não estar claro e acessível para os demais pesquisadores, mas os dados refletem a necessidade de intervenção em nível global no país, assim evitaria mais mortes maternas além de conseguir cumprir a meta de menos 30 óbitos de mulheres por 100mil.
47Este estudo evidencia que são necessárias ações efetivas visando ampliar o acesso das mulheres aos cuidados de saúde em conformidade com suas necessidades, pois os seus direitos reprodutivos e de qualidade de vida estão sendo violados. Na maior parte dos casos, a morte materna pode ser evitada com ações precoces e de qualidade em nível de município. Deve-se atentar a algumas limitações observadas quanto aos dados secundários de 2020, que conforme SIM são preliminares, portanto, passíveis de alteração, mas os achados prenunciam o impacto do Covid-19 sobre as mulheres. Outro fato que impacta a qualidade dos resultados é a subnotificação das mortes, principalmente em alguns estados, devendo ser considerado um problema emergencial a ser tratado, tendo em vista que dados de qualidade e confiabilidade podem refletir em melhores estratégias de planejamento e gestão.
48As mulheres negras ainda permanecem em processo de subalternização e vozes silenciadas na esfera da saúde, principalmente, como demonstrado neste estudo ao se comparar com as mulheres brancas. Elas não têm recebido atenção necessária nas unidades de saúde, sofrendo diversas violências que podem ocasionar a elevada RMM.
49Como estudos complementares, sugere-se investigar as principais causas de mortes destas mulheres e avaliar as diferenças entre raças nas unidades federativas, e os estados que conseguirem cumprir a meta possa servir de benchmarking para os demais que não cumpriram a meta.