“O Censo é a Infraestrutura Informacional do País”: O Censo de 2020 e as Controvérsias Tecnopolíticas de sua Implementação
Résumés
Cet article explore les controverses techno-politiques liées à la mise en œuvre du recensement de 2020 au Brésil. Des entretiens et des recherches documentaires ont permis de cartographier les débats techno-moraux et les transformations sociotechniques de deux de ses dispositifs : le questionnaire et le budget. Cet abord a permis de mettre en évidence l’émergence d’une forme d’activisme portée par la mobilisation des experts. Le texte conclut en interprétant le recensement comme une infrastructure informationnelle qui inscrit, imagine et stabilise des idéaux pour le futur au moyen des chiffres.
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recensement, statistiques publiques, techno-politique, questionnaire, budget, Brésil, XXIe siècleIndex by keywords:
population census, public statistics, techno-politics, questionnaire, budget, Brazil, 21st centuryIndex géographique :
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censo populacional, estatísticas públicas, tecnopolítica, questionário, orçamento, Brasil, século XXIPlan
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- 1 Cet article est la traduction d'un texte paru dans la revue Brésil(s), qui a publié en français dan (...)
- 2 Este artigo faz parte do projeto Starting Grant “InfoCitizen” que recebe financiamento do Conselho (...)
- 3 Chicago Boy é o termo pelo qual são conhecidos os latino-americanos egressos do Departamento de Eco (...)
1Em uma de suas primeiras aparições públicas como “Superministro” da Economia, em fevereiro de 2019, o economista Paulo Guedes sugeriu que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) deveria vender dois dos prédios sob sua jurisdição na cidade do Rio de Janeiro para cobrir os gastos de implementação do censo populacional de 20202. O Chicago Boy3 havia recém sido investido com a missão de desenhar uma agenda ambiciosa de privatizações, cortes de despesas e subsídios, e desregulação fiscal que ajudaria a nova administração de Jair Bolsonaro a atingir a utopia neoliberal de um Estado reduzido.
- 4 Disponível: https://oglobo.globo.com/economia/guedes-quer-vender-predio-do-ibge-para-fazer-censo- (...)
2“Falta dinheiro para o censo, mas o Presidente fica de frente para o Pão de Açúcar, a Diretoria fica no Centro e a turma da ralação fica aqui (no Maracanã). Devia todo mundo estar junto em um prédio só. Ou quem sabe a gente vende os prédios e bota dinheiro para complementar para fazer o censo bem-feito. Esse é um desafio. (…) Tem que acabar com o privilégio e acabar com a vista para o mar do Presidente”4.
3O IBGE é um dos mais antigos e respeitados Institutos Nacionais de Estatísticas do mundo. Alguns de seus membros e ex-presidentes conquistaram significativa notoriedade internacional, tendo recentemente presidido a Comissão de Estatísticas das Nações Unidas e ocupado a presidência do Instituto Internacional de Estatísticas. Com uma história que remonta a 1936, quando o então Presidente Getúlio Vargas centralizou a produção de informação territorial, cartográfica, ambiental e estatística, o IBGE passou a implementar um Sistema Nacional Estatístico robusto ancorado no censo populacional que é realizado a cada dez anos desde 1872 e cuja edição de 2010, totalmente digital, se tornou modelo a ser replicado em outros países latino-americanos e africanos (Bianchini 2011, Senra 2006, 2009).
4Apesar dessas inovações, o IBGE entrou na nova administração de Bolsonaro acumulando incertezas institucionais e orçamentárias. Reformas estruturais e normativas em “uma direção modernizante muito sólida” vinham ocorrendo desde pelo menos a década de 1990, quando a instituição já enfrentava “muitas dificuldades orçamentárias,” um descolamento com o “imaginário de todo o Brasil sobre o IBGE,” e “greves muito longas junto ao movimento sindical” (Besserman apud Senra et al. 2016: 301; Schwartzman apud Senra 2009: 450). Entre essas mudanças—que se consolidaram no contexto de abertura econômica, enxugamento do estado e privatizações típicos do neoliberalismo daquele momento—estava a adoção de princípios de New Public Management como uma “cultura de consciência de custos”, a manutenção de uma “rede de aliados externos” e a promoção de “uma consciência de serviços” que cultivasse “os interesses e as preocupações de seus clientes” (Senra 2009: 420). Essas estratégias bem refletem o quadro de descentralização estrutural, desfinanciamento, precarização do quadro de funcionários e downsizing institucional de um regime estatístico neoliberal que se instaurou em diversos Institutos Nacionais de Estatística no contexto da globalização a partir da década de 1980, e contra o qual aqueles (ex-)presidentes buscaram, justamente, se impor ao implementarem fóruns de consultas públicas, regimes de boas práticas e fomento à transparência dos dados junto à sociedade (Beaud 2010).
- 5 Vários interlocutores de pesquisa apontam para este problema, que está na origem da falta de quad (...)
5No seu discurso inaugural como Presidente empossada naquela mesma manhã de fevereiro de 2019, a economista Susana Guerra mencionou algumas das consequências de longo prazo desses reajustes, entre as quais os cortes de verbas sistemáticos, o número cada vez menor de funcionários concursados e permanentes, e a dependência cada vez maior de recenseadores e operadores de campo com contratos temporários e precários5. Guedes concluiria sua fala reafirmando que “o censo é importante. Mas vamos tentar simplificar. O censo de países ricos tem dez perguntas. O brasileiro tem 150 perguntas. Sejamos espartanos e façamos o essencial. (…) Ninguém tem bala de prata. Não existe Superministro.”
6O discurso de Guedes é ilustrativo em vários aspectos. Com suas aproximações inexatas (em relação, por exemplo, ao número de perguntas de outros censos nacionais) e generalizações descontextualizadas, ele contém elementos do desdém pela ciência que se tornaria a marca do governo Bolsonaro durante a gestão da pandemia (Camargo et al. 2021). Ainda mais importante, porém, ele dá o tom para como questões de austeridade fiscal e desregulação orçamentária se tornariam indissociavelmente conectadas ao desenho científico da infraestrutura informacional central do censo: o questionário. Se bem controvérsias em torno do orçamento e do questionário sejam elementos-chave de qualquer operação censitária—e se inscrevam em rotinas técnicas que antecedem, em anos, sua implementação—, o discurso de Guedes introduz uma nova ordem de justificação (Boltanski e Thévenot 2006) nesse debate, marcada pela passagem da arena técnica à arena político-midiática. Em sua visão, um dispositivo mais simplificado, com menos questões e maior velocidade de aplicação, lançaria as bases para uma nova forma—mais eficiente e menos custosa—de conhecer a sociedade brasileira e criar políticas públicas focalizadas.
- 6 O censo de 2020 foi adiado por duas vezes, primeiramente para 2021 e em seguida para 2022, ano de (...)
7Este artigo é uma incursão qualitativa sobre a produção tecnopolítica do censo populacional enquanto infraestrutura informacional do país. Especificamente, mapeia-se as controvérsias sociotécnicas de dois artefatos infraestruturais—o questionário e o orçamento do censo de 2020.6 Empiricamente, prioriza-se o marco temporal da politização desse debate, que corresponde aos primeiros anos da gestão Bolsonaro, quando controvérsias técnicas inerentes a operações censitárias latu sensu se chocaram com novos modelos de gestão populista e conservadora dos dados que desencadearam debates públicos efervescentes sobre a produção de números oficiais, o papel de políticas baseadas em evidência, e o surgimento de novos ativismos de dados no país.
- 7 Veja-se, a esse respeito, a crise de representação pública dos dados oficiais causada pela aboliç (...)
8Mapear “les controverses scientifiques et surtout toutes celles qui ont débordé les limites du monde statistique pour devenir publiques” (Beaud 2014:41) não apenas é possível como também desejável, uma vez que ilustra a co-produção das estatísticas simultaneamente como ferramenta de governo e de prova (Desrosières 1998). Como atestam outros casos documentados pela literatura internacional recente,7 em contextos políticos orientados pela “mobilisation populiste du monde ordinaire” (Beaud 2014:47), a lógica do estado e da política interage de modo complexo com maquinarias estatísticas (Beaud 2012, Aragão e Linsi 2020), recolocando questões sobre o papel das evidências e das tecnologias de coleção e mensuração no mundo contemporâneo.
9Ao historicizar as negociações, disputas e transformações técnicas que emergiram em torno desses dispositivos, o artigo capta ainda a emergência de uma forma de ativismo encabeçada pela mobilização de especialistas. Diferentemente das cosmologias de conhecimento, justiça e datificação que surgem em regimes de extração de dados no Sul Global (Milan & Velden 2016), o ativismo de elites intelectuais se organiza em torno da demanda pela produção de informação quantificada de cima-para-baixo por organismos centralizados de estatística pública. Tal perspectiva também difere da chave analítica do “statactivism” proposto por Bruno e Didier (2013, 2021) pois aqui os “números, medidas, e indicadores” não são usados como “forma de denunciação e crítica” (Bruno et al. 2014, 199), mas sua simples existência e produção é vista como fundamental para atingir-se objetivos estratégicos de desenvolvimento nacional. Ao circularem por comissões legais, fóruns de mídia social, e noticiários da grande mídia, esses intelectuais públicos expandem seus domínios de influência, tornando visíveis suas imagens de progresso sociotécnico, utopias de completude estatística e justiça numérica.
10Mapeando as controvérsias onde quer que elas aconteçam, (Latour 2007)—out-in-the-world e para fora de “centros de calculação” acadêmicos convencionais (Latour 1987)—o artigo observa a produção de informação quantificada como um processo multidimensional que engloba as ferramentas e experiências de produzir, difundir, e conviver com números como forma de exercer pertencimento social, criar identidade e agir no mundo. Ao traçarmos essas composições flexíveis de ação mais-que-humana, começamos a perceber o censo como uma forma de infraestrutura tecnopolítica na qual—e através da qual—ideais de futuridade são inscritos, imaginados e estabilizados. É assim que podemos entender a expressão que serve de título ao artigo, proferida por um de meus interlocutores, segundo o qual censos são “a infraestrutura informacional do país.”
- 8 Cabe lembrar, aqui, que bifurcações ideológicas importantes em torno de nova reformulação do questi (...)
11A pesquisa mais ampla da qual este artigo é parte faz uso de arquivos oficiais do IBGE, materiais documentais (postagens textuais, fotografias e vídeos) coletados em redes sociais, veículos midiáticos e sociedades acadêmicas, assim como dezenas de entrevistas em profundidade conduzidas com economistas, demógrafos, sociólogos, antropólogos, trabalhadores temporários do IBGE, representantes de seu sindicato, e funcionários técnicos e ex-presidentes do Instituto que produziram engajamentos públicos durante o período de politização das controvérsias censitárias (2018-2020).8 Este artigo privilegia entrevistas realizadas com dois ex-Presidentes, um ex-Diretor de Pesquisas, e a Presidente do Sindicato de trabalhadores do IBGE em razão de que esses agentes lideraram, por dentro do IBGE, a transição das controvérsias científicas às controvérsias políticas sobre os cortes no orçamento e no questionário e são, portanto, cruciais para o entendimento de novas formas políticas associadas ao ativismo das elites técnicas. Observar o censo tomar forma através dos processos sociomateriais e disputas de sentido internas ao seu funcionamento permite que avancemos em sua conceituação para além de um dispositivo de representação e governo biopolítico da sociedade. Na conclusão, discutir-se-á as implicações dessa etnografia que privilegia os pensamentos fugazes, as realidades incompletas e as figuras alternativas de soberania de dados que os números—e seus efeitos—evocam.
Cortando o Questionário: Da Técnica à Participação Social
12O questionário do censo populacional brasileiro é um artefato histórico co-produzido e em constante evolução. Por um lado, ele é influenciado por histórias nacionais complexas de identificação e population-making. Tal dimensão fica evidente em estudos clássicos que tomam o censo como ponto de ancoragem dialético da história sociopolítica de categorias de classificação, tanto refletindo clivagens que atravessam a sociedade como reforçando e às vezes criando novas categorias de apreensão da realidade (Anderson 2015, Loveman 2009, Camargo 2015). Para o caso brasileiro, Camargo ilustra esse ponto ao examinar, documentalmente, os “serviços litúrgicos” bem como as escolhas metodológicas e práticas “que levaram à construção de uma utopia estatística” no Brasil imperial (2018, 414). O sociólogo toma o censo de 1872 como um “laboratório político e cognitivo” (425), o que ajuda a vislumbrar como esses procedimentos produziram uma visão de população simultaneamente hierarquizada e homogênea.
13Por outro lado, o questionário do censo também é resultado de convenções técnicas e decisões tomadas ao nível de organizações transnacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM), e a Organização das Nações Unidas (ONU), que estabelecem guias de boas práticas e instrumentos regulatórios, como por exemplo o Data Quality Assessment Framework, que funcionam normatizando e estandardizando protocolos de produção de dados com fins de permitir comparações longitudinais e transversais entre países. Durante seus quarenta anos de trabalho no IBGE, primeiramente como Diretor de Estatísticas Econômicas (1995-2014), em seguida Diretor de Pesquisas (2014-2017), e por fim Presidente do Instituto (2017-2019), Roberto Olinto também operou como consultor do FMI e membro do Advisory Expert Group on National Accounts da ONU. Olinto é formado em engenharia de sistemas pela PUCRJ e possui mestrado e doutorado pela UFRJ em engenharia de produção. “Esse negócio de sistemas era matemática, era métodos de otimização; eu odiava estatística,” confessou em nossa entrevista em 2021. Inspirado por discussões foucaultianas sobre filosofia da ciência recém-chegadas da Europa na década de 1970, Olinto desenvolveu um interesse pela qualidade dos números. Em nossa conversa, ele explicou que as estruturas internacionais protegem o especialista na geração de estatísticas públicas.
14“É uma questão de medida mais que de técnica estatística. (…) A produção das contas nacionais, do PIB, essas coisas, elas não são uma questão de estatísticas ou modelagem matemática. É claro que elas têm um aspecto técnico, uma estrutura matemática com erro embutido, intervalo de confiança, essa coisa toda. (...) Mas quando você tem que tomar decisões pra calcular, vamos dizer, as contas do país, sem ter todas as informações, como é que eu provo que a minha decisão é uma decisão baseada em qualidade? (…) É um processo que você vai arbitrando decisões dentro de um frame maior, que tem muita flexibilidade. (…) Se você não tomar decisões, você não fecha aquele número” [grifos meus].
15No desenho de um censo populacional, então, o questionário é a infraestrutura central através da qual planejadores pretendem minimizar os riscos de informações incompletas. Assim como os burocratas de estado se baseiam na produção de papel e parafernália para performar um senso de presença do estado (Hull 2012, Gupta 2012), assim também o questionário do censo é uma materialidade privilegiada para instanciar o sonho da informação total. Em Making it Count, por exemplo, Arunabh Ghosh (2020) documenta os esforços do governo chinês em produzir infraestruturas de contagem que permitissem reconstruir a sociedade e a economia por meio do planejamento socialista. Ele mostra como os estatísticos chineses da metade do século XX descartaram tecnologias de sampleamento aleatório (Desrosières 1998), então em voga internacionalmente, para apostar na utopia da enumeração completa, realizada por meio de um vasto sistema de relatórios periódicos que cobriam todos os setores da economia.
16Como relatado por Olinto e outros interlocutores de pesquisa, as conversas acadêmicas e técnicas sobre o que é incluído e excluído do questionário geralmente ocorrem ao longo dos anos entre os censos. Elas incluem debates sobre quais tipos de perguntas—e maneiras de perguntar—funcionam melhor, quais novos temas devem ser expandidos ou retraídos, e qual deveria ser a extensão ideal de tal ferramenta. Como mostra Mara Loveman para o caso das estatísticas etnorraciais (2021), esses debates foram sendo gradualmente abertos ao longo das últimas décadas. Eles agora envolvem diálogos com grupos da sociedade civil por meio de consultas públicas, workshops com usuários de dados e o trabalho de uma Comissão Consultiva de especialistas censitários. Todo esse aparato de comunicação é apresentado como um processo democrático, transparente e participativo que envolve a criação de uma comunidade de dados em que números e estatísticas circulam como linguagem comum.
- 9 Os DMCs são equipamentos portáteis com geolocalização embutida usados por recenseadores para o re (...)
- 10 Para um olhar sobre a perspectiva que defendia um questionário sucinto e eficiente para o censo 2 (...)
17Em conversas com estatísticos com assento na Comissão Consultiva deste censo, sou lembrado de que mudanças na estrutura e conteúdo do questionário, por menores que sejam, desencadeiam uma rotina minuciosa de intrincados recálculos, mudanças nos algoritmos de amostragem, e reformulações na codificação do software utilizado para distribuição do questionário nos Dispositivos Móveis de Coleta9. Mesmo assim, cada novo censo produz novos ciclos de controvérsias entre aqueles interessados em reduzir seu tamanho para ganhar em acuidade e aqueles interessados em expandir o número de quesitos à revelia da cobertura10.
18“Essas discussões são um enorme brainstorming. Você tem que juntar todos os interessados, todos os interesses do país. Um país como o Brasil tem grupos defendendo a introdução de questões sobre autismo, quilombolas, populações indígenas... Isso tudo são grandes reuniões, grandes seminários técnicos. (…) É uma discussão que você vai ter que ouvir, e ouve muita besteira, ouve muita coisa que você fica chateado que você sabe que não vai poder atender. Você tem que ir convencendo as pessoas e vai desagradando uns, agradando outros, mas tem que fazer um questionário que seja descritivo da realidade do país, que não é uma Bélgica, nem uma França, nem uma Holanda, muito menos uma Suécia, é um país complicado. Então significa que o teu questionário é um questionário Brasil. (...) Então ele é maior, necessariamente, e mais complexo.”
- 11 Pseudônimo utilizado para preservar a identidade do interlocutor de pesquisa.
19“O censo é uma infraestrutura informacional do país,” R. Pereira11 refletiu em nossa conversa em 2021. Cientista social por uma grande universidade pública do Rio de Janeiro e pós-graduado em comunicação, Pereira exerceu uma das principais coordenações de pesquisa na gestão de Olinto e foi um dos arquitetos da versão inicial do questionário. Para ele, um censo não existe isoladamente, mas é um nódulo fulcral em uma paisagem de censos em movimento, em que um serve de infraestrutura para o outro.
20“O censo é o resultado da produção de outro censo, ele é a base que permite setorizar o país, o território. Ele é o dado a partir do qual outros institutos vão poder amostrar suas pesquisas. É dali que vai sair PNAD contínua, as pesquisas eleitorais sobre a nossa democracia, é dali que a gente vai ter a visão toda da geografia. Esse aspecto de infraestrutura informacional e do valor do IBGE ainda é pouco difundido no Estado brasileiro e na sociedade como um todo. O país precisa entender como o Instituto agrega valor ao país.”
21Pereira também discorreu sobre o processo participativo inicial de um censo. “Nossa discussão inicial em 2016 foi: que modelo de censo queremos?,” argumentou o sociólogo. Comissões internas ao IBGE foram então criadas com o objetivo de avaliar os resultados de 2010, apurar as sugestões de usuários de dados e considerar as possibilidades de uso de registros administrativos para obtenção de certos dados para além do censo. O questionário que resultou desses debates foi então levado a campo para duas sessões de testagem—as provas piloto—em que foram avaliados o funcionamento e fluxo de implementação do dispositivo. Pereira explicou que foi somente após esse longo crivo técnico que questões foram re-arranjadas, modificadas ou excluídas do questionário, seguindo critérios de eficiência e funcionamento.
22Wasmália Bivar, ex-Presidente do IBGE entre 2011 e 2016, explicou em nossa entrevista em 2021 que, em sua gestão à frente do Instituto, foi criado o Comitê de Estatísticas Sociais, com o objetivo de reunir diferentes Ministérios que produziam suas próprias bases de dados—como o do Trabalho, Desenvolvimento Social, Saúde, Educação e Previdência—para construir uma documentação padronizada que pudesse garantir a integração de dados públicos por meio de um aparato normativo comum. Esse processo foi descrito pela economista como dialógico e processual, e fundamental para a articulação de um Sistema Estatístico Nacional capaz de, no longo prazo, criar espaço para o uso integrado de registros administrativos.
23Bivar também deu mais detalhes sobre o ciclo “natural” de produção de dados em um instituto de estatísticas oficiais como o IBGE, calcado, de um lado, nos princípios estabelecidos pela ONU, e de outro no fundamento da continuidade e relevância dos dados produzidos.
24“Os técnicos do IBGE sempre tiveram acostumados com o processo de desenho de uma pesquisa em que você ouve as demandas. Você testa questões que você já sabe que não vão dar muito certo no campo, mas algumas delas são politicamente muito fortalecidas, e aí você precisa fazer o teste para mostrar o quanto não se aplica esse tipo de levantamento a esse tipo de tema, esse tipo de questão.”
25Parte desse ciclo significa administrar a tensão entre recursos cada vez mais escassos, de um lado, e o aumento da demanda por informação da sociedade civil, por outro.
26“Essa pressão é contínua, é permanente, faz parte da dinâmica da sociedade que vai se transformando e vai criando novas exigências de informação, que é completamente justificável. Você tá o tempo todo pensando em como reduzir custos e sem deixar de atender suas demandas. O usuário é soberano nesse sentido, porque o usuário é a sociedade, então ele é absolutamente soberano.”
- 12 Disponível: https://ces.ibge.gov.br . Acessado: 15.03.2022.
27Apesar das promessas desses dispositivos, o Comitê de Estatísticas Sociais seria eliminado por decreto em 2019 pela nova gestão do IBGE. Hoje, os resquícios desse esforço estão reunidos e enterrados em uma subpágina no site do IBGE12 e funcionam como evidência material das utopias de completude informacional nutridas por seus idealizadores. Como veremos na próxima seção, a nova administração também alteraria significativamente as dinâmicas de produção das estatísticas públicas no país.
Cortando o Questionário: A Política por Meios Técnicos
- 13 Guerra foi contatada diversas vezes para a realização de entrevista para esta pesquisa, porém até (...)
28Segundo Olinto, o processo técnico e dialógico de elaboração do questionário foi interrompido em 2019, com a chegada da nova Presidente do IBGE. Quando aceitou o convite do Ministro Guedes para o cargo, Susana Guerra13 era uma economista relativamente jovem com passagens por Harvard e MIT e que havia trabalhado por alguns anos no BM. “Quando ela chega—uma completa neófita, amiga da filha do Ministro—ela foi convencida por um grupo pequeno de pessoas que o questionário precisava ser reduzido,” Olinto revelou. Ele descreveu sua chegada como o momento em que debates se deslocaram de um foro científico e “natural”—com diferentes grupos defendendo seus interesses em termos técnicos—para um foro político.
- 14 Veja-se, sobre isso, as intervenções públicas de sete ex-presidentes, em julho de 2019, através d (...)
29O tamanho do questionário estaria no centro das disputas de poder doravante travadas entre dois grupos de ex-Presidentes do IBGE: de um lado, aqueles mais antigos, como Simon Schwartzman e Sérgio Besserman, e de outro, aqueles mais recentes, entre os quais o próprio Olinto, Paulo Rabello de Castro e Wasmália Bivar. Como vimos na seção anterior, na origem desse processo de politização encontram-se utopias de completude estatística amplamente compartilhadas por ambos os grupos em disputa, uma vez que, até aquele momento, esses ex-presidentes não haviam expressado divergências técnicas em termos políticos por intermédio da grande mídia—como viria a ser o caso a partir de então14. Com efeito, as gestões de Schwartzman e Besserman procuraram criar dispositivos institucionais capazes de salvaguardar a autonomia do IBGE que, como vimos, inserem-se no contexto do New Public Management, como a adoção de um sistema consultivo com a participação dos usuários de dados, as novas estratégias de relações públicas e comunicação jornalística com a sociedade, e a instauração de condições técnicas, tecnológicas e institucionais capazes de promover, simultaneamente, transparência informacional e uso consciente dos recursos (Senra 2009). Tais mecanismos viriam a ser decisivos na mobilização pública em prol do censo pelo outro grupo de ex-Presidentes, pois criariam os canais de comunicação e os subsídios técnicos necessários ao debate público e ulterior desdobramento tecno-político da controvérsia.
- 15 Entendo, neste ponto, que minha relativa facilidade de acesso às figuras de cúpula que encabeçari (...)
30Este artigo mapeia o percurso do grupo de ex-Presidentes mais recentes, apoiados pelas reivindicações e lideranças do Sindicato de trabalhadores do IBGE, na medida em que ele inaugura um novo conjunto de táticas de militância por informação completa que transcende os espaços letrados da democracia representativa até então ocupados por (ex-)Presidentes da instituição no afã de comunicar-se com a sociedade, como colunas jornalísticas, cartas abertas, e entrevistas concedidas a meios da imprensa hegemônicos. Ao utilizarem-se de arrojadas intervenções em redes sociais, campanhas publicitárias com depoimentos de atores televisivos famosos, debates públicos com não-especialistas, panfletagens, e audiências no Congresso e Senado, esses atores—e vários outros envolvidos nas controvérsias tecnopolíticas do censo, cuja atuação escapa aos limites físicos deste artigo—abrem novas arenas para a construção dos sentidos e limites das estatísticas públicas no Brasil contemporâneo.15
- 16 Ver, por exemplo: https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/bid-colabora-com-o-censo.htm (...)
31Quando Susana Guerra decidiu reabrir a busca por um questionário menor e mais eficiente, ela consultou alguns membros da Comissão Consultiva ao mesmo tempo em que costurou o apoio político de Guedes e, como já vimos, de ex-presidentes do IBGE. Sua nova postura passou a ser divulgada através de comunicados à imprensa e editoriais de jornais como OGlobo, que defendiam a construção de um novo questionário com a assistência técnica de órgãos como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), bem como o uso de protocolos de coleta de dados alternativos, como registros administrativos e entrevistas censitárias pela internet e por telefone16.
32“Tudo, tudo foi questionado,” comentou Pereira. “Foi questionado se a amostragem do Censo devia ser aquela, foi articulado a vinda de representantes do BM para questionar a amostragem do IBGE, falando que 10 mil amostras davam resultado para o Brasil.” Pereira participou de audiências no Senado e na Câmara dos Deputados, em que explicou como a natureza federativa do Brasil—com União, estados e municípios—tem impactos sobre o processo de amostragem com vistas a garantir as responsabilidades constitucionais de representatividade dos entes federados. “Então vir falar que dá resultado para amostragem com 10 mil amostras tá pensando num resultado Brasil, e olhe lá. O IBGE vem construindo esse processo de amostragem desde o censo de 60.”
33Pereira deixou claro que mudanças técnicas visando o aprimoramento da informação coletada através dos quesitos do questionário fazem parte do processo orgânico de atualização de um censo. “A questão é a forma como se busca mudar e representar uma inovação. Primeiro, é um erro inovar a um ano do censo. A inovação tem que ser testada.” Em segundo lugar, acrescentou Wasmália Bivar, tal processo obliterou os canais tradicionais de discussão das mudanças necessárias a serem implementadas no questionário:
34“Quando entrou a gestão da Susana Guerra, eles estavam numa versão do questionário que ainda não era definitiva. Ainda ia ter muito debate em cima daquele questionário, o que fica, o que sai. Mas ela interrompeu e só tinha um propósito que é, vamos reduzir o questionário para reduzir custos. Eu acho isso legítimo (...), só que você não faz isso sem discussão, sem debate, entendeu? Sem um debate principalmente com os usuários, com a equipe técnica. No IBGE, cada um tá lá na sua caixinha trabalhando nas suas pesquisas, todo o período não-censitário. Quando chega a hora do censo, essas pessoas vêm com tudo que elas acumularam de conhecimento temático sobre aquele assunto, sobre quem são as pessoas que tão demandando informações e o quanto ele julgou que essas pessoas precisam ser ouvidas. Eles vêm com um monte de informação, e obviamente alguém no final tem que bater o martelo, mas a primeira ação é ouvir.”
35Olinto explicou que isso mudou a relação de forças dentro do IBGE. “Ela não aceita a posição do Diretor e exonera o Diretor de Pesquisas, que era uma pessoa que tava envolvida com o projeto desde o início, e o Diretor de Informática. Ela coloca no lugar pessoas que tavam muito mais interessadas em ficar nos seus postos do que ter um censo de qualidade.” Olinto também reportou que, após “a questão técnica virar uma questão política,” debates sobre o tamanho do questionário se tornaram inexoravelmente vinculados a posições ideológicas sustentadas por ambas as partes, sem deixar espaço para discussões sobre a viabilidade e desejabilidade dos cortes e inovações de última hora.
36Pereira narrou em detalhes o processo de sua exoneração da Diretoria de Pesquisas, em maio de 2019. “Eu fui comunicado, efetivamente, no dia 6. No dia 7, o novo Diretor Geral ocupou. Fez reuniões e no dia 27 já teve um novo questionário apresentado.” O substituto de Pereira—e atual presidente do IBGE—, o demógrafo Eduardo Rios Neto, já participava da Comissão Consultiva do censo e, segundo Pereira, tinha conhecimento do questionário. “Mas ele chamou uma reunião para explicar a alteração que foi feita, não é uma reunião para [consultar], é um comunicado, né.” Vários pedidos voluntários de exoneração de gerências e coordenações afetadas pelas mudanças no questionário se seguiram ao evento, incluindo-se a Coordenação de População e Indicadores Sociais. Bivar contrasta a prática da nova administração ao que foi feito no processo preparatório do censo 2010, período em que era Diretora de Pesquisas. “A gente debatia no auditório da Firjan, com 200 instituições presentes. ‘Olha, a gente tá tirando essa questão por causa disso e ta colocando essa aqui por causa disso, entendeu?’ E enfrentava as críticas.”
37Wasmália questionou também a lógica de que um questionário mais enxuto implicaria em economia de custos significativa e proporcional à perda da informação trazida pela ausência das questões. Para ela, é preciso determinar, inicialmente, em que medida o corte de questões afeta o fluxo do questionário na aplicação. “Porque se você mantém um fluxo principal e a maioria das pessoas continua não respondendo àquelas perguntas, e as que você tirou eram perguntas sobre os domicílios e não sobre a pessoa, então o tempo que você reduziu é muito pequeno.” Além disso, ela continuou, cerca de 75% do custo da operação censitária envolve “você colocar o entrevistador capacitado, com todos os equipamentos e material na porta do domicílio. Depois o tempo de entrevista tem impacto sim sobre os custos, mas só se você realmente agilizar o processo e o entrevistador conseguir fazer 30 questionários por dia ao invés de 20, por exemplo.” Segundo a ex-Presidente, tal reflexão em profundidade sobre os ganhos reais dos cortes foi obliterada em favor do debate politizado sobre a iminência dos cortes, por meio da imprensa.
38“Ficou uma espécie de Fla-Flu muito desagradável; não teve um debate de profundidade porque foi um debate através da imprensa. Acabou sendo um fenômeno midiático essa coisa das posições divergentes em relação ao censo. (...) Aí fica parecendo que é uma questão muito política e não técnica, quando ela continua sendo uma questão técnica.”
Avaliando Impactos: O quesito ‘migração interna’
39Os impactos da remoção de questões cruciais—como é o caso do quesito sobre migração interna—foram discutidos por Olinto no contexto do Fundo de Participação dos Municípios. Para além de perdas na possibilidade de comparar fluxos migratórios longitudinalmente (Cunha, 2012), segundo o ex-presidente, saber detalhes absolutos (e não apenas amostrais) sobre os deslocamentos internos ao país (como êxodo rural, por exemplo, mas também deslocamentos causados pela pandemia) seria fundamental “porque, com menos informação, você vai passar a estimar—e aí entram os estatísticos—a população anual por município e vai usar mais matemática; usar mais estatística significa que o que você vai dizer vai ter erro associado àquilo.” Na narrativa de Olinto, o problema não era que as estimativas estatísticas produziam erros padrão, mas que tais estimativas da acuidade da predição colocavam as bases para a judicialização das estatísticas públicas.
40“A partir do momento em que você tem um erro na estimativa municipal, o prefeito vai entrar na Justiça se ele perder o Fundo de Participação [do seu município]. Um presidente do IBGE recebe por ano em torno de 150 a 200 prefeitos reclamando da população. E vêm com Senador, Deputado. Você é... ou provocado ou seduzido.”
41Pereira acrescentou que isso traz implicações técnico-legais importantes para o IBGE, uma vez que em 2013 o Senado alterou a lei de distribuição do Fundo de Participação dos Estados, aumentando o peso que a informação da estimativa de população passaria a ter na distribuição de recursos aos municípios.
42“Nós havíamos decidido em 2016 passar essa questão do questionário da amostra para o básico (...) para evitar possibilidades de questionamento por qualquer ente federado a partir de variação amostral da componente migração. (...) Nós precisávamos de um dado mais robusto (...) pra que a gente não crie insegurança jurídica na próxima década. Nós estamos falando de [um fundo de] R$ 100 bilhões. Então se o questionamento dos municípios representar 1% desse valor, é um questionamento de R$ 1 bilhão. Então essa era a lógica técnica, administrativa e federativa que tava colocada e isso foi retirado [do questionário básico].”
- 17 Para um olhar acadêmico sobre as potencialidades abertas pelos dados censitários de migração inte (...)
43Em situações de litígio, prefeitos esperam que o IBGE reconte sua população, o que seria impossível segundo Olinto, pois a população de um país é um número fixo: para que um município “ganhe” residentes, outro precisaria “perder” residentes em igual proporção. Ao remover a única questão capaz de mensurar tal fluxo, Olinto argumentou, “eles criaram uma forma de judicializar o problema”17. Pereira explicou que fez apresentações no Senado e na Confederação Nacional de Municípios, falando do problema federativo que isso poderia causar, para além das questões demográficas e estatísticas envolvidas. “Ou a União vai suprir todas as perdas, ou algum município vai pagar pelos outros, vai ratear. Então qualquer decisão sobre atividades de produção da informação que o IBGE faz precisa ter como horizonte de avaliação o impacto federativo que aquela decisão pode ter.” Esses problemas, Pereira sinalizou, “o país vai se defrontar [com eles] ao longo da década, fruto de intervenções que foram feitas em pouco tempo. (...) Então é nesse sentido que eu chamo a produção do IBGE de uma infraestrutura informacional do país.”
Defendendo o Censo: A Realpolitik
- 18 A Contagem Populacional está prevista para ocorrer nos anos terminados em 0 e 5 e serve de comple (...)
44Ao deslocarmo-nos de arbítrios técnicos para discussões politizadas sobre a infraestrutura informacional de um censo, o questionário, outro ator se torna central: o orçamento. O IBGE se tornou uma fundação federal de direito público em 1967, o que lhe empresta poderes administrativos autônomos, mas também o torna dependente da alocação pública de dinheiro para funcionar. Ao longo do trabalho de campo ouvi queixas de vários ex-Presidentes e funcionários sobre a insuficiência, ao longo de décadas, dos recursos repassados pela União para sua operação e implementação de surveys. Pereira, por exemplo, apontou que, “como os recursos são sempre disputados, eles não estão garantidos politicamente.” Como consequência, pesquisas importantes deixaram de ser realizadas, como a Contagem Populacional, em 201518, ou então foram drasticamente reformuladas devido à ausência de recursos, como o Censo Agropecuário de 2017. “O que tá na origem do problema é a forma como é garantido o recurso para a produção de informação no Brasil. Em alguns momentos há uma mobilização da sociedade pra isso, em outros não.”
45Por conta desse problema, uma das capacidades aprendidas no decorrer do exercício da Presidência é a negociação e discussão do Orçamento com o Ministro do Planejamento e, mais recentemente, o da Economia. Visitas aos gabinetes desses políticos, bem como de Deputados e Senadores, encarregados da aprovação do Orçamento Anual da União, se tornaram parte importante do trabalho rotineiro de lideranças do IBGE, apesar do fato de que a execução do censo é exigida por lei federal. Olinto explicou:
46“Você tem duas duas batalhas no Censo, a batalha com o ministro— e, normalmente, com problemas fiscais, essa é uma batalha complicada—, sofri isso na pele. Só se fez o Censo Agropecuário com uma Emenda Parlamentar; não teve orçamento. E, depois, você vai pro Congresso. Então tem que ter essa expertise. Então primeira coisa: pra fazer um Censo, você tem que ter expertise de negociar o Orçamento.”
47Após ter o orçamento inicial cortado de R$ 500 milhões para R$ 200 milhões pelo governo em 2018, os líderes do IBGE precisaram encontrar um caminho para se mobilizar por fundos adicionais diante do Congresso. “Nós tínhamos um assessor parlamentar que vivia em Brasília; uma Frente Parlamentar da Estatística, de Deputados Federais,” que havia sido criada durante a gestão de Paulo Rabello de Castro, em 2016, quando ele conseguiu arrecadar R$ 975 milhões por meio de Emendas Parlamentares para a implementação do Censo Agropecuário. O lobby de Olinto com a Frente Parlamentar Mista da Geografia, Estatística e Meio Agroambiental (GEMA) trouxe outros R$ 150 milhões (R$150 milhões a menos que o demandado), dando ao IBGE recursos limitados, mas suficientes para investir (durante o ano anterior à coleta de dados censitários) em infraestrutura e equipamento que serviriam à instituição até o próximo censo populacional, em 2030.
48“Quando eu era presidente, eu aprendi com o meu antecessor que a gente tinha assessor parlamentar em Brasília pra conversar com Deputado e Senador pra mostrar como é que o IBGE é importante o tempo inteiro. Eu tinha que ir lá no Congresso e levar livrinho pra Deputado, fazer exposição; botava o mapa do Brasil na entrada do Senado, um mapa enorme que tem em acrílico. Aí chamava a Frente Parlamentar. É duro fazer isso, mas tem que fazer.”
49A crítica de Olinto à gestão de Susana Guerra se estendia ao seu manejo das questões políticas e de comunicação que em última instância teriam impedido a realização do censo populacional em 2020. Sua ausência do Congresso teria eclipsado conversas importantes, dissolvido os assessores parlamentares e encerrado contatos políticos. Sem aplicar a pressão necessária no Congresso, o censo demográfico de 2020 acabou por não ser incluído no Orçamento Anual de 2021 por uma combinação de “incompetências e abandonos:”
50“O Bolsonaro não precisou fazer nada [para atrapalhar o censo]. A coisa tava tão esculhambada, (…) com um ministro fraco, a presidência do IBGE fraca, o governo desinteressado, um Congresso completamente… atabalhoado e corporativo, e uma sensação coletiva de que tudo já tava resolvido, quando de fato não estava. (…) O Relator [do Orçamento] fez o papel dele; talvez ele até fosse transferir todo o dinheiro, mas não tinha ninguém lá pra falar do censo.”
Defendendo o Censo: O Ativismo do Sindicato
- 19 Em novembro de 2018, por exemplo, o então presidente eleito criticou a metodologia de cálculo do (...)
- 20 Pseudônimo utilizado para preservar a identidade do interlocutor de pesquisa.
51A sucessiva história de cortes orçamentários que afetou o IBGE ao longo da década de 2010—incluindo-se a postergação do censo agropecuário de 2015 para 2017 e a não-realização da contagem populacional em 2015—chamaram a atenção de um grupo de funcionários sindicalizados da instituição. Pressagiando dificuldades orçamentárias para a realização do censo logo após a eleição de Bolsonaro, que já havia dado declarações públicas questionando a validade, acuidade e metodologia do IBGE19, em 2018 C. Santos20 encabeçou uma chapa vitoriosa que tentou, num primeiro momento, “conversar com a categoria sobre a importância da gente começar a defender o censo, em termos de orçamento e de lembrar a sociedade da importância do censo.” Santos é formada em Direito e possui mestrado em sociologia por duas importantes universidades públicas do Rio de Janeiro. À época de nossa conversa, integrava a Coordenação de População e Indicadores Sociais, onde trabalhava com indicadores de Pessoas com Deficiência, gênero, juventude, mercado de trabalho e educação.
52Em junho de 2019, o Sindicato dos Trabalhadores do IBGE (ASSIBGE) lançou a campanha “Todos em Defesa do Censo” na Associação Brasileira de Imprensa, com a participação de mais de quatrocentos convidados, entre ex-Presidentes do IBGE, do IPEA e da Fundação João Pinheiro. O evento pontuaria, oficialmente, a entrada de técnicos da instituição nos debates. “Mas a gente começou fazendo panfletagem aqui no Centro do Rio,” salientou Santos. A campanha, que inicialmente visava mobilizar a sociedade para pressionar o poder público e garantir os recursos para a realização do censo, rapidamente tomou dimensões nacionais.
53“Logo no início da campanha, a gente conseguiu o apoio do Drauzio Varella, que gravou um vídeo que viralizou. E aí, então, tinham pessoas que passaram a acompanhar o debate da questão dos dados. E pra gente ali foi um momento de...caramba, né, o Drauzio Varella gravou um vídeo com o roteiro que a gente fez, então é uma figura popular. Naquele momento a gente conseguiu ampliar nossas redes sociais. (...) Pra um tema técnico a gente conseguiu alcançar uma repercussão pra fora da bolha acadêmica e a gente começou a ser chamado pra um monte de coisa.”
- 21 Disponível: https://www.facebook.com/EmDefesaDoCenso/ . Acessado: 15.03.2022.
54De fato, a página de Facebook do grupo21, com mais de 25 mil seguidores, conta a história de mobilização desses funcionários e o apoio de diversas entidades da sociedade civil e personalidades famosas, como atores da Rede Globo, que se engajaram “em defesa” da realização do censo em diversos momentos da negociação política de 2019, 2020 e 2021. A entidade também passou a se mobilizar ativamente em debates técnicos, como, por exemplo, em relação aos cortes do questionário propostos pela nova administração de Susana Guerra, bem como ao modo pouco dialógico que, como vimos, teria marcado o processo. Santos explicou que “esse novo período do IBGE virou uma caixa preta. Não tem nenhuma comunicação das Direções com o Sindicato. Todos os ofícios que a gente mandou desde 2019, quando a Susana Guerra tomou posse, nenhum foi respondido.” Como consequência, o Sindicato pautou audiências públicas na Comissão do Idoso da Câmara dos Deputados e na Comissão de Direitos Humanos do Senado para demandar explicações da Presidente do IBGE quanto aos cortes do questionário. O Sindicato também moveu ações judiciais para garantir seu direito de receber clarificações quanto ao andamento técnico das questões pertinentes à implementação do censo. À medida que o movimento ganhava forma, representantes do Sindicato foram chamados a participarem em audiências nas Assembleias Legislativas de estados como Santa Catarina, Espírito Santo e Bahia, que criaram seus próprios fóruns locais para estabelecer parâmetros tecnopolíticos de defesa do censo.
55A mobilização da ASSIBGE foi amplificada por meio de alianças com representantes da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep) e funcionários de alto escalão do IBGE, incluindo-se cinco ex-presidentes, o que permitiu que a Associação estruturasse um discurso tecnicamente embasado nesse campo de embates. “A gente baseou todo nosso discurso nas previsões que o IBGE vinha fazendo desde 2019,” Santos argumentou. “A gente teve muita participação de técnicos da casa; dos demógrafos, que tinham mais experiência na realização de censos; pessoas que estão no IBGE há muito mais tempo que nós, que já fizeram outros censos, que sabem a implicação de você tirar um tema do [questionário] básico para a amostra.” Por meio dessas redes, a campanha lançou, em agosto de 2019, uma carta de ex-presidentes, com as assinaturas de Eduardo Nunes, Roberto Olinto, Wasmália Bivar, Paulo Rabello de Castro e Edson Nunes, “defendendo a integridade orçamentária, metodológica e de conteúdo do censo.” Já em setembro, o grupo realizou um evento internacional no Rio de Janeiro que trouxe especialistas e ex-Diretores de Institutos de Estatística do Equador, Chile e Argentina para argumentarem “que mudanças de última hora no censo não são bem-vindas; interferências políticas externas no Instituto de Estatística não são bem-vindas.” O evento culminaria no lançamento de uma coletânea de artigos, já em 2020, contendo as transcrições editadas das falas desses intelectuais, bem como de uma breve apresentação por Santos sobre o histórico de mobilização da entidade (Botelho 2020). “A gente resolveu lançar o livro como mais uma forma de registrar todo esse processo. O que eu sempre falo, ainda que tudo dê errado, que o Censo dê errado e que falte coisa, ou que não tenha Censo, a gente vai registrar que houve luta, houve quem estivesse dizendo que não tava certo.”
56Apesar de todo o esforço, Santos avaliou com ambivalência os efeitos gerados pela mobilização entre a sociedade civil. Por um lado, a campanha repercutiu massivamente entre usuários de dados, acadêmicos, associações profissionais e meios de comunicação. “Houve momentos que a gente foi super procurado. A gente precisou até ter uma assessoria de imprensa profissional porque não dava, só a gente, responder. A gente participou do Jornal Nacional mais de uma vez; GloboNews mais de uma vez.” Porém Santos duvidou que “alguém no bar” já tivesse debatido tais questões. “As pessoas viram isso em algum momento, só não sei se elas entenderam,” concluiu. Para a funcionária e sindicalista, apenas uma campanha publicitária bem-feita poderia aumentar os níveis de interesse e participação do cidadão médio na mobilização por um censo de qualidade.
Conclusão: A tecnopolítica do ativismo experto
57Após várias reduções no questionário, uma pandemia desgovernada, a exclusão do censo do Orçamento Anual de 2021, a consequente renúncia de Susana Guerra em abril de 2021 diante da impossibilidade fiscal de realização do censo naquele ano, e recorrentes intervenções da Suprema Corte Federal ordenando sua implementação, o orçamento para o censo foi finalmente aprovado pelo Congresso para 2022. No momento em que este artigo é revisado, em junho de 2022, as cadeias de treinamento estão sendo realizadas nas unidades estaduais e a previsão é de que a coleta de dados, com duração de três meses, se inicie em agosto.
58Olinto entrou com pedido de aposentadoria do IBGE apenas cinco meses após ser substituído na Presidência da Instituição por Susana Guerra, em 2019. Hoje em dia, ele reside em uma cidade próxima de Petrópolis, no Rio de Janeiro, onde passa três dias por semana, intercalados com suas atividades como consultor. Ele não descartou a possibilidade de retornar ao IBGE, dadas condições institucionais adequadas, para reconstruir seu sonho de um Sistema Estatístico Nacional integrado e capaz de colocar em prática os melhores standards internacionais de qualidade de dados. Bivar, após se aposentar do IBGE, tornou-se colaboradora docente da ENCE, a Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, fundada em 1953 e que atualmente forma mestres e doutores nas áreas de população, território e estatísticas públicas. E Pereira encontra-se atualmente licenciado do IBGE para realização de seu doutorado em planejamento urbano, combinando ciência da informação, sociologia e geografia para entender questões de exclusão habitacional.
59Quando da nossa conversa, Olinto enxergava com ceticismo a possibilidade de o IBGE realizar um censo de qualidade em 2022. Ao passo em que concordava com o adiamento inicial do censo para 2021 por questões sanitárias—já que a realização de um censo no auge da pandemia teria sido “catastrófico” em termos da qualidade dos dados coletados—a realização de qualquer censo durante a administração de Bolsonaro terá, inevitavelmente também, seus limites de qualidade. Isso porque qualquer censo precisa, como condição para ser bem-sucedido, envolver a população por meio de campanhas publicitárias bem articuladas, que promovam a conscientização sobre a importância do censo como ferramenta para a democracia e o reconhecimento, e aumentem a predisposição da população em participar da coleta de dados.
60“O Censo é um exercício de cidadania, mas esse exercício da cidadania se dá exatamente a partir do momento que você inclui as pessoas via propaganda, que você diz pra pessoa, ‘cara, você é importante, você existe e o Estado precisa da tua informação,’ e aí as pessoas se incluem. Se você fizer uma coisa morna, depois de uma pandemia... não tem uma família que não tem um morto nesse país, praticamente. Então as pessoas não vão responder, pelo menos não pra esse governo.”
61Pereira, de igual modo, apostava no censo como instrumento crucial de unificação social e política do país. “Se há um projeto que pode servir de consertação nacional, é esse. Porque todos podem se ver a partir do censo. Precisa ter uma lei do censo. Precisa garantir.” Ele também sugeria que as chances de uma boa coleta de dados residem na capacidade de as campanhas de comunicação criarem uma conexão direta com o cidadão, capaz de ultrapassar as disputas e usos políticos do levantamento. “Precisa ser nessa linha, ‘o censo é o Brasil.’ As pessoas têm que se ver no censo. A comunicação tem que ser direta, impossibilitando a disputa pelo censo. Comunicar dessa forma é entender que a proatividade em responder é um ganho e uma economia pro Brasil.”
62Finalmente, Bivar lamentava a ideologização e midiatização do debate técnico e orçamentário do censo. “Esse debate foi muito ruim. Porque a gente acabou não conseguindo fazer a discussão que precisava ser feita. Como é que vai ser? (...) Para que a gente pudesse entender como nós vamos nos preparar para a próxima década. Mas no lugar disso ficou um Fla-Flu na imprensa.” Bivar também considerava que essas controvérsias terminariam por obscurecer a noção de que a produção de informação oficial é um “bem público inestimável.”
63Como vimos através das lentes desses operadores, o censo é visto como a infraestrutura informacional do país. Ele tem o potencial de tornar visível padrões amplos de desigualdade socioeconômica e de mudanças demográficas por meio da tradução de grandes números e séries históricas longitudinais. Entretanto, ao observarmos a tecnopolítica da sua constituição, somos deparados com uma fotografia bem menos estabilizada e nítida dessa infraestrutura (Beaud 2014).
64Ao ser desenhado e realizado, o censo coloca em marcha sua própria infraestrutura de produção, gestão e circulação de informações, redes e expertises—não apenas técnicas, mas também políticas, sociais e econômicas. Ao focarmos na composição sociotécnica de seu dispositivo central, o questionário, joga-se luz sobre a história profunda de alianças contingentes e disputas tecnopolíticas que em última instância formatam os modos pelos quais nós pensamos, medimos e contamos a diferença. Talvez ainda mais importante, nós nos damos conta de que os valores quantificados que atribuímos a essas diferenças são na verdade tentativas de estabilizar o fluxo de controvérsias políticas disputadas em termos técnicos.
65Como argumentado por Antina von Schnitzler (2016) para o caso de medidores pré-pagos de água no contexto pós-apartheid da África do Sul, conflitos em torno da instanciação de estatísticas públicas—o fundamento informacional de um país—expõem as formas tecnopolíticas através das quais a democracia toma forma. Por meio da realpolitik de negociações de bastidor, os imponderáveis de alianças transnacionais, e dos ativismos de dados de especialistas—incluindo-se os operadores e usuários do censo—podemos apreender os sustentáculos concretos e materiais dos números como indexadores de cidadania. Desta perspectiva, o censo carrega pouca semelhança com a forma como ele é retratado pela literatura convencional, como um instrumento de governança total que conta corpos através de aferições estatísticas (Desrosières 1998, Thorvaldsen 2018) e os transforma na substância de uma identidade nacional unificada (Appadurai 1993, Scott 1998). Ao contrário, minha pesquisa em andamento tem mostrado que o censo pode ser mais bem descrito como a atualização de múltiplas forças alinhadas apenas parcial e intermitentemente por meio do trabalho tecnopolítico desses especialistas como stakeholders ativos na produção de dados. Uma abordagem etnográfica desses processos de census-making, portanto, pode privilegiar as práticas experimentais com tecnologia, política e pertencimento que dados quantificados evocam em sociedades informacionais pós-coloniais como a brasileira.
Referências Bibliográficas
66Anderson, Margo J.. 2015. The American Census: A Social History. Second edition. New Haven: Yale University Press.
67Appadurai, Arjun. 1993. "Number in the Colonial Imagination." In Orientalism and the Postcolonial Predicament, dirigé par Carol A. Breckenridge & Peter van der Veer, 314-39. Philadelphia: University of Pennsylvania Press.
68Aragão, Roberto, & Linsi, Lukas. 2020. Many Shades of Wrong: What Governments do When They Manipulate Statistics. Review of International Political Economy, 29(1), 88–113.
69Beaud, Jean-Pierre. 2016. Une Bien Étrange Controverse: L’Abolition du Questionnaire Long et Obligatoire du Recensement Canadien… et son Retour 2010-2016. Statistique et Société, 4(2), 49–55.
70———. 2012. Recensement et Politique. Cahiers Québécois de Démographie, 41(2), 203–226.
71———. 2014. Controverses, Crises et Changement dans les Systèmes Statistiques. Statistique et Société, 2(3): 41–48.
72———. 2010. L’Histoire de la Statistique Canadienne dans une Perspective Internationale et Panaméricaine. In N. de C. Senra & A. de P. R. Camargo (Eds.), Estatísticas nas Américas: Por uma Agenda de Estudos Históricos Comparados. IBGE, Centro de Documentação e Disseminação de Informações.
73Bianchini, Zélia. 2011. "The 2010 Brazilian Population Census: Innovations and Impacts in Data Collection." Communication présentée au congrès annuel de la International Statistical Institute, 21-26. Dublin, 21-26 août, manuscrit.
74Boltanski, Luc & Thévenot, Laurent. 2006. On Justification: Economies of Worth. Princeton University Press.
75Botelho, Luanda (ed.). 2020. Censo 2021: Experiências na América do Sul. Rio de Janeiro: Sindicato Nacional dos Trabalhadores do IBGE - Assibge Núcleo Chile.
76Bruno, Isabelle & Emmanuel Didier. 2013. Benchmarking: L’état sous pression statistique. Paris: Éditions La Découverte.
77Camargo, Alexandre de Paiva Rio. 2015. "Dimensões da nação: uma análise do discurso estatístico da Diretoria Geral de Estatística (1872-1930)." Revista Brasileira de Ciências Sociais 30 (87): 79-96.
78———. 2018. ‘O Censo de 1872 e a utopia estatística do Brasil Imperial." História Unisinos 22 (3): 414-28.
79Camargo, Alexandre, Motta, Eugênia, & Mourão, Victor. 2021. "Números Emergentes: Temporalidade, Métrica e Estética da Pandemia de Covid-19." Mediações, 26 (2), 311–332.
80Cunha, José Marcos Pinto da. 2005. "Migração e urbanização no Brasil: alguns desafios metodológicos para análise." São Paulo em perspectiva 19 (4): 3-20.
81———. 2012. "Retratos da mobilidade espacial no Brasil: os censos demográficos como fonte de dados." REMHU: Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana 20: 29-50.
82Desrosières, Alain. 1998. The Politics of Large Numbers: A History of Statistical Reasoning. Cambridge: Harvard University Press.
83Didier, Emmanuel & Isabelle Bruno. 2021. "O 'Estatativismo' como uso Militante da quantificação." Sociologias 23 (56), 82-109.
84Ghosh, Arunabh. 2020. Making It Count: Statistics and Statecraft in the Early People’s Republic of China. Princeton & Oxford: Princeton University Press.
85Gupta, Akhil. 2012. Red Tape: Bureaucracy, Structural Violence, and Poverty in India. Durham & London: Duke University Press.
86Hull, Matthew S.. 2012. Government of Paper: The Materiality of Bureaucracy in Urban Pakistan. Berkeley: University of California Press.
87Latour, Bruno. 1987. Science in Action: How to Follow Scientists and Engineers through Society. Cambridge, MA: Harvard University Press.
88———. 2007. Reassembling the Social: An Introduction to Actor-Network-Theory. Oxford: Oxford University Press.
89Loveman, Mara. 2009. "The Race to Progress: Census Taking and Nation Making in Brazil (1870–1920)." Hispanic American Historical Review 89 (3), 435-70.
90———. 2021. A política de um cenário de dados transformado: estatísticas etnorraciais no Brasil em uma perspectiva comparativa regional. Sociologias 23 (56), 110-53.
91Milan, Stefania & Lonneke van der Velden. 2016. "The Alternative Epistemologies of Data Activism." Digital Culture & Society 2 (2), 57-74.
92Scott, James C.. 1998. Seeing Like a State: How Certain Schemes to Improve the Human Condition Have Failed. New Haven & London: Yale University Press.
93Senra, Nelson de Castro (ed.). 2006. História das estatísticas brasileiras: Estatísticas organizadas (c.1936-c.1972). Vol. 3. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
94——— (ed.). 2009. História das estatísticas brasileiras: Estatísticas formalizadas (c.1972-2002). Vol. 4. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
95Senra, Nelson de Castro, Fonseca, Silvia, & Millions, Teresa (eds.). 2016. O Desafio de Retratar o País: Entrevistas com os Presidentes do IBGE no Período de 1985 a 2015. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
96Thorvaldsen, Gunnar. 2017. Censuses and Census Takers: A Global History. New York & London: Routledge.
97Von Schnitzler, Antina. 2016. Democracy’s Infrastructure: Techno-Politics & Protest after Apartheid. Princeton: Princeton University Press.
Notes
1 Cet article est la traduction d'un texte paru dans la revue Brésil(s), qui a publié en français dans son numéro 23 le dossier "Un siècle de recensements au Brésil (1920-2020)", les mêmes articles que ceux qui sont publiés, en portugais, dans ce numéro 59 de Confins : Moisés Kopper, « « Le recensement est l’infrastructure informationnelle du pays » : le recensement de 2020 et les controverses techno-politiques de sa mise en œuvre », Brésil(s) 23 | 2023, URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/bresils/14425 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/bresils.14425
2 Este artigo faz parte do projeto Starting Grant “InfoCitizen” que recebe financiamento do Conselho Europeu de Pesquisa (ERC) no âmbito do programa de pesquisa e inovação Horizon Europe da União Europeia (Convênio de concessão nº 101076030). O artigo foi escrito como parte do projeto Future-Data na Universidade livre de Bruxelas, Bélgica, que projeto recebeu financiamento do European Union Horizon 2020 research and innovation programme sob o Marie Skłodowska Curie grant agreement nº 801505. Uma versão preliminar foi apresentada na XVI Reunião da Brazilian Studies Association (Brasa). Sou grato a Claudia Fonseca por seus comentários atentos.
3 Chicago Boy é o termo pelo qual são conhecidos os latino-americanos egressos do Departamento de Economia da Universidade de Chicago que lá se graduaram durante os anos 1970 e 1980 e que ajudaram a implementar, em seus países de origem, reformas econômicas de caráter neoliberal (Klüger 2017: 415).
4 Disponível: https://oglobo.globo.com/economia/guedes-quer-vender-predio-do-ibge-para-fazer-censo-sugere-simplificar-pesquisa-23473491 . Acessado: 17.02.2022.
5 Vários interlocutores de pesquisa apontam para este problema, que está na origem da falta de quadros técnicos capazes de permanecer por tempo suficiente na instituição para garantir a implementação de pesquisas domiciliares de qualidade.
6 O censo de 2020 foi adiado por duas vezes, primeiramente para 2021 e em seguida para 2022, ano de sua implementação. Ainda assim, refiro-me a 2020 por ser este o ano inicialmente concebido na série histórica para a realização do censo e, também, para preservar o sentido histórico das controvérsias aqui documentadas, já que a perspectiva de um adiamento viria a se concretizar apenas com o advento da pandemia, em 2020.
7 Veja-se, a esse respeito, a crise de representação pública dos dados oficiais causada pela abolição da obrigação de responder ao questionário amostral do censo canadense de 2011, que foi substituído por uma pesquisa voluntária com 30% da população. Essas mudanças ocorreram durante o governo de Stephen Harper (Partido Conservador Canadense) e objetivaram preservar as liberdades e privacidades individuais (Beaud 2014, 2016).
8 Cabe lembrar, aqui, que bifurcações ideológicas importantes em torno de nova reformulação do questionário e do adiamento do censo se estabeleceram entre esses intelectuais durante a fase seguinte dessas controvérsias, que chamo de “judicialização” e que surge com o advento da pandemia e a intervenção do Supremo Tribunal Federal para garantir a realização do censo. Embora a visão dos intelectuais que nalgum momento se retiraram do front de debates públicos e/ou se expressaram a favor do adiamento não seja o foco deste artigo, a pesquisa em andamento procura captar essas clivagens para mapear o quadro mais amplo de posicionamentos tecnopolíticos da controvérsia.
9 Os DMCs são equipamentos portáteis com geolocalização embutida usados por recenseadores para o registro e armazenamento de informações coletadas em campo.
10 Para um olhar sobre a perspectiva que defendia um questionário sucinto e eficiente para o censo 2020, ver o texto da demógrafa Susana Cavenaghi: https://www.scribd.com/document/408169248/Por-um-Censo-Demografico-de-qualidade-em-2020. Acessado: 15.03.2022.
11 Pseudônimo utilizado para preservar a identidade do interlocutor de pesquisa.
12 Disponível: https://ces.ibge.gov.br . Acessado: 15.03.2022.
13 Guerra foi contatada diversas vezes para a realização de entrevista para esta pesquisa, porém até o momento da redação deste artigo não se havia obtido retorno para a realização da mesma.
14 Veja-se, sobre isso, as intervenções públicas de sete ex-presidentes, em julho de 2019, através de carta aberta sustentando que a redução do questionário não implicaria “perda irreparável de séries históricas sobre diferentes características da população” uma vez que “o questionário do Censo brasileiro tem sido diferente a cada década, e não se pode pretender que ele fique congelado no tempo” https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2019/07/29/internas_economia,788071/grupo-liderado-por-bacha-defende-corte-nos-questionarios-do-censo.shtml . Acessado em: 10.07.2022.
15 Entendo, neste ponto, que minha relativa facilidade de acesso às figuras de cúpula que encabeçariam a defesa de um questionário mais longo também reflete a tentativa desses atores de ampliarem o repertório dos instrumentos de comunicação com a sociedade, fazendo seu discurso circular em espaços menos hegemônicos e tradicionalmente menos afeitos ao discurso estatístico, como, neste caso, o universo acadêmico da antropologia. Até o momento da redação deste artigo, não havia obtido a mesma facilidade para realizar entrevistas com os presidentes mais antigos da instituição.
16 Ver, por exemplo: https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/bid-colabora-com-o-censo.html . Acessado: 15.03.2022.
17 Para um olhar acadêmico sobre as potencialidades abertas pelos dados censitários de migração interna, consultar Cunha (2005).
18 A Contagem Populacional está prevista para ocorrer nos anos terminados em 0 e 5 e serve de complemento ao censo para ajudar no cálculo da estimação da população.
19 Em novembro de 2018, por exemplo, o então presidente eleito criticou a metodologia de cálculo do desemprego adotada pelo IBGE. Disponível: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/11/bolsonaro-usa-informacoes-incorretas-ao-criticar-indicador-de-desemprego-no-pais.shtml . Acessado: 15.03.2022.
20 Pseudônimo utilizado para preservar a identidade do interlocutor de pesquisa.
21 Disponível: https://www.facebook.com/EmDefesaDoCenso/ . Acessado: 15.03.2022.
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Référence électronique
Moisés Kopper, « “O Censo é a Infraestrutura Informacional do País”: O Censo de 2020 e as Controvérsias Tecnopolíticas de sua Implementação », Confins [En ligne], 59 | 2023, mis en ligne le 04 juillet 2023, consulté le 28 novembre 2024. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/51641 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/confins.51641
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