- 1 Cet article est la traduction d'un texte paru dans la revue Brésil(s), qui a publié en français dan (...)
1Na história recente dos recenseamentos no Brasil, a principal alteração na classificação de “cor/raça” foi a inclusão da categoria “indígena” no Censo de 1991, o que se manteve nos seguintes. Nos levantamentos de 1940 até 1980 (o quesito não foi incluído em 1970), as categorias foram as seguintes: “branca”, “preta”, “amarela” e “parda” (Anjos 2013; Camargo 2010; IBGE 2007; Nascimento 2006; Osório 2003; Petruccelli & Saboia 2013). Desta forma, o Censo de 1991 representa um momento inaugural, e ímpar, na trajetória das estatísticas oficiais sobre a população indígena no país. Esse censo deu origem a uma série que tem continuidade até o presente, com dados da população indígena a serem captados também no recenseamento a ser realizado nesta década de 2020.
2Diversas análises, realizadas acerca do Brasil e de outros contextos da América Latina, tem evidenciado que a inclusão da categoria “indígena” e relativas a outras minorias étnico-raciais nos censos nacionais se vincula a dinâmicas sócio-políticas transnacionais (Angosto-Ferrandez & Kradolfer 2013; Loveman 2014; Okamoto da Silva et al. 2018). Como apontou Loveman (2014), nos anos 1990, difundiu-se, em escala internacional, a perspectiva “we all count”, o que veio associado à produção de estatísticas públicas acerca de minorias étnico-raciais em diversas partes do mundo, incluindo na América Latina (CEPAL 2014; Del Popolo 2017; Schkolnik & Del Popolo 2005).
3No Brasil, a inclusão da categoria “indígena” no Censo de 1991 ocorreu pouco após a promulgação da Constituição de 1988, portanto no esteio da redemocratização que se seguiu ao período de regime militar (1964 a 1985). Até a década de 1970, eram difundidas, tanto em decorrência das pronunciadas reduções populacionais devido às epidemias e violências, como também por influência dos ideários de miscigenação presentes na sociedade, visões de que os povos indígenas tenderiam a desaparecer enquanto segmentos etnicamente diferenciados (Britto 2019; Oliveira 1999a, 2012; Ribeiro 1979 [1970]; Ramos 1998; Souza Lima 2005; Valente 2017). A Constituição de 1988 estabeleceu uma importante mudança quanto aos marcos de responsabilidades do Estado em relação aos direitos indígenas (Capiberibe & Loureiro 2019; Carneiro da Cunha 2018; Oliveira 1999b). Entre muitas outras dimensões das políticas públicas, isso se refletiu, além dos censos, na inserção da categoria “indígena” nas rotinas de produção de estatísticas por diversas agências governamentais (Pereira 2009; Santos et al. 2019b).
4A população indígena captada pelos censos desde os anos 1990 apresentou um expressivo crescimento (294 mil indivíduos em 1991; 734 mil em 2000; e 896 mil em 2010) (IBGE 2012, 63 e 124). Esse incremento, que dissipa visões sobre o desaparecimento dos povos indígenas no país, não pode ser explicado estritamente por fatores demográficos (como mortalidade, fecundidade e migração). Requer também que sejam consideradas as influências de questões sócio-antropológicas de caráter identitário (IBGE 2012; Santos et al. 2019a), como as decorrentes de políticas públicas direcionadas para esse segmento da população (estimulando declarações na categoria) e os chamados processos de etnogênese (Oliveira 1998).
5A quantificação de populações pelo Estados Nacionais, incluindo os censos demográficos, tem sido abordada através de diversas perspectivas analíticas em décadas recentes (Appadurai 1993; Camargo 2009; Foucault 1979; Loveman 2014; Scott 1998, Thompson 2016, entre outros). Uma dimensão destacada nessa literatura é que as quantificações, muitas vezes enfatizadas em suas dimensões técnicas, por vezes com a presença de argumentos afins à noção de “neutralidade” dos números, também precisam ser situadas nos contextos históricos, sociais e políticos nas quais ocorrem. Além disso, os modos através de como se quantifica, em larga medida, podem influenciar os perfis das características sócio-demográficas dos segmentos e processos sociais enumerados.
6Diferentes autores ressaltam que as categorias empregadas pelos censos contribuem para a construção de imaginários sociais que influenciam tanto a percepção identitária coletiva (Anderson 2008; Kertzer & Arel 2002; Urla 1993), como a subjetividade individual, que na prática influenciam a captação de dados e, potencialmente, os resultados censitários (Sangaramoorthy 2012; Sangaramoorthy & Benton 2012). Um aspecto central e incontornável das práticas de enumeração é a produção dos tipos – de coisas, de pessoas – que se pretende contar e caracterizar (Hacking 1983). O (necessário) emprego de classificações leva não apenas ao que já se chamou de um “achatamento” das complexas realidades sociais que se busca enumerar e gerir (Appadurai 1993); no processo de tornar essas realidades legíveis às mais diversas iniciativas governamentais, traduzindo-as para a linguagem estatal operante (Scott 1998), certas tipologias são adotadas e se tornam perenes no cotidiano tanto do Estado, como da sociedade. Assim, nesse trânsito desde sua gênese técnico-classificatória em espaços da burocracia estatal à circulação na vida social cotidiana, assumem uma relevância política incontestável, posto que é a partir delas que o imaginário social, com todos seus desdobramentos, inclusive nas políticas públicas, se estabelecerá.
7Essas questões são particularmente sensíveis quando os recenseamentos incluem minorias étnico-raciais, como os povos indígenas. Estudos sobre os processos de quantificação através de censos nacionais ressaltam que os procedimentos de contagem se baseiam no uso de formulários padronizados, essencialmente concebidos para captar, pela própria amplitude da investigação, os perfis sócio-demográficos do que foi já denominado de “cidadãos médios ou medianos” (Campos & Estanislau 2016; Igo 2007). Desse modo, as descrições geradas, não raro, deixam de evidenciar características particulares de segmentos sociais específicos. Se o emprego de questões padronizadas nos censos, voltadas sobretudo para o universo da população, permite que se comparem grupos historicamente marginalizados a outros setores da sociedade, isso ocorre, eminentemente, nos termos desses últimos.
- 2 Esse texto deriva de pesquisa realizada no âmbito do projeto “Saúde dos Povos Indígenas no Brasil: (...)
8O objetivo deste texto é refletir sobre os contextos de inclusão da categoria “indígena” no Censo de 1991 no Brasil, assim como analisar um conjunto de controvérsias acerca das formas de captação e resultados desse recenseamento.2 Uma interpretação difundida é a que a contagem da população indígena em 1991 decorreu, em larga medida, da ênfase nos direitos indígenas presentes na Constituição de 1988 (Guimarães 2022; Pereira 2009; Okamoto da Silva et al. 2018; Oliveira 2012). De fato, com os povos indígenas reconhecidos na Constituição como cidadãos plenos e, portanto, sujeitos de direito para fins de políticas públicas, passaram a integrar, através da categoria “indígena”, diversas bases de dados sobre a população brasileira, inclusive o recenseamento nacional.
9Nas últimas décadas, a produção de informações oficiais sobre a população indígena, que teve no Censo de 1991 um evento marcante, passou a se dar de forma crescente em várias outras agências governamentais, como em sistemas de informação nas áreas da saúde e educação (Pereira 2009; Santos et al. 2019a). Vale mencionar que, na prática, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), mesmo com o dever legal de promover “levantamentos sobre o índio” (Lei 5.371, de 1967), salvo iniciativas pontuais (ver Land & Almeida 1979), não implementou, de forma regular, rotinas de coleta, sistematização e publicização de dados demográficos sobre a população indígena no país.
10Consideramos que a presente análise se justifica não apenas pelo pioneirismo do Censo de 1991, como também pelas implicações que a identificação dessas pessoas enquanto indígenas têm em suas vidas na condição de cidadãos brasileiros. Além disso, julgamos que as reflexões aqui apresentadas são relevantes para a compreensão dos contextos sócio-políticos nos quais aconteceram as discussões acerca do reconhecimento dos direitos dos povos indígenas na época por parte do Estado, como os expressos na Constituição de 1988, no tocante à produção de estatísticas públicas. Assim, abordamos os debates quanto à “visibilização” derivada do Censo de 1991 considerando as transformações que as estratégias de “legibilidade” do censo impuseram à categoria “indígena”. Observando os argumentos e ações dos envolvidos nas controvérsias, percebemos que, ao mesmo tempo quando se reconhecia a importância da inclusão da categoria, as modalidades empregadas pelo Estado para tal fim foram alvo de disputas, o que envolveu segmentos da sociedade civil desde longa data envolvidos em debates sobre os direitos indígenas. Ressaltamos também que a abordagem histórica com foco no Censo de 1991 tem implicações para se refletir sobre desafios na contemporaneidade, uma vez que várias questões debatidas na época se traduziram em mudanças na captação de dados sobre a população indígena nos censos subsequentes.
11Bowker & Star (1999,10) afirmam no livro “Sorting Things Out: Classification and Its Consequences”:
“A classification is a spatial, temporal, or spatial-temporal segmentation of the world. A ‘classification system’ is a set of boxes (metaphorical or literal) into which things can be put to then do some kind of work-bureaucratic or knowledge production” (1999,10).
- 3 Cabe indicar que o questionário do Censo de 1940 incluiu somente três” (“branca”, “preta” e “amarel (...)
12Através dessa chave analítica, a inclusão da categoria “indígena” no Censo de 1991 pode ser considerada como uma “segmentação” de um sistema de classificação racial (ou de “cor”, para seguir a terminologia até o Censo de 1980) implementado na década de 1940 que, quanto à terminologia, tem se baseado nas categorias “branca”, “preta”, “amarela” e “parda” (1991). 3
13Oliveira (1999a,b) investiga como as populações indígenas foram contabilizadas desde os primeiros recenseamentos nacionais, no século XIX. O “entrar e sair da mistura” a que se refere esse autor diz respeito ao uso (ou não) de categorias mais específicas (“índia”, por exemplo), em contraponto a outras genéricas (como “parda”) na trajetória dos censos brasileiros. Nessa linha de raciocínio, argumentaríamos que o Censo de 1991 pode ser tomado como um momento (contundente) de “saída da mistura”.
- 4 Os questionários dos Censos de 1940 e 1950, ainda que não tenham incluído na pergunta sobre “cor” u (...)
14A propósito, iniciativas que implicavam na “saída da mistura” já haviam ocorrido em outros momentos, como no caso do Censo de 1960.4 Nas instruções para os recenseadores, indicava-se que a categoria “índia” se aplicava exclusivamente para “aborígenes que vivem em aldeamentos ou postos indígenas. Para os aborígenes que vivem fora do aldeamento ou postos indígenas, deverá ser assinalado...Pardo...” (IBGE 1960,28). Assim, se os indígenas aldeados foram contabilizados de forma separada, os demais (que viviam em áreas rurais, mas não em aldeamentos, assim como os residentes em áreas urbanas) permaneciam diluídos em outras categorias (“na mistura”, portanto), com sua “indianidade” não refletida na captação censitária, que enfatizava perspectivas de vias de assimilação ou assimilados.
15A pergunta sobre “cor”, que não foi incluída no Censo de 1970 (ver Nobles 2000; Petruccelli & Saboia 2013), foi reinserida em 1980, com a seguinte indicação: “Na investigação foram discriminadas as seguintes respostas: Branca, Preta, Amarela e Parda (mulata, mestiça, índia, cabocla, mameluca, cafuza, etc.)” (IBGE 1983, xxvii). No Censo de 1980, portanto, a população indígena, mais uma vez, foi contabilizada como parte “da mistura” (Oliveira 1999a).
- 5 O Censo de 1991 aconteceu em um período particularmente conturbado da história política recente do (...)
16No Censo de 1991, a inclusão da categoria “indígena” veio associada, como esperado, a um detalhamento quanto aos procedimentos de captação dos dados para esse segmento populacional. Nesse sentido, foi indicado: “Na investigação foram discriminadas as seguintes respostas: branca, preta, amarela, parda (mulata, mestiça, cabocla, mameluca, cafuza etc.) e indígena...” (IBGE 1996,5). Além disso, enfatizou-se: “A população indígena que vivia em postos da FUNAI, em missões religiosas ou em outras áreas foi recenseada, porém os aborígenes que viviam em tribos arredias ao contato, conservando seus hábitos primitivos de existência, não foram incluídos no Censo” (IBGE 1996,5).5
- 6 A inclusão da categoria “indígena” em 1991 veio associada à definição, para fins das bases territor (...)
17Assim, no Censo de 1991, o que havia sido antes (como no Censo de 1960) classificado de forma cindida (“índios” como aqueles residentes em aldeamentos, sendo os demais a serem considerados “pardos”), deveria ser contabilizado como um conjunto único. Desse modo, as instruções do Censo de 1991 sinalizavam para os recenseadores que “indígenas” não seriam somente aqueles que preencheriam certos estereótipos específicos de “indianidade” (por exemplo, os residentes em aldeias, vivendo em certos tipos de domicílios, com certas características de vestimentas e se falantes de língua indígena). Para fins da captação censitária, pessoas que se reconheciam como “indígenas” poderiam estar presentes em qualquer lugar do país, inclusive em áreas urbanas.6
18No Censo de 1991 ocorreu também uma reestruturação da pergunta no questionário, que passou a ser “[Qual a sua] raça ou cor?”. Como coloca Osório (2003,19), é “...interessante notar que, do Censo de 1940 até o de 1991, a classificação era só de ‘cor’. Foi com a inclusão da categoria ‘indígena’, a partir do Censo de 1991, que a classificação passou a ser de ‘cor ou raça’, ganhando suas cinco categorias atuais” (ver também IBGE 2005, 2012).
19O emprego da terminologia de “cor ou raça” no tocante aos “indígenas” no Censo de 1991 foi comentado, entre outros, pelo antropólogo Márcio Silva em um “ponto de vista” publicado na Revista Brasileira de Estudos de População, periódico da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP) (Silva 1994). Suas reflexões abordam uma série de questões, inclusive a ausência de perguntas sobre etnia, língua e situação dos territórios, aspectos que haviam sido valorizados em levantamentos conduzidos por organizações indigenistas nos anos 1970 e 1980, como abordaremos adiante. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que valorizando a inclusão da categoria “indígena” (“...o Censo de 1991, ao contrário de seus predecessores, reconhece no quesito ‘cor’ uma categoria ‘índio’ distinta da categoria ‘pardo’, o que já é, admito, um indiscutível avanço...” (Silva 1994, 262), o pesquisador chamou atenção para o que considerava uma impropriedade do uso de termos como “cor” e “raça” com referência aos “indígenas”: “...A questão não é meramente metodológica: é teórica e política também. Em primeiro lugar, ‘índio’ não é ‘cor’... Isso sem falar no penoso manejo de um conceito genérico como ‘índio’...”) (Silva 1994, 262). Essa manifestação foi uma dentre várias, com diferentes contornos e nuances, acerca da captação de dados sobre a população indígenas no Censo de 1991.
20A divulgação acerca dos quantitativos da população indígena do Censo de 1991, segundo Unidades da Federação e por um conjunto de características demográficas e socioeconômicas, realizada pelo IBGE em 1996, indicou 294.135 indígenas recenseados (223.107 em áreas rurais e 71.028 em urbanas) (IBGE 1996,159).
- 7 Uma análise mais aprofundada dos dados sobre a população indígena nos Censo de 1991 e 2000 aparecer (...)
21Diversas publicações do IBGE e/ou de pesquisadores e técnicos do órgão abordaram a trajetória de contagem da população indígena desde o Censo de 1991, incluindo as estratégias metodológicas e os desafios que se impunham (IBGE 2005, 2012; Pereira 2009, 2017; Okamoto da Silva et al. 2018)7. No tocante ao Censo de 1991, segundo Okamoto da Silva et al. (2018,240), uma combinação entre questões relacionadas à organização dos cadastros fundiários e ao detalhamento sobre os contornos geográficos das terras indígenas, que naquele momento apresentavam limitações importantes, se constituíram em “...elementos limitadores ao processo de localização e identificação dos aldeamentos indígenas...”, o que pode ter influenciado “...o quantitativo de indígenas captado pelo Censo 1991”. Essa apreciação, realizada décadas após o Censo de 1991, se vincula à experiência acumulada pelo IBGE nos censos seguintes (2000 e 2010). Entre elas, um refinamento da chamada “base territorial”, com informações pormenorizadas acerca das terras indígenas. Isso resultou de esforços no sentido da compatibilização dos polígonos das terras indígenas com a composição por setores censitários pelo IBGE, através de cooperação com outras agências governamentais, como a FUNAI (IBGE 2012; Pereira 2009, 2017; Okamoto da Silva et al. 2018).
22Não somente os quantitativos populacionais, como também a não produção de dados sobre uma série de aspectos específicos acerca dos indígenas no Censo de 1991, geraram um diversificado leque de comentários nos anos 1990. Muitas dessas considerações vieram de pessoas ligadas a organizações não governamentais indigenistas que, nas décadas de 1970 e 80, haviam se envolvido em iniciativas de contagem da população indígena, como o CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e o CEDI (Centro Ecumênico de Documentação e Informação). Desse modo, foram acionadas e explicitadas perspectivas que haviam influenciado iniciativas para dar visibilidade aos povos indígenas no Brasil em períodos anteriores.
23Em suas iniciativas de contagem em décadas anteriores àquela do Censo de 1991, tanto o CIMI como o CEDI buscavam produzir informações com a finalidade de dimensionar os tamanhos populacionais dos povos indígenas no país, como também de caracterizar alguns dos múltiplos contextos sócio-políticos em que eles se inseriam. Os levantamentos não visavam caracterizações demográficas minuciosas, à semelhança de censos e de outras pesquisas com o envolvimento de especialistas no campo dos estudos populacionais. No caso do CIMI, a enumeração dos indígenas era feita a partir de dados fornecidos pelas prelazias que se localizavam próximas a aldeias ou terras indígenas, e os resultados divulgados no Porantim, periódico mensal do Conselho, que tinha como linha editorial a defesa dos diretos indígenas, em especial a luta pela garantia dos territórios. A questão fundiária também esteve em primeiro plano nas iniciativas de contagem do CEDI, que adotava uma metodologia baseada em questionários. Neles, havia várias questões de ordem qualitativa, que eram preenchidos por colaboradores (como antropólogos, linguistas, indigenistas e missionários), com a divulgação em fascículos dedicados a esmiuçar a situação dos povos indígenas em regiões específicas do país.
24Análises acerca das estratégias de levantamento de ambas as instituições (Guimarães & Santos 2021; Santos et al. 2022) apontam que há pouca semelhança nos procedimentos de coleta e nos questionários adotados pelas ONGs com aqueles dos censos demográficos nacionais. Por exemplo, enquanto as organizações indigenistas buscavam captar dados como a situação fundiária dos territórios ocupados pelos indígenas, línguas faladas, pertencimento étnico e acesso a políticas públicas específicas, não incluíam a coleta de dados sobre quesitos usualmente presentes em recenseamentos nacionais, como renda e alfabetização, por exemplo. Os levantamentos das ONGs focavam em sua ampla maioria zonas rurais e/ou terras indígenas, não utilizando quesitos como “cor/ raça” ou outras formas individualizadas de levantar dados sobre pertencimento identitário. Uma diferença crucial está no fato de que, no caso dos censos, o IBGE se baseia em entrevistas domiciliares para levantar dados acerca de cada residente, ao passo que o CIMI e o CEDI recebiam informações de caráter agregado, no âmbito de aldeias ou grupos indígenas. Os colaboradores dessas organizações, que em geral tinham uma trajetória de atuação nas respectivas regiões e povos acerca dos quais reportavam os dados, também inseriam conteúdos que consideravam relevantes nas sistematizações que acompanhavam os quantitativos de população reportados.
- 8 Em matéria no jornal “Folha de São Paulo”, Gondim (1991) comentou sobre dificuldades que teriam sid (...)
25Os comentários a respeito do Censo de 1991 oriundos de vozes da sociedade civil, que variaram em seus tons e ênfases, não eram fruto apenas de uma diferença de perspectivas quanto aos critérios de caracterização da população indígena. Praticamente de forma unânime, valorizavam a inclusão da categoria “indígena” no recenseamento nacional, ao mesmo tempo que demonstravam preocupações acerca de possíveis implicações decorrentes dos resultados da contagem censitária, assim como da não coleta de dados sobre etnia, língua, territórios ocupados, entre outros. As considerações sobre o Censo de 1991 se vinculavam ao momento político do pós-constituinte, quando a implementação dos direitos indígenas recentemente conquistados poderia vir a ser influenciada pelas informações derivadas das estatísticas governamentais. Por exemplo, uma questão importante, na visão de muitos comentaristas, se relacionava à possibilidade de subnumeração decorrente da não contagem de indivíduos e habitações indígenas em regiões mais distantes, de difícil acesso pelas equipes de recenseadores. Um quantitativo indígena menor que o efetivamente existente, além de ter efeitos junto à opinião pública (alimentando a falsa máxima “muita terra para pouco índio”), poderia ser utilizado em argumentos para a não demarcação de terras indígenas8.
26Nas duas décadas que precederam o Censo de 1991, o CIMI foi pioneiro ao divulgar no Porantim, em 1979, uma contagem que teve como foco os indígenas residentes em áreas rurais, estimada em aproximadamente 210 mil pessoas (CIMI 1979). Um ano depois, a organização divulgou um montante de 227 mil, o que aconteceu em antecipação ao “levantamento do IBGE”, qual seja, o Censo de 1980. Nesse momento, uma vez que a categoria “indígena” não estava presente no questionário censitário, as críticas veiculadas pelo CIMI se relacionavam à ausência, naquele censo, de “critério específico” para os indígenas, uma vez que, nas instruções, se indicava que deveriam ser contabilizados na categoria “parda” (IBGE 1980, 1). Para o CIMI, permanecia-se sem se conhecer, através dos dados oficiais, “...a situação real desses povos, no que se refere a demarcação de suas terras, a sua população, seu tronco linguístico e seu grau de contato” (CIMI 1980,3-12).
- 9 Apesar das diversas fontes consultadas, nossa investigação não identificou muitas reações e/ou mani (...)
27No período que antecedeu a divulgação dos resultados do Censo de 1991, foram publicadas matérias no Porantim nas quais diversas questões relacionadas ao recenseamento eram abordadas. Em 1995, Egon Heck, um histórico ativista de defesa da causa indígena ligado ao CIMI, escreveu o texto “Índios no IBGE”, no qual chamava atenção para a dimensão positiva quanto à inclusão da categoria “indígena” no Censo de 1991. Ao mesmo tempo, expressou preocupação com a possibilidade de subestimação dos “números reais da população indígena”, o que poderia servir para apoiar teses acerca do “acelerado integracionismo”, com implicações como “liberar as terras indígenas para a expansão agro-industrial e mineradora” (Heck 1995, 5). Nesse texto, eram mencionadas as disputas sobre os direitos à terra no Alto Rio Negro, em Raposa Serra do Sol e no território Yanomami9.
- 10 Em um momento anterior à divulgação dos resultados sobre a população indígena captados pelo Censo d (...)
28Com a divulgação dos resultados do Censo de 1991, o que se observou, de certa forma surpreendentemente, considerando as diferenças entre as abordagens de contagem, foi que as estimativas de organizações como o CIMI e os dados censitários, em escala nacional, não se mostraram muito distintas, ambas próximas de 300 mil indígenas10. Mas se não muito diferentes em escala mais geral, as organizações indigenistas expressaram preocupações com os volumes de população em áreas específicas do país, nas quais se reconhecia a existência de expressivos contingentes indígenas. Esse foi o caso do município de Manaus, para o qual o Censo de 1991 indicou 952 indígenas, enquanto, segundo Heck (1996), havia dados da FUNAI que estimavam em 9 mil indígenas. Os números poderiam inclusive alcançar 30 mil, segundo levantamento que estava sendo realizado pela Universidade do Amazonas (Heck 1996). A baixa quantidade de indígenas em Manaus captada pelo Censo de 1991 foi colocada pelo autor em contraponto ao registrado em Boa Vista, capital de Roraima, com 9.600 indígenas enumerados pelo recenseamento.
29O tema do tamanho populacional a partir do Censo de 1991 fez parte dos debates sobre a demografia indígena nos anos 1990, mas talvez uma questão ainda mais disseminada nos comentários se relacionou aos procedimentos e perguntas presentes no questionário censitário. Nesse sentido, pontos levantados por um dos coordenadores do Levantamento Povos Indígenas no Brasil do CEDI, Beto Ricardo, são exemplares da preocupação quanto à importância de informações acerca das intersecções entre povos indígenas e os territórios que habitavam. Ricardo argumentou que a ausência de informações sobre as terras indígenas no Censo de 1991 impedia que os dados pudessem ser “vinculados às etnias” (Ricardo 1996: v), limitando as possibilidades de análises.
30Muitos anos antes da realização do recenseamento nacional dos anos 1990, já aconteciam, como vimos, iniciativas de contagem da população indígena por ONGs, como também debates em fóruns acadêmicos, com a geração de propostas para a captação de dados sobre a população indígena nas estatísticas oficiais, o que foi o caso de eventos realizados durante encontros da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP) nos anos 1980 (Vidal 1982; Penna 1984; ver também Santos et al. 2019a, 2022). Contando inclusive com a participação de lideranças indígenas ligadas à União das Nações Indígenas (UNI), tais discussões enfatizaram a importância de ações conjuntas entre órgãos governamentais (como FUNAI e IBGE) e especialistas (não somente demógrafos, como também antropólogos), com vistas ao desenvolvimento de procedimentos de coleta que considerassem as particularidades dos povos indígenas. Um consenso entre os participantes desses debates, nos quais também estavam presentes críticas quanto aos dados derivados das iniciativas paraestatais, era a incomensurabilidade entre a experiência indígena e a não-indígena, razão pela qual instrumentos específicos deveriam ser concebidos, preferencialmente de forma interdisciplinar.
31A possibilidade de subnumeração da população indígena não era, doravante, a única preocupação de pesquisadores e ativistas. Os parâmetros através dos quais esse segmento populacional seria descrito eram percebidos como tendo implicações claras. Como notam Espeland & Stevens (1998), os argumentos de incomensurabilidade entre grupos diversos estão alicerçados no que denominam de “falha de transitividade” das propriedades de um grupo a outro. Um dos exemplos oferecido por Espeland (1998) é justamente a relação de um povo indígena norte-americano, os Yavapai, com sua terra: ao contrário dos burocratas e das empresas que buscavam compensá-los financeiramente por danos ao seu território em razão da construção de uma barragem, os Yavapai consideravam a terra algo “constitutivamente incomensurável”, cujo valor seria impossível de ser convertido em qualquer moeda. Na mesma linha estavam muitos dos comentários e críticas ao Censo de 1991 aqui expostas. Se, por um lado, o recenseamento, inquestionavelmente, contribuía para dar visibilidade aos povos indígenas, finalmente identificando-os nas estatísticas oficiais, por outro, ele tornaria esses povos “legíveis” através de quesitos que não retratariam as nuances de suas realidades.
32Se nos anos 1990 partiram da sociedade civil, em particular de ONGs indigenistas, comentários e críticas sobre o que consideravam limitações do Censo de 1991, também foi um período quando, inclusive através de pesquisadores ligados a organizações acadêmicas, passaram a ser formuladas propostas que, a longo prazo, tiveram influências sobre a captação de dados sobre a população indígena nos censos seguintes.
33A partir da segunda metade da década de 1990, a antropóloga e demógrafa Marta Azevedo (1997a, 2000), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), publicou análises nas quais não somente abordou os procedimentos utilizados no Censo de 1991, como buscou comparar os resultados sobre a população indígena com outras fontes, em particular aqueles derivados de contagens realizadas por ONGs. As perspectivas da pesquisadora eram informadas não somente por uma longa experiência de atuação e pesquisas em comunidades indígenas, desde a década de 1970 (Azevedo et al. 2019), como também por sua participação no planejamento, realização e análises de um levantamento da população indígena da região do Alto Rio Negro, o chamado “Censo Indígena Autônomo do Rio Negro” (CIARN), no qual foram utilizados questionários preparados em colaboração com as lideranças e comunidades indígenas, com a coleta realizada por recenseadores indígenas (Azevedo 1992; Azevedo et al. 2019; ISA 1996).
34Azevedo (2000) chamou atenção, como outros que comentaram sobre os resultados do Censo de 1991, acerca da inexistência de dados sobre etnia, propondo diversas recomendações para os censos nacionais seguintes, como mudanças na metodologia da coleta de dados (com treinamento específico para os recenseadores que atuariam nas terras indígenas) e a possibilidade de elaboração de um “questionário especial” voltado exclusivamente para as populações indígenas. Outro ponto levantado pela autora foi a necessidade de se “repensar o critério operativo de identificar os povos indígenas, não como variável de quesito cor da pele, mas como totalidades sociais distintas” (Azevedo 2000,82).
35Essas perspectivas foram formalmente apresentadas ao IBGE em 1997, por ocasião de uma reunião de consulta sobre o Censo de 2000, do qual participaram especialistas e usuários das informações censitárias (Azevedo 1997b). Nesse evento, representando a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Azevedo detalhou um conjunto de propostas para a captação de dados sobre a população indígena (Azevedo 1997b). Entre elas, estavam: a passagem do quesito “cor ou raça” do questionário da amostra para o questionário básico; aprimorar a cobertura territorial dos domicílios indígenas nos censos nacionais; e a realização de treinamento especial para recenseadores selecionados para atuar em territórios indígenas.
36Na trajetória de estabelecimento e ampliação do campo dos estudos populacionais sobre os povos indígenas no país, no início dos anos 2000 foi criado o Grupo Temático (GT) de Demografia dos Povos Indígenas da ABEP (Azevedo et al. 2019; Pagliaro et al. 2005). Esse GT tem congregado profissionais interessados no campo da demografia dos povos indígenas ligados a universidades, institutos de pesquisa e organizações da sociedade civil, assim como a instituições como a FUNAI e o IBGE. Ao longo dos anos, reflexões e análises de participantes do GT foram divulgadas em diversos textos (ver Azevedo 2017; Pagliaro et al. 2005; Santos et al. 2019a,b; Wong & Sánchez 2014, entre outras), incluindo publicações do IBGE e/ou autoradas por profissionais da instituição que se dedicam à temática da população indígena nos censos demográficos (IBGE 2005, 2012, 12; Pereira 2009, 2017; Okamoto da Silva et al. 2018, 237). Observa-se que diversas propostas, várias das quais levantadas em discussões por ocasião dos levantamentos realizados pelas ONGs nos anos 1970 e 1980, assim como ligadas aos debates sobre o Censo de 1991 (com o as sistematizadas por Azevedo 1997b), viriam a ser materializar, parcialmente ou de forma mais ampla, em procedimentos censitários, como no Censo de 2010, quando aconteceu a inclusão de questões sobre etnia, língua e também a divulgação de resultados segundo as terras indígenas.
37Evidenciando a importância de questões transnacionais apontadas em diversas análises históricas e sociológicas recentes (Loveman 2014, Thompson 2016), vale destacar que, além dos debates e iniciativas que se deram no país, a trajetória da temática indígena nos censos nacionais no Brasil desde a década de 1990, como destacado por Pereira (2006, 2017) e Okamoto da Silva et al. (2018), se associam à implementação, por parte do IBGE, de um conjunto de recomendações internacionais. São oriundas, por exemplo, de agências como a CEPAL (Comissão Econômica para América Latina e Caribe), que é ligada à Organização das Nações Unidas/ United Nations (ONU/UN), assim como diretamente da própria ONU, que nas últimas décadas tem buscado dar maior visibilidade à temática dos povos indígenas e de outras minorias étnico-raciais. A isso se associam os intercâmbios do IBGE com agências governamentais de estatísticas de outros países, em particular da América Latina, bem como, para fins de planejamento dos censos, a realização de análises acerca das experiências de captação de dados sobre os povos indígenas em outras regiões do mundo (ver Okamoto da Silva et al. 2018, Pereira 2006).
38Em meados da década de 1990, John Monteiro, antropólogo com importante produção no campo da história dos povos indígenas, publicou um breve e contundente artigo intitulado “A dança dos números: a população indígena no Brasil desde 1500” (Monteiro 1994). Nele, contextualiza os resultados do Censo de 1991 à luz da história indígena no país, chamando atenção para a importância de abordagens analíticas que ultrapassem os “pressupostos falsos, preconceitos velados e vontades políticas” (1994,17) na disputa acerca dos “verdadeiros” contingentes indígenas. Como ele argumentou, “...a elucidação demográfica das sociedades indígenas no Brasil depende de investigação minuciosa dos processos históricos em que essas populações viram-se envolvidas” (1994,17).
39No presente texto refletimos sobre as modalidades de quantificação, assim como as manifestações decorrentes da inédita inclusão da categoria “indígena” no Censo de 1991. Esse recenseamento pode ser considerado, sem dúvida, um evento central na história das estatísticas públicas sobre a população indígena no Brasil, permitindo reflexões sobre um leque variado de questões relacionadas às práticas de “numerologia do Estado”. Argumentamos que a presença da categoria “indígena” nesse recenseamento deve ser entendida à luz do momento político que atravessava o país, quando havia sido promulgada uma Constituição na qual a condição de cidadania e os direitos indígenas foram expressos de uma forma que se mostrou transformadora, com impactos diretos para fins das políticas públicas. Ao mesmo tempo, buscamos ressaltar que os debates em torno do Censo de 1991 quanto à população indígena devem ser colocados no contexto de iniciativas da sociedade civil que, nos anos 1970 e 1980, uma das quais com o mote “Colocar os índios no mapa do Brasil” (Santos et al. 2022), almejaram dar visibilidade à presença desse segmento da população nas várias regiões do país, o que estava estreitamente associado às lutas pelo reconhecimento oficial dos territórios indígenas.
40Com base nas análises apresentadas, consideramos que os argumentos e as críticas levantadas pelo movimento indígena e apoiadores quanto às formas de captação se relacionaram estreitamente ao conceito de “legibilidade”, no sentido da proposição de Scott (1998). Também se alinham com as observações de Appadurai sobre as estatísticas populacionais, representações que, decorrentes das próprias formas como são realizadas, potencialmente “achatam e limitam” elementos constituintes das dinâmicas sociais (1993,334). Se o Censo de 1991 inovou ao enumerar a população indígena através de uma categoria específica, questões como a captação através da pergunta sobre “cor/raça” e/ou necessidade de considerar abordagens alternativas foram expressas por diversos autores (Azevedo 1997b, 2000, Silva 1994, Pereira et al 2005, 164, entre outros). Além disso, as formas de “legibilidade” implementadas no Censo de 1991 não contemplaram a captação de questões acerca de situação fundiária, etnia, língua, situação de interação com não indígenas, entre outras que haviam sido enfatizadas, e consideradas cruciais para implementação de políticas públicas, em estratégias de contabilização realizadas em décadas anteriores no âmbito de organizações da sociedade civil.
41Apontaríamos que a comensurabilidade pressuposta pelo Censo de 1991, e aqui relativizando nossa própria argumentação prévia nesse texto, resultou em uma “saída da mistura” parcial, para citar o conceito de Oliveira (1999a). Isso porque as especificidades indígenas tinham poucas possibilidades de se tornarem evidentes com base na metodologia do Censo de 1991. Excetuando a marcação “indígena” como resposta à questão sobre “cor ou raça”, não havia outros itens voltados para caracterizar as especificidades desse segmento da população. E, se os mesmos parâmetros podem ser empregados para medir as realidades indígenas e não-indígenas, isto é, se estas realidades possuem uma transitividade de propriedades, parte-se do princípio de que elas não são fundamentalmente diferentes (Espeland & Stevens 1998), o que remete a reflexões de alguns autores sobre a população indígena nos censos brasileiros (Campos & Estanislau 2016; Pissolato 2019; Silva 1994).
42De uma perspectiva diacrônica, o Censo de 1991 pode ser visto como ponto inicial em uma série que, no presente, já inclui dois outros (2000 e 2010), havendo um novo previsto para essa década de 2020. Ao longo desses mais de trinta anos, foram implementadas diversas mudanças na captação de dados sobre a população indígena nos censos, o que incluiu aspectos como pertencimento étnico específico, língua indígena falada nos domicílios, localização dos domicílios em terras indígenas ou não, entre muitas outras questões. Em larga medida, essas inovações nos censos que se seguiram ao de 1991, em particular o de 2010, se aproximam de muitos dos temas presentes nos debates dos anos 1990 que tratamos neste texto.
43No presente, permanecem importantes desafios na captação de dados censitários para um segmento com características socioculturais tão diferenciadas, como é o caso dos povos indígenas, o que é algo intrínseco no caso de pesquisas demográficas de grande porte, como os censos nacionais, concebidos para retratar, sobretudo, a população geral de um país. Nas últimas décadas, é inquestionável que houve, no tocante à produção de dados sobre a população indígena no Brasil, uma substancial ampliação de temas incluídos nos questionários censitários, além da implementação de procedimentos particulares de coleta, inclusive com novos quesitos e estratégias de captação planejados para o censo a ser realizado nesta década de 2020, que será o quarto com a categoria “indígena” desde o Censo de 1991.11 Como desdobramento particular, pode-se mencionar que a trajetória da temática indígena nos censos brasileiros tem servido como referência em discussões sobre a inclusão de outras minorias étnico-raciais na contagem censitária, como a população quilombola, a ser contabilizada, de forma pioneira, no próximo censo (Okamoto da Silva 2018, 254). Face ao histórico de recenseamentos com a categoria “indígena”, as informações censitárias, de forma crescente, têm ocupado centralidade no debate político e na operacionalização das políticas públicas, o que estava longe ser evidente no calor dos debates sobre o Censo de 1991.
44A pesquisa que resultou neste texto teve apoio financeiro do Wellcome Trust/UK (projeto 203486/Z/16/Z) e do CNPq (projeto 308798/2021-0). Agradecemos as considerações feitas pelos dois pareceristas anônimos, assim como pelas enviadas pelos editores convidados deste dossiê temático (Alexandre Camargo, Claudia Damasceno e Hervé Théry). Nossos agradecimentos também a Nilza Pereira, por seus comentários acerca de uma versão prévia deste texto. As análises aqui apresentadas são de nossa inteira responsabilidade.