Contribuições dos Planos de Mobilidade Urbana Sustentável na França e no Brasil para a inclusão social
- Cet article est une traduction de :
- Contributions des Plans de Mobilité Urbaine Soutenable en France et au Brésil pour les objectifs d’inclusion sociale []
Résumés
Cet article utilise un partage d'expériences en Europe, entre la France et le Brésil pour analyser comment les objectifs d’inclusion sociale sont pris en considération dans la planification de la mobilité urbaine durable. La méthodologie développe un panorama de la réalisation des Plans de Mobilité Urbaine Soutenable (PMUS) en Europe et présente le cas de la France qui est l'État membre qui a le plus d’expérience dans l'exécution des plans avec pour exemple la Métropole Européenne de Lille (MEL). L’expérience brésilienne est analysée en utilisant un échantillon de douze Plans de Mobilité Urbaine (PMU) approuvés par les municipalités. Ces analyses qualitatives illustrent comment l’équité sociale est considérée ou non dans cette planification de mobilité urbaine en las villes.
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1O planejamento de uma mobilidade urbana sustentável é de grande importância em nível local, regional, nacional e europeu. A pesquisa apresentada dá continuidade ao trabalho anterior dos autores que compararam os processos de planejamento da mobilidade urbana na França e em Portugal (Heddebaut et al., 2017). Este artigo utiliza uma troca de experiências na Europa, entre a França e o Brasil, para comparar o processo de planejamento da mobilidade e analisar como os objetivos de inclusão social são levados em consideração ou não.
2Os objetivos desta pesquisa são mostrar o crescente potencial do planejamento de Planos de Mobilidade Urbana Sustentável (PMUS) sob o impulso da Europa, cujas reflexões são baseadas em experiências de implementação de planos de deslocamentos urbanos, em particular na França, desde 1996; comparar como é feita a consideração do conjunto das necessidades das diferentes populações para lhes garantir uma mobilidade urbana adaptada.
3A política europeia de transportes é uma das políticas comuns há mais de 30 anos, aplicada desde 22 de maio de 1985 (HEDDEBAUT et al., 2017). No seu terceiro Livro Branco sobre o futuro dos transportes (abrangendo o período até 2050), um roteiro para um espaço europeu único de transportes rumo a um sistema competitivo e econômico em termos de recursos (CE, 2011), a Comissão Europeia (CE) definiu o objetivo ambicioso de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em pelo menos 60% (em comparação com os níveis de 1990) sem reduzir o crescimento dos transportes nem comprometer a mobilidade. Mencionou ainda a necessidade de incentivar as cidades a desenvolverem Planos de Mobilidade Urbana (PDU), recentemente designados na França Planos de Mobilidade Urbana Durável ou Sustentável - PMUS (PMUS são equivalentes à designação Sustainable Urban Mobility Plans (SUMPs) e, no Brasil, aos Planos de Mobilidade Urbana (PMUs)).
4Chamamos atenção para o fato de que, no Brasil, a palavra sustentável não está na lei que orientou os municípios a elaborarem planos de mobilidade urbana (RFB, 2012). A CE pede, na lista de iniciativas, que se examine a possibilidade de uma abordagem obrigatória de SUMP para cidades de uma determinada dimensão, de acordo com as normas nacionais baseadas nas diretrizes europeias. Em 2009, a CE dedicou o primeiro eixo do seu plano de ação sobre a mobilidade urbana para a aceleração da adoção de PMUS centrados na mobilidade para todos. Examinamos então se e como essa injunção é efetiva nos PMUS.
5Este artigo é baseado na pesquisa conjunta de autores, através da cooperação entre o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) em Portugal e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e, no âmbito da Conferência Europeia de Institutos de Pesquisa em Transporte (ECTRI), entre o LNEC e o Instituto Francês de Ciência e Tecnologia para Transporte, Desenvolvimento e Redes (IFSTTAR). Conforme pesquisas anteriores (Arsenio et al., 2016), o papel dos PMUs para responder a questões de equidade social (ou seja, da distribuição de acessibilidade) é menos claro e restam questões a serem analisadas sobre as potenciais tensões entre os aspectos sociais e ambientais.
6Portanto, neste artigo, analisamos igualmente um conjunto de experiências de PMUs no Brasil como ferramentas de inspiração para integrar os objetivos de equidade social aos planos. A inclusão social é entendida como um conceito multidimensional ao longo do processo de planejamento, comportando diversos aspectos. Será analisada, por um lado, como um melhor acesso físico aos transportes públicos, em particular, a acessibilidade a pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida e, por outro lado, a outros grupos vulneráveis como os idosos, pessoas de baixa renda ou, ainda, crianças. Além disso, o espaço público deve ser tratado de forma a eliminar as barreiras físicas a fim de facilitar também a mobilidade de todos os pedestres. A pesquisa visa contribuir para o aprimoramento das recomendações para a elaboração de planos de mobilidade urbana na perspectiva da equidade social.
7A segunda seção, após a introdução, descreve a metodologia desenvolvida. A terceira apresenta um panorama dos resultados do SUMP/PMUS na Europa. A quarta apresenta o planejamento da mobilidade urbana e inclusão social na Europa e no Brasil e os casos de grupos vulneráveis. A quinta seção retrata a evolução dos planos de mobilidade urbana da Metrópole Europeia de Lille (MEL), na França. A sexta analisa uma experiência brasileira de implementação de PMUs e a sétima, a inclusão social. Finalmente, a última seção destina-se à discussão desses resultados e à conclusão desta pesquisa.
Metodologia
8Primeiramente, realizamos um recenseamento da situação da implementação de SUMPs em países europeus. No caso dos PDUs na França, realizamos um exame dos textos normativos de planejamento da mobilidade urbana a fim de compreender a evolução dos objetivos gerais contidos nesses documentos. Em seguida, examinamos particularmente os conteúdos das duas gerações 2000-2010 e 2010-2020 dos PDUs da MEL, para analisar se e como os objetivos de inclusão social se afirmam ou não. O caso da Metrópole de Lille foi selecionado por ser uma das primeiras comunidades urbanas francesas a adotar, em junho de 2000, um PDU e a avaliá-lo.
9Depois, ela deu início a um longo processo de revisão antes da adoção de uma segunda geração de PDUs, em 2011, contendo novas obrigações legais, em particular aquelas referentes à consideração da mobilidade de pessoas com deficiência e de Pessoas com Mobilidade Reduzida (PMR). Efetuamos uma análise textual sobre uma série de palavras-chave (mobilidade reduzida, PMR, mulheres, pessoas com deficiência, crianças, segurança, qualidade, social, qualidade de serviço, espaços públicos etc.) a fim de revelar a evolução dessas preocupações nesses documentos de planejamento da mobilidade urbana. Após analisarmos o conteúdo geral do PMUS, estudamos as ações e as propostas específicas para atingir os objetivos de equidade social. Após mostrarmos a evolução do planejamento dos PDUs para os PMUS, na França, e a inclusão progressiva das necessidades relacionadas às Pessoas com Mobilidade Reduzida, analisamos a evolução do conteúdo dos PDUs da MEL e como essa questão é tratada.
10A mesma abordagem foi realizada no Brasil graças à análise qualitativa com o auxílio do software científico Atlas.ti, para examinarmos como a equidade social é levada em consideração (ou não) nos planos de mobilidade urbana de doze cidades brasileiras. Foram estabelecidos dois critérios de seleção de PMUs: (i) aqueles que estavam completos e (ii) aqueles que foram aprovados pela legislação municipal. Iniciamos a análise dos PMUs com a comparação de três conjuntos de descritores ligados aos conceitos de Planejamento Tradicional de Transporte (Predict and Provide Paradigm) e o novo paradigma de Planejamento de Mobilidade Sustentável, centrado na equidade social.
Panorama da incorporação da mobilidade urbana sustentável pela Europa
11O papel da União Europeia (UE) na área dos transportes diz respeito essencialmente aos modos de transporte intermunicipais e às redes transeuropeias e de longa distância. No entanto, os problemas suscitados pela concentração excessiva nas áreas urbanas tornaram-se uma preocupação para a Europa, em particular devido ao grande fluxo do tráfego rodoviário, cujo custo é estimado em 80 bilhões de euros por ano e, também, devido ao aumento dos gases do efeito estufa emitidos pelos transportes (CE, 2013). Como 73% da população da UE vive em áreas urbanas em 2011 (ONU, 2011), a questão de tornar a mobilidade mais sustentável ou durável entrou nos programas europeus.
12Em 2009, a CE dedicou o primeiro eixo do seu Plano de Ação de Mobilidade Urbana à aceleração da adoção de planos de mobilidade urbana sustentável focados na mobilidade para todos. A curto prazo, na continuação da estratégia temática para o ambiente urbano, a CE apoiará as autoridades locais na elaboração de PMUS que abrangem o transporte de mercadorias e passageiros em áreas urbanas e periurbanas. Ele fornecerá material indicativo, promoverá o intercâmbio de boas práticas, identificará as melhores práticas e apoiará atividades de formação para profissionais da mobilidade urbana (CE, 2009).
13Mais recentemente, a CE forneceu orientação técnica específica sobre como desenvolver e implementar PMUS/SUMP (CE, 2014). Os PMUS são apresentados como um novo modo de planejamento da mobilidade urbana que deve contemplar como objetivos principais a acessibilidade e a qualidade de vida, bem como a sustentabilidade, a viabilidade econômica, a equidade social, a saúde e a qualidade do meio ambiente. Têm uma abordagem centrada nas pessoas e nas suas necessidades de mobilidade (CE, 2017), diferente dos planos tradicionais de transportes, centrados no tráfego e na infraestrutura. Nós constatamos que as preocupações ligadas à inclusão e à equidade social estão contidas nessas diretrizes.
14No entanto, apesar do respeito ao princípio da subsidiariedade relativo às competências nacionais dos Estados-membros da UE em matéria de políticas de transporte urbano, a CE incentiva a implantação de PMUS. De fato, existem subsídios específicos para desenvolver um PMUS com financiamento da UE. A Tabela 1 resume a implementação de PMUS nos Estados-membros da UE.
Tabela 1 - Situação dos PMUS nos países da União Europeia
Cabeçalho (respectivamente): País; Existência; Orientação Nacional; Ano de aplicação; Obrigatoriedade.
15Se, na maioria dos países analisados, o desenvolvimento do PMU é voluntário, existem vários casos de planos obrigatórios completos ou parciais: na Bulgária, em Flandres na Bélgica, na França, na Espanha, na Holanda, na Polônia, em Portugal e na Romênia. Desde as diretrizes de 2013 da CE para o desenvolvimento e implementação de um PMUS (CE, 2013, 2014), muitos países começaram a desenvolver seus próprios Planos. Uma vez que o quadro de financiamento regional europeu (2014-2020) limita o apoio a medidas de mobilidade urbana às cidades que desenvolveram PMUS, mais cidades vão promovê-los.
O planejamento da mobilidade urbana e a inclusão social na Europa e no Brasil
16Os PMUS fazem parte da agenda política dos Estados-membros na Europa e devem contribuir para alcançar os objetivos europeus de combate ao aquecimento global e de menor consumo de energia (CE, 2011, 2014). O papel do PMUS para responder a questões de equidade social (ou seja, melhor acesso a diferentes serviços sociais, culturais e econômicos, incluindo transporte) é menos claro e permanecem questões relacionadas às tensões potenciais entre aspectos sociais e ambientais. Por exemplo, os investimentos que contribuem para a viabilidade econômica de uma cidade podem estar em conflito com o desejo de reduzir os impactos do setor de transporte na saúde (Arsenio et al., 2016).
17Existem várias definições de equidade social e de justiça (Martens, 2012). No entanto, podemos dizer que a equidade refere-se a como os benefícios e os custos do transporte são distribuídos e se essa distribuição é justa (Pereira et al., 2016; Litman, 2018). Políticas “progressivas” de transporte e mobilidade favorecem grupos desfavorecidos ou vulneráveis. Ao contrário, as políticas regressivas não levam em conta as necessidades de tais grupos nem a necessidade de reduzir as desigualdades.
18Conforme mencionado por Golub e Martens (2014) e Machado e Piccinini (2018), uma acessibilidade insuficiente pelos transportes públicos pode significar a limitação a oportunidades para o trabalho, escola, lazer e a interação social, tendo, assim, um impacto profundo nas comunidades e indivíduos. Portanto, esses grupos vulneráveis devem ser identificados no planejamento de um PMUS, pois estão presentes em cada categoria socioeconômica e podem incluir pessoas de baixa renda, pessoas com deficiência, mulheres com crianças, pessoas sem carro e sem acesso aos transportes públicos, etc.
19De acordo com as recomendações do grupo de especialistas da Plataforma Europeia sobre PMUS, as ações a favor da mobilidade devem levar em conta as necessidades de todos os cidadãos, em particular as das pessoas com mobilidade reduzida, de baixa renda, desempregados, idosos, grupos étnicos, crianças, mulheres, etc. (Wefering et al., 2014). Féré (2011) mostra em seu trabalho sobre a região metropolitana de Lyon a dificuldade de atender a essas pessoas, mesmo que medidas sejam tomadas a seu favor, porque a informação da existência dessas medidas é de difícil divulgação. A Autoridade Organizadora de Transporte Urbano (AOTU) francesa tende a reconhecer a nova questão social, passando de um direito ao transporte para todos a um direito à mobilidade direcionada, mudando assim os princípios de justiça social (Féré, 2011). A equidade social deve levar em conta as necessidades de toda a população por meio de um conjunto de políticas sociais, de transporte, econômicas e urbanas, a fim de evitar o surgimento da exclusão social (Castel, 1995).
20A política europeia serviu de base para a adoção das diretrizes na política de mobilidade urbana no Brasil, com a publicação no país da Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), em 2012 (RFB, 2012), e do guia dos PMUs em 2015 (EMBARQ, 2015). A lei indica os princípios que incluem os da equidade social. Por exemplo, os PMUs devem considerar ações que visem promover a equidade, a inclusão social, a acessibilidade universal, a redução das desigualdades e a distribuição equitativa dos benefícios e prejuízos do transporte. Neste artigo, também analisamos experiências de escrita de PMUs no Brasil como ferramentas de inspiração e apresentamos como a equidade social é ou não considerada em doze planos de mobilidade urbana.
21A França tem mais de trinta anos de experiência no desenvolvimento de PDU, uma ferramenta de planejamento que integra a política de transportes e a política urbana, posteriormente traduzida em um plano de mobilidade sustentável ou durável ou PMUS (Merle, 2012; 2013). A crescente conscientização dos impactos negativos do trânsito na saúde tem levado ao desenvolvimento de novas condições para uma mobilidade mais sustentável.
22Com efeito, a lei sobre a qualidade do ar de 1996 tornou obrigatória para a AOTU, entidade organizadora da mobilidade a partir de 2014, a realização de um PDU para todos os deslocamentos urbanos em cada aglomeração de mais de 100 mil habitantes a ser adotada até 30 de junho de 2000 (RF, 1996). A lei sobre a solidariedade e renovação Urbana, aprovada em dezembro de 2000 com a criação dos Esquemas de Coerência Territorial, visa a fortalecer a coerência das políticas urbanas, de transportes e territoriais (RF, 2000). Essa lei exige coerência e compatibilidade entre o planejamento do Plano Diretor e os documentos de transporte do PDU. Ela modifica e complementa os objetivos do PDU, introduzindo a necessidade de levar em consideração a organização de transportes públicos, mas, também, o papel do automóvel na área urbana e, em particular, a organização das vagas de estacionamento, bem como a criação de parques de estacionamento junto aos principais eixos de transportes públicos.
23Em 2014, 66 cidades francesas haviam aprovado um PDU obrigatório (um total de 90 casos eram obrigatórios) e outras 30 cidades os desenvolveram de forma voluntária (Ministério da Ecologia et al., 2014). Na maioria deles, as ideias e ações desenvolvidas são sugeridas por essas legislações e contêm diferentes medidas para melhorar o transporte público urbano, limitar o uso do automóvel, promover meios de transporte alternativos ou ativos, como a caminhada ou a bicicleta, e melhorar o espaço público. A maioria desses PDUs expressa o desejo de reduzir a participação modal do carro ou de estabilizar o uso desse modo de transporte ao nível de 2000 até 2010 ou 2015 (CERTU, 2001; 2009). Portanto, a primeira fase dos PDUs foi desencadeada por preocupações ambientais e visava a promover meios de transportes mais sustentáveis em áreas urbanas, abrangendo o transporte público, caminhada e bicicleta.
A evolução dos planos de mobilidade urbana da Metrópole Europeia de Lille
24A Metrópole de Lille está localizada na região Nord-Pas-de-Calais, na França (Figura 1). É a parte norte da nova região Hauts de France, criada em 2016. É a principal região metropolitana regional e conta com 1,14 milhão de habitantes em 2016. O perímetro de transporte urbano (PTU) inclui 90 cidades em 2017, das quais cerca de dois terços (53%) têm menos de 5 mil habitantes (Figura 1). A questão dos deslocamentos e da mobilidade é importante porque seus habitantes fazem 4,2 milhões de viagens por dia de trabalho, principalmente de carro.
25A Comunidade de Lille, que era então a AOTU, desenvolve seu primeiro PDU em 1999 e o adota em junho de 2000 (LMCU, 2000). Frères et al. (2000) observam que ele contém objetivos que hoje se tornaram consensuais (Tabela 2, coluna da esquerda). Os principais objetivos referem-se à redução dos efeitos negativos advindos dos transportes, à melhora dos espaços públicos e ao controle das práticas de deslocamentos. De fato, a quota modal do automóvel é de 59% em 2000, a do transporte público, de 8% e a da bicicleta, de 1%. A organização de um sistema de transporte público de qualidade com o objetivo de preservar a saúde e a segurança das pessoas exige que a cidade e suas redes evoluam em sinergia.
- * * No Brasil, chamadas de BRT (Nota de trad.)
26A Comunidade de Lille realiza uma avaliação in itinere do PDU em 2003, dois anos antes da obrigação legal de avaliação ao final de cinco anos, a fim de entender como e se os objetivos contidos no PDU ocorreram na prática. Em 2004, podemos observar um aumento de 13% no uso da rede de transporte público em relação a 2000. Estações intermodais e vagas de estacionamentos foram construídas nas extremidades das redes estruturantes. Por outro lado, o principal projeto, o da construção de 60 km de Sistema Ônibus de Trânsito Rápido (BHNS, na sigla em francês*), ainda não foi implementado. No entanto, no final de 2010, muitas metas foram alcançadas, como zonas de 30 km/h, as três primeiras linhas de BHNS e a multiplicação de ciclovias, objetivos quantificados conforme descrito na Tabela 2 (coluna da esquerda).
27Um processo de revisão do PDU tem início em 2006 e os transportes tornam-se uma prioridade ao lado da habitação e do desenvolvimento econômico, integrando as recomendações europeias contidas em seu livro verde sobre a mobilidade urbana (CE, 2007a; 2007b). O segundo PDU 2010-2020 da MEL, adotado em 2011, é composto por quatro documentos principais: situação atual; objetivos e ações; avaliação ambiental e anexo de acessibilidade. Uma mudança de rumo acontece para melhor integrar as políticas de transporte e urbanismo para obter uma “cidade intensa” (LMCU, 2011a; 2011b) por meio da implementação dos discos de valoração das estações dos eixos de transporte em torno dos quais, num raio de 500 metros, um desenvolvimento urbano é planejado com a construção ou renovação de moradias, escritórios e comércio, bem como espaços de lazer.
Tabela 2 - Comparação dos objetivos das duas gerações de PDUs da MEL 2000-2010 e 2010-2020
Tabela 2:
PDU da MEL 2000-2010
3 objetivos principais para o ano 2015
1-Reduzir a poluição ligada ao transporte
2- Melhorar a qualidade de vida e a qualidade dos espaços públicos
3- Controlar a evolução das práticas de mobilidade
6 prioridades mais consensuais
1- Compartilhamento da rua favorável aos modos de deslocamentos alternativos ao carro: transportes públicos, bicicleta, caminhada.
2- Sistema de transporte público de qualidade
3- Ações específicas destinadas à proteção e saúde das pessoas
4- Metrópole e suas redes de transporte que evoluem em sinergia
5- Ação pública global e coerente a longo prazo
6- Mobilização dos atores
Objetivos quantitativos de mobilidade previstos para 2015
56% da parte modal para o carro
2% da parte modal para a bicicleta
31% da parte modal para a caminhada
10% da parte modal de transportes urbanos de viajantes
PDU da MEL 2010-2020
5 objetivos principais
1- Buscar o desenvolvimento da mobilidade para todos
2- Manter e desenvolver a acessibilidade a todos as centralidades
3- Buscar o equilíbrio 50/50 entre o carro individual e os outros meios
4- Desenvolver uma abordagem global da gestão da mobilidade
5- Envolver todas as partes interessadas
6 eixos de desenvolvimento
Eixo 1 Cidade intensa e mobilidade
Eixo 2 Redes de transporte público
Eixo 3 Compartilhar a rua e os modos alternativos
Eixo 4 Transporte de mercadorias
Eixo 5 Meio ambiente, saúde e segurança/ segurança das pessoas.
Eixo 6 Aplicação, acompanhamento e avaliação
170 ações a serem realizadas
Objetivos quantitativos de mobilidade até 2020
35% da parte modal para o carro
10% da parte modal para a bicicleta
35% da parte modal para a caminhada
20% da parte modal do transporte urbano de passageiros
28Comparando os dois PDUs (Tabela 2), constatamos que o primeiro objetivo no novo documento é o da mobilidade para todos, um novo paradigma oposto ao primeiro objetivo do primeiro PDU, que consistia em reduzir a poluição causada pelo transporte. Já não se trata de restringir os deslocamentos, mas de adaptar a cidade para uma melhor inclusão social e qualidade de vida com a partilha do espaço público para todos. Há uma visão mais global, uma complementaridade e coerência entre os documentos de planejamento, incluindo os esquemas de coerência territorial e plano de planejamento urbano local. A necessidade de avaliar as realizações do PDU de modo contínuo é afirmada. As recomendações do guia europeu 2013 (CE, 2013) encontram-se nas prioridades desta nova geração de PDUs franceses. A política dos transportes é, a partir da revisão da primeira PDU, mais orientada para atender às necessidades das pessoas do que à resolução dos problemas de fluxo rodoviário, como no primeiro PDU.
29Além disso, este segundo PDU 2010-2020, inclui um anexo inteiramente dedicado à acessibilidade (LMCU, 2011d), conforme exigido pela lei de fevereiro de 2005 sobre a igualdade de direitos e oportunidades, participação e cidadania das pessoas com deficiência. Constatamos que a noção de acessibilidade se afirma como a conscientização da necessidade de uma solidariedade nas ações dos poderes públicos para que todos, seja qual for sua idade, facilidade de locomoção ou percepção, possam ter acesso a empregos, serviços, comércios, lazer e atividades da cidade. É criada uma comissão intermunicipal de acessibilidade para pessoas com deficiência.
30A preocupação da inclusão social no segundo PDU da MEL é explicitada. Na acepção do Parlamento Europeu, as PMR são todas as pessoas que têm dificuldade em utilizar os transportes públicos, por exemplo, pessoas com deficiência sensorial e/ou intelectual, pessoas em cadeiras de rodas, pessoas com deficiência física, pessoas de baixa estatura, idosos, mulheres grávidas, pessoas com bagagens pesadas e pessoas com crianças (incluindo crianças em carrinhos de bebê) (CE, 2009). Esses indivíduos representam 30 a 40% da população francesa (LMCU, 2011c).
31Se examinarmos a ocorrência dos termos utilizados no primeiro PDU, de 2000, e no segundo PDU, de 2010, vemos uma evolução (Tabela 3). Se a inclusão social não é nem mencionada, a segurança dos espaços públicos e de pedestres e ciclistas é explicitamente descrita. Garantir a segurança de pessoas vulneráveis, como pedestres e ciclistas, torna-se um objetivo assim como a necessidade de fornecer acessibilidade ao espaço público para pessoas com deficiência e para pessoas com mobilidade reduzida, no sentido mais amplo, conforme descrito no anexo de acessibilidade do PDU de 2010. No entanto, nele não há menção a tarifas especiais para pessoas em dificuldades econômicas e/ou sociais.
Tabela 3 - Tabela comparativa da ocorrência de termos utilizados nos PDUs da MEL 2000-2010 e 2010-2020
Cabeçalho: PDU 2000-2010 (anexos, mapas dos ônibus); PDU 2010-2020 (objetivos e ações); PDU 2010-2020 (anexo acessibilidade)
Coluna 1:
Grupos Vulneráveis (total): PMR; Deficientes; Mulheres; Crianças;
Mobilidade (total) dos quais: Em geral, Mobilidade Reduzida, Habitantes, Deslocamentos, Direito para todos, Eco-mobilidade, Sustentabilidade, Alternativa/ facilidade.
Qualidade (total) dos quais: De serviço TC, De espaços públicos, Caminho de pedestres, Do ar, Urbana, De vida, Sonora.
Social (total), dos quais: Custo social do transporte, Práticas sociais, Coesão social, Dificuldades sociais, Funcionamento social, Acesso social aos novos carros, Diversidade social, Socialmente desfavorecidos, Política social, Acessibilidade de preço.
Estudos de PMUS no Brasil
32O planejamento do setor de transportes no Brasil passa a ser obrigatório em 2001, com o Estatuto da Cidade (Lei n ° 10.257 / 2001) para municípios com mais de quinhentos mil habitantes (RFB, 2001). Em 2003, é criado o Ministério das Cidades (MCID) e a Secretaria Nacional de Mobilidade e Serviços Urbanos, hoje unidas na nova Secretaria Nacional de Mobilidade e Desenvolvimento Regional e Urbano. Quatro anos depois, o MCID publica o “Guia PlanMob - Construindo a Cidade Sustentável”, um guia para auxiliar os municípios na elaboração do plano de transporte com uma abordagem centrada nas pessoas, na sustentabilidade ambiental, na equidade no transporte, na equidade na apropriação dos espaços públicos e na gestão democrática (RFB, 2007).
33Este guia é editado pelo MCID em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Em 2007, o Brasil já participava do projeto de cooperação "Apoio aos diálogos setoriais entre a União Europeia e o Brasil", que visa "conhecer as práticas de construção e consolidação de pactos sociais que possibilitaram o desenvolvimento de planos de mobilidade urbana sustentável para cidades europeias'' (RFB, 2013, p.12). Em 2012, foi promulgada a Lei 12.587, estabelecendo as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU). Esta lei foi aprovada com nova formulação, modificações e emendas ao projeto de Lei 1.687 de 2007, que substituiu o projeto de Lei que estabelecia as Diretrizes Nacionais do Transporte Coletivo Urbano (PL 694/1995). A PNMU baseia-se, entre outros aspectos, nos princípios da acessibilidade universal, incentivando o uso dos meios não motorizados e coletivos, um acesso equitativo aos transportes públicos, uma distribuição equitativa dos benefícios, uma redução das desigualdades assim como uma melhor inclusão social (RFB, 2012).
34No entanto, a PNMU não apresenta em seu texto definições de equidade, de justiça social, ou mesmo uma definição de grupos sociais a serem incluídos, deixando a questão em aberto para o entendimento de cada equipe que irá desenvolver o Plano de Mobilidade Urbana (PMU). A Lei prevê que municípios com mais de 20 mil habitantes elaborem um PMU integrado ao Plano Diretor para receber, dessa forma, recursos federais para os projetos de mobilidade (RFB, 2012). Existem 5.570 cidades no Brasil e, desse total, 3.342 devem preparar o PMU. A aprovação do plano na legislação municipal não é obrigatória, mas recomendada, de forma a garantir legitimidade e continuidade em caso de mudanças de governo.
- * * Em 2019, o Ministério das Cidades e o Ministério da Integração Nacional foram fundidos e transfor (...)
35O Ministério das Cidades* auxilia os municípios, promovendo Seminários Regionais de Sensibilização para a PNMU e Oficinas para a elaboração de Planos de Mobilidade Urbana. Oferece também um conjunto de guias como o Caderno de referência para elaboração de Plano de Mobilidade (RFB, 2015), o Programa de Apoio à Elaboração de PMUs para Municípios com menos de 100 mil habitantes (RFB, 2017), a PNMU (RFB, 2013), além do Guia PlanMob - Construindo a Cidade Sustentável (RFB, 2007). Cada PMU deve estabelecer um plano de ação que materialize os objetivos e metas elencados para a resolução dos problemas e necessidades da população, identificados pelo diagnóstico e pela participação dos atores sociais, bem como os prazos, e a precisão das fontes de financiamento (Figueiredo & Figueiredo, 1986; Wefering et al., 2014).
36Porém, em municípios com capacidade técnica e financeira limitada, não há técnicos capacitados para atender a essa demanda. A realidade dos pequenos municípios repercute no débil respeito à lei da mobilidade. Segundo levantamento realizado em abril de 2015, após o primeiro prazo, pouco mais de 5% dos municípios declararam ter desenvolvido seu PMU (RFB, 2016). Dessas cidades, 69% eram capitais (NTU, 2015). O Ministério das Cidades constatou que apenas 189 dos 3.342 municípios desenvolveram um PMU. Destes, 142 (83%) estão localizados nas regiões Sul e Sudeste e 133 (78%) têm até 250 mil habitantes (Figura 2).
Figura 2: Cidades com um PMU aprovado, com um plano em
Azul claro: A cidade está elaborando um PMU;
Vermelho: A cidade não possui plano e não o desenvolve.
Eixo inferior horizontal: Até 20 mil; De 20 mil a 60 mil; De 60 mil a 100 mil; De 100 mil a 250 mil; De 500 mil a 1 milhão; > 1 milhão.
37A fraca implantação de elaboração do PMU, apesar de legalmente obrigatória desde 2012 (lei 12.587 / 2012), leva à publicação de uma nova lei, nº 13.406 / 2016, que estende o prazo de elaboração do PMU de três para seis anos, passando do ano de 2015 para o de 2018. Em janeiro de 2018, a data limite para elaboração do PMU é prorrogada em um ano (2019) por meio da Medida Provisória n ° 818 de 11 de janeiro de 2018. Na Figura 2, podemos ver o efeito após 15 anos da primeira Lei, 10257/2001 (que tornam obrigatório o PMU para cidades com mais de 500 mil habitantes), porque os PMUs desenvolvidos concentram-se em cidades com muita população. No entanto, notamos a vontade de algumas cidades pequenas, com menos de 20 mil habitantes, que iniciaram seu processo de realização do PMU ou adotaram um PMU (7%).
38A Tabela 4 apresenta uma amostra de 49 municípios que desenvolveram seus PMUs até julho de 2018. Em 28 cidades (57%), os planos foram desenvolvidos por engenheiros ou consultores de planejamento urbano e, nas demais (43%), pelas próprias administrações municipais. Em 2018, o MCID revelou que apenas 195 cidades ou 9% dos municípios que deveriam redigir o PMU o fizeram de fato (RFB, 2016).
Tabela 4 - Lista das cidades brasileiras que elaboram o PMU
Cabeçalho: Cidade, população, Lei, Execução, Fonte.
Coluna “Execução”: Lê-se “Município”, para Municipalité e “Consultoria”, para Consulting.
39A Tabela 4 descreve a situação das cidades que elaboraram um PMU, com o nome da Região, a população da cidade, a lei municipal que promulga o PMU e a estrutura responsável pela sua execução. As linhas destacadas referem-se às doze cidades com um PMU completo e cujas avaliações serão aprofundadas ao longo da próxima seção.
A equidade social em uma amostra de 12 PMUs brasileiros
40De acordo com a Tabela 4, apenas planos completos de mobilidade urbana com relatórios de diagnóstico, análise de roteiro/prognóstico e um plano de ação completos e aprovados pela legislação municipal foram selecionados para nossa análise. Obtivemos uma amostra de doze planos nas cidades representadas na Figura 3.
Figura 3: Localização das cidades estudadas que promulgaram um PMU no território brasileiro
Fonte: Machado e Piccinini (2018) de Atlas.ti
41Graças a um modelo de codificação do texto, foi possível extrair informações de frequência, ocorrência e outras relações, sobre os aspectos a serem analisados (Friese, 2017). Consideramos as palavras que caracterizam a transição dos paradigmas de planejamento na orientação europeia do planejamento tradicional (com foco no tráfego rodoviário) para o planejamento da mobilidade sustentável (com foco nas necessidades de mobilidade e acessibilidade da população) (Machado & Piccinini, 2018). Em seguida, examinamos o planejamento da mobilidade sustentável com ênfase nos aspectos de equidade social (Tabela 5).
Tabela 5 - Lista das palavras que descrevem o planejamento tradicional e o planejamento da mobilidade sustentável (com foco na equidade social)
1ª Coluna: Abordagem do planejamento tradicional (orientado para o carro e a construção das infraestruturas rodoviárias).
Atrasos (tempo, tráfego motorizado)
Carro
Capacidade rodoviária
Desempenho da rede de infraestrutura (ou de tráfego)
Aumento e alargamento de estradas
Fluxo de circulação/ tráfego
Hierarquia rodoviária
Infraestruturas rodoviárias
Intersecções rodoviárias
Modelo de previsão (do tráfego)
Modelo de transporte em quatro etapas
Nível de saturação
Nível de serviço
Fornecimento (de transporte rodoviário)
Calçadas
Planejamento setorial
Planejamento do transporte rodoviário
Transporte coletivo (por exemplo, estrada)
Transporte individual
Transporte motorizado
Velocidade média de circulação
Volumes da circulação rodoviária
2ª Coluna: Abordagem do planejamento da mobilidade sustentável (centrada na equidade social)
Acessibilidade (a escolas, equipamentos, etc)
Acesso ao transporte em comum/ transporte público (TP)
Cobertura geográfica do TP
Baixa renda (pessoas de)
Benefícios sociais
Coesão social
Custos de transporte (familiares)
Crianças (como grupo vulnerável)
Desempregados
Distribuição equitativa
Igualdade Social
Gênero (desigualdades)
Grupos vulneráveis (pessoas com deficiência, mulheres, baixa renda, crianças, desempregados, grupos étnicos, idosos)
Justiça social
Mulheres (como grupo vulnerável)
Pessoas de diferentes raças/etnias
Pobreza (redução de)
Preço acessível do transporte (pago)
Tarifas sociais (política tarifária)
42A Tabela 5 demonstra que as necessidades das mulheres foram consideradas em apenas quatro dos planos analisados. Os grupos étnicos foram considerados em um único PMU, mas o Brasil conta com mais de 300 grupos étnicos. Dois planos consideraram indivíduos desempregados como um grupo vulnerável. Pessoas com deficiência e idosos (maiores de 65 anos) são os mais mencionados nos doze planos. A metodologia utilizada foi a análise qualitativa por meio do software científico Atlas.ti, que permite analisar qualitativamente documentos, imagens, gráficos e vídeos. As palavras da Tabela 5 foram utilizadas para a análise da equidade de 12 PMUs nas cidades representadas na Figura 3.
Tabela 6 - Frequência de palavras (%) relativas aos grupos vulneráveis encontradas nos 12 PMUs
Cabeçalho (respectivamente): Cidades, baixa renda, crianças, pessoas com deficiência, desempregados, mulheres, grupos étnicos, idosos.
43Uma análise detalhada do conjunto dos planos mostra que eles não compartilham uma definição consistente de equidade social. Quando mencionada, a equidade está vinculada a:
-
Distribuição equitativa e eficaz do espaço urbano disponível (PMU da Aracruz);
-
Expansão do uso equitativo da cidade por todos seus habitantes, em especial pelos mais necessitados (PMU da Armação de Búzios);
-
Apropriação equitativa do espaço e do tempo na circulação urbana (PMU de Balneário Camboriú);
-
Garantir bairros saudáveis, mais equitativos, sustentáveis e produtivos (PMU de Belo Horizonte);
-
Promover o uso equitativo e equilibrado do espaço (PMU de Cachoeiro do Itapemirim);
-
Equidade no uso do espaço público de circulação, das estradas e das ruas (PMU de Joinville);
-
Promover a equidade no acesso dos cidadãos aos transportes coletivos (PMU de Sapiranga);
-
Desenvolvimento urbano justo, sustentável, inclusivo e equitativo da região (PMU de São José dos Campos);
-
Uso equitativo do solo urbano (PMU de Sorocaba);
-
Equidade no acesso e uso do espaço (PMU de São Paulo);
-
Contribuir para a redução das desigualdades (PMU de Vilhena).
44A análise revela que a equidade social está mais fortemente associada ao compartilhamento do espaço urbano pelos diferentes usuários do que à promoção da equidade social para a redução das desigualdades de renda, mobilidade e acessibilidade, considerando os grupos vulneráveis no Brasil. Como uma definição geral, equidade horizontal (também chamada de “igualitarismo”) diz respeito à distribuição dos impactos entre indivíduos e grupos considerados iguais em capacidades e necessidades. Por outro lado, a equidade vertical, no quesito de renda, é a distribuição dos impactos entre indivíduos e grupos com diferentes rendas; a equidade vertical, em termos de necessidades e capacidades de mobilidade, diz respeito à distribuição dos impactos entre indivíduos e grupos com diferentes capacidades e necessidades de mobilidade (Litman, 2018).
45Como exemplos de ações propostas para representar a equidade nos planos, eles se referem a adaptações de infraestrutura (exemplos extraídos do PMU de Aracruz e de Cachoeiro do Itapemirim):
46Realizar auditorias para identificar a necessidade de ajustar a infraestrutura de circulação para as pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida;
47Fazer adaptações identificadas e priorizadas na infraestrutura para pedestres e pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida;
48Garantir opções de transporte para pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida através de um serviço de transporte regular e/ou uma infraestrutura de adaptação da frota de transporte público.
49O plano de ação do PMU Camboriú inclui um sistema de bilhetagem eletrônica com integração tarifária e horária e inclui um carteira de estudante especial com descontos e cartão com passagem gratuita para idosos e portadores de necessidades especiais, entre outros. Existe também a preocupação de garantir a acessibilidade em todas as paradas de transportes públicos, terminais e equipamentos do sistema de transporte coletivo. Aqui, a noção de equidade social tende a ser associada a uma distribuição equitativa da acessibilidade nos transportes públicos.
Conclusões
50As conclusões desta pesquisa, cujo objetivo é identificar as propostas do PMUS - na Europa, com foco na França e, no Brasil, concentrando-se no estudo de 12 planos de mobilidade de várias cidades do país -, buscam compreender de que forma esses planos têm evoluído ao longo do tempo e, também, nas suas propostas de igualdade social, contribuindo, dessa forma, para o aprimoramento dessas legislações.
51A análise das normas publicadas pela Comissão Europeia (CE, 2014), pelo Centro de Estudos e Perícias em Riscos, Meio Ambiente, Mobilidade e Planejamento (Cerema), na França, e pelas normas brasileiras (RFB, 2007, 2015; EMBARQ, 2015), nos dá indícios sobre a valorização da inclusão social como afirmação no planejamento da mobilidade vinculada ao planejamento urbano. Porém, no que diz respeito aos objetivos e princípios de equidade social, não há uma definição comum a ser aplicada a cada cidade, assim como nos casos de PMUs analisados em um mesmo país, como o Brasil.
52A evolução dos PDUs para PMUs, na França, mostra que a primeira fase (2005) foi focada principalmente na questão ambiental, na promoção de meios de transporte sustentáveis, na redução do congestionamento e na melhora da qualidade do ar. O conceito de acessibilidade na França neste período foi entendido como uma intervenção de infraestrutura nas estradas, de equipamentos de infraestrutura e de transporte.
53A acessibilidade de pessoas com mobilidade reduzida acarretou a evolução do contexto legislativo como resposta às recomendações europeias. No entanto, a equidade social não fazia parte dos objetivos quantificáveis dos planos, como mostra a comparação entre os objetivos de duas gerações de PDUs metropolitanos de Lille (2000-210 e 2010-2020. Tabela 2), o que foi identificado pelo estudo da evolução da terminologia ligada ao planejamento da mobilidade urbana nesses dois documentos (Tabela 3).
54A extensa revisão documental realizada permite compreender que a acessibilidade deveria ser estendida a todos os grupos vulneráveis, como pessoas em situação de precariedade social, grupos de baixa renda e pessoas vulneráveis, como crianças e mulheres, o que deve ser traduzido em medidas que facilitem o acesso ao transporte público. Essa observação pode ser aplicada à terminologia identificada no PNMU brasileiro estudado (Tabelas 5 e 6).
55Compreende-se bem que a avaliação e a integração de equidade social no planejamento de PNMUs devem ser desenvolvidas e adaptadas, fazendo-se uso de um conjunto de laboratórios vivos (as cidades que possuem PNMUs), o que permitiria a produção de recomendações claras, incluindo os conceitos, métodos e ferramentas específicas para o desenvolvimento da equidade, em suas diversas formas e dimensões.
56Nesse sentido, a produção de regras padronizadas para a análise do patrimônio de PNMUs já existente, bem como o estudo de resultados, poderiam contribuir significativamente para a prática de processos e procedimentos mais justos no âmbito da mobilidade, com repercussões positivas na vida social.
57Verificamos que houve avanços devido à evolução do contexto jurídico nos dois países estudados, em relação à conceituação de acessibilidade presente nos PNMUs, de modo que é possível perceber que essa evolução é mais consistente em termos de propostas e objetivos legislativos do que o que realmente é oferecido a pessoas em dificuldades econômicas e sociais.
58Ainda, é possível concluir a partir da análise da legislação implementada até o momento pelos PNMUs das localidades estudadas que, nas esferas mais amplas e superiores dos governos supranacionais (como a CE) e nacionais (PNMU, no Brasil) que analisam e propõem soluções em mobilidade, há o reconhecimento da importância da incorporação de mecanismos que possam promover a equidade socioambiental.
59Percebe-se, entretanto, que, no nível municipal, mesmo que haja recursos disponíveis, as propostas mais efetivas não são materializadas nos planos locais. Entendemos, portanto, que o pensamento mais maduro e consistente sobre questões de sustentabilidade e justiça social não chega a atingir esses nichos locais. As razões para isso podem se dar por diversos fatores, como desconhecimento do tema, falta de técnicos especializados, vontade política, disputas de financiamento, entre outros. As respostas a essas perguntas dizem respeito aos próximos passos desta pesquisa.
60Arsenio, E., Martens, K., Di Ciommo, F. Sustainable Urban Mobility Plans: bridging climate change and equity targets? Research in Transportation Economics, 55, pp. 30-39, 2016.
61Castel, R. Les pièges de l’exclusion. Lien social et Politiques, (34), 13–21, 1995.
62Cerema. Centre d'études et d'expertise sur les risques, l'environnement, la mobilité et l'aménagement Le schéma directeur d’accessibilité - agenda d’accessibilité programmée: Guide méthodologique d’élaboration, Lyon: Cerema, 67p., 2015.
63____. Le panorama de 55 dossiers DS’AP, synthèse, 16p., 2017.
64CE. Commission Européénne. Towards a new culture for urban mobility, Green Paper COM(2007) 551 final, 25th September, 2007a.
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71CERTU. Observatoire des plans de déplacements urbains, de la méthode aux indicateurs, Octobre, 241 p., 2001.
72____ . PDU. Guide Méthodologique, CERTU Lyon, 2009.
73EMBARQ Brazil. Sete Passos. Como construir um Plano de Mobilidade Urbana, Brazil, 133p., 2015.
74Féré, C. Concilier accès à la mobilité pour tous et mobilité durable. La prise en compte des inégalités d’accès à la mobilité dans les politiques urbaines de l’agglomération lyonnaise. Géographie. Université Lumière - Lyon II, 2011.
75Friese, S. (2017). Atlas.ti 8. Windows manual. ATLAS.ti Scientific Software Development GmbH. Updated for program version: 8.0.38. Berlin: Atlas.ti, 2017.
76Frère S., Menerault P., Roussel I. PDU et dynamique des institutions à Lille et à Valenciennes, Recherche Transport Sécurité, N° 69 octobre décembre, pp 22-34, 2000.
77Golub, A.; Martens, K. Using principles of justice to assess the modal equity of regional transportation plans, Journal of Transport Geography 41, 10-20, 2014.
78Heddebaut, O., Arsenio, E., Coelho, J. Sharing experiences on Sustainable Urban Mobility Plans: the case of Lille Metropolitan area and the Algarve poly-centric region, 45th European Transport Conference, of the Association for European Transport, Barcelona, 37 p., 2017.
79Köllinger, C. State of the art on Sustainable Urban Mobility Plans, CityMobilNet, 32 p., 2016.
80Litman, T. Evaluating Transport Equity: Guidance for Incorportating Distribution Impacts in Transportation Planning, Victoria Transport Policy Institute, 2018.
81LMCU. Lille Métropole Communauté Urbaine. Le Plan de déplacements urbains 2000-2010, 71p., 2000.
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85____. Lille Métropole Communauté Urbaine. Plan de déplacements urbains 2010-2020: L’annexe accessibilité, 80p., 2011d.
86Machado, L.; Piccinini, L.S.P. Os desafios para a efetividade da implementação dos planos de mobilidade urbana: uma revisão sistemática. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana. v. 10, n. 1, 72-94, 2018.
87Martens, K. Justice in transport as justice in accessibility: applying Walzer’s ‘Spheres of Justice’ to the transport sector. Transportation 39(6),1035–1053, 2012.
88Merle, N. 30 years of sustainable mobility plans (PDU) in France, Mobility and transport, Focus on collection, CERTU, 2012.
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90Ministère de l'écologie - Cerema - Gart – UTP, Enquête annuelle sur les transports collectifs urbains, 2014.
91Nations Unies. World Urbanization Prospects. The 2011 Revision Department of Economic and Social Affairs Population Division ST/ESA/SER.A/322, New York, 318p., 2011.
92PDU. Code des Transports Français (articles L1214-1 et suivants), 2010.
93Pereira, R.H.M., Schwanen, T., Banister, D. Distributive justice and equity in transportation, Transport Reviews, 2016.
94RF. République Française. Loi N ° 1996-1236 LAURE du 30 décembre 1996 sur l'air et l'utilisation rationnelle de l'énergie (NOR: ENVX9500163L), 1996.
95____. République Française. Loi n ° 2000-1208 du 13 décembre 2000 sur la solidarité et la rénovation urbaine (NOR: EQUX9900145L), 2000.
96RFB. República Federal do Brasil, Loi n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Dispõe sobre as diretrizes gerais da política urbana, 2001.
97____. República Federal do Brasil. Lei n. 12.587/Loi n. 12.587, de 3 de janeiro de 2012. Dispõe sobre as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, 2012.
98____. República Federal do Brasil, Ministério das Cidades. PlanMob. Construindo a cidade sustentável. Caderno de referência para elaboração de plano de mobilidade urbana. SMOB-PNUD. Projeto BRA/00/019. Habitar. BID, 180p., 2007.
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100____. República Federal do Brasil, Ministério das Cidades. PlanMob. Caderno de referência para elaboração de plano de mobilidade urbana. Secretaria Nacional de Transporte e de Mobilidade Urbana, 237p., 2015.
101____. República Federativa do Brasil. Ministério das Cidades. Levantamento sobre a situação dos Planos de Mobilidade Urbana nos municípios brasileiros, 2016.
102____. República Federal do Brasil. Ministério das Cidades. Programa de apoio à elaboração de Planos de Mobilidade Urbana para municípios com até 100 mil habitantes. Brasília: MC, 2017.
103Wefering, F., Rupprecht, S., Buhrmann, S., Bohler-Baedeker, S. Guidelines. Developing and Implementing a Sustainable Urban Mobility Plan. Brussels: European Commission, 151p., 2014.
Notes
* * No Brasil, chamadas de BRT (Nota de trad.)
* * Em 2019, o Ministério das Cidades e o Ministério da Integração Nacional foram fundidos e transformados no Ministério do Desenvolvimento Regional (Nota de trad.)
Haut de pageTable des illustrations
Titre | Tabela 1 - Situação dos PMUS nos países da União Europeia |
---|---|
Légende | Cabeçalho (respectivamente): País; Existência; Orientação Nacional; Ano de aplicação; Obrigatoriedade. |
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Titre | Tabela 2 - Comparação dos objetivos das duas gerações de PDUs da MEL 2000-2010 e 2010-2020 |
Légende | Tabela 2: |
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Titre | Tabela 3 - Tabela comparativa da ocorrência de termos utilizados nos PDUs da MEL 2000-2010 e 2010-2020 |
Légende | Cabeçalho: PDU 2000-2010 (anexos, mapas dos ônibus); PDU 2010-2020 (objetivos e ações); PDU 2010-2020 (anexo acessibilidade) |
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Titre | desenvolvimento e sem plano. |
Légende | Azul escuro: A cidade possui um PMU; |
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Titre | Tabela 4 - Lista das cidades brasileiras que elaboram o PMU |
Légende | Cabeçalho: Cidade, população, Lei, Execução, Fonte. |
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Titre | Figura 3: Localização das cidades estudadas que promulgaram um PMU no território brasileiro |
Crédits | Fonte: Machado e Piccinini (2018) de Atlas.ti |
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Légende | 1ª Coluna: Abordagem do planejamento tradicional (orientado para o carro e a construção das infraestruturas rodoviárias). |
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Titre | Tabela 6 - Frequência de palavras (%) relativas aos grupos vulneráveis encontradas nos 12 PMUs |
Légende | Cabeçalho (respectivamente): Cidades, baixa renda, crianças, pessoas com deficiência, desempregados, mulheres, grupos étnicos, idosos. |
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Pour citer cet article
Référence électronique
Laura Machado, Livia Salomão Piccinini, Elisabete Arsenio et Odile Heddebaut, « Contribuições dos Planos de Mobilidade Urbana Sustentável na França e no Brasil para a inclusão social », Confins [En ligne], Traductions, mis en ligne le 03 avril 2023, consulté le 09 décembre 2024. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/51239 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/confins.51239
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