Dinâmicas contemporâneas da migração africana e haitiana para o Brasil
- Cet article est une traduction de :
- Les dynamiques contemporaines des migrations africaines et haïtiennes vers le Brésil [fr]
Résumés
Le travail a pour objectif d’étudier deux flux migratoires récents vers le Brésil. Le premier concerne les migrants en provenance d’Haïti, le second les migrants en provenance des pays Africains. Il tente de dresser une typologie de ces migrations, en étudiant les profils socio-démographiques et les routes empruntées pour se rendre au Brésil, tout en situant ces nouveaux flux migratoires dans le contexte de l’histoire générale des migrations au Brésil. Seront enfin abordées les perspectives des migrations au Brésil, dans le contexte actuel de crise économique et de radicalisation politique du pays.
Plan
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- 1 Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (N.T.).
1De acordo com a Organização Internacional para as Migrações (OIM, OAS, 2016, p. 11), as migrações para a América do Sul aumentaram 35% entre 2000 e 2013. Mas, ainda que a grande maioria dos países dessa região acolham emigrantes de países vizinhos, somente quatro deles recebem uma maioria de origens não americanas: o Canadá, os Estados Unidos, Cuba e o Brasil. O Brasil foi, então, o único país da América do Sul que recebeu mais emigrantes originários de outros continentes do que de países da região. Entre 2010 e 2018, multiplicou-se por 80 o número de pedidos de asilo ao Brasil (ACNUR, 2019)1. Esse “boom migratório” não tem precedentes, não somente por sua importância, mas sobretudo em razão da variedade de países de origem dos emigrantes: América do Sul, Caribe, África, Europa e até Ásia.
- 2 Observatório das Migrações Internacionais (N.T.).
- 3 A título de comparação, os dois outros países da região que mais atraíram haitianos são o Chile (18 (...)
- 4 Enquanto os imigrantes africanos representam em média apenas 0,6% do total na América Latina em 201 (...)
2O presente artigo tem como objetivo analisar mais especificamente dois fluxos migratórios recentes para o Brasil. O primeiro diz respeito à emigração proveniente do Haiti, que começa após um terremoto que deixou mais de 200 mil mortos e que devastou o país em 12 de janeiro de 2010. Ela concerne a uma população de aproximadamente 100 mil pessoas entre 2010 e 2018 (OBMigra, 2019, p. 85)2. O segundo fluxo vem de países africanos: 70 mil africanos, principalmente vindos do Oeste do continente, chegaram ao Brasil durante esse mesmo período. Nos dois casos, o Brasil é considerado uma exceção no continente, já que foi de longe o país da América do Sul que mais atraiu haitianos3 e africanos4 desde 2010.
- 5 Os números do HCR de 2020 mencionam 79,5 milhões de pessoas deslocadas pelo mundo em 2019, sendo 1% (...)
- 6 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (N.T.).
- 7 Segundo os dados do Banco Mundial, 1 377 000 haitianos residiam em um país estrangeiro em 2013, 63% (...)
3Enquanto o número de deslocados à força no mundo nunca havia sido tão alto na história da humanidade5, a América Latina e o Caribe acolhiam somente 2,45% de refugiados no mundo em 2014, de acordo com os dados do HCR (IPEA, 2017, p. 43)6. Comparados aos atuais padrões migratórios internacionais, as emigrações haitianas e africanas para o Brasil aparecem, portanto, como um fenômeno marginal. A originalidade delas se encontra no fato de que alcançam populações que, até então, haviam migrado somente em um espaço regional delimitado — Cuba e República Dominicana para os haitianos e migrações intra-africanas para os africanos — ou em direção aos países do Hemisfério Norte — Estados Unidos e Canadá — e Europa no topo7.
4Por outro lado, essas novas migrações acontecem após uma diminuição no volume da população imigrante no país: enquanto 5,1% da população brasileira era de origem estrangeira em 1920, essa taxa não era maior do que 1,3% em 1970 e que 0,34% em 2015 (OIM, 2017, p. 30). Então, o objetivo é compreender como as emigrações africanas e haitianas para o Brasil, ainda que marcadas pela difícil integração desses imigrantes na sociedade brasileira, revelam a inserção crescente do país no padrão das migrações internacionais.
5Tomando como base diversas fontes acadêmicas, artigos de imprensa e relatórios de organizações internacionais, o objetivo é fazer um levantamento de uma tipologia das emigrações africanas e haitianas para o Brasil. Para isso, primeiramente nos debruçaremos sobre as rotas tomadas por esses emigrantes e os agentes, legais e ilegais, que atuam ao longo do deslocamento. Em seguida, essas migrações serão abordadas do ponto de vista estatístico, pela análise das bases de dados que permitem compreender a importância e a evolução dos fluxos, o perfil sociodemográfico, assim como os principais destinos desses emigrantes. Por fim, situaremos os novos fluxos migratórios no contexto atual das migrações para o Brasil e analisaremos o lugar e as perspectivas que são oferecidas a eles em uma sociedade marcada por séculos de escravidão e fortes desigualdades que atingem as pessoas negras.
As rotas das emigrações africanas e haitianas para o Brasil
6Quais são as rotas utilizadas?
7Rotas África-Brasil
8No dia 19 de maio de 2018, um catamarã à deriva é socorrido por pescadores ao largo do Maranhão. Estavam a bordo 25 africanos, assim como dois passadores brasileiros que foram imediatamente presos pela Polícia Federal por tráfico de pessoas. Saindo de Cabo Verde, eles fizeram uma viagem de 35 dias e percorreram 3.000 km em condições assustadoras (CARDOSO, 2018).
- 8 Com algumas exceções: 33% dos refugiados congoleses (a maioria deles da República Democrática do Co (...)
9Embora esse acontecimento tenha atraído a atenção da mídia brasileira e internacional, isso se deve ao fato de que se trata de uma ocorrência de caráter excepcional. A via marítima só é utilizada de fato em raras ocasiões pelos africanos que desejam chegar ao Brasil. Um estudo do IPEA realizado em 2017 sobre uma população de 3.900 refugiados que fixaram residência no país, majoritariamente originários da África e do Oriente Médio, mostra que somente 9,2% deles chegaram pelo mar8. 12,4% declaram ter utilizado uma via terrestre, chegando de avião em outro país da América do Sul antes de seguir para o Brasil. A grande maioria — 70% — chegou diretamente por via aérea (IPEA, 2017, p. 128).
10Existe uma grande variedade de itinerários aéreos ligando a África e o Brasil. Embora a passagem pela Europa seja uma solução comum, sobretudo pelos aeroportos de Madrid e Lisboa, existem também linhas diretas entre os dois. Dessa forma, quase todos os 564 angolanos que participaram da pesquisa do IPEA declararam que vieram diretamente do país deles até o Brasil, enquanto 40% dos congoleses fizeram escala em Angola ou na África do Sul (IPEA, 2017, p. 129).
11Os cidadãos de países da África subsaariana, exceto os sul-africanos, precisam de um visto para poder entrar no território brasileiro. Assim, de acordo com a OIM, é comum que os candidatos africanos à migração para o Brasil utilizem documentos de viagem falsos para entrar a bordo dos voos intercontinentais. No entanto, a via irregular para os que chegam ao Brasil continua minoritária: a entrevista do IPEA (2017, p. 131) revela, portanto, que somente 23,7% dos imigrantes entrevistados declaravam estar em situação irregular na chegada, enquanto 68,9% possuíam documento legal, como os vistos de turismo.
- 9 Entre 2010 e 2015, 44.361 haitianos entraram diretamente atravessando uma fronteira terrestre, cheg (...)
- 10 Contudo, os vistos são reintroduzidos a partir de 2010 para os iritreenses, os etíopes, os queniano (...)
- 11 Sistema de cadastramento e de registros.
12Para os imigrantes que têm mais dificuldade em tirar o visto, é possível pegar uma rota mais complexa que leva à região Norte do Brasil, no Acre e no Amazonas. O Equador e o Peru – que fazem fronteira com esses estados – distinguem-se sobretudo pela importância enquanto estados de escala nessa rota. O itinerário pelo Equador se consolidou, primeiramente, após o terremoto de janeiro de 2010 no Haiti: depois dessa catástrofe, o Acre e, em menor medida, o Amazonas, tornaram-se os principais pontos de acesso dos emigrantes haitianos ao Brasil9. Isso se deve ao fato de que Raphaël Correa, presidente do Equador entre 2007 e 2017, instaurou, em 2008, um princípio de livre entrada e de livre circulação para todos os estrangeiros no território nacional10. Nos anos seguintes, o Acre e o Amazonas se tornaram igualmente uma porta de entrada cada vez mais frequente dos imigrantes africanos no país: de acordo com os dados do Sistema Nacional de Cadastramento de Registro de Estrangeiros (SINCRE)11, 21,5% dos imigrantes africanos, em 2017, chegaram ao país por essas regiões, enquanto, em 2000, eram 0,3% (Baeninger, Demétrio et al, 2019, p. 47).
13Assim, emigrações africanas e haitianas se mostram ligadas por itinerários comuns. A análise desses percursos migratórios ressalta certas etapas chave da migração e principalmente o lugar assumido pelos seguintes países: República Dominicana, Panamá, Equador, Peru, Bolívia e, mais recentemente, Guiana. Veremos isso mais detalhadamente ao analisar as rotas utilizadas pelos haitianos para chegar ao Brasil.
14Rotas Haiti-Brasil
- 12 Acesso para a classificação. Disponível em: https://www.passportindex.org/byRank.php?f=ame.
- 13 Nessas entrevistas, os migrantes citavam principalmente a falta de informações sobre os procediment (...)
15Não existe voo direto entre o Haiti e o Brasil: os voos em direção a cidades como São Paulo são caros (1.300 euros para uma passagem de ida) e necessitam, na maioria dos casos, de uma escala nos Estados Unidos. Entre 2010 e 2015, 40.650 haitianos entraram no Brasil por um aeroporto internacional, a maioria deles (26.363) por Guarulhos (PERES; BAERINGER, 2017, p. 129). Para entrar no país diretamente, os haitianos devem antes obter um visto da Embaixada brasileira no Haiti, o que, por diversos motivos, pode se revelar muito difícil. Primeiramente, o passaporte haitiano é classificado pelo Passport index 2020 como aquele que abre menos portas em todos os Estados da América12. Em segundo lugar, de acordo com os testemunhos recolhidos de vários haitianos em 2013, em Brasiléia (Acre), pela associação Conectas Direitos Humanos, os procedimentos para obtenção de visto no Haiti se mostram muito complexos e seletivos para ser uma verdadeira alternativa para a rota pela América do Sul13 (REPÓRTER BRASIL, 2013). Para aqueles que não conseguiram o visto, a única alternativa foi, portanto, a entrada irregular no território, pelos estados do Norte do Brasil.
Figura 1: registros de imigrantes haitianos (homens e mulheres) em postos de controle de fronteiras terrestres do Brasil de 2010 a 2015.
Fonte: Peres e Baeringer (2017, p. 12).
16O périplo dos haitianos começa em Porto Príncipe, capital do Haiti, de onde partem geralmente de ônibus para chegar em Santo Domingo, capital da República Dominicana. A partir dessa cidade, os emigrantes escolhem uma das opções: ou pegar o avião para chegar no Panamá e continuar de ônibus até Quito, no Equador, ou ir para Quito de avião, fazendo escala nos Estados Unidos (OIM, OAS, 2016, p. 30). Chegando ao Equador, alguns partem diretamente para o Brasil, outros ficam em Quito durante várias semanas, até mesmo meses, na expectativa de economizar dinheiro para continuar a viagem ou para obter um visto (CONSTANTE, 2015). Em seguida, a partir das cidades equatorianas, os haitianos vão para Tumbes, no Peru, antes de seguir para a capital Lima.
17A partir dali, várias opções se abrem aos emigrantes para chegar ao Brasil. O itinerário mais recorrente consiste em levá-los primeiro para Cuzco, nos Andes, de onde atravessam Puerto Maldonado e continuam de van até chegar em Iñapari, próxima da cidade brasileira Assis Brasil, aglomeração urbana de 5.000 habitantes. Ao chegarem a essa cidade, eles percorrem 113 km até Brasiléia, onde se encontram os escritórios da Polícia Federal, local em que podem fazer o pedido de asilo, possibilitando a regularização de sua situação.
Figura 2: principais rotas utilizadas pelos haitianos para chegar ao Brasil.
Fonte: OIM e OAS (2016, p. 30).
18Diante da pressão sobre o Acre e o Amazonas e da sobrecarga do sistema de asilo brasileiro, o governo decidiu atribuir, em janeiro de 2012, um tipo de visto específico para os imigrantes hatianos, o “visto humanitário”, a fim de permitir que eles entrem legalmente no país sem passar por um procedimento clássico de pedido de asilo. Na verdade, esses últimos resultavam na negativa de quase todos os casos, já que as catástrofes naturais como o terremoto de janeiro de 2010 não correspondiam aos casos previstos no Estatuto dos Refugiados da convenção de Genebra de 1951 sobre o status de refugiado. Limitada a 100 vistos por mês até abril de 2013, a implementação dos vistos humanitários teve, em um primeiro momento, apenas um efeito relativo nas entradas ilegais de haitianos na fronteira norte. Em abril de 2013, o Conselho Nacional de Imigração (CNIg) decidiu, portanto, voltar ao teto máximo de atribuição desse tipo de visto, que beneficiou um total de 48.361 haitianos entre 2012 e 2016 (AUDEBERT, 2017, p. 12).
19A multiplicação das chegadas ao Equador a partir de 2010 levou as autoridades equatorianas a implementar, em 2015, uma permissão de entrada via um sistema “de emissão de certificado de registro turístico” especialmente criado para os haitianos. Associada à criação de vistos humanitários e à facilitação de sua obtenção a partir de 2013, essa decisão teve como consequência a perda progressiva da atratividade da rota em direção aos estados do Norte. Assim, a partir de 2015, o Amazonas e o Acre deixaram de ser os principais pontos de entrada irregular de imigrantes haitianos no país (FULGÊNCIO, 2016), e novos itinerários migratórios se desenvolveram. Dessa forma, uma rota alternativa surgiu recentemente: ela consiste em levar os migrantes pela República Dominicana, pelo Panamá e depois pela Guiana, que faz fronteira com o Norte do Brasil por Roraima. De acordo com os dados da Polícia Federal, mais de 13.500 haitianos que transitaram pela Guiana chegaram ao município fronteiriço de Bonfim entre janeiro e novembro de 2019, contra somente 993 durante todo o ano de 2018 (COSTA, 2019).
- 14 Sidney Antônio da Silva (2013, p. 4) reporta assim o testemunho de alguns haitianos sobre as violên (...)
20O custo de tais viagens, que podem durar vários dias, até mesmo meses, varia de três a cinco mil dólares. Na maioria dos casos, esse dinheiro serve para pagar os passadores, chamados de “coiotes”. Os imigrantes haitianos e africanos que passam por essa rota são, na verdade, transportados e guiados pelos traficantes, que fornecem a eles alojamentos, meios de transporte e os ajudam a atravessar a fronteira brasileira. Esses traficantes, mas também às vezes representantes corruptos do Estado14, exploram a situação de vulnerabilidade dos imigrantes e aproveitam a falta de acesso às informações no que diz respeito aos direitos e à assistência legal dos quais aqueles poderiam se beneficiar.
Rotas Haiti-Brasil e África-Brasil: extorsão, roubos e tráficos
21A ação desses passadores começa, às vezes, já na origem do projeto migratório dos emigrantes, no Haiti e em países da África. No Senegal, destaca o universitário Régis Minvielle (2015, p. 7), os passadores dispõem de contatos em embaixadas brasileiras em Dacar e de uma série de intermediários locais que organizam a passagem das fronteiras e as viagens para o Brasil, ou diretamente (por meio de voos para São Paulo), ou passando pelo Equador. Esse modelo de “viagem organizada” é encontrado em outros países da África: o jornal The Intercept Brasil (2018) cita assim o exemplo de Fitha, um migrante somaliano de 32 anos que diz ter chegado a São Paulo a partir de Joanesburgo, na África do Sul, depois de ter comprado um “pacote de viagem” de falsários, que lhe ofereceram documentos falsos que possibilitam chegar ao Brasil mediante o pagamento de 4.000 dólares.
22Em países como Senegal, Gana ou Angola, esses passadores apresentam aos emigrantes uma versão falsa da situação brasileira, levando-os principalmente a vislumbrar um acesso fácil ao mercado de traballho e salários altos (FERNANDES; DE FARIA, 2017, p. 7), mesmo que, já em 2014, o Brasil tenha mergulhado numa grave crise econômica marcada, sobretudo, por um aumento da taxa de desemprego e do número de trabalhadores informais. No Haiti, a mesma distorção da realidade em relação à situação e às perspectivas de trabalho, associada ao aumento dos pedidos de visto realizados por haitianos na embaixada brasileira de Porto Príncipe e dos prazos, impulsionou os haitianos que desejam entrar no Brasil a buscarem “meios caros, arriscados e informais para concretizar o projeto migratório” (COSTA DE SÁ; FERNANDES, 2016, p. 12).
23Os traficantes, principalmente peruanos e equatorianos, logo compreenderam a vantagem que eles poderiam tirar da situação ao propor a travessia ilícita das fronteiras terrestres ao Brasil em troca de vários milhares de dólares. O exemplo de Michelle Brenelus, uma comerciante haitiana que partiu para o Brasil, a fim de encontrar um trabalho para prover as necessidades de sua família no Haiti, mostra bem isso. Em 14 dias de viagem, ela explica que precisou gastar mais de 3.500 dólares para chegar ao destino: 2.000 dólares para os passadores que organizam a viagem, 450 na agência de viagem em Quito, no Equador, 500 dólares para os policiais peruanos, 200 em Lima, no Peru, 250 em Cusco… Chegando ao Brasil, ela não tem mais dinheiro e deve pedir ajuda para sua família: “é o único dinheiro que não me foi roubado”, declarou para a associação Conectas Direitos Humanos (REPÓRTER BRASIL, 2013).
24Cada etapa da viagem para os estados do Norte do Brasil é marcada, portanto, pela extorsão. Quanto mais os imigrantes se aproximam da fronteira com o Brasil, mais se encontram à mercê dos “coiotes”. Próximos de alcançar o objetivo e após uma viagem desgastante de várias semanas, encontram-se em uma situação de dependência e se veem obrigados a aceitar as condições fixadas pelos passadores, que lhes vendem a preços muito altos a travessia que é, no entanto, muito curta.
Quais destinos finais?
25O Acre e o Amazonas não são lugares de instalação para os imigrantes haitianos, continuam a viagem, na maioria das vezes, rumo às cidades do Sul, mais atrativas economicamente. Coletados por Peres e Baeninger (2017, p. 132), os dados do SINCRE mostram, assim, que somente 3225 haitianos fixaram residência em alguma cidade da região Norte, entre 2010 e 2015, contra 10.844 na região Sudeste e 12.734 na região Sul. O estado de São Paulo está no topo dos destinos finais, com 8.775 haitianos registrados, seguido pelo Paraná (2.995 registros), por Santa Catarina (2.879) e pelo Rio Grande do Sul (2.769). É interessante constatar que o Rio de Janeiro se mantém à margem como destino final para os imigrantes: menos de 1,8% do total de haitianos fixaram residência lá entre 2010 e 2014 (COSTA DE SÁ; FERNANDES, 2016, p. 5).
26O mesmo pode ser constatado em relação aos destinos finais dos imigrantes africanos. Ainda de acordo com os dados do SINCRE, São Paulo é seu principal destino no Brasil: 59% dos que obtiveram um visto permanente entre 2000 e 2017 indicaram esse destino como local de residência. Esses dados, no entanto, mostram uma diminuição da concentração na região de São Paulo em favor de estados da região Sul, que são aqueles que receberam um número maior de imigrantes durante esse período: enquanto 9% desses últimos viviam lá em 2000, eles eram 26,7% em 2017 (BAENINGER; DEMÉTRIO et al., 2019, p. 47).
27Dificuldades para conseguir o visto, percurso migratório complexo, intervenção de passadores, regiões Sul e Sudeste atrativas… É possível ver várias semelhanças entre os fluxos migratórios dos haitianos e dos africanos até o Brasil. Convém agora tentar compreender as estatísticas e as características das migrações haitianas e africanas. De quantos imigrantes falamos? Qual seu perfil sociodemográfico? Quais são as especificidades das imigrações haitianas e africanas em relação as outras imigrações?
Como são as imigrações africanas e haitianas no Brasil?
28Números e perfil sociodemográfico dos imigrantes haitianos
29Para melhor compreender o volume dessas imigrações, diferentes bases de dados são disponibilizadas pelas instituições públicas.
30SINCRE (Sistema Nacional de Cadastramento de Registro de Estrangeiros): trata-se de uma base de dados produzida pela Polícia Federal, na qual são cadastrados todos os estrangeiros que obtiveram um Registro Nacional de Estrangeiros (RNE, documento de identidade conferido a todo estrangeiro que reside de maneira permanente ou temporária no Brasil). Mesmo que os dados do SINCRE permitam conhecer o lugar de entrada e de residênca daqueles que possuem vistos legais, eles não levam em consideração, no entanto, os imigrantes ilegais e os que pediram asilo.
31Dados STI (Sistema de Tráfego Internacional): coletados na chegada a um posto de controle (aeroporto, fronteira terrestre, marítima…), qualquer que seja o tipo de visto, incluindo os solicitantes de asilo.
- 15 Trata-se de um órgão criado em 1997 pelo Brasil para tratar dos pedidos de asilo realizados no país
32Dados do CONARE (Comitê Nacional para os Refugiados)15: dizem respeito especificamente aos solicitantes de asilo.
33Dados e estatísticas das migrações haitianas para o Brasil
3426 Quando se olha para os dados da Polícia Federal em relação aos vistos para os haitianos, pode-se perceber o caráter repentino da imigração haitiana para o Brasil. Enquanto 401 vistos haviam sido concedidos até 2010, 20.985 foram concedidos só em 2016. Constata-se, no entanto, uma diminuição progressiva dos números a partir de 2017 e depois em 2018, ano em que 9.359 vistos foram concedidos no Brasil (OBmigra, 2019, p. 85).
Gráfico 1: número de vistos permanentes concedidos a haitianos no Brasil por ano de chegada
Fonte: OBmigra, 2018, p. 85. Elaborado pelo autor.
Perfis sociodemográficos dos imigrantes haitianos no Brasil
- 16 Entre 2010 e 2015, 62.944 haitianos entraram no Brasil, contra 22.135 haitianas (PERES; BAENINGER, (...)
35A análise dos dados do STI entre 2010 e 2015 mostra que 74% dos imigrantes haitianos são homens e que a média de idade é de 28,7 anos, com uma maioria entre 20 e 3616. Em relação à categoria socioprofissional, Sidney Antônio da Silva (2013, p. 5) constata a forte representação de trabalhadores da construção civil, comerciários, agricultores, predominantemente informais. Embora o nível de escolaridade seja geralmente baixo na população haitiana – 60% dos que estão no Brasil têm o ensino fundamental 1 e 5%, o ensino fundamental 2 –, ele é mais elevado do que a média nacional do Haiti. De fato, enquanto esse país tem uma taxa de analfabetismo próxima de 40%, somente 1% dos imigrantes haitianos se declararam analfabetos funcionais (ibid, 2013, p. 5).
36A imigração feminina haitiana pode parecer marginal à primeira vista (26% do total entre 2010 e 2015), mas Peres e Baeninger (2017, p. 133) notam que a tendência é aumentar. De fato, entre 2014 e 2015, o número de haitianas que obtiveram um RNE no Brasil passou de 2.590 a 3.728, enquanto, para os homens, o número diminuiu de 6.337 a 5.541. Uma diferença notável é a forte tendência das mulheres de se inserirem no padrão de imigração legal: 54,1% delas (11.974) chegaram diretamente ao Brasil de avião, tendo em mãos um visto legal, enquanto 54% dos haitianos entraram sem visto por uma fronteira terrestre (ibid, 2017, p. 129).
37A maioria dos imigrantes vem de Porto Príncipe (a capital, 51% das partidas) e dos arredores: Croix-de-Bouquets, Carrefour, Ganthier e Cabaret. Outras cidades têm uma importância particular, como Gonaïves (37% das partidas), Cabo Haitiano ou ainda Porto da Paz. Para Silva (2013, p. 5), o fato de que essas cidades se situem fora da zona do terremoto de 2010 é sinal de que “as razões das migrações domésticas e internacionais no Haiti vão além das situações de hoje, como catástrofes naturais”.
Estatísticas e perfil sociodemográfico dos imigrantes africanos no Brasil
38Dados e estatísticas das imigrações africanas
39As imigrações provenientes do continente africano para o Brasil tiveram um aumento de 182,77% entre 2000 e 2010, depois de 47,63% entre 2010 e 2014 (UEBEL; RÜCKERT, 2017). Esse aumento, que se mede a longo prazo, tem, portanto, um traço imprevisível. No gráfico a seguir, pode-se constatar um “boom” da imigração africana no país a partir de 2010: enquanto 17.747 deles obtiveram um RNE entre 2000 e 2010, esse número dobrou entre 2010 e 2017 com 35.981 RNE distribuídos, num total de 53 728.
Gráfico 2: imigrantes africanos que obtiveram um RNE no Brasil entre 2000 e 2017, por ano de obtenção.
Fonte: Baeninger, Demétrio et al., p. 40. Elaboração: autor.
40Para uma melhor compreensão das imigrações africanas no Brasil, convém também se debruçar sobre os dados do CONARE. Depois dos haitianos e dos venezuelanos, os imigrantes africanos formam o terceiro maior grupo de solicitantes de asilo no país. Em média, o número de pedidos registrados no CONARE por africanos teve um aumento anual de 25, 42%.
Gráfico 3: pedidos de asilo feitos por imigrantes africanos ao CONARE de 1999 a 2018.
Fonte: Baeninger, Demétrio et al. (2019, p. 49). Elaboração: autor.
4128.976 pedidos foram feitos entre 2012 e 2018, com um total de 30.804 a partir de 1999. A taxa de aceitação dos pedidos de asilo formulados pelos cidadãos africanos é particularmente baixa: somente 6,69% do total entre 1999 e 2019 resultaram na atribuição de uma proteção internacional. Essa taxa muito baixa assim como o grande número de casos – 20.752 – de imigrantes africanos que esperam uma resposta é um sinal da má aplicação tanto da lei quanto da lentidão do processo de atribuição de asilo brasileiro, pouco preparado para as novas características dos fluxos migratórios contemporâneos.
Perfis sociodemográficos
42Sobre o perfil dos imigrantes africanos nos países latino-americanos, um relatório conjunto do OIM e do OAS (2016, p. 23) considera uma população jovem, masculina e com diploma universitário. Os dados do SINCRE ilustram a importância da população de estudantes universitários nas imigrações africanas no Brasil: 32,9% dos imigrantes que conseguiram um RNE, 17.334 pessoas, obtiveram um visto temporário de estudos. O agrupamento familiar é o segundo motivo com 15% do total, 7.908 pessoas, seguido, em terceira posição, pela regularização de imigrantes sem documentos por “motivo familiar” (9,3%, 4.912 pessoas) (BAENINGER; DEMÉTRIO et al., 2019, p. 45).
- 17 Exceto Moçambique e África do Sul.
43Por fim, ao se debruçar sobre os dados do SINCRE, é possível perceber a grande diversidade de países de origem, já que mais de 50 países do continente estão representados. Os países africanos que mais enviaram migrantes para o Brasil são aqueles do Oeste do continente17, nos quais as línguas mais faladas são o português e o francês. Angola é o principal país de origem (14.749 pessoas, 27,97% do total), seguido de Cabo Verde (4.226, 8,01%), da Guiné-Bissau (4.460, 8,46), da Nigéria (4.160, 7,89%), de Moçambique (4.142, 7,86%), do Senegal (4.067, 7,71%), da África do Sul (2.707, 5,13%) e enfim da República Democrática do Congo (1.798, 3,41%) (ibid., 2019, p. 41). Por outro lado, quando se olham os dados do CONARE sobre os países de origem dos solicitantes de asilo entre 2000 e 2018, percebe-se uma variação: com 8.520 solicitações (28% do total), os senegaleses são o maior grupo. Em seguida vêm os angolanos (5.165 solicitações, 17%), os nigerianos (3.000, 9,7%) e os congoleses (2.297, 7,5%) (ibid, 2019, p. 49).
44O aumento quase constante das migrações africanas e haitianas para o Brasil a partir de 2000, o fenômeno de aceleração dessas últimas a partir de 2010 e a presença de imigrantes jovens e do sexo masculino parecem confirmar a ideia defendida por Uebel e Rücket (2017), de uma “consolidação do país na agenda migratória internacional e como país de destino”. A fim de aprofundar essa questão, caberá agora situar as imigrações haitianas e africanas no contexto contemporâneo das imigrações internacionais no Brasil.
Migrações africanas e haitianas no contexto contemporâneo das imigrações no Brasil
45A análise das tendências recentes das imigrações para o Brasil levanta questão da ideia de que as migrações internacionais se reduzem aos deslocamentos de populações de países do Sul em direção aos do Norte. Assim, os grupos nacionais mais importantes a migrarem para o Brasil entre 2007 e 2014 são Portugal (17% do total de imigrantes acolhidos pelo Brasil nesse período), Estados Unidos (9%), Japão (8%), Bolívia e Itália (6%) (UEBEL; RÜCKET, 2017). Além das relações históricas e linguísticas que existem entre os países mencionados, esses fluxos podem se explicar pelo desenvolvimento econômico e social do Brasil e a melhor integração na globalização, que é acompanhada de uma exigência de mão de obra qualificada para empregos específicos.
Gráfico 4: imigrantes internacionais que obtiveram um RNE no Brasil entre 2000 e 2017
Fonte: Baeninger, Demétrio et al. (2019, p. 40). Elaboração: autor.
- 18 80.000 solicitações foram feitas de fato nesse ano, principalmente por parte dos venezuelanos (61.6 (...)
461.157.043 imigrantes internacionais receberam um RNE entre 2010 e 2015. Ao mesmo tempo, o número de solicitações de asilo no país aumentou bruscamente a partir de 2010, de modo que, em 2018, o Brasil se tornou o sexto país do mundo em termos de número de solicitações de asilo registradas, depois dos Estados Unidos, do Peru, da Alemanha, da França e da Turquia18.
Quadro 1: comparação do aumento dos fluxos migratórios com destino ao Brasil.
Fonte: Uebel, Rücket (2017).
47Sobre o quadro anterior, vê-se principalmente que a taxa de aumento das migrações provenientes do continente africano ultrapassou aquelas provenientes da América do Sul, entre 2000 e 2010, e da América do Norte e da Oceania entre 2010 e 2014. Quanto às migrações provenientes do Caribe (principalmente Haiti e Cuba), elas tiveram a maior evolução, do mesmo modo entre 2000 e 2010 (655,80% de aumento) e entre 2010 e 2014 (2.484,33% de aumento).
48Mesmo que sejam marginais quantitativamente, as imigrações africanas e haitianas no Brasil se distinguem pelo seu caráter inédito e diversificado e por sua aceleração a partir de 2010. Além disso, imigrantes africanos e haitianos diferem das outras populações estrangeiras no Brasil, principalmente por causa de sua “visibilidade” no espaço público, das condições precárias nas quais muitos deles vivem e dos atos de xenofobia dos quais são vítimas às vezes. É esse lugar particular dos africanos e dos haitianos na sociedade brasileira que analisaremos brevemente.
Imigrantes africanos e haitianos: uma imigração “à parte”?
49Com o fim da escravidão, em 1888, o Brasil viu emergir uma sociedade fragmentada, na qual as desigualdades econômicas e sociais atingem em particular as pessoas negras e pardas, nas esferas do trabalho, da educação, da segurança, dos rendimentos, assim como nas estatísticas da participação política. Assim, de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), enquanto os negros e os pardos representavam 54% da população brasileira em 2015, eles fazem parte dos 75,5% dos 10% da população mais pobre, em que 80% dos 1% da população mais rica são brancos (CALEIRO, 2018).
50Os imigrantes africanos sofrem também o racismo estrutural da sociedade brasileira: independentemente de sua formação inicial, ocupam vagas de emprego muitas vezes precárias, informais e mal remuneradas. No Brasil, a atividade majoritária dos imigrantes africanos é o comércio de rua (MINVIELLE, 2018) e se deparam por vezes com muitos obstáculos para colocar suas competências em prática. No entanto Baeninger, Demétrio et al. (2019, p. 51-52) mostram a inserção crescente dos imigrantes africanos no mercado de trabalho legal: enquanto 1.170 permissões de trabalho haviam sido distribuídas em 2011, foram 5.098 em 2014 e 7.887 no final de 2017, o que é um sinal encorajador. Contudo, para muitos, essa inserção foi sinônimo de precarização: 80% dos africanos ganham, de fato, entre 1,01 e 3 salários mínimos, ou entre 200 e 600 euros por mês (ibid., 2019, p. 45).
- 19 Em 2013, a associação Conectas Direitos Humanos alertava assim sobre as condições de vida degradant (...)
- 20 Ou seja, um salário mensal situado entre 1.000 e 2.000 reais (entre 200 e 400 euros).
51Talvez de maneira ainda mais dura do que a comunidade africana, a haitiana sofre de exclusão e de invisibilidade social. Esse é o argumento da tese de José Ailton Rodrigues dos Santos, doutor pela Universidade de São Paulo (USP), que foi publicada em 2019. Embora essa cidade tenha registrado a chegada de 31.548 haitianos entre 2004 e 2019, esses imigrantes vivem lá, de acordo com o pesquisador, à margem, em situações de grande abandono social. De acordo com os dados do SINCRE, enquanto 35% dos imigrantes haitianos que possuem um RNE declararam estar sem trabalho em todo o Brasil, esse número chega a 60% no caso dos haitianos que vivem em São Paulo (PERES; BAENINGER, 2017, p. 17). Essa situação de exclusão se encontra já na chegada ao país. Em Manaus, os haitianos são muitas vezes abrigados em condições muito precárias19. Eles ocupam frequentemente postos subqualificados e mal remunerados nas áreas dos serviços gerais, da construção civil, da segurança (guardas), e muitos estão exercendo atividades informais. Quando se toma o exemplo da distribuição dos imigrantes haitianos de acordo com o salário do Paraná, nota-se sua super-representação nos trabalhos de baixos salários: 87% deles ganham de fato um salário mensal cujo montante é situado entre um e dois salários mínimos no Brasil20, enquanto esse é o caso de 66% dos africanos nesse estado (SILVA VILAS BOAS; DE MIRANDA SANTOS, 2017, p. 217).
52De acordo com Marie-Caroline Saglio-Yatzimirsky e Ana Gebrim (2017, p. 3), muitos dos imigrantes haitianos e africanos que imaginam o Brasil como um país acolhedor e que esperam encontrar rapidamente um trabalho e um abrigo “mais tarde se defrontam com uma situação local bem mais complexa, em que as reações racistas se multiplicam”. Essa xenofobia pode ser vivenciada como um choque para muitos deles que, em sua maioria, nunca haviam sofrido racismo antes de chegar ao Brasil. As reações anti-imigrantes parecem, por outro lado, terem se exacerbado no contexto de recessão econômica na qual o Brasil está mergulhado desde 2014. De fato, foi constatado um aumento de casos de xenofobia em 2015: 330 foram registrados pela Secretaria de Direitos Humanos, contra somente dois em 2013, o que representa um aumento de 633% (MACIEL, 2016). Associado ao aumento da precariedade e da pobreza, o desemprego, que atinge 11,2% da população brasileira em janeiro de 2020 (ou seja, perto de 12 milhões de pessoas), pode ter provocado, em uma parte da população, reações de rejeição perante essas pessoas que chegaram ao país.
Conclusão
53Fenômeno recente e em aceleração desde 2010, a imigração de africanos e haitianos no Brasil implica uma população masculina, jovem e disposta a aproveitar as possibilidades de trabalho que lhes seriam oferecidas. Apesar da baixa importância desses fluxos de um ponto de vista quantitativo, principalmente se comparados à população total, esse fenômeno colocou os estados de chegada (principalmente Acre e Amazonas) e de destino (São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná) dos imigrantes diante de problemáticas inéditas.
- 21 Adotada para substituir a lei do “estatuto do estrangeiro” promulgado durante a ditadura militar em (...)
- 22 Texto da lei de 2017 na íntegra: L13445 (planalto.gov.br)
54A implementação dos “vistos humanitários” se mostra, por essa razão, sobretudo interessante. Por oferecer uma proteção legal a pessoas particularmente vulneráveis, em razão da situação em seus países de origem e dos traficantes que agem nas rotas para o Brasil, e por permitir descongestionar, em parte, um sistema de asilo brasileiro sufocado, essa política foi recebida como um avanço das políticas migratórias brasileiras pelas Nações Unidas. A nova lei de migração, adotada em 201721, institucionalizou, a partir daí, essa prática, prevendo, no artigo 14, a possibilidade de conceder um visto por razão humanitária a todos aqueles que o solicitarem à embaixada brasileira de seu país22.
55Ainda assim, apesar dos avanços da legislação, a situação dos haitianos e dos africanos no Brasil continua precária: a crise econômica, a xenofobia e o racismo, a falta de qualificação e as dificuldades de domínio da língua são obstáculos tanto para a inserção desses imigrantes no mercado de trabalho quanto, de maneira ainda mais ampla, na sociedade brasileira. Essa circunstância põe em dúvida a ideia de que o Brasil teria se tornado um novo “Eldorado” para os imigrantes internacionais. Por outro lado, a eleição de Jair Bolsonaro, em janeiro de 2019, interrompeu a evolução no que diz respeito a uma maior proteção dos direitos na legislação brasileira de migração. O atual presidente se pronunciou, de fato, a favor da revogação total da lei de migração de 2017 e seu governo poderia levar ao retorno a uma visão securitária das migrações internacionais.
56As instabilidades políticas e econômicas que o Brasil atravessa atualmente ameaçam culminar em profundas instabilidades para os imigrantes já presentes no país. Eles terão de enfrentar as consequências de uma crise econômica e sanitária de grande dimensão, assim como um provável retorno a políticas migratórias mais restritivas, que diminuiria, ao mesmo tempo, os direitos dos imigrantes já presentes e as perspectivas para aqueles que desejam entrar no país. Por consequência, corre-se o risco de que o contexto atual leve a uma ruptura maior nas migrações futuras para o Brasil e na inserção do país no cenário internacional durante as próximas décadas.
57Referências bibliográficas
58Artigos científicos
59Minvielle, R. (2018). c. Les Africanos de República : La naissance d’une centralité
60africaine au cœur de São Paulo. Afrique contemporaine, 267-268(3). URL :
62Peres, R., Baeninger, R, (2017). Migração de crise: a migração haitiana para o Brasil. R.
63bras. Est. Pop. , Belo Horizonte, v.34, n.1, p. 119-143. URL: Migração de crise: a
64migração haitiana para o Brasil
65Rodolfo Georg Uebel, R., Arnaldo Rückert, A. (2017). Aspectos gerais da dinâmica
66imigratória no Brasil no século XXI. Confins, 31. URL :
67https://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/11905
68Santos, J. A. R. (2018). Haitianos em São Paulo: exclusão e invisibilidade social no
69contexto da mobilidade urbana. Tese de Doutorado, Faculdade de Saúde Pública,
70Universidade de São Paulo, São Paulo. URL : https://teses.usp.br/teses/disponiveis/6/
716140/tde-25062019-164357/publico/JoseAiltonRodriguesDosSantos_ORIGINAL_DR1506.pdf
72Saglio-Yatzimirsky, M.C. et Gebrim, A (2017). « Nouvelles migrations » au Brésil : des
73représentations de l’accueil aux formes contemporaines de racisme, Brésil(s), n°12.
74URL : https://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/bresils/2313
75Silva, S.A. (2013). Brazil, a new Eldorado for Immigrants? The Case of Haitians and the
76Brazilian Immigration Policy. Urbanities, vol 3. URL: http://www.anthrojournalurbanities.com/docs/tableofcontents_5/2-Sidney%20Antonio%20da%20Silva.pdf
77Silva Vilas Boas, M., de Miranda Santos, R. (2017), Novos fluxos migratórios no Brasil:
78análise da situação dos trabalhadores refugiados na região sul do Brasil e suas políticas
79públicas. In : Annoni, Danielle (coord.) (2018). Direito internacional dos refugiados e o
80Brasil, Curitiba, editora gedai/ufpr, 2018, p. 212-228.
81Trabalón, C. (2019). Estrategias de movilidad, visados y fronteras: Trayectorias de
82haitianos y haitianas hacia la Argentina. Estudios Fronterizos, vol. 20. URL :
83http://www.scielo.org.mx/pdf/estfro/v20/2395-9134-estfro-20-e039.pdf
84Artigos de imprensa
85Cardoso, R. (2018, 21 mai). Imigrantes resgatados no Maranhão contam que buscavam estudar e
86trabalhar no Brasil. G1. URL : https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/imigrantesresgatados-no-maranhao-contam-que-buscavam-estudar-e-trabalhar-no-brasil.ghtml
87Constante, S. (2015, 15 mars). Do Haiti para o Brasil. Com uma escala no Equador. El Pais Brazil. URL : https://brasil.elpais.com/brasil/2015/03/15/internacional/1426460256_276696.html
88Costa, E. (2019, 16 avril). Nova onda de haitianos chega ao Brasil pela Guiana e engrossa êxodo de estrangeiros em Roraima. G1. URL:
89https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2019/12/16/nova-onda-de-haitianos-chega-ao-brasilpela-guiana-e-engrossa-exodo-de-estrangeiros-em-roraima.ghtml
90Fulgêncio, C. (2016, 8 janvier). Nº de haitianos que entram no Brasil pelo Acre cai 96% em 12 meses. Globo. URL : http://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2016/01/n-de-haitianos-que-entramno-brasil-pelo-acre-cai-96-em-12-meses.html
91Maciel, E. (2016, 20 juin). Chegada de refugiados faz xenofobia crescer mais de 600 % no Brasil, mas nem 1 % dos casos chega à Justiça. Huffpost Brasil. URL :
92http://www.huffpostbrasil.com/2016/06/20/xenofobia-brasil-justica_n_10558742.html
93Reporter Brasil, (2013, 12 août). Organização recolhe depoimentos de haitianos em Brasiléia.
94Reporter Brasil. URL : https://reporterbrasil.org.br/2013/08/organizacao-recolhedepoimentos-de-haitianos-em-brasileia/
95Relatórios de organizações governamentais ou internacionais
96CONARE (2019). Refúgio em números, 4º edição. Ministério da justicia e da segurance publica.
97URL : https://www.justica.gov.br/seus-direitos/refugio/refugio-em-numeros
98Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). (2017). Refúgio no Brasil: caracterização dos perfis sociodemográficos dos refugiados (1998-2014). IPEA. Brasília. URL :
99http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/170829_Refugio_no_Brasil.pdf
100OIM. OAS. (2016). Regional report [on the] flows of migrants in an irregular situation from Africa, Asia, and the Caribbean in the Americas. General Secretariat of the Organization of American States and the International Organization for Migration. URL : https://www.oas.org/en/sare/publications/Reporte-OIM_OEA_eng.pdf OIM, (2017), Diagnóstico regional sobre migración haitiana, Oficina Regional de la OIM para América del Sur. URL : http://robuenosaires.iom.int/sites/default/files/publicaciones/Diagnostico_Regional.pdf
Notes
1 Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (N.T.).
2 Observatório das Migrações Internacionais (N.T.).
3 A título de comparação, os dois outros países da região que mais atraíram haitianos são o Chile (18.000 pessoas entre 2011 e 2016) e a Venezuela (6.509 pessoas até 2016), de acordo com os dados de um relatório da OIM (2017, p. 42).
4 Enquanto os imigrantes africanos representam em média apenas 0,6% do total na América Latina em 2016, eles representam 3,1% dos que estão presentes no Brasil (OAS, OIM, p. 11).
5 Os números do HCR de 2020 mencionam 79,5 milhões de pessoas deslocadas pelo mundo em 2019, sendo 1% da população mundial. Disponível em: https://www.unhcr.org/5ee200e37.pdf.
6 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (N.T.).
7 Segundo os dados do Banco Mundial, 1 377 000 haitianos residiam em um país estrangeiro em 2013, 63% nos Estados Unidos, 23% no Canadá e 9% na França (AUDEBERT, 2017, p. 3-6).
8 Com algumas exceções: 33% dos refugiados congoleses (a maioria deles da República Democrática do Congo) declararam ter chegado de barco.
9 Entre 2010 e 2015, 44.361 haitianos entraram diretamente atravessando uma fronteira terrestre, chegando em grande maioria (para 88% deles) pelo estado do Acre (PERES; BAERINGER, 2017, p. 129).
10 Contudo, os vistos são reintroduzidos a partir de 2010 para os iritreenses, os etíopes, os quenianos, os nigerianos e os somalianos e a partir de 2015 para os senegaleses.
11 Sistema de cadastramento e de registros.
12 Acesso para a classificação. Disponível em: https://www.passportindex.org/byRank.php?f=ame.
13 Nessas entrevistas, os migrantes citavam principalmente a falta de informações sobre os procedimentos, atrasos na espera e dificuldades encontradas para reunir a documentação necessária para obter o visto.
14 Sidney Antônio da Silva (2013, p. 4) reporta assim o testemunho de alguns haitianos sobre as violências as quais foram submetidos por parte da polícia peruana (sequestro de bens, roubo de dinheiro, prisões, etc.). Rodrigues Costa de Sá e Magalhães Fernandes (2016, p. 17) notam casos similares nos aeroportos de Panama City e de Quinto no Equador.
15 Trata-se de um órgão criado em 1997 pelo Brasil para tratar dos pedidos de asilo realizados no país.
16 Entre 2010 e 2015, 62.944 haitianos entraram no Brasil, contra 22.135 haitianas (PERES; BAENINGER, 2017, p. 129).
17 Exceto Moçambique e África do Sul.
18 80.000 solicitações foram feitas de fato nesse ano, principalmente por parte dos venezuelanos (61.681) e dos haitianos (7.000) (HUNCR, 2019).
19 Em 2013, a associação Conectas Direitos Humanos alertava assim sobre as condições de vida degradantes dos imigrantes haitianos nos locais de acolhimento instalados naquela cidade: “Mais de 830 imigrantes — quase todos haitianos — vivem confinados em um hangar com capacidade para apenas 200 pessoas, em condições de higiene degradantes, dividindo apenas 10 banheiros e 8 chuveiros, sem distribuição de sabonete ou pasta de dente, em um lugar onde as águas utilizadas escorrem ao ar livre e onde as pessoas ficam amontoadas durante meses em um espaço de 200 m²” (REPÓRTER BRASIL, 2013).
20 Ou seja, um salário mensal situado entre 1.000 e 2.000 reais (entre 200 e 400 euros).
21 Adotada para substituir a lei do “estatuto do estrangeiro” promulgado durante a ditadura militar em 1980, a lei de 2017 adota uma abordagem decididamente voltada para a proteção dos direitos dos imigrantes internacionais no país.
22 Texto da lei de 2017 na íntegra: L13445 (planalto.gov.br)
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Titre | Figura 1: registros de imigrantes haitianos (homens e mulheres) em postos de controle de fronteiras terrestres do Brasil de 2010 a 2015. |
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Crédits | Fonte: Peres e Baeringer (2017, p. 12). |
URL | http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/docannexe/image/50939/img-1.png |
Fichier | image/png, 142k |
Titre | Figura 2: principais rotas utilizadas pelos haitianos para chegar ao Brasil. |
Crédits | Fonte: OIM e OAS (2016, p. 30). |
URL | http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/docannexe/image/50939/img-2.png |
Fichier | image/png, 206k |
Titre | Gráfico 1: número de vistos permanentes concedidos a haitianos no Brasil por ano de chegada |
Crédits | Fonte: OBmigra, 2018, p. 85. Elaborado pelo autor. |
URL | http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/docannexe/image/50939/img-3.png |
Fichier | image/png, 44k |
Titre | Gráfico 2: imigrantes africanos que obtiveram um RNE no Brasil entre 2000 e 2017, por ano de obtenção. |
Crédits | Fonte: Baeninger, Demétrio et al., p. 40. Elaboração: autor. |
URL | http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/docannexe/image/50939/img-4.png |
Fichier | image/png, 50k |
Titre | Gráfico 3: pedidos de asilo feitos por imigrantes africanos ao CONARE de 1999 a 2018. |
Crédits | Fonte: Baeninger, Demétrio et al. (2019, p. 49). Elaboração: autor. |
URL | http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/docannexe/image/50939/img-5.png |
Fichier | image/png, 54k |
Titre | Gráfico 4: imigrantes internacionais que obtiveram um RNE no Brasil entre 2000 e 2017 |
Crédits | Fonte: Baeninger, Demétrio et al. (2019, p. 40). Elaboração: autor. |
URL | http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/docannexe/image/50939/img-6.png |
Fichier | image/png, 46k |
Titre | Quadro 1: comparação do aumento dos fluxos migratórios com destino ao Brasil. |
Crédits | Fonte: Uebel, Rücket (2017). |
URL | http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/docannexe/image/50939/img-7.png |
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Pour citer cet article
Référence électronique
Elie de Montalembert , « Dinâmicas contemporâneas da migração africana e haitiana para o Brasil », Confins [En ligne], Traductions, mis en ligne le 31 mars 2023, consulté le 04 décembre 2024. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/50939 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/confins.50939
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