O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES).
1As Unidades de Conservação são criadas como estratégia para garantir a conservação dos recursos naturais. No Brasil, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), Lei n. 9985/2000, define os princípios para a criação, gestão e implementação de Unidade de Conservação (UC), dividindo-as em dois grupos: i) Proteção Integral, composto por cinco categorias - Estação Ecológica, Reserva Biológica (REBIO), Parque Nacional, Monumento Nacional (MONA) e Refugio da Vida Silvestre (RVS); e, ii) Uso Sustentável, que envolve sete categorias - Área de Proteção Ambiental (APA), Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE), Floresta Nacional (FLONA), Reserva Extrativista (RESEX), Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) e Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) (Brasil, 2000).
2Embora as UCs sejam criadas como estratégia para o ordenamento territorial, no contexto das esferas federal, estadual e municipal, os responsáveis pela gestão ambiental desses territórios, enfrentam uma série de problemas que dificultam ou impedem a implementação e a conservação dos recursos naturais.
3Assim, a problemática que envolve as unidades no país, com menor ou maior intensidade, está relacionada especialmente: ao tipo de categoria de UC criada; à escassez de recursos financeiros e humanos; à falta de instrumentos de gestão, como plano de manejo e zoneamento ecológico econômico da UC; à regularização fundiária; aos usos múltiplos do território incompatíveis com a conservação dos recursos naturais; à exploração dos recursos naturais; aos impactos socioambientais como resultado do processo de territorialização desvinculado da conservação dos recursos naturais no espaço urbano e rural; à fragmentação florestal e a perda da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos associados; às pressões e às ameaças antrópicas no espaço interno e no entorno da UC; à falta de aproximação e envolvimento das comunidades que residem no entorno da UC bem como demais segmentos da sociedade civil; às relações conflitivas como resultado dos usos diversos incompatíveis com a conservação dos recursos naturais na UC e no entorno; à identificação e medição dos conflitos socioambientais; à necessidade de uma gestão participativa a partir de ações que priorizam a Educação Ambiental (EA) crítica; à necessidade da formação dos gestores públicos no que concerne à mediação de conflitos etc.
4No tocante ao bioma Mata Atlântica, que enfrentou o processo de devastação florestal ao longo do tempo, os dados Ministério do Meio Ambiente ressaltam que no ano de 2018 apenas 8,76% do território estava decretado em forma de UC. Deste total, 1,93% estava distribuído nas categorias do grupo de Proteção Integral e 6,83% no grupo de Uso Sustentável (Brasil, MMA/CNUC, 2018). Todavia, esse percentual não garante a conservação dos fragmentos florestais em virtude dos múltiplos usos atribuídos nesses espaços sem cumprir os preceitos estabelecidos pela legislação ambiental.
5Nesses territórios a gestão ambiental é permeada de relações conflitivas que comprometem a conservação dos fatores biofísicos como solo, relevo, vegetação, recursos hídricos, diversidade biológica etc. Neste aspecto Little (2001) reforça que os conflitos socioambientais relacionados aos usos do território são mais polêmicos, pois envolvem as dimensões sociais, especialmente quando se trata de moradia e sobrevivência das comunidades. Nesse ínterim, Quintas (2006) ressalta que a gestão engloba um processo de mediação de interesses e conflitos entre os atores sociais envolvidos para garantir a conservação dos recursos naturais.
6Embora o SNUC defina a obrigatoriedade da participação social nas decisões do processo de gestão ambiental e estabeleça os conselhos gestores com representação compartilhada (Irving,
72014), na prática, os entraves elencados na problemática que envolve as UCs dificultam a inclusão de diversos segmentos na tomada de decisão e no avanço para a gestão participativa desses espaços.
8No estado de Sergipe cuja vegetação nativa, nos biomas Mata Atlântica e Caatinga, ficou reduzida a 13%. Neste estado, as estimativas apontam que apenas 5% do território está decretado em 23 UCs, a saber: 10 RPPNs; três APAs; quatro Parques (um nacional e três municipais); uma REBIO; dois Monumentos Naturais; uma ARIE; uma RVS; e, uma FLONA (Brasil/SFS, 2017), das quais somente duas possuem plano de manejo.
9Vale mencionar que do total da área decretada em UCs no estado (119.311,25ha) apenas 47% (56.440,92ha) possui cobertura florestal (Brasil/SFS, 2017), o que evidencia os desafios postos no cenário da gestão ambiental, implementação e conservação desses ambientes que estão circundadas por matrizes relacionadas à agropecuária e a pressão urbana.
10A APA do Morro do Urubu, objeto empírico desta pesquisa, criada pelo Decreto Estadual n° 13.713 de 14/06/1993, com 213,87 hectares, enfrenta a pressão e ameaças do processo de urbanização. Essa UC, localizada na zona norte de Aracaju, com limites ao norte/leste entre áreas urbanas, Rio do Sal e Rio Sergipe, respectivamente, e ao Sul e Oeste, com conjuntos habitacionais, resguarda remanescentes florestais de Mata Atlântica. A pressão interna e do entorno, somada aos impactos socioambientais, estão entre os desafios que permeiam a gestão, implementação e conservação da UC. Nesse viés, esse ensaio visa analisar os impactos socioambientais e os desafios que comprometem a gestão e conservação da APA do Morro do Urubu em Aracaju.
11A pesquisa teve início a partir de levantamento bibliográfico e documental sobre a problemática em UCs urbanas, aos usos estabelecidos, aos impactos socioambientais e aos desafios na gestão ambiental participativa dentre outras temáticas; e ao levantamento e análises de notícias em meios de comunicação sobre deslizamentos de terra e demais impactos socioambientais na APA do Morro do Urubu e em seu entorno em diversas fontes de informação.
12A pesquisa de campo foi realizada com base em roteiro de observação sistematizada na UC e em seu entorno acerca das potencialidades, aos usos e impactos que comprometem a conservação da APA.
13Ademais, foi realizada entrevista com roteiro semiestruturado com o coordenador da unidade com a finalidade de identificar as potencialidades biofísicas, as territorialidades, os impactos socioambientais que comprometem a conservação dos recursos naturais, os avanços e os desafios enfrentados pela gestão.
14As reflexões sobre os usos estabelecidos, os impactos socioambientais e os desafios na gestão ambiental participativa da UC estudada, associado à práxis fundamentada na ação, estão ancoradas no aporte metodológico da problematização no princípio da relação problematizadora entre a teoria e a prática à qual, para Colombo e Berbel (2007, p. 125) “Efetiva-se através da aplicação à realidade na qual se observou o problema, ao retornar posteriormente a essa mesma realidade, com novas informações e conhecimento”.
15Nesse sentido, potencializou análises com os atores sociais sobre os riscos e impactos socioambientais na APA e em seu entorno, dando suporte aos indicadores para o desenvolvimento da capacidade de enfrentamento dos problemas com proposição de soluções viáveis, uma vez que, como destacado por Perales Palacios (2001: 37) “problema de aprendizagem é uma situação incerta que provoca em quem vive o problema, uma conduta tendente a chegar a uma solução e reduzir, desta forma, a tensão inerente à incerteza.”
16Assim, o raciocínio investigativo dos agentes sociais direta e indiretamente envolvidos no processo problematizou a realidade, partindo da exploração lógica dos dados e conhecimento da realidade local, consolidando práticas e abordagens interdisciplinares com autonomia.
17A APA do Morro do Urubu, UC urbana, gerida pela Secretaria do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (SEMARH) desde 2008, possui potencialidades socioambientais de singular relevância para a capital sergipana. Essa UC, o único remanescente florestal em ambiente de Mata Atlântica de Aracaju, traz uma série de benefícios para a população, pois seus fragmentos florestais ajudam: manutenção do regime hídrico; na redução dos processos erosivos; na melhoria da qualidade ambiental e do microclima local; no equilíbrio entre o espaço construído e área verde; na relação sociedade e natureza a partir de atividades educacionais, de lazer e recreação; na proteção da biodiversidade; oportunidades de geração de renda para a comunidade do entorno; dentre outras. Na APA está localizado o Parque José Rollenberg Leite (90ha), criado em 1979, também conhecido como o Parque da Cidade, onde está inserido o zoológico (Figura 2), gerido pela Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (EMDAGRO). É importante mencionar que parte da área do Parque (68ha) foi decretada em 2000 para integrar a Reserva da Biosfera de Mata Atlântica (Silva, 2012), com o título de Posto Avançado devido as atividades relacionadas a pesquisa científica, a proteção ambiental, Educação Ambiental (EA) e ecoturismo. Entretanto, em virtude da redução e/ou exclusão das atividades, o Parque perdeu este posto o qual foi contemplado, em 2013, ao Refúgio de Vida Silvestre Mata do Junco no município de Capela.
18No contexto da conservação ambiental, no Parque da Cidade existem inúmeras espécies de flora das quais já foram catalogadas 138 espécies, 110 gêneros e 57 famílias, como por exemplo, espécies que compõe a lista de extinção do país, como o pau-brasil (Caesalpinia echinata) e o ingá (Inga edulis) (Silva, 2012).
19O Zoológico abrigava cerca de 400 animais, como aves, felinos, répteis e primatas, dentre eles o macaco prego (Cebus apella), espécie em extinção, contribuindo desse modo, para a conservação in situ (em seu ambiente natural) e ex situ (fora de seu habitat natural) (Silva, 2012). Com relação ao processo educativo, são realizadas visitas orientadas, aulas práticas em contato com a natureza a partir da EA, especialmente com alunos de escolas públicas.
20Além do Zoológico (Imagem 1 - 1), as potencialidades paisagísticas da UC permitiram a instalação de atrativos turísticos, como: o Mirante da Imagem da Santa de Nossa Senhora da Conceição (Imagem 1 - 2), padroeira da cidade; o teleférico (Imagem 1 – 3) ambos criados em 2006. O teleférico, sob responsabilidade de uma empresa particular, é o único atrativo que os visitantes pagam uma taxa para realizar o passeio que possibilita apreciação das belas paisagens, com destaque para a vista panorâmica da Grande Aracaju, inclusive da Ponte Aracaju - Barra dos Coqueiros (Construtor João Alves) e do Oceano Atlântico.
21O Parque da Cidade recebe visitas da comunidade local, de visitantes de municípios vizinhos, estados e países, para atividades educacionais, de lazer e recreação, especialmente por escolas do entorno para a realização de Projetos de EA, bem como professores e alunos de diversas instituições que desenvolvem atividades de ensino e pesquisa, como a Universidade Federal de Sergipe (Cursos de Geografia, Turismo, Agronomia, dentre outros), Faculdade Atlântico e UNIT.
Imagem 1: Atrativos turísticos na APA do Morro do Urubu em Aracaju.
Legenda: 1 - Entrada do zoológico; 2 – Mirante da Santa; e, 3 - Teleférico
Fonte: Pesquisa de campo, dezembro de 2018.
22No tocante às cotas altimétricas, parte da APA, chega até 97m de altitude, o que permite uma vista panorâmica da cidade (Imagem 2 – 1), incluindo os manguezais nas margens do Rio Sergipe (Imagem 2 - 2). Essa característica estimulou a busca da área por praticantes de voo livre, tornando-a “Rampa de Voo Livre de Parapente (Dr. Nestor Mendonça)”. Nesse sentido, Aracaju tem o status que poucas cidades brasileiras possuem, de rampa urbana (Silva, 2012), cujo esporte foi noticiado em rede nacional (Globo Esporte, 2015).
Imagem 2: Vista panorâmica da cidade de Aracaju (1) e do manguezal nas margens do Rio Sergipe a partir da APA do Morro do Urubu (2).
Autores: Silva, 2012 e Leite, L. S., novembro de 2018.
23Na UC existem trilhas ecológicas, campos de futebol, quadra de voley de areia, rampa de skate, pista para atividades físicas e esportivas, o que fortalece a importância dessa unidade para a comunidade local. A procura de visitantes de outros municípios e estados se intensificou após a reforma do Parque em 2008. Entretanto, além da falta de divulgação do espaço, nos últimos anos percebeu-se um processo de deterioração com perdas significativas, o que pode diminuir as visitas.
24Dentre os projetos e atividades que foram extintas pode-se destacar: o término do Projeto do Centro de Equoterapia para tratamento de crianças deficientes; o Projeto “Quinta no Parque” que realizava ações educativas a partir de palestras, oficinas, tais como: agentes multiplicadores para combater o caramujo africano; capacitação de lideranças comunitárias para elaboração de projetos, como por exemplo, reaproveitamento de óleo de cozinha para a fabricação de sabão artesanal (Silva, 2012); várias atividades e ações de EA envolvendo escolas e a comunidade local.
25Ainda com relação ao espaço interno, fazendo um comparativo entre o ano de 2010 e 2018, observou-se um processo de deterioração relativo à manutenção do Parque da Cidade, que pode ser percebido no mosaico representado na Imagem 3, além do fechamento do restaurante, o que torna ainda mais precária a estrutura para receber visitantes e turistas.
Imagem 3: Comparação de imagens - deterioração da paisagem no Parque da Cidade entre 2010 e 2018.
Legenda: 1 e 4, 2 e 5 representam o espaço onde ficam os primatas (macaco prego); 3 e 4 representam a área do restaurante do Parque da Cidade em 2010 e 2018.
Fonte: Pesquisa de campo, outubro de 2010 (1, 2 e 3); Pesquisa de campo, dezembro de 2018 (4, 5 e 6).
26Por um lado, dentre os inúmeros valores ofertados pelas UCs em ambiente urbanos, pode-se mencionar o papel de aproximação entre a sociedade e natureza, por meio de processos educacionais, atividades recreativas, lazer, esportivas e atrativos turísticos. E, por outro lado, tem-se a descaracterização da área devido às pressões e ameaças face aos múltiplos usos inadequados do território, pois se trata de um espaço com propriedades privadas cujos proprietários têm “o direito de usar o território”. Assim, ampliam-se as relações conflitivas que estão entre os principais gargalos da gestão ambiental.
27Embora a APA disponha de várias potencialidades, as quais precisam ser conservadas, manejadas e recuperadas, a UC é caracterizada como um espaço, que por um lado, opera a beleza, e por outro, a pobreza e a violência. Em virtude de ser localizada em uma área nas proximidades de elevada vulnerabilidade social e conviver com problemas relacionados à insegurança, a APA abriga o Batalhão de Cavalaria da Polícia Militar de Sergipe, ao lado do Mirante da Santa, que dispõe de um Centro Hípico para treinamento da corporação e adestramento dos animais (Silva, 2012), e, mais recentemente, um Pelotão da Política Militar localizado na entrada principal da APA. Porém, mesmo com a presença da Polícia Militar, ainda tem sido comuns as práticas de furtos dentro e fora do Parque, o que provoca insegurança nos visitantes.
28É importante mencionar que a APA foi criada para conservação ambiental e contenção da ocupação desordenada, nos Bairros Porto Dantas e Coqueiral, que ameaçava a diversidade biológica. Entretanto, o processo de ocupação se acelerou, resultando no surgimento de favelas em áreas de risco ambiental e no seu entorno desde 1975, quando ocorreu o primeiro loteamento. Nessa análise, Costa (s/d, p. 182) reforça que essas áreas legalmente protegidas, “se constituem locais atraentes às ocupações ilegais que, sem controle por parte do governo, passam a ser alvo de constantes ações de degradação ambiental”, o que aumenta a complexidade da gestão.
29Assim, percebe-se que a UC foi criada no meio de relações conflitivas em função das pressões e ameaças internas e externas provocadas pelos usos inadequados do território como resultado das práticas sociais, das relações cotidianas, inclusive para moradia em áreas de risco ambiental e mais recentemente, pela especulação imobiliária.
30Dentre os múltiplos usos estabelecidos no território da APA pode-se citar: comércio informal com a venda de gêneros alimentícios ao lado do parque; moradia; pequenos sítios com cultivo de mandioca e inhame, dentre outros. O processo de territorialização no entorno da APA é marcado, principalmente por: construções de residências em área de risco, conforme pode-se perceber no mosaico de fotografias exposto na Imagem 4; construções de condomínios verticais; estabelecimentos comerciais (postos de combustível, panificadoras, supermercados, dentre outros), unidade de Associação de Catadores de Materiais Recicláveis; escolas; igrejas; dentre outros.
Imagem 4: Residências construídas em área de risco ambiental no entorno da APA do Morro do Urubu em Aracaju
Fonte: Pesquisa de campo, dezembro de 2018.
31Nesse sentido, as relações conflitivas estão relacionadas à(ao): especulação imobiliária; construção inadequada de residências em área de risco ambiental; existência torre de transmissão de TV, pois afeta o meio biofísico, contribuindo para afugentar a fauna, aumentar os processos erosivos e descaracterizar a paisagem (SANTOS, GOMES e SANTANA, 2013); falta de segurança; desmatamento para cultivos e construção de moradias regulares ou irregulares com impactos na perda da biodiversidade, no aumento dos processos erosivos no espaço interno e externo da APA (Imagem 5 – 1, 2 e 3), e, consequentemente, no assoreamento dos corpos hídricos, pois são áreas com solos expostos e chegam atingir 70m de altitude; extração de madeira (lenha) pelos moradores do entorno; disposição inadequada de resíduos sólidos domiciliares e de construção civil pelos visitantes e moradores no espaço interno (Imagem 6 – 1 e 2) e externo da UC (Imagem 6 – 3), embora a coleta regular de resíduos seja realizada; entupimento de bueiros e disposição inadequada de efluentes domésticos devido à falta e/ou deficiências no sistema de saneamento ambiental (Imagens 7 e 8); desmonte de morro para construção de residências e condomínios verticais; extração mineral, principalmente areia e argila, aumentando os riscos de deslizamento de terras e assoreamento dos corpos hídricos; desmoronamento de terra em período de chuva que adentra as residências (Imagem 8) como consequência do desmatamento e dos processos erosivos; dentre outros.
Imagem 5: Impactos socioambientais na APA do Morro do Urubu e no entorno em Aracaju.
Legenda: 1 – Processos erosivos na APA do Morro do Urubu; 2 - Ocupação desordenada no Bairro Japãozinho e processos erosivos nas proximidades do Rio do Sal; 3 - Processos erosivos no Bairro Coqueiral.
Fonte: Leite, L. S., novembro, 2018, Cidade Alerta/Sergipe, 2018a., Pesquisa de campo, 2018.
Imagem 6: Disposição inadequada de resíduos sólidos domiciliares e de construção civil no espaço interno e externo da APA do Morro do Urubu em Aracaju
Legenda: 1 e 2 – espaço interno da APA do Morro do Urubu; 3 – Espaço externo da APA.
Fonte: Pesquisa de campo, dezembro de 2018.
32No que concerte ao saneamento ambiental, o acúmulo de esgoto nas ruas tem trazido consequências para a comunidade, devido à proliferação de vetores e a atração de animais, como cobras, e a saúde pública com o surgimento de doenças, tais como cólera, dengue, zika, chikungunya, cujos vetores encontram nesses ambientes condições propícias para sua proliferação.
Imagem 7: Esgoto entupido no entorno na APA do Morro do Urubu em Aracaju
Fonte: Cidade Alerta/Sergipe, 2018b.
33No que se refere aos impactos socioambientais, pode-se aludir à chuva ocorrida no mês de maio de 2015, cujas ruas e residências no bairro Coqueiral foram afetadas pela lama, como consequência do desmoronamento do morro que circunda a localidade, juntamente com resíduos sólidos e efluentes domésticos, em face do entupimento de bueiros (Portal A8/Sergipe, 2015). Ademais, há dez anos que a população vem sofrendo em períodos de chuvas devido à falta de infraestrutura adequada (Silva, 2012; F5 News, 2018). Nesse sentido, além dos transtornos emocionais e perdas de móveis e eletrodomésticos, os moradores ficam expostos aos riscos de acidentes e de adoecimento.
34Nesse ínterim, Melo et alii (2018) reforçam que a elevada declividade, aliada ao fluxo hídrico superficial concentrado e as precipitações intensas aceleram os processos erosivos nas vertentes da UC. Essa situação se agrava pela ação antrópica, uma vez que a retirada da cobertura vegetal aumenta a vulnerabilidade à movimentos de massa.
Imagem 8: Reflexo do deslizamento de terra e falta de infraestrutura adequada no Bairro Coqueiral em Aracaju em 2015 e 2018.
Fonte: Portal A8/Sergipe, 2015. Foto: Santana, J., maio de 2015.
35No entorno da APA, nas margens do Rio Sergipe, ainda existem manguezais os quais se encontram ameaçados pelo processo de urbanização e pelos cultivos de camarão. Com relação a cobertura de florestal na APA, é importante frisar que em uma pesquisa realizada em 2012 constatou-se que existiam 63ha de floresta ombrófila densa, ou seja, 29,7% da área da APA (Silva, 2012). Entretanto, estudos mais recentes demonstraram que os fragmentos foram reduzidos, ou seja, do total da área da APA, apenas 13% encontra-se constituída por cobertura florestal, o equivalente a 27ha (Brasil, SFB, 2017), um percentual preocupante e muito baixo, considerando as condições biofísicas da APA, o que reforça a necessidade de fortalecimento da gestão ambiental participativa com base na Educação Ambiental crítica, preconizada no processo de gestão ambiental participativa (LAYRARGUES, 2000; CARVALHO, 2004; LOUREIRO e CUNHA, 2008; QUINTAS, 2009; GUIMARÃES, 2004, 2013), embora seja de conhecimento, que os entreves e desafios imbricados na gestão de uma UC urbana ultrapassam a capacidade do órgão gestor na resolução e mediação dos conflitos.
36Na APA do Morro do Urubu transcorre uma diversidade de atrativos e potencialidades cujas finalidades podem ser destinadas ao lazer bem como fins educacionais. Porém, a multiplicidade de usos materializados converge para alguns impactos sedimentados o que requer planejamento adequado e a melhoria da infraestrutura existente, assim como o manejo pertinente das práticas estabelecidas. Assim, introduzir os atores sociais e lideranças locais no processo de gestão, bem como no acompanhamento, na elaboração e na execução do plano de manejo, são estratégias exitosas de ações. Neste contexto, a construção coletiva é capaz de efetivar o objetivo principal da UC, a conservação da natureza, o uso sustentável de parcela dos recursos naturais e contenção da ocupação desordenada.
37As UCs urbanas possuem maior vulnerabilidade em função aos impactos oriundos do processo de urbanização, das dimensões reduzidas, da forte pressão antrópica, da introdução de espécies exóticas, da contaminação dos mananciais, e dificilmente estão incluídas como prioritárias nas políticas públicas para a conservação ambiental (MENEZES, 2005; GUIMARÃES e PELLIN, 2015). A situação se agrava quando se trata de hotspots, como é o caso da Mata Atlântica, em virtude da alta biodiversidade e da fragmentação florestal cuja pressão antrópica coloca em risco inúmeros habitats e espécies (PEIXOTO, 2014). Desse modo, aumenta-se a complexidade e desafios da gestão e conservação ambiental, pois os gestores enfrentam problemas de ordem econômica, além do reduzido número de funcionários que lidam com o monitoramento, manejo e fiscalização desses territórios. Guirmarães e Pellin (2015) reforçam que toda floresta urbana, num ambiente altamente impermeável, sofre intensa fragmentação florestal e perda da biodiversidade, com efeitos da falta de saneamento nos bairros adjacentes, que impactam os corpos hídricos e os ecossistemas, como exemplo, os manguezais nas proximidades da APA pesquisada.
38Assim como diversas unidades no país, a APA do Morro do Urubu encontra-se envolvida por uma matriz com ocupações irregulares com fortes impactos socioambientais no espaço interno e externo da UC. As relações conflitivas estão entrelaçadas num rol de problemas e impactos socioambientais que dificultam e/ou impedem a gestão e conservação da unidade. Além das características elencadas acerca das pressões e ameaças que implicam na perda da biodiversidade, Hildebrand, Graça e Hoeflich (2002) corroboram que os parques urbanos fazem parte da administração e das políticas públicas, porém, os orçamentos são sempre limitados diante de vários outros serviços e necessidades que precisam ser realizados no contexto urbano. Infelizmente, essa é uma característica que permeia a gestão das UCs do país independente da esfera gestora e da categoria do SNUC, o que certamente contribui para a dilapidação dos recursos naturais.
- 1 Criada em 2007, porém foi extinta por determinação da Lei 8.496 de 28 de dezembro de 2018, que disp (...)
39Embora criada em 1993, a APA, que passou a ser gerida e implementada apenas em 2008 pela Secretaria de Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (SEMARH1), ainda não tem plano de manejo o que contribui para o aumento dos impactos socioambientais e a proliferação dos conflitos que permeiam a gestão e conservação ambiental. O plano de manejo é um documento técnico, previsto pelo SNUC, que deve ser elaborado com o prazo máximo de cinco anos após a criação da unidade (BRASIL, 2000). Atualmente, a UC está sob gestão da Superintendência Especial de Recursos Hídricos e Meio Ambiente (SERHMA).
40A sede administrativa da UC, atualmente está localizada na entrada no Parque da Cidade, uma sala cedida pela ENDAGRO. Assim como boa parte das UCs do país, a APA conta com escassos recursos financeiros e quadro humano para o planejamento e realização de atividades socioeducativas, bem como o monitoramento, manejo e fiscalização. É notória a falta de infraestrutura, necessária para a efetiva implementação da UC, como exemplo, veículo e material de mobília para o escritório.
41Com relação ao quadro humano, além do gestor, que é responsável por todas as UCs sob gestão do estado, a APA conta com apenas dois funcionários, sendo um coordenador, responsável pelo gerenciamento, o qual realiza atividades nas demais unidades sob gestão da SEMARH, e um funcionário que realizava os serviços gerais. No período da entrevista, a UC também contava com quatro estagiários dos Cursos de Engenharia Ambiental (dois), Biologia (um) e Geologia (um). É importante mencionar que o Parque, onde está inserido o zoológico, conta com funcionários vinculados a ENDAGRO, os quais são responsáveis pela administração e manutenção do Parque da Cidade.
42As características in loco reforçam as análises de Geluda, Serrão e Lemos (2014) quando salientam que tem sido marcante a gestão de UCs do país, pois as unidades não recebem verbas suficientes, forçando os responsáveis a operarem com receitas muito abaixo das despesas necessárias para uma gestão eficiente.
43Assim, muitas unidades estão em estado precário, sem gerencia, sem plano de manejo e recursos para sua manutenção. Para os autores, o histórico de baixo investimento também dificulta a percepção e/ou reconhecimento da comunidade acerca dos benefícios que a UC apresenta para a sociedade. Nesse viés, reforçam-se as visões de que unidades urbanas não podem ser concretizadas/geridas por um único órgão público, pois há necessidade do envolvimento de outros órgãos, do setor privado e das comunidades locais (TRZYNA, 2017) para almejar a sustentabilidade das UCs em suas diversas dimensões.
44Como a APA é uma categoria, constituída por terras públicas e privadas, onde se permite usos diversos (Brasil, 2000), aumenta-se a complexidade em gerir essa UC urbana. Nesse contexto, as relações conflitivas são resultantes: das ocupações irregulares na APA e em seu entorno; da especulação imobiliária, principalmente após a construção de condomínios verticais; da falta e/ou deficiência de infraestrutura e saneamento ambiental, como coleta de resíduos sólidos, esgotamento sanitário e sistema de drenagem urbana; da violência urbana; e dos impactos socioambientais que vem contribuindo para a descaracterização da paisagem.
45Nessa direção, o processo de gestão ambiental da UC, envolve simultaneamente atores sociais que usam o território para atividades ligadas a/ao: moradia; educacionais; esporte, lazer e recreação; aquisição de recursos financeiros a partir do lucro; administrar, monitorar e fiscalizar; implementação de serviços diversos, dentre outras.
46Nas análises das relações conflitivas considerou-se a classificação Ormeño e Saavedra (1995) que destacam três atores sociais, a saber: os geradores de danos socioambientais; os receptores; e, os atores reguladores.
47Na APA, os atores geradores de danos socioambientais são aqueles que usam o território e ao mesmo tempo geram impactos socioambientais, com maior ou menor intensidade (empresas imobiliárias, proprietários de sítios, moradores, dentre outros), e aqueles que negligenciam os serviços prestados, portanto, permitem as consequências dos impactos indesejáveis para a comunidade. Os atores receptores percebem, recebem e sofrem com os efeitos dos danos ambientais, principalmente, a comunidade local e os visitantes. E, no tocante aos atores reguladores, pode-se destacar aqueles responsáveis: pela gestão, implementação e monitoramento da APA (SEMARH) e do Parque da Cidade (ENDAGRO); pelo Licenciamento Ambiental (Prefeitura Municipal, através da Secretaria Municipal de Meio Ambiente - SEMA ou da Administração Estadual de Meio Ambiente – ADEMA); pela fiscalização quando há denúncia por meio de ação civil pública (Ministério Público Federal); pelas ações assistencialistas e preventivas para evitar ou minimizar os desastres em áreas de risco ambiental, a Defesa Civil; pela segurança pública, a Política Militar; pela fiscalização, o Pelotão da Polícia Ambiental, quando há denuncia de crimes ambientais, principalmente contra a fauna e a flora; dentre outros.
48No que condiz às unidades que possuem atrativos turísticos, além de processos socioeducativos, Ortiz, Mota e Ferraz (2001) frisam que a mensuração da disposição dos visitantes, especialmente os turistas, em pagar pelo uso das áreas verdes, poderá contribuir com a manutenção desses espaços, permitindo melhor controle sobre o mesmo além de contribuir para a sustentabilidade econômica da UC.
49Ademais, é preciso pensar em estratégias para minimizar e/ou evitar os efeitos adversos das ações antropogênicas em prol da sustentabilidade da UC em suas diversas dimensões, inclusive fortalecendo a EA crítica no processo de gestão participativa. Devido à complexidade na gestão de unidade urbana, é fundamental envolver outros atores sociais, vinculados aos órgãos públicos, que lidam com o planejamento ambiental e ordenamento territorial além da necessidade de buscar parcerias junto às instituições públicas e privadas.
50A pressão no ecossistema exercida por atores sociais na APA e os conflitos inerentes vêm se solidificando ao longo dos anos em virtude dos usos contraditórios do espaço protegido e da manutenção das práticas socioeconômicas efetivadas. Para a execução de ações essenciais relacionadas às políticas de gestão, é crucial direcionar recursos orçamentário financeiros que priorizem ações de Educação Ambiental, o monitoramento, a fiscalização, elaboração do plano de manejo com Zoneamento Ecológico Econômico e Ambiental.
51A APA do Morro do Urubu é uma UC urbana que convive com tensores antropogênicos, que ameaçam o único remanescente florestal da capital sergipana. Por um lado, possui potencialidades capazes de garantir vários serviços ambientais prestados gratuitamente à população local, visitantes e turistas, e por outro lado, os impactos socioambientais, como resultado do processo de territorialização, colocam em risco sua conservação.
52Os usos sem planejamento, os impactos provocados, a falta de infraestrutura urbana, a escassez de recursos financeiros e o reduzido quadro humano estão entre os principais gargalos que dificultam a gestão ambiental da UC.
53As relações conflitivas são intensificadas devido ao desmatamento, aos processos erosivos, ao desmonte de morro, as invasões em áreas de risco ambiental, ao extrativismo (vegetal, animal e mineral), a falta e/ou deficiência de saneamento ambiental, a falta de plano de manejo e de instrumentos de planejamento ambiental e ordenamento territorial urbano.
54Nesse sentido, dentre os atores envolvidos pode-se mencionar: a comunidade local; as escolas e instituições de ensino superior; os visitantes e/ou turistas; os proprietários de terra; os comerciantes; a associação de catadores de materiais recicláveis; as associações de moradores; as empresas ligadas à especulação imobiliária no entorno da APA e aos atrativos turísticos na APA; as empresas responsáveis pelo saneamento ambiental; a SEMARH; o Conselho Gestor; a EMDAGRO; a Prefeitura Municipal; a Defesa Civil; a Polícia Militar e o Pelotão de Cavalaria da Polícia Militar; o Ministério Público em virtude de denúncias via abertura de ação civil; dentre outros.
55A complexidade na gestão de UCs urbanas densamente povoadas remete à busca de táticas que garantam a conservação dos recursos naturais da UC, e, principalmente a partir do envolvimento das autoridades responsáveis no tocante à gestão do município e dos atores que podem fazer cumprir a legislação ambiental. Nesse sentido, promover o conhecimento capaz de identificar os mecanismos necessários à gestão eficiente da APA, suas potencialidades, as pressões, as ameaças e os atores sociais envolvidos, sem dúvidas é um caminho que pode contribuir com a gestão participava e a mediação das relações conflitivas.
56No tocante aos recursos financeiros, além da captação de recursos via edital e da destinação do orçamento público para UC, o pagamento de taxa de visitação, principalmente por turistas, está entre as estratégias que podem promover a sustentabilidade econômica da unidade. Porém, requer desenvolver pesquisas acerca dos potenciais usos econômicos na APA, de modo que possa gerar renda e empregos para a comunidade local, e com vistas para a valoração de serviços ambientais em UC urbana. Outrossim, também é relevante o repasse de parcela de recursos pelas empresas instaladas na APA, via compensação ambiental, como a torre de transmissão, o teleférico dentre outras que realizam a extração de argila e areia.
57As parcerias com o setor privado para doações ou adoções podem ser utilizadas como fonte de capitalização da unidade. Ademais, enquanto instrumento de política florestal, a criação de fundos ambientais e do ICMS Ecológico pode ser uma saída para ampliar os recursos destinados à conservação da APA.
58Além da captação de recursos, o estabelecimento de parcerias entre o setor público, privado e segmentos da sociedade civil, para a realização de atividades, pode-se configurar como uma estratégia que nem sempre demanda muitos recursos.
59O Conselho Gestor criado em 2010, pode se tornar uma ferramenta de singular importância no processo de gestão participativa. Porém, para aumentar sua efetividade e eficácia, torna-se relevante que as pautas discutidas nas reuniões priorizem o diálogo acerca dos principais problemas que afetam à UC em benefício coletivo, bem como a indicação de táticas que possam contribuir para a resolução e/ou minimização dos impactos identificados.
60No campo de planejamento efetivo da UC, é prioritário avançar na criação do plano de manejo e do Zoneamento Ecológico Econômico envolvendo os diversos segmentos da sociedade, de modo que os instrumentos de fato possam ser implementados. Assim, a identificação das potencialidades, dos impactos socioambientais, dos atores sociais e dos tipos de conflitos tende a auxiliar na busca de caminhos para evitar o comprometimento dos fatores biofísicos da UC.
61Nesse ínterim, enquanto estratégias para a gestão ambiental participativa, sugere-se: a revitalização do Parque da Cidade; parcerias mais efetivas com a Companhia da Polícia Militar, visando garantir a segurança da área e entorno; parcerias entre instituições de ensino superior para estimular a pesquisa e a formação continuada dos gestores; parcerias com as Associação de Moradores da APA, com escolas e professores; realização de projetos de EA crítica nas escolas de modo que os atores sociais possam atuar como multiplicadores das ações de EA; aproximar a comunidade da UC via projetos à luz da EA crítica estimulando o exercício da cidadania; resgatar as ações que já foram bem sucedidas na APA, inclusive aquelas direcionadas para a formação da população; conter o processo de ocupação irregular a partir de políticas públicas de ordenamento territorial; cobrar junto aos órgãos e/ou às instituições competentes medidas eficazes acerca do saneamento ambiental; estabelecer a conectividade entre os fragmentos internos e externos. Igualmente, a troca de experiências para fortalecer a gestão participativa, pode ser atingida a partir da elaboração e da participação em eventos locais, regionais e nacionais.
62Outra tática relevante está atrelada a criação de um Centro de Educação Ambiental na própria APA, destinado à realização de atividades diversas, como eventos, atividades e ações de EA, reuniões do Conselho Gestor, dentre outras. Ademais, promover a visibilidade da APA, a partir de suas potencialidades e dos benefícios para a população, é fundamental para fortalecer o elo entre comunidade e UC, resgatando a importância dos serviços ambientais. Ainda, em virtude dos impasses apresentados, é importante refletir acerca da possibilidade de recategorização da APA, visto que essa categoria mostra sinais de esgotamento, pois não tem conseguido cumprir os preceitos estabelecidos pelos SNUC.
63Dessa forma, identificar as principais formas de usos e ocupação é de fundamental importância para compreender os padrões de organização espacial da área de estudo contribuindo, assim, para o devido planejamento ambiental e para tomada de decisão. Além disso, se torna imprescindível, investigar a aplicabilidade das normas que regem as UCs e se estas realmente têm eficácia para a conservação dos recursos naturais, se torna cada vez mais necessário.