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Dossiê Turismo em tempo de Covid

O Estado perante a crise do transporte aéreo: os casos de Brasil e Moçambique

L’État devant la crise du transport aérien: les cas du Brésil et du Mozambique
The state in the face of the air transport crisis: the cases of Brazil and Mozambique
Carolina Todesco, José Júlio Júnior Guambe, Thays Regina Rodrigues Pinho, Marcos Paulo Fernandes et Amilton Luiz Novaes

Résumés

Cet article vise à analyser l'action gouvernementale en réponse à la crise du transport aérien, en prenant au Brésil et au Mozambique comme un étude de cas, en observant si ces pays ont suivi les tendances mondiales en faveur des entreprises, ou si en raison des circonstances nationales spécifiques, ils ont donné des réponses différentes au secteur aux années 2020 et 2021. Pour cela, des recherches bibliographiques et documentaires ont été menées. Les résultats montrent que les tendances signalées pour le secteur aérien se sont partiellement concrétisées dans les deux pays. Au Brésil, le soutien financiere a été apporté indirectement, par le biais d'actions qui ont assuré la survie des compagnies aériennes, tandi qu’au Mozambique, le transfert des ressources publiques a été direct.

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Brasil, Moçambique
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Texte intégral

1Por ter sido, inicialmente, um dos meios de propagação da covid-19 pelo mundo, o setor do transporte aéreo foi fortemente abalado pelas medidas de restrição à circulação de pessoas entre países e nos países. Mesmo após a flexibilização ou o encerramento das referidas medidas, a queda na demanda pelo transporte aéreo, devido às ondas de contaminação e mortes pela doença, ao surgimento de variantes, ao sentimento de insegurança sanitária em viajar, aos novos controles de embarque, ao custo elevado das passagens e/ou à crise econômica ampliada pela pandemia, fez com que os fluxos de passageiros de voos domésticos e internacionais, no mundo, continuassem abaixo dos patamares de 2019. A perda acumulada do setor em termos globais, em 2020 e 2021, é vista como a maior crise da história da aviação civil (ICAO, 2022a, 2022b).

2Nesse contexto, sob o paradigma neoliberal como sistema de poder predominante no mundo (Dardot; Laval, 2019), o Estado voltou ao centro do debate, como é esperado em tempos de crise, sendo demandado para amenizar os problemas econômicos e sociais (Carvalho, 2020). No caso da aviação civil não foi diferente. Em inúmeros países, empresas de serviços de transporte aéreo comercial e de serviços aeroportuários, por exemplo, reivindicaram ações governamentais imediatas, logo após a eclosão da pandemia (Abate; Christidis; Purwanto, 2020; IATA, 2021a; OCDE, 2021).

3Em estudo realizado ainda em 2020, Abate, Christidis e Purwanto (2020, p. 1) avaliaram as medidas governamentais aplicadas ao setor do transporte aéreo após o estabelecimento da pandemia e observaram que a "maioria dos governos dá alta prioridade à manutenção da conectividade do transporte aéreo para proteger a atividade econômica e os empregos, na própria aviação e em setores relacionados, como o turismo". O estudo expôs que, tendencialmente, países com territórios mais amplos e de grande população, com uma rede aeroportuária doméstica expressiva, estariam menos suscetíveis à concessão de auxílio financeiro às companhias aéreas.

4Desta forma, neste artigo, objetivou-se analisar, a partir de dois estudos de caso, a ação governamental do Brasil e de Moçambique em resposta à crise do transporte aéreo, e se estes países seguiram aquela tendência ou se, por conjunturas nacionais específicas, deram respostas distintas ao setor ao longo dos anos de 2020 e 2021.

5O recorte espacial justifica-se por serem dois países do sul global (fugindo da centralidade europeia e estadunidense) que apresentam cenários significativamente diferentes no que se refere à aviação civil. Enquanto no caso brasileiro as companhias aéreas são todas privadas e os aeroportos vêm sendo concedidos, em Moçambique, o transporte aéreo e os aeroportos estão sob o domínio do Estado.

6Para o desenvolvimento deste estudo, realizou-se uma pesquisa bibliográfica e documental sobre a crise global no transporte aéreo, o perfil e as tendências das políticas de amparo ao setor. Posteriormente, para adentrar aos casos brasileiro e moçambicano, buscou-se dados disponíveis em órgãos oficiais de fluxo aéreo doméstico e internacional, receita das companhias aéreas e desemprego no setor, referentes aos anos de 2020 e 2021. Em sequência, identificaram-se as políticas públicas direcionadas, em especial, às empresas de transporte aéreo comercial regular.

7Cabe ainda acrescentar que este trabalho faz parte da Rede Internacional de Pesquisa Turismo em Tempos de Pandemia, que congrega pesquisadores da Argentina, Brasil, Moçambique e Portugal.

Em tempos de crise, ou não, o Estado sempre foi fundamental para o setor aéreo

8A globalização trouxe consigo o anseio pela redução dos tempos e das distâncias, sendo, de certa forma, “o ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista” (Santos, 2000, p. 24). A ampliada conectividade entre localidades e a intensa circulação de pessoas e mercadorias, características do mundo globalizado, estão estruturadas em uma rede urbana que envolve, de forma dinâmica, a reprodução das relações sociais de produção e que constitui a própria sociedade em articulação e em movimento (Corrêa, 2006). Assim, circulação, conectividade e localização territorial são elementos basilares no processo de difusão espacial de fenômenos de toda ordem, como o experimentado recentemente com o vírus SARS-CoV-2 (novo coronavírus), culminando, em menos de três meses do início de sua circulação, em uma pandemia, com a participação importante das rotas aéreas entre cidades, difundindo-se conforme a hierarquia urbana (Sposito; Guimarães, 2020; O’keefe, 2020; Monié, 2020; Guambe, 2019).

9O grande estímulo dado pelo capitalismo para a redução do tempo de circulação, conforme Harvey (2005), favoreceu, sobremaneira, o avanço dos meios de transporte, visto como um instrumento de aceleração da circulação e reprodução do capital. O autor, baseando-se em Marx, indica que, pelo fato de os meios de transporte serem quase inteiramente constituídos de capital imobilizado, sendo produzido e consumido ao mesmo tempo do seu uso, “o Estado é, muitas vezes, bastante ativo nessa esfera de produção” (Harvey, 2005, p. 49).

10Na aviação civil, o Estado é chamado a ser o grande investidor, especialmente em infraestrutura, pois “tais investimentos, em geral, são elevados, o que resultará em um prazo de retorno demasiadamente longo para os interesses privados” (Novaes, 2019, p. 29), portanto, o Estado assume riscos que as empresas não estão dispostas a assumir (Mazzucato, 2014). Em geral, os investimentos levam à modernização dos aeroportos, à melhoria dos serviços, à constituição de novas rotas e à redução do tempo de deslocamento, ampliando a fluidez territorial baseada nas redes técnicas e possibilitando o uso corporativo do território (Santos, 2003). Destarte, a aviação civil é estratégica para os assuntos do Estado, haja vista a sua importância para a integração nacional e para a integração entre países, ao mesmo tempo que seu uso é altamente seletivo (Santos; Silveira, 2004).

11A aviação civil envolve uma complexa gama de atividades que incluem, por exemplo, serviços de transporte aéreo de passageiros e de carga, infraestrutura e serviços aeroportuários, serviços de navegação aérea, indústria da aviação civil, formação de recursos humanos altamente especializados e atividades regulatórias. Tanto no Brasil, quanto em Moçambique, assim como em inúmeros países, todas essas atividades tiveram e têm seu desenvolvimento com uma atuação marcante do Estado. Ferreira (2017), por exemplo, demonstra a dependência da aviação nos Estados Unidos da América, símbolo de um país neoliberal, em relação ao Estado, com financiamentos, subsídios, obras de infraestrutura aeroportuária, controle aéreo, entre outros.

12O início da aviação comercial brasileira data dos anos 1920, sendo a Varig uma das empresas pioneiras que, similarmente a outras companhias aéreas mundiais, contou com incentivos governamentais na expansão de sua malha aérea. A Vasp, criada em 1933, após dificuldades financeiras e busca de auxílio governamental, foi estatizada em 1935. Nesse período, formou-se um oligopólio com quatro grandes empresas: Varig, Vasp, Transbrasil e Cruzeiro. A política nominada Sistemas Integrados de Transportes Aéreo Regional (Sitar), vigente entre os anos de 1975 e 1990, estabelecia as regiões nas quais determinadas empresas regionais poderiam operar com suplementação tarifária (Brasil, 1975). A Táxi Aéreo Marília (TAM), fundada em 1961, é um exemplo de empresa beneficiada pela Sitar (Camilo Pereira, 2010). O governo brasileiro também passou a incentivar a utilização de aeronaves produzidas no Brasil, e para isso contou com a Embraer, empresa pública criada em 1969 (Camilo Pereira, 2010). Os principais aeroportos brasileiros, por sua vez, eram todos administrados pela Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), empresa pública criada em 1972. Este período corresponde ao momento em que o Estado brasileiro, de forma mais sistemática, passou a estruturar, a planejar e a fomentar o desenvolvimento do transporte aéreo no país (Oliveira, 2009).

13A partir da década de 1990, sob o paradigma neoliberal, iniciou-se o processo de abertura do mercado do setor aéreo, que ocasionou, entre outros efeitos, a crise das antigas companhias aéreas nacionais (Ferreira, 2017). No mesmo contexto, em 1994, a Embraer foi privatizada e, em 2011, o governo iniciou a política de concessão dos aeroportos brasileiros. A partir dos anos 2000, os players da aviação comercial brasileira mudaram com a Tam, Gol e Azul, porém, a estrutura de oligopólio permaneceu. Em 2005, criou-se a Agência Nacional da Aviação Civil (ANAC), órgão da administração pública indireta, com a função de normatizar e supervisionar o setor, num período em que ao Estado foi delegada a função de "regulamentar e não mais de intervir".

14Em Moçambique, as raízes do setor aéreo datam do período colonial, com o surgimento da companhia aérea DETA (Direcção de Exploração de Transportes Aéreos), em 1935. Segundo Yussof e Vieira (2005), a DETA foi criada para satisfazer os interesses comerciais dos colonos portugueses com os países vizinhos de Moçambique, nomeadamente, África do Sul, Rodésia do Sul (Zimbábue), Suazilândia (Essuatíni) e Malawi. A DETA iniciou sua atividade de transporte aéreo com dois aviões, posteriormente, com a aquisição de mais aeronaves, encetou rotas domésticas. Mais tarde, passou a realizar rotas regionais e internacionais, com voos regulares para Luanda, Blantire, Antananarivo, Leopoldville, Livingstone e Lisboa. Após a independência de Moçambique (1975), em 1980, a DETA foi extinta, e substituída pela empresa estatal Linhas Aéreas de Moçambique (LAM). No mesmo ano, foi criada a Aeroportos de Moçambique (ADM), empresa estatal para a exploração de infraestruturas aeroportuárias até então vinculadas aos serviços da Aeronáutica Civil, herdadas do colonialismo.

15Em 1998, a LAM foi transformada numa sociedade anônima de responsabilidade limitada, tendo o Estado detido 91% das ações da companhia, e os gestores, técnicos e trabalhadores das LAM tornaram-se detentores dos 9% restantes (LAM, [s.d.]). Por sua vez, a empresa pública ADM abriu espaço para a participação do capital privado, porém, não obteve sucesso, haja vista a falta de interesse da iniciativa privada. O monopólio da LAM sobre as rotas nacionais foi ligeiramente reduzido com o surgimento de algumas pequenas empresas privadas de transporte aéreo, como a Moçambique Expresso (MEX), CFM Transportes e Trabalhos Aéreos SA, Transportes e Trabalhos Aéreos (TTA) e Solenta Aviation Mozambique SA, que passaram a operar, também, em algumas rotas nacionais. A ADM, que tem sob sua gestão 14 aeroportos (5 internacionais), construiu, recentemente, mais dois aeroportos, um em Nacala, em 2014, e outro em Chongoene, em 2020, a fim de ampliar a integração nacional e atender aos interesses de grandes corporações hegemônicas internacionais na exploração de recursos naturais e minerais do país (MTC, 2022).

A crise do transporte aéreo e o perfil das políticas de amparo ao setor no mundo

16Em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o status de pandemia do novo coronavírus, que, como dimensão escalar da difusão de uma doença, é reveladora de um evento que impõe mudanças e também remete a uma certa duração, natural, abreviada ou até mesmo prolongada, por princípios de (des)ordem, como componentes organizacionais dessa duração (Santos, 2003). Como exemplo de tais mudanças, as restrições de circulação impostas globalmente para evitar a disseminação do vírus levaram ao fechamento de fronteiras entre países, afetando sobremaneira a aviação civil e, consequentemente, o turismo (UNWTO, 2020).

  • 1 A IATA (International Air Transport Association) é uma associação que representa 290 companhias aér (...)

17Segundo relatório da IATA1 (2021b), a perda líquida do setor da aviação no ano de 2020 foi da ordem de US$ 137,7 bilhões, e de US$ 51,8 bilhões em 2021, sendo estimada, para o ano de 2022, perda em torno de US$ 11,6 bilhões, o que totaliza prejuízos de US$ 201 bilhões para o período 2020-2022, considerado o de maior crise da história da aviação civil. Para comparar com crises anteriores (por exemplo, a crise do petróleo, da década de 1970, os atentados de setembro de 2001 e a crise financeira de 2008), o Gráfico 1, elaborado pela Organização Internacional da Aviação Civil (OACI, sigla em inglês - ICAO), mostra a evolução do fluxo de passageiros de 1945 a 2022.

Gráfico 1. Evolução do fluxo mundial de passageiros do transporte aéreo – 1945-2022

Gráfico 1. Evolução do fluxo mundial de passageiros do transporte aéreo – 1945-2022

Fonte: ICAO (2022)

18Em 2020, registrou-se uma queda de 60% do fluxo mundial de passageiros, sendo o 2º trimestre do mesmo ano o período de maior impacto na aviação civil. Posteriormente, os fluxos deram sinais de relativa recuperação com oscilações. Com a retomada gradativa das viagens e o avanço da vacinação, em 2021, a queda dos fluxos foi um pouco inferior (-49%). O número de passageiros, em 2021, ficou em torno de 2,3 bilhões, com previsão de chegar a 3,4 bilhões, em 2022, número próximo ao do ano de 2014 e inferior aos 4,5 bilhões de 2019 (IATA, 2021b).

19Antes da pandemia, no final de 2019, segundo a OCDE (2021), havia cerca de 95 companhias aéreas internacionais e nacionais listadas no mundo, das quais somente 22 eram consideradas estatais e 7 possuíam participação minoritária de governos nacionais ou estrangeiros. Verifica-se, portanto, que 77% das companhias aéreas estavam sob o domínio integral da iniciativa privada quando a pandemia foi deflagrada. Nos países da OCDE, o apoio governamental às companhias aéreas foi, em sua grande maioria, concedido sob a forma de empréstimos e garantias de empréstimos, com prazo de vencimento que varia de quatro a seis anos (OCDE, 2021).

20Para a IATA (2021a), o suporte governamental durante os anos de 2020 e 2021 foi crucial para a sobrevivência e manutenção das companhias aéreas no mercado, totalizando, até o final de setembro de 2021, US$ 243 bilhões, distribuídos conforme Figura 1. Os tipos de suporte incluíram subsídios salariais, empréstimos, garantias de empréstimo, adiamento do pagamento de taxas, redução de obrigações fiscais, entre outros.

Figura 1. Ajuda financeira para empresas aéreas devido a covid-19 por tipo em bilhões de dólares (2020-2021)

Figura 1. Ajuda financeira para empresas aéreas devido a covid-19 por tipo em bilhões de dólares (2020-2021)

Fonte: IATA (2021)

21A distribuição deste suporte entre as regiões, no entanto, ocorreu de modo desigual. Empresas aéreas dos EUA, Ásia e Europa, por exemplo, receberam ajudas financeiras substanciais, enquanto as da América Latina e África receberam ajuda limitada (IATA, 2021a).

22Abate, Christidis e Purwanto (2020), a partir de amostra de 120 países, correlacionaram a dependência do setor aéreo ao fluxo e receita do mercado doméstico e internacional. No primeiro quadrante estão os países com forte dependência de fluxos e receitas internacionais; no segundo, os países com maiores fluxos domésticos, porém, mais dependentes de receitas de fluxos internacionais; por fim, no terceiro quadrante, os países com fluxos e receitas predominantemente do mercado doméstico. Para melhor visualização, Brasil e Moçambique estão destacados em vermelho na Figura 2.

Figura 2. Correlação entre Fluxo e Receita de Voos Domésticos e Internacionais

Figura 2. Correlação entre Fluxo e Receita de Voos Domésticos e Internacionais

Fonte: Abate; Christidis; Purwanto (2020)

23Ao analisarem o apoio dos governos às companhias aéreas e de sua recuperação, Abate, Christidis e Purwanto (2020) indicam que, probabilisticamente, países com maior dependência de recursos provenientes dos fluxos internacionais de passageiros (quadrantes I e II) tenderiam a ter uma recuperação mais lenta de suas companhias e estariam mais sujeitos a precisarem de benefícios governamentais. Em contrapartida, aqueles países cujo mercado doméstico oferecem maiores condições de ganho às empresas (quadrante III), a recuperação do setor seria mais rápida e os governos tenderiam a oferecer menores aportes financeiros.

24Entretanto, no próprio estudo, são evidenciadas algumas exceções, como o caso dos EUA, que possui um mercado doméstico expressivo e destinou cerca de US$ 61 bilhões, somente em 2020, para o resgate das empresas aéreas sob a forma de empréstimos e subsídios operacionais (Abate; Christidis; Purwanto, 2020).

25Como sugere a Figura 2, no Brasil, a demanda doméstica por transporte aéreo é expressiva, enquanto no caso moçambicano, ainda que a quantidade de passageiros domésticos supere a internacional, a dependência do fluxo internacional, em relação às receitas, é maior. Com esses dois casos distintos, é possível, portanto, analisar de perto como diferentes países reagiram frente à crise no setor aéreo, observando se seguiram as tendências apontadas por Abate, Christidis e Purwanto (2020).

O governo brasileiro, atenuador dos prejuízos

26Assim como ocorreu em todos os continentes, a queda dos fluxos de passageiros aéreos no Brasil foi abrupta nos meses de abril, maio e junho de 2020. Mas, com o afrouxamento das medidas restritivas de circulação de pessoas, as viagens aéreas domésticas tiveram um crescimento constante, apresentando nova queda apenas nos meses de fevereiro, março e abril de 2021, quando o país apresentou um novo pico de mortes por covid-19, com uma taxa de vacinação ainda muito baixa. Somente em 6 de agosto de 2021, o país atingiu 50% da população com a primeira dose da vacina e 22% com o esquema vacinal completo (Instituto Butantan, 2021), momento da retomada do crescimento contínuo dos fluxos de passageiros aéreos domésticos nos aeroportos brasileiros (Gráfico 2). Já o fluxo de passageiros internacionais, conforme o Gráfico 3, que desde a queda em abril de 2020 não apresentou crescimento expressivo, teve apenas um leve aumento nos meses finais de 2021.

Gráfico 2. Número de passageiros e de voos domésticos no Brasil (2019, 2020, 2021)

Nota: Os dados incluem passageiros de voos regulares e não regulares, embarque e desembarque.

Fonte: Brasil, Minfra, SAC, 2022. Organizado pelos autores (2022)

Gráfico 3. Número de passageiros e de voos internacionais no Brasil (2019, 2020, 2021)

Nota: Os dados incluem passageiros de voos regulares e não regulares, embarque e desembarque.

Fonte: Brasil, Minfra, SAC, 2022. Organizado pelos autores (2022)

27A queda do número de passageiros domésticos, de março a dezembro de 2020, foi de 64%, e de internacionais, de 87%, comparado ao mesmo período de 2019. Usando o mesmo ano de referência, em 2021, a retração de passageiros domésticos foi de 34%, e de internacionais, de 80%. Evidentemente, a redução de demanda refletiu na receita das companhias aéreas. Considerando as três únicas empresas de transporte aéreo doméstico regular no Brasil (Azul, Latam e Gol), verifica-se que suas receitas com o serviço doméstico tiveram uma queda vertiginosa no 2º trimestre de 2020 (-87% comparado ao mesmo período do ano anterior), com recuperação modesta no 4º trimestre do mesmo ano. Após nova queda nos 1º e 2º trimestres de 2021, voltaram a mostrar sinais de recuperação no 3º trimestre de 2021 (Gráfico 4), correspondendo ao movimento da demanda.

Gráfico 4. Receita com o transporte aéreo regular doméstico - Azul, Latam e Gol (2019, 2020, 2021)

Fonte: ANAC (2021). Organizado pelos autores (2022)

28No que se refere à receita com o serviço de transporte aéreo regular internacional, dentre as três empresas, a Latam dominava o mercado, portanto, foi a que mais sentiu os impactos da interrupção de rotas internacionais e da queda de passageiros (Gráfico 5), perdendo, no 2º trimestre de 2020, 97% da receita comparada ao mesmo período do ano anterior.

Gráfico 5. Receita com o transporte aéreo regular internacional - Azul, Latam e Gol (2019, 2020, 2021)

Fonte: ANAC (2021). Organizado pelos autores (2022)

A ação governamental brasileira em resposta a crise aérea

29O governo federal, por meio da Secretaria da Aviação Civil (SAC), do Ministério da Infraestrutura (Minfra) e da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), atuou para atender as primeiras necessidades das empresas do setor aéreo logo após a deflagração da pandemia.

30No primeiro mês de grande queda das receitas e dos fluxos de passageiros, em abril de 2020, a mídia já noticiava que o governo brasileiro, por meio do BNDES, estava em negociação com bancos privados para organizar um pacote de socorro às empresas do setor do transporte aéreo no valor total de R$ 7 bilhões (Mendes, 2020). De fato, o BNDES chegou a disponibilizar, em 2020, um programa de apoio emergencial direcionado às companhias aéreas com sede e administração no Brasil, de até R$ 1,2 bilhão por empresa (BNDES, 2020). Entretanto, as empresas aéreas pressionavam para que o Fundo Nacional de Aviação Civil fosse utilizado como garantia para a concessão das linhas de crédito por parte do BNDES (Mendes, 2020). O BNDES (2020), por sua vez, exigiu como garantia a alienação fiduciária das ações de emissão das companhias operacionais e de ações de propriedade de acionistas controladores, ou seja, o banco estatal teria participação nas ações das empresas como garantia do empréstimo, o que acabaria por diluir a participação dos acionistas. Após embates sobre as exigências feitas pelo banco estatal, envolvendo esta e outras questões referentes ao uso do recurso, prazos e juros, as companhias aéreas brasileiras não aceitaram as condições exigidas, e não acessaram a linha de crédito oferecida pelo governo brasileiro.

31Por outro lado, o governo brasileiro amenizou a crise das companhias aéreas por meio de uma série de ações de suporte operacional, adiamento de taxas e flexibilização dos direitos do consumidor, conforme sistematizado na Figura 3. Cabe ainda destacar que, diferentemente de alguns países, no Brasil, não houve nenhuma medida voltada para o fechamento dos aeroportos. As rotas aéreas foram reduzidas por decisão das próprias companhias em resposta à baixa demanda.

32Em 18 de março de 2020, o governo publicou a Medida Provisória (MP) n. 925/2020, destinada a estabelecer medidas emergenciais para a aviação civil brasileira, dentre elas, a ampliação do prazo de 7 dias para 12 meses para o reembolso de passagens por parte das companhias aéreas. O Minfra justificou a adoção da medida, uma vez que a “queda brusca na demanda por serviços de transporte aéreo provocada pela pandemia” causou “uma forte pressão sobre o fluxo de caixa” dessas empresas, além disso, a “desvalorização da moeda brasileira teve impacto negativo para as empresas do setor, já que vários de seus custos são dolarizados” (Senado Federal, 2020). Ainda no mesmo mês, o Decreto n. 10.284/2020 possibilitou a ampliação do prazo de vencimento das tarifas de navegação aérea.

33No mês de abril, o Minfra requisitou os pátios da Infraero e sob administração militar para estacionar as aeronaves que não estavam sendo utilizadas pelas companhias aéreas, de forma gratuita e temporária, possibilitado pelo Decreto n. 10.308/2020 e pela MP n. 945/2020. Em maio, a ANAC, por meio da Resolução n. 556/2020, flexibilizou as condições gerais de transporte aéreo, em relação aos seguintes pontos: I. prazo para as empresas informarem alteração de voo reduziu de 72 horas para 24 horas; II. suspensão de oferecimento de assistência material aos passageiros em caso de atrasos e cancelamentos; III. suspensão da obrigatoriedade de reacomodação em voos de outras empresas aéreas e execução do serviço por outra modalidade de transporte.

Figura 3. Políticas públicas do governo federal brasileiro de amparo ao setor do transporte aéreo (2020-2021)

Figura 3. Políticas públicas do governo federal brasileiro de amparo ao setor do transporte aéreo (2020-2021)

Organizado pelos autores (2022)

34Em 05 de agosto de 2020, a MP n. 925/2020 foi transformada na Lei n. 14.034/2020, que, dentre outras medidas, permitiu a aplicação dos recursos do Fundo Nacional da Aviação Civil (FNAC) como garantia de empréstimo, a ser celebrado até 31 de dezembro de 2020, aos detentores de concessão aeroportuária ou de concessão para a prestação de serviço regular de transporte aéreo e aos prestadores de serviço auxiliar ao transporte aéreo.

35Em dezembro de 2021, o governo federal promulgou a MP nº 1.089/2021, que extinguiu a necessidade de contratos de concessão de empresas aéreas e dispensou as empresas de fazer a revalidação da outorga a cada cinco anos.

36Cabe evidenciar que, apesar dessas medidas, no Brasil, em 2020, o setor de serviços de transporte aéreo regular de passageiros teve um saldo negativo entre admissão e demissão de -8.373 empregos, apresentando uma pequena melhora, em 2021, com um saldo positivo de 1.818 (Brasil, 2022).

O governo de Moçambique, o provedor dos recursos

37O contágio da covid-19, em Moçambique, apresentou um crescimento gradual e oscilante, em que ocorreram três ondas de contaminação, sendo a primeira nos meses de janeiro e fevereiro de 2021, a segunda em junho e julho do mesmo ano, e a última em dezembro de 2021 e janeiro de 2022 (Gráfico 6). Estas ondas de contágio foram acompanhadas por igual número de ondas de óbitos, tendo a última, felizmente, apresentado um número baixo, em contraste com os altos níveis de contaminação ocorridos nesse período, dominado pela variante Ômicron.

Gráfico 6. Evolução dos casos e de mortes por covid-19 em Moçambique (mar. 2020/abr. 2022)

Gráfico 6. Evolução dos casos e de mortes por covid-19 em Moçambique (mar. 2020/abr. 2022)

Fonte. Johns Hopkins University & Medicine, 2022

38Em Moçambique, apesar de as ondas de contágio e de mortes por covid-19 terem ocorrido mais tardiamente se comparadas a países americanos e europeus, seu transporte aéreo foi afetado em sincronia global, demandando medidas governamentais desde de março de 2020. O setor começou a registrar uma queda brusca do número de voos e de passageiros, nacionais e internacionais, em abril de 2020, como ilustram os Gráficos 7 e 8.

39A redução do número de passageiros domésticos, de março a dezembro de 2020, foi de 53%, e de internacionais, de 86%, em face ao mesmo período de 2019; comparando com 2021, a retração de passageiros domésticos foi de 37%, e a de internacionais, 59%. A queda menor em 2021 foi resultado de um ligeiro relaxamento das medidas de prevenção e do início do processo de vacinação, principalmente nos países desenvolvidos e detentores das maiores frotas e rotas aéreas internacionais para Moçambique.

Gráfico 7. Número de passageiros e de voos domésticos em Moçambique (2019, 2020, 2021)

Fonte. ADM (2022). Organizado pelos autores (2022)

Gráfico 8. Número de passageiros e de voos internacionais em Moçambique (2019, 2020, 2021)

Fonte. ADM (2022). Organizado pelos autores (2022)

40As rotas internacionais, em Moçambique, são operadas, principalmente, pelas companhias estrangeiras South African Airways, Ethiopian Airlines, Kenya Airways, Qatar Airways, TAAG Linhas Aéreas de Angola e TAP Air Portugal. A companhia nacional LAM atende rotas para países da África Austral com voos semanais, majoritariamente de e para Maputo, e rotas nacionais para todos os aeroportos do país. Em 2020, apenas a LAM manteve sua operação em voos nacionais e alguns internacionais, ao passo que as companhias estrangeiras reduziram ou pararam de operar voos regulares para Moçambique, retornando gradualmente a partir do último trimestre de 2020.

  • 2 A conversão monetária de US$ 1 correspondia a Mts 61,62, em 03/2018, e Mts 62,53, em 01/2019.

41A LAM, principal companhia aérea nacional, já estava numa situação crítica antes mesmo da pandemia, com uma dívida elevada, agravada em 2020, que a tornou quase inoperacional. O ativo total da empresa de 8.7 bilhões de Meticais2 (Mts), em 2018, reduziu para Mts 6,6 bilhões, em 2019. Contrariamente, os seus passivos aumentaram de Mts 16.5 bilhões, em 2018, e para Mts 18.4 bilhões, em 2019, e a dívida líquida evoluiu de Mts 15,4 bilhões, em 2018, para Mts 17,4 bilhões, em 2019, correspondentes a US$ 230 milhões (Martinho, 2021).

42A respeito das informações referentes a receita das companhias aéreas e da movimentação no emprego do setor da aviação civil de Moçambique, nos anos de 2020 e 2021, não foram possíveis serem acessadas dada a falta de transparência e publicização de tais dados.

A ação governamental moçambicana em resposta a crise aérea

43Para compreender os efeitos da crise gerada pela pandemia no setor do transporte aéreo e a ação governamental moçambicana em resposta a essa crise, primeiro é preciso ter em mente que em Moçambique, apesar da governamentalidade política ser neoliberal, diferentemente de outros Estados neoliberais, as iniciativas privadas coexistem, em alguns setores da economia, com empresas detidas total ou parcialmente pelo Estado, tal são os casos da LAM e da ADM. A Figura 4 sintetiza algumas das políticas públicas decretadas pelo governo moçambicano no âmbito da prevenção e mitigação dos efeitos da covid-19 para o setor do transporte aéreo.

Figura 4. Políticas públicas do governo de Moçambique de amparo ao setor do transporte aéreo (2020-2021)

Figura 4. Políticas públicas do governo de Moçambique de amparo ao setor do transporte aéreo (2020-2021)

Organizado pelos autores (2022)

44Em Moçambique, poucos dias antes do anúncio oficial do primeiro caso de infecção por covid-19, logo após o posicionamento da OMS, o governo tomou um conjunto de medidas restritivas para travar uma rápida propagação do vírus pelo país. O Decreto Presidencial nº 11, de 30 de março de 2020, declarou Estado de Emergência (EE), por razões de calamidade pública, em todo o território nacional, com a duração de 30 dias, iniciado em 1º de abril de 2020.

45Em seguida, o Decreto nº 12/2020 operacionalizou o EE, instituindo medidas gerais de execução administrativa, que, no caso do setor aéreo, em vez de amparar, restringiram as atividades, encerraram o funcionamento de apenas 4 aeroportos de um total de 14. Posteriormente, o Decreto nº 14/2020 reabriu o aeroporto de Nacala, passando para onze os aeroportos com permissão de funcionamento. O principal aeroporto do país, na cidade de Maputo, em nenhum momento teve suas atividades suspensas.

46Nos meses subsequentes, outros decretos atinentes ao EE foram divulgados, agravando ou relaxando as medidas de prevenção em função da evolução dos casos de contaminação e de mortes (Gráfico 6), momento em que os Decretos nº 23/2020, nº 37/2020 e nº 99/2020, apresentavam claramente um caráter de amparo, ainda que indireto e não específico ao setor aéreo.

47O Decreto nº 23/2020 aprovou as facilidades aduaneiras e fiscais, com vista a mitigar os efeitos econômicos da covid-19 sobre as empresas e as famílias. No caso das pequenas empresas, destacam-se o adiamento dos pagamentos do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (IRPC) para empresas com um volume de negócios abaixo de Mts 2,5 milhões até 2021 e a autorização da compensação dos créditos de Imposto sobre Valor Acrescentado (IVA), em conjunto com outros impostos até 31 de dezembro de 2020, o que beneficiaria as pequenas empresas aéreas.

48Igualmente, o Decreto nº 37/2020 aprovou as medidas econômicas e sociais adicionais, de exceção e temporárias, com vista a mitigar o impacto da pandemia durante o período de vigência do EE, como a redução em 10% na tarifa de energia elétrica para empresas, o perdão de multas sobre as dívidas à segurança social (INSS) e a redução da taxa de juros para pagamentos devidos. Além disso, foi aberta uma linha de crédito de US$ 14,5 milhões para o apoio às Pequenas e Médias Empresas (PMEs) afetadas pela crise para tesouraria e aquisição de equipamentos e uma linha de crédito de US$ 8,7 milhões reembolsável a uma taxa de juros de 4%. Estas linhas de empréstimo, geridas pelo Banco Nacional de Investimento (BNI), não foram suficientes para cobrir as necessidades de financiamento demandadas pelas PMEs (Moçambique, 2021a; Muianga; Ibraimo, 2021).

49O Decreto nº 99/2020 aprovou o regulamento do uso do “selo limpo”, cujo objetivo foi apoiar o setor do turismo e áreas afins, incluindo os aeroportos, no cumprimento e observância dos protocolos sanitários para prevenção e controle da covid-19, no intuito de retomar de forma segura o exercício das atividades sociais e econômicas, permitindo a reconquista da confiança dos turistas e consumidores dos produtos e serviços turísticos, nacionais e internacionais, bem como promover o país como destino "Limpo e Seguro", e por via disso incrementar as receitas no setor de transportes aéreos.

50Apenas uma medida ou ação governamental teve um claro objetivo de amparo direto ao setor, tomada no âmbito do financiamento ao setor empresarial do Estado para compensar a redução drástica das receitas das empresas municipais de transportes públicos e do setor aéreo em função das medidas tomadas em observância do limite de passageiros. De acordo com o relatório do uso de fundos no âmbito da covid-19, do Ministério de Economia e Finanças (Moçambique, 2021b), dos US$ 5.305.797,10 destinados ao apoio ao setor empresarial do Estado, 35% (US$ 1.876.525,59) foram utilizados para apoiar os Aeroportos de Moçambique e 20,4% (US$ 1.085.740,43) para a LAM.

Considerações Finais

51A partir dos casos apresentados neste estudo, é possível constatar o papel central do Estado no setor aéreo, que se acentua ainda mais em tempos de crise, mesmo quando as teorias neoliberais afirmam que ao Estado cabe apenas o papel de regulamentar as relações econômicas. Harvey (2013) destacara as contradições das teorias neoliberais, dentre elas: 1. o Estado neoliberal é posto para assumir um poder secundário, por outro lado, espera-se que ele seja ativo na criação de um clima de negócios favorável e se comporte como entidade competitiva na política global; 2. embora, em tese, as virtudes da competição recebam prioridade máxima, a realidade mostra uma crescente consolidação do poder nas mãos de poucas corporações multinacionais.

52Apesar de suas contradições teóricas, o neoliberalismo não só sobrevive como sistema de poder vigente, como se reforça e se radicaliza crise após crise, em especial, desde a década de 1970 (Dardot; Laval, 2019). É importante compreender que o neoliberalismo trata-se fundamentalmente “de uma racionalidade política que se tornou mundial e que consiste em impor por parte dos governos, na economia, na sociedade e no próprio Estado, a lógica do capital até a converter na forma das subjetividades e na norma das existências” (Dardot; Laval, 2019). Andrade, Cortês e Almeida (2021) complementam: o neoliberalismo pode ser definido como a construção política da sociedade conforme o modelo de mercado, constituindo o regime de governamentalidade predominante na fase atual do capitalismo. Nesse sentido, não há incoerência em verificar a atuação dos Estados no amparo às empresas sob o paradigma neoliberal, pois o Estado nunca deixou de ser central ao sistema capitalista de produção (Harvey, 2005).

53A ação governamental em resposta à crise do transporte aéreo de passageiros, no caso brasileiro, significou a promulgação de uma série de medidas para atenuar os efeitos da pandemia e seus desdobramentos no caixa das companhias aéreas. Já no caso moçambicano, pelo fato de a principal companhia aérea pertencer majoritariamente ao Estado, ela recebeu recursos diretos dos cofres públicos.

54No Brasil, a demanda doméstica, que é a mais expressiva para as empresas nacionais do setor aéreo, apresentou sinais de recuperação a partir do segundo semestre de 2020, o que, pelos estudos de Abate, Christidis e Purwanto (2020), tenderia a demandar menos aportes financeiros governamentais. De fato, o empréstimo de recursos para as companhias aéreas não se materializou, devido a recusa das empresas em aceitar as exigências impostas pelo banco estatal (BNDES) referentes à linha de crédito, pois não era de interesse dos acionistas terem suas ações desvalorizadas. Fato é que isto recaiu sobre os trabalhadores do setor, que, em 2020, contabilizou milhares de desempregados. O processo de retomada dos fluxos (passageiros e voos) ocorreu de forma mais acentuada a partir de outubro de 2021, mas estes ainda não chegaram aos patamares de 2019, pois a crise sanitária ampliou a crise econômica já vivenciada no país, desacelerando a retomada do setor aéreo.

55A aparente tímida ajuda governamental poderia corroborar o entendimento apontado por Abate, Christidis e Purwanto (2020), porém, as medidas demonstram uma ajuda substancial, que se expressa mais de modo indireto e qualitativo, tais como: ampliação do prazo para reembolso, ou seja, a retenção de valores desembolsados pelos consumidores; suspensão de oferecimento de assistência material aos passageiros em caso de atrasos e cancelamentos ou reacomodação em voos de outras empresas aéreas; adiamento de pagamento de taxas; suporte operacional para o estacionamento de aeronaves em desuso, de forma gratuita; e uma socialização das perdas, que, se não garantem o lucro de imediato, trazem sobrevida aos negócios e possibilitam lucros futuros em caso de extensão temporal dessas medidas. Diante deste cenário, tornou-se mais cômodo às empresas a negativa aos empréstimos governamentais que exigiram contrapartidas.

56Quanto a Moçambique, para Abate, Christidis e Purwanto (2020), o país, ainda que tivesse tendência a auxiliar suas empresas, não concederia ajuda significativa. No entanto, os percentuais apresentados quanto aos fundos de auxílio às empresas estatais contrariam esta tendência, posto que o setor do transporte aéreo – aeroportos e companhia aérea – tiveram aportes de cerca de 55% do orçamento destinado ao socorro de empresas do Estado. Além disso, cabe evidenciar que, apesar de o setor aéreo de Moçambique ser mais dependente dos fluxos internacionais, a LAM, sua maior companhia nacional, é dependente, sobretudo, dos fluxos domésticos, pois as rotas internacionais são dominadas por empresas estrangeiras. Importa salientar que o fato de a LAM ser parte do setor empresarial do Estado faz toda diferença para a recepção do auxílio estatal.

57Por fim, entende-se que o auxílio financeiro direto prestado pelo Estado moçambicano ao setor aéreo e as diversas formas de suporte prestados às companhias aéreas, tal como no Brasil, se caracterizam como a união dos preceitos de uma governamentalidade neoliberal, de auxílio ao setor econômico, e das prerrogativas e necessidades estatais de manutenção dos fluxos e redes aéreas, em atendimento à integração nacional e ao uso corporativo do território.

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Notes

1 A IATA (International Air Transport Association) é uma associação que representa 290 companhias aéreas que correspondem a 82% do tráfego aéreo global (IATA, 2021, 2021b).

2 A conversão monetária de US$ 1 correspondia a Mts 61,62, em 03/2018, e Mts 62,53, em 01/2019.

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Table des illustrations

Titre Gráfico 1. Evolução do fluxo mundial de passageiros do transporte aéreo – 1945-2022
Crédits Fonte: ICAO (2022)
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Titre Figura 1. Ajuda financeira para empresas aéreas devido a covid-19 por tipo em bilhões de dólares (2020-2021)
Crédits Fonte: IATA (2021)
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Titre Figura 2. Correlação entre Fluxo e Receita de Voos Domésticos e Internacionais
Crédits Fonte: Abate; Christidis; Purwanto (2020)
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Légende Nota: Os dados incluem passageiros de voos regulares e não regulares, embarque e desembarque.
Crédits Fonte: Brasil, Minfra, SAC, 2022. Organizado pelos autores (2022)
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Légende Nota: Os dados incluem passageiros de voos regulares e não regulares, embarque e desembarque.
Crédits Fonte: Brasil, Minfra, SAC, 2022. Organizado pelos autores (2022)
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Crédits Fonte: ANAC (2021). Organizado pelos autores (2022)
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Crédits Fonte: ANAC (2021). Organizado pelos autores (2022)
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Titre Figura 3. Políticas públicas do governo federal brasileiro de amparo ao setor do transporte aéreo (2020-2021)
Crédits Organizado pelos autores (2022)
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Titre Gráfico 6. Evolução dos casos e de mortes por covid-19 em Moçambique (mar. 2020/abr. 2022)
Crédits Fonte. Johns Hopkins University & Medicine, 2022
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Crédits Fonte. ADM (2022). Organizado pelos autores (2022)
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Crédits Fonte. ADM (2022). Organizado pelos autores (2022)
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Titre Figura 4. Políticas públicas do governo de Moçambique de amparo ao setor do transporte aéreo (2020-2021)
Crédits Organizado pelos autores (2022)
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Référence électronique

Carolina Todesco, José Júlio Júnior Guambe, Thays Regina Rodrigues Pinho, Marcos Paulo Fernandes et Amilton Luiz Novaes, « O Estado perante a crise do transporte aéreo: os casos de Brasil e Moçambique »Confins [En ligne], 56 | 2022, mis en ligne le 30 septembre 2022, consulté le 06 décembre 2024. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/48428 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/confins.48428

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Carolina Todesco

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, carolina.todesco@ufrn.br

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José Júlio Júnior Guambe

Universidade Pedagógica de Maputo, jjjguambe137@gmail.com

Thays Regina Rodrigues Pinho

Universidade Federal do Maranhão, thays.pinho@ufma.br

Marcos Paulo Fernandes

Universidade de São Paulo, marcos.paulo.fernandes@usp.br

Amilton Luiz Novaes

Universidade Federal da Grande Dourados, amiltonnovaes@ufgd.edu.br

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