1Existe uma ideia constante presente nos estudos sobre o turismo na Região Amazônica em que essa atividade é entendida como uma atividade econômica potencial, e que pode muito bem servir a uma espécie de desenvolvimento alternativo, congregando os elementos da floresta Amazônica e da preservação ambiental, com a potencialidade de geração e diversificação de renda e empregos. Essa ideia parte de dois princípios sobre a região: em primeiro lugar a ideia de pobreza, geralmente associada às populações amazônicas carentes de bens materiais e, portanto, de mais desenvolvimento e crescimento econômico, e, em segundo lugar, as ameaças das atividades econômicas mais comuns da região, que devastam a floresta e a biodiversidade, como extrativismo mineral, pecuária e agronegócios.
2Nessa chave de pensamento, o turismo aparece em todos os planos de governo para a Amazônia desde a ditadura militar (de 1964 a 1985) até hoje (Figueiredo, 1999; Figueiredo, Nóbrega, 2015). A perspectiva de desenvolver a região por meio do turismo aparece em diversos planejamentos governamentais e se traduzem em políticas públicas que nem sempre logram êxito.
3As tentativas questionáveis de desenvolvimento do turismo na região, centradas nos fluxos internacionais provenientes da Europa e Estados Unidos, nas experiências de receptivo para turistas provindos da região sudeste brasileira, na hotelaria tradicional, e na relação com o ecoturismo elitista, demonstram que o turismo que existe na região, as viagens e mobilidades, não são fruto de práticas turísticas tradicionalmente estudadas e incentivadas pelos planejamentos governamentais (Figueiredo, Nóbrega, 2015).
4Os planos, programas e projetos oriundos das principais políticas públicas para a região prometeram diversos benefícios para os moradores locais, introduziram possibilidades participativas e provocaram movimentos para transformar o turismo em uma atividade importante para as famílias amazônicas (Farias, Figueiredo, 2021). O abandono de expectativas de melhoria de vida dessas populações locais a partir do turismo, e decepção com a participação no planejamento, a partir das experiências das chamadas “instâncias” de governança, e na arena pública, conduziram a região para a permanência de um eterno espectro da potencialidade.
5O presente estudo expõe as abordagens de entendimento do turismo na Região Amazônica e o campo do turismo baseado na prática cotidiana dessa atividade. Foi realizado a partir de pesquisa in loco e em materiais da internet com diversas experiências de turismo comunitário, de base comunitária e outros experimentos, no decorrer de 2018 e 2019. O avanço da pandemia de Covid-19 (Figueiredo, 2020), alterou e interrompeu muitas dessas práticas, mas suas essências se mantiveram e serviram para o entendimento do turismo que pode ser percebido na região.
6A pesquisa foi realizada nas principais experiências relacionadas pelos programas estaduais de turismo de três estados da Amazônia Legal: Amazonas, Pará e Tocantins. Algumas experiências foram visitadas com pesquisa in loco (Soure, Moju, Santarém, Belterra e Iranduba). Outras informações foram coletadas por meio remoto, e em relatórios de gestão. A pesquisa observou os objetivos das práticas, as atividades desenvolvidas e as características da gestão, produzindo a análise e a categorização das experiências.
7O campo do turismo e campo científico do turismo tem um marco, a viagem realizada por Thomas Cook em 1841. Nela, surge a prática da organização da viagem para lazer e sua comercialização (Figueiredo, Ruschmann, 2004). Na atualidade há uma evidente modificação e ampliação do campo, com a diversificação das práticas, incorporação da autogestão, do e-tourism (Beni, 2017), redes de Turismo de Base Comunitária, da ausência de formas tradicionais de comercialização.
8O campo do turismo diz respeito a todos os agentes que o compõem e seu estudo depende de igual forma de um campo científico do turismo, em consolidação, e cujos pesquisadores disputam o monopólio da competência e da expertise com outros campos consolidados de ciências tradicionais.
9O campo turístico é representado pelos agentes e relações que fazem a prática turística acontecer. Ele é influenciado pelo campo científico do turismo que, elaborando conceitos e categorias, acaba por criar novas práticas (ou “boas práticas”). Os agentes e relações podem ser identificados como redes, sistemas, cadeias, arranjos, processos com características relacionais e reflexivas, em disputa, em forças opostas que buscam a manutenção de suas estruturas e de sua reprodução. Os principais agentes em campo são os turistas e as comunidades receptoras, pois o encontro é o principal fato social do turismo. Essa relação é dinamizada pelas atuações de empresas hoteleiras, transportadoras e operadores, pelas instâncias governamentais, pelas associações da sociedade civil e por organizações não governamentais (Figueiredo, Nóbrega, 2015).
10Apesar da centralidade da prática turística ser a relação entre turista e residentes, no encontro e na interação, o campo normalmente é organizado e estruturado a partir das necessidades da instância governamental, que, dependendo das forças em disputa e da feição da política, definem as posições dominantes. Esse movimento é alimentado pelo ideário do desenvolvimento.
11Novos agentes se juntam na compreensão do turismo na Amazônia. As comunidades amazônicas possuem fortes mobilidades entre as cidades da região, principalmente as ribeirinhas, com fluxos intensos de barcos entre cidades. Como novidade, temos a diversidade de aplicativos que geram novos atores e agentes no campo, como o Airbnb (empresa que faz mediação de aluguéis de casas e quartos), e outros agentes como as Redes de Turismo de Base Comunitária.
12O Turismo de Base Comunitária surge a partir de três aspectos importantes: as ideias ambientalistas promovidas a partir da década de oitenta, em consonância com o surgimento de novas expressões como o Desenvolvimento Sustentável; a expansão do turismo no mundo, com viagens realizadas não somente nos destinos tradicionais, como nas cidades europeias, mas em áreas naturais e em países do capitalismo periférico, a partir do ecoturismo; e a oportunidade das comunidades assumirem a gestão de visitas turísticas a partir da diversificação de suas atividades econômicas e alternativas de reprodução.
13Aliado a isso, muitas comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais de áreas “naturais”, como a Amazônia, constroem aos poucos suas características autonômicas, com a parceria de ONGs e políticas públicas oriundas de governos democráticos, no final do século XX e primeira década do século XXI, perpassadas pelas noções de sustentabilidade. Para Bartholo, Sansolo e Bursztyn (2009), o turismo de base comunitária é, antes de tudo,
uma expressão do mundo contemporâneo, onde as pessoas não se contentam mais em comprar, em vender. Vive-se um período em que produzir simulacros de relações, da espetacularização da natureza e da cultura com intuito de mercantilização começa a ser questionado. O que o ser humano tem de mais rico é a sua possibilidade de relação direta com o outro e com o diverso (Bartholo; Sansolo; Bursztyn, 2009, p. 21)
14O TBC aparece em estudos das experiências na América Latina, em países como Costa Rica, Equador, Colômbia, Chile e Brasil. Essas experiências produziram um campo de estudo que diz respeito a formas alternativas de turismo caracterizadas pela participação intensa da comunidade na gestão da visita, controle e envolvimento do processo (Maldonado-Erazo et ali, 2020). Vale lembrar que atualmente os debates são intensos sobre a mercadorização e a captura de tais processo por grandes corporações e startups (de agenciamento ou hoteleiras). Nesse sentido, Silva, Matta e Coimbra de Sá (2016), ressaltam que no TBC, a organização não é empresarial, e sim solidária e sustentada no comunitarismo.
15O Turismo de Base Comunitária faz parte de uma grande e complexa experiência de comunidades mundiais em produzir alternativas de renda para suas reproduções, incluindo aí a recepção de grupos diversos em viagens para experienciar a vida em comunidade. As necessidades de comunidades, principalmente em países não hegemônicos, de complementar suas rendas e fazer frente aos mercados globalizados e às grandes corporações possibilita uma dimensão de experiências alternativas de renda, e nesse sentido, o TBC concorre para ser uma das ações realizadas com relativo sucesso.
16Alternativas econômicas não seriam de per si as razões da existência desse tipo de prática, que se basearia principalmente nas micro-organizações das periferias das cidades ou de populações de áreas rurais que estruturam seus cotidianos em outras bases, ainda que em contato com os grandes mercados.
17As experiências de TBC na região amazônica apresentam-se diversas, tal como as comunidades em que são desenvolvidas, pois exprimem diversidades culturais e ambientais. Elas se caracterizam muitas vezes por estarem em áreas protegidas, ou em suas circunvizinhanças. Também se apresentam com diversidade de gestão.
18A Região Amazônica abrange o Brasil e diversos países da América do Sul, o que se considera a Pan-Amazônia. Inclui áreas do Peru, Equador, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Guiana, Guiana Francesa e Suriname. A Amazônia Legal, que orienta as ações de estado, representa 58,9% do território brasileiro e dentro da divisão administrativa e federativa, é formada pela maior parte dos estados a Região Norte do Brasil. Faz parte do “Domínio Morfoclimático Amazônico”, com hidrografia volumosa, sendo o Amazonas o maior e mais importante dos rios, com inúmeros afluentes (Alves, Carvalho, Lasmar, 1990). Cerca de quatro milhões de quilômetros quadrados da Amazônia brasileira eram originalmente recobertos por florestas. O processo de desmatamento acentuou-se nas últimas quatro décadas, concentrado nas bordas sul e leste da Amazônia Legal, área denominada por arco do desmatamento (IBGE, 2011).
19Os impactos ambientais da derrubada da vegetação e posterior queima da área permeiam os meios biótico, abiótico e antrópico. Apesar de todos os esforços no intuito de controlar estes impactos e o avanço do desmatamento, em tentativas de implementar o uso racional sustentável do solo e dos recursos, o que se vê ainda é a fragmentação da floresta com todas as suas consequências sociais e ambientais.
20A formação social e econômica da Região Amazônica é marcada inicialmente pelo domínio do ecossistema florestal e do extrativismo, depois por meio da conversão deste ecossistema em grandes áreas agricultáveis (principalmente monoculturas) e extensas áreas voltadas à produção da pecuária, paralelamente à exploração mineral e, finalmente, com a domesticação de determinadas espécies vegetais com alto valor comercial. Esses modelos reproduziram esquemas de desenvolvimento ligados ao aumento de desigualdades, exploração desenfreada dos recursos florestais e autoritarismo decisório. Na década de 1980 do século XX ocorreriam mudanças significativas nos municípios da Amazônia, ocasionando um crescimento acelerado da população na zona urbana, das atividades comerciais, industriais e de serviços (Castro, 2009; Figueiredo, Nóbrega, 2015).
21Ao longo dos anos, atividades como mineração e agropecuária se intensificaram, as cidades alcançaram uma importância sem precedentes, inclusive as cidades médias, com o aumento de seus moradores (Castro, 2001, 2009). Os índios e povos tradicionais sofrem impactos sistemáticos, e a região se transforma em fronteira para um tipo de desenvolvimento regional, com tentativas insistentes em incorporar a ideia de sustentabilidade nos planos e na estratégia de desenvolvimento. Para Costa (2012), as trajetórias tecnológicas campesinas na Amazônia demonstram capacidades desse campesinato se reproduzir mediante uma noção de desenvolvimento regional, articulada geralmente por uma noção técnica de planejamento, que não reconhece por exemplo as diversidades dessas trajetórias, representadas pelas comunidades tradicionais.
22O turismo na Amazônia sempre foi visto com potencialidade e entusiasmo pelo planejamento do desenvolvimento regional, ora pensado como complemento às atividades ditas tradicionais, articulando-se com a vida dos campesinos e ribeirinhos na agricultura familiar, extrativismo e pesca, ora como verdadeira alternativa a empreendimentos impactantes representados pelos grandes projetos mineradores e agropastoris.
23Para a Amazônia, os planos de turismo aparecem ainda no governo autoritário em 1977, um inventário das atrações e potencialidades (SUDAM, 1977). A partir de então, várias ações e propostas de planejamento seriam implementadas. Em dezembro de 1997 foi lançado o documento Estratégia para o Desenvolvimento Integrado do Ecoturismo da Amazônia Legal, e com ele, o Programa de Desenvolvimento do Ecoturismo na Amazônia Legal – Proecotur. O Proecotur representaria a possibilidade de implementação de ações efetivas para o desenvolvimento do turismo, juntamente com a elaboração dos Planos de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável (PDTIS) sugerindo estratégias para os estados da Amazônia. Nesse movimento são definidos 15 polos de ecoturismo.
24O Plano Amazônia Sustentável (PAS), já no início do século XXI, continua a tarefa de planejar o desenvolvimento da Amazônia e nele o turismo é tratado como atividade econômica, econegócio e serviço ambiental, como possibilidade produtiva sustentável, com inovação e competitividade, mais especificamente o turismo sustentável e ecoturismo, aliados ao manejo florestal, à produção agropecuária, a utilização econômica da fauna (pesca, aquicultura, etc.), à produção mineral, e à produção industrial. Atenta como de costume para o “engajamento das comunidades autóctones no processo de desenvolvimento do setor”, e reforça os chamados “microempreendimentos” (BRASIL, 2008). Os objetivos no PAS para o turismo são baseados no Programa de Regionalização do Turismo – Roteiros do Brasil (PRT), lançado 2004 pelo Governo Federal por meio do MTUR, e dessa forma seria possível planejar e formatar roteiros e produtos turísticos sustentáveis e promover sua comercialização nos mercados nacional e internacional.
25Nesse contexto de políticas públicas e atividades turísticas, foram e são muitos os agentes que formaram e formam o campo das práticas turísticas na Amazônia, desde instituições como Sudam, Ministérios (Meio Ambiente, Turismo, Integração Nacional), Embratur, Ibama, Governos Estaduais, Organização dos Estado Americanos, Sebrae, até mesmo ONGs que atuam como catalizadores de experiências inovadoras de turismo, como o turismo de base comunitária. Os turistas, no campo, são pensados geralmente como consumidores, e outros agentes são definidores dos rumos e da feição que o turismo ganha na região: os empresários. Essa classe na verdade é responsável pela dinamização da “atividade econômica turismo”, na hotelaria, agenciamento, alimentação, transportes e outras atividades.
26Manaus e Belém, respectivamente capitais do estado do Amazonas e do Pará, apresentam as principais estruturas e organizações turísticas da região, inclusive como vetores de fluxos de visitantes e de fluxos de investimentos para as outras cidades e para algumas zonas rurais e costeiras. Santarém, outra cidade da região, também possui um papel de destaque se consolidado aos poucos como destino receptor em função das atrações da Vila de Alter-do-Chão. Além disso, as capitais, mais Santarém, são emissores de turistas regionais para municípios da própria região, aspecto importante na dinamização da economia regional quase sempre esquecido nas análises, planejamentos e estudos acadêmicos. Os aeroportos da região, principalmente Belém e Manaus, recebem voos internacionais regulares, mas em reformulação em função da Pandemia de Covid-19.
27Alguns municípios da Região Norte foram titulados pelo MTUR como destinos referência em ecoturismo no território nacional. O título direcionado à Boa Vista (RR), Barcelos, Manaus e Parintins (AM), Rio Branco (AC), Porto Velho (RO), Macapá (AM), Palmas e Mateiros (TO) e Belém e Santarém (PA), na verdade foi um estímulo do MTUR para desenvolver diferentes segmentos no Brasil e, como a Região Amazônica traz em um apelo voltado principalmente ao segmento ecoturístico, esses municípios poderiam se transformar de “destino indutor” para uma “referência em ecoturismo” no território brasileiro. Atualmente o planejamento nacional e regional se baseia nas Rotas Turísticas Estratégicas do Brasil, definidas no programa Investe Turismo, desenvolvido pela parceria entre o Ministério do Turismo (MTUR), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) e a Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (EMBRATUR) (Brasil, 2019).
28O TBC na Amazônia Brasileira vem sendo desenvolvido desde o final do século passado, a partir de iniciativas isoladas associadas inicialmente ao Ecoturismo, em torno de Manaus, Belém e Santarém.
29Essa associação é comum, uma vez que muitas comunidades habitam principalmente essas áreas naturais, próximas ou dentro de áreas protegidas de diversos tipos e categorias, com manejos específicos para a visitação no entorno ou mesmo dentro das áreas. Ainda que existam experiências urbanas, a relação do TBC com o ecoturismo foi importante para incentivar as experiências comunitárias, como mostra, por exemplo, o estudo de ANDREU (2008) na Costa Rica.
30Apesar dos modelos do final do século XX relativos à região Amazônica serem representados pelos grandes hotéis de selva (Ariaú no Amazonas), hotéis em Santarém e grandes pousadas na Ilha de Marajó (pousadas Marajoara e dos Guarás), as comunidades passam de receptores de turistas em passeios operados por esses grandes empreendimentos e por operadoras externas, para organizarem seus próprios processos receptivos. A presença de diversas ONGs, e das associações com Instituições de Ensino Superior fazem com que se fomente recursos para as articulações com comunidades, e para as decisões sobre a recepção de visitantes e os mecanismos para a concretização dessas decisões.
31Nesse período, diversas comunidades já recebiam turistas em modelos de visitação que acompanhavam as expectativas de um público tradicional de turismo, e a preparação de atividades, incluindo apresentações indígenas “fakes”, apenas para satisfazer a busca de exotismo pelos turistas e as necessidades das empresas.
32A presença de algumas instituições, e a associação a redes de Turismo de Base Comunitária, como a Turisol, promovem uma segunda fase de recepção desses visitantes e, inclusive, a mudança do perfil de quem visita, a partir das articulações dessas redes como outras grandes redes mundiais. Incluem-se aí públicos em busca de lazer das cidades próximas, e de estudantes de escolas de ensino fundamental, médio e de universidades, com o objetivo de complementação de estudos e imersão em sistemas de vida diversos.
33Os quadros 1 a 6 apresentam um resumo das diversas iniciativas de TBC que se localizam exatamente na região, no início do século XXI, a partir dos anos 2000.
Quadro 1 - Iniciativas de TBC na Amazônia – Estado do Pará (Regiões Marajó e Salgado)
Iniciativas
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Objetivo
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Atividades
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Gestão
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Local
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Praia do Pesqueiro, Ilha do Marajó
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Primeira reserva extrativista marinha do Pará, em sua área predominam os manguezais. Especialização para aproveitamento do fluxo de turistas nas praias do Marajó para integrá-los ao dia a dia dos ribeirinhos. Oportunidades como empregos, fortalecimento das formas culturais, práticas culinárias, tradições e rituais, e financiamentos para proteção de áreas naturais.
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Passeios na Reserva Extrativista (Resex) Marinha de Soure. Pesca artesanal, passeios de igarapé, andar em búfalos, cultura local praiana e gastronomia. Hospedagem em casas dos pescadores.
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Associação das Mulheres do Pesqueiro – Asmupesq. Apoio e incentivo do ICMBio. Parceria com a agência Turismo Consciente, de São Paulo
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Soure, PA
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Quilombos África e Laranjituba
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Promover o desenvolvimento e participação das comunidades, com geração de renda.
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Visita às comunidades, trilha pela floresta, banhos de igarapé, roda de conversa e almoço.
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Associação de moradores.
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Moju, PA
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Gurupá Terra das Águas
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Projetos de manejo florestal do açaí e educação no campo.
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Roteiro Gurupá Terra das Águas. Artesanato.
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Instituto Gurupá e Casa Familiar Rural de Gurupá. Movimentos sociais.
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Gurupá, PA
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TBC Curuçá
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Promover o Ecoturismo de Base Comunitária na Reserva Extrativista Mãe Grande de Curuçá, resgatar e valorizar a cultura, a história e a conservação do meio ambiente.
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Almoço nas praias, nas barracas de pesca, visita às casas de farinha. Visita à base científica da Ilha de Ipomonga. Danças e cultura regional (Carimbó). Hospedagem nas casas dos comunitários.
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Instituto Peabiru
Cooperativa de Ecoturismo Comunitário de Curuçá. Instituto Tapiaim. Incentivo do Mtur (Edital). Parcerias com duas agências: Estação Gabiraba de Belém e o Turismo Consciente de São Paulo.
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Curuçá, PA
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Fonte : Elaboração própria a partir de estudos referenciados e sites das iniciativas (2020-21)
34As iniciativas próximas à capital do Estado do Pará, Belém, se caracterizam pela presença de turistas regionais e práticas educativas (Quadro 1). As Fotos 1 e 2 representam as experiências dos passeios na Reserva Extrativista (Resex) Marinha de Soure (Pará), realizadas pela Associação das Mulheres do Pesqueiro (Asmupesq), com o apoio e incentivo do ICMBio.
Imagem 1 Hospedaria na Vila do Pesqueiro, Soure (Pará).
Fonte: Boulhosa, 2021 (Foto de autoria de Marinete Boulhosa)
35Hospedaria da Amupesq, na Vila de Pescadores da Praia do Pesqueiro, Soure (Pará).
Imagem 2 – Passeio do Turu
Fonte: Boulhosa, 2021 (Foto de autoria de Marinete Boulhosa)
36Roteiro para presenciar a coleta do Turu (molusco comestível da região), Soure (Pará).
Quadro 2 - Iniciativas de TBC na Amazônia – Estado do Pará (Regiões Oeste do Pará)
Iniciativas
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Objetivo
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Atividades
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Gestão
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Local
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Reserva Extrativista Tapajós – Arapiuns (Comunidade de Anã) e Assentamento Extrativista Gleba Lago Grande (Comunidades de Vila Amazonas, Atodi e Arimum).
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Aumentar a renda gerada e o número das comunidades participantes. Consolidar o ecoturismo com mobilização, planejamento, organização e qualificação.
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Os roteiros turísticos de cerca de 5 dias, de 8 a 15 visitantes, hospedados nos barcos ou nas casas dos moradores, atividades nas comunidades, cultura ribeirinha cabocla, remanescente de quilombolas e comunidades indígenas, Pousada comunitária. Visita às iniciativas sustentáveis da comunidade.
Outras atividades: Apicultura, artesanato, horta e viveiro de mudas.
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Projeto Saúde e Alegria atuando em 100 famílias ribeirinhas. Amazônia Ribeirinha (Projeto Bagagem).
Programa de ecoturismo: administrado inteiramente pelos comunitários, através da cooperativa Turiarte – Cooperativa de Turismo e Artesanato da Floresta. Participa da Rede Turisol. E do projeto Bagagem. Parceria com agencia de viagem “Ambiental Expedições” e ONGs.
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Santarém, PA
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Floresta Nacional do Tapajós (FLONA Tapajós).
(Comunidades de Maguari, Jamaraquá, Pedreira, Piquiatuba e Tauari).
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Preservação da Floresta Nacional, manejo dos recursos naturais. Participação das comunidades.
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Passeios no Igarapé de Jamaraquá, Visita à samauma milenar e a ponta do Maguari. Visita às atividades de conservação, artesanato.
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Amazônia Ribeirinha (Projeto Bagagem+ Saúde e Alegria). Agencias locais de turismo.
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Santarém e Belterra, PA
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Fonte: Elaboração própria a partir de estudos referenciados e sites das iniciativas (2020-21)
37A região Oeste do Pará, com os municípios de Santarém e Belterra, possui algumas experiências caracterizadas por contato com a natureza, atividades de ecoturismo e trilhas pelas comunidades. A presença de ONGs na dinamização das experiências, principalmente no momento de sua implantação, são elementos importantes para a gestão (Quadro 2).
Quadro 3 - Iniciativas de TBC na Amazônia – Estado do Amazonas I
Iniciativas
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Objetivo
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Atividades
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Gestão
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Local
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Pousada Aldeia dos Lagos - Silves
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Viabilizar o primeiro empreendimento comunitário de ecoturismo da Amazônia, com renda para benefício da manutenção do sistema de lagos de pesca da região e dos ribeirinhos.
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Roteiros que incluem:
Visita e pernoites nos lagos, trilhas, observação da fauna, visita aos igapós, atividades culturais de acompanhamento da comunidade e da pesca artesanal e rodas de conversa.
Outras atividades: pesca artesanal e permacultura.
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Coordenado pela ASPAC (Associação de Silves para a Preservação Ambiental e Cultural), criada em 1993. Operacionalizada (pousada e ecoturismo) pela COOPTUR, empresa cooperativa de ecoturismo. Roteiros produtos de oficinas dos comunitários
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Silves, AM
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Pousada Uacari Mamirauá (e RDS Amanã) 1996 a 2001 – Implantação do TBC.
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Promover a conservação dos recursos naturais e gerar benefícios socioeconômicos para as populações moradoras da UC (8 comunidades). Fonte de renda adicional.
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Passeios de barco, observação da fauna, visita às comunidades, contação de histórias. Pousada Uacari.
Outras atividades: Pesca, agricultura familiar e extração da madeira.
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Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá UDSM (O.S. cogestora) e Centro Estadual de Unidades de Conservação. Programa de TBC em parceria com a Recepção de turistas, condução dos turistas, administração da Pousada, repartição pela associação. Uso de produtos agrícolas locais. Decisão participativa.
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Tefé, AM
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Fonte: Elaboração própria a partir de estudos referenciados e sites das iniciativas (2020-21)
38As iniciativas principais no Estado do Amazonas são as experiências de Silves e de Mamirauá. A experiência de Silves encontra-se hoje com dificuldades de manutenção, embora tenha sido pioneira em práticas de TBC. É bom lembrar que as comunidades tiveram papel importante na implantação dessa experiência. A Pousada Uacari Mamirauá atualmente é uma das principais experiências de TBC no Brasil, e está conectada com a gestão de Unidade de Conservação e de parcerias externas, com instituições de ensino e pesquisa e parcerias internacionais (Quadro 3).
39As experiências próximas a Manaus se caracterizam por receberem turismo regional e serem opções de lazer para os manauaras. As unidades de conservação predominam nesses modelos, como as Reservas de Desenvolvimento Sustentável Puranga Conquista e do Tupé, e a Área de Proteção Ambiental Rio Negro, na margem esquerda do Rio Negro. As experiências da margem direita são desenvolvidas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Rio Negro (margem direita) e comunidades próximas (Quadro 4).
Quadro 4 - Iniciativas de TBC na Amazônia – Estado do Amazonas II
Iniciativas
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Objetivo
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Atividades
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Gestão
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Local
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TBC no Rio Negro -
RDS Puranga Conquista/APA Rio Negro/RDS do Tupé (margem esquerda). Colônia Central, São João do Tupé, Bela Vista do Jaraqui, Nova Esperança, etc.
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Estimular a capacitação de comunitários e a implantação de pequenos empreendimentos.
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Praias, banhos de rio, rituais, trilhas, farinhada, artesanato, convivência com comunitários, gastronomia, visita a projetos sustentáveis, pescaria, interação com botos, observação da fauna.
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Roteiro Tucorin (Turismo Comunitário no Rio Negro). Instituto de Pesquisas Ecológicas – IPE. ONG Nymuendaju. Fundo Vale. USAid, Ministérios do Turismo, Meio-Ambiente, Secretarias de Meio-Ambiente do Estado do Amazonas e do município de Manaus.
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Manaus e Novo Airão, AM
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TBC Rio Negro - RDS Rio Negro (margem direita) Comunidades de Tumbira, Santa Helena do Inglês, Saracá, São Tomé, Santo Antônio, Nsa. Sra. do Perpétuo Socorro.
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Alternativa sustentável para geração de renda em Unidades de Conservação (UC). Além de valorizar a floresta como atrativo, a atividade proporciona geração de renda para ribeirinhos sem a necessidade de desmatar, agregando valor à cultura local e fortalecendo a identidade cabocla (Objetivo TBC FAS). Ser gerenciada 100% pela comunidade
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Faz parte dos Roteiros Rio Negro. Visita às comunidades, trilhas, passeios de canoa, gastronomia, visita ao flutuante para contato com os botos e pirarucu.
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Fundação Amazônia Sustentável (FAS). Pousada do Garrido. Pousada Vista do Rio Negro (FAZ e Prefeitura de Iranduba). Empresas.
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Iranduba, AM.
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Fonte: Elaboração própria a partir de estudos referenciados e sites das iniciativas (2020-21)
40Outras experiências são encontradas em comunidades próximas, como Povoado Três Unidos (aldeia Kambeba), ainda na Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Negro. Um pouco mais distantes estão a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), em São Sebastião do Uatumã e a Resex do Rio Unini, em Barcelos.
Quadro 5 - Iniciativas de TBC na Amazônia – Estado do Amazonas III
Iniciativas
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Objetivo
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Atividades
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Gestão
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Local
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Povoado Três Unidos (aldeia Kambeba). Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Negro.
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Aproximar a iniciativa popular regional e local, a cultura gastronômica milenar indígena, os costumes comunitários.
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Arquearia, banho de rio, redário, conversas e gastronomia.
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Restaurante Comunitário Sumimi é gerenciado por um grupo de mulheres indígenas da etnia Kambeba. Projeto Empreendedorismo Ribeirinho, realizado pela Fundação Amazonas Sustentável (FAS) com apoio do Sebrae Amazonas, Fundo Amazônia/BNDES e Bradesco.
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Novo Airão, AM
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Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Uatumã
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Uso Público da RDS de forma sustentável, a fim de conservar seus recursos naturais e histórico-culturais.
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Trilhas na serra, praias fluviais, festas comunitárias, lendas amazônicas, pesca esportiva, observação da fauna (quelônios).
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Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam). Participação dos comunitários. Pousadas familiares.
Favorecer o envolvimento das comunidades locais na comunidade, proporcionando alternativas econômicas ecologicamente viáveis
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São Sebastião Uatumã e Itapiranga, AM
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Resex do Rio Unini
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Aprofundar o planejamento do Turismo de Base Comunitária na Resex do Rio Unini; Identificar e capacitar líderes locais para o TBC sobre todo o processo do turismo.
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Pesca esportiva manejada. Atividades culturais, entre os quais se destacam danças, bois-bumbás e quadrilhas. Passeios de barco no Rio Negro, artesanato de fibras naturais, entre outras.
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Fundação Vitória Amazônica – FVA
Visa criar um modelo de TBC para Reservas Extrativistas no Brasil.
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Barcelos, AM
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Fonte: Elaboração própria a partir de estudos referenciados e sites das iniciativas (2020-21)
41Ainda foi possivel identificar a experiencia de Taquaraçu, no estado do Tocantins, com produção artesanal própria e condução de grupos para as cachoeiras da região (Quadro 06).
Quadro 6 - Iniciativas de TBC na Amazônia – Tocantins.
Iniciativas
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Objetivo
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Atividades
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Gestão
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Local
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Artesanato em Taquaraçu – Palmas
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Fomentar o artesanato e artes abrangendo toda a comunidade taquaruçu e região.
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Passeios nas cachoeiras. Artesanato. Turismo de aventura.
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Plano de Apoio ao Turismo de Base Comunitária em Taquaruçu. Prefeitura Palmas. Mtur.
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Taquaraçu – Palmas, TO
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Fonte: Elaboração própria a partir de estudos referenciados e sites das iniciativas (2020-21)
42Muitas outras iniciativas são realizadas, muitas vezes sem estarem atreladas a grandes redes nem possuírem parcerias com empresas, ONGs, universidades ou órgão governamentais (demonstradas nos Quadros 1 a 6 e no Mapa 1), distribuídas espacialmente pelo território Amazônico. Essas iniciativas produzem um mosaico diversificado de possibilidades. São passeios em comunidades quilombolas, indígenas, em terreiros de religiões de matrizes africanas, em coletivos culturais e de hospedagem, etc.
Fonte: Laena em 2020
43O público também se modifica, alterado em parte as programações dos roteiros, por exemplo com a entrada de um público de estudantes de vai do ensino fundamental e médio até a graduação.
44Os projetos encaram a prática do turismo de diversas formas, muitas vezes como produto, preocupam-se com o marketing e com mercados, mesmo mercados justos, formação de redes e ampliação de parcerias institucionais. Muitos precisam ainda da presença de ONGs, profissionais exógenos e a presença quase sempre controversa de empresas como a Vale, Coca Cola, entre outras em seus apoios, para dar conta dos processos e técnicas de gestão e controle, muito embora os treinamentos tenham acontecido com resultados ora satisfatórios ora apresentando dificuldades na gestão (Figueiredo, 2009, Costa Novo, 2011; Sousa, Figueiredo, Tavares, 2020).
45Dessa forma, o TBC na Amazônia brasileira indica as mesmas situações que passam seus moradores: manter modos de vida relacionados com a vida em grandes áreas naturais, e ao mesmo tempo se inserir nos mercados para garantir a própria sobrevivência.
- 1 A ecossocioeconomia se baseia em experiências territoriais contemporâneas e aparece como uma concep (...)
46A importância dessas iniciativas indica a possibilidade das especificidades amazônicas produzirem indicativos da ideia de ecossocioeconomia, ligada à proposta ambientalista oriunda de conceitos de ecodesenvolvimento e de desenvolvimento sustentável1.
47No caso da Amazônia, grandes projetos de mineração, agropecuária e de produção de energia ainda estão em fase de implantação ou desenvolvimento, com efeitos concretos na diminuição da cobertura vegetal original da floresta. Por outro lado, as comunidades veem a tão esperada participação nas políticas públicas como falácia, apresentando problemas referentes à representatividade, à execução das propostas e à manipulação dos processos participativos (Farias, Figueiredo, 2021). O mercado representado por grandes organizações e corporações tem se imposto de forma mais intensa.
48O TBC na Amazônia apresenta experiências que recuperam as principais características da região, produtoras de alternativas: seu forte campesinato caboclo; os artifícios de sobrevivência na urbanidade amazônica; a cultura e os processos de hospitalidade e mobilidade. Temos portanto diversas racionalidades que se chocam, ou as vezes se complementam. Os projetos e iniciativas que articulam a visitação com processos emancipatórios educacionais, críticos e autonômicos vão ao encontro de preceitos ecossocioeconômicos e podem representar uma nova etapa do TBC na região.
49A principal questão que se coloca, como desafio, para a solidificação do Turismo de Base Comunitária, é a ruptura com a ideia de turismo-mercadoria. O caminho passa pelo reforço da ideia de Turismo de Base Comunitária, mas principalmente, do que poderiamos chamar da viagem de intercambio, diminuindo assim a pressão da atividade sobre o meio ambiente e portanto, contribuindo com outras ações em outros campos do conhecimento e no sistema produtivo para atuar na composição do contexto-cenário das mudanças climáticas.
50O turismo de massa, caracterizado pela grande quantidade de pessoas em locais pré-destinados, geralmente componentes dos sistemas de produção e consumo da mercadoria turística é, a priori, um problema, mas não se pode esquecer que a massificação do turismo barateou as viagens turísticas e proporcionou uma certa democratização do acesso ao lazer turístico, e à própria experiência turística. O TBC não seria uma contraposição ao turismo de massa mas a composição de um tipo de viagem cultural, ou viagem-intercâmbio, fundamentada na troca de experiências, na interculturalidade, organizada pela comunidade destino, com o objetivo de promover trocas culturais. O quesito sustentabilidade financeira, e a aproximação com o turismo-mercadoria e portanto com a comercialização da experiência, mesmo que para um público menor, com tipos de visita diferentes e por meio de redes de conexão e divulgação prejudica a solidificação do modelo TBC. Entretanto, a necessária relação com o mercado assumida no TBC não retira dele os impactos ao meio, mas produz um controle social maior, que pode se refletir no ambiental.
51As experiências de TBC na Amazônia acompanham a diversidade de experiências no Brasil e na América Latina e foram verificadas nas experiências pesquisadas: 1 – Algumas são associadas às grandes operadoras; 2 – Algumas são associadas às pequenas agências, operadoras e coletivos de cultura, educação e viagem; 3 – Podem fazem parte de experiências de rede de associações, cooperativas e outras; 4 – Representam formas associativas; 5 – Uma parte é intermediada e agenciada por ONGs; 6 – Outras são intermediadas por Universidades, sindicatos de produtores rurais, Institutos governamentais, etc.
52A diversidade de possibilidades de realização dessas experiências representa as formas com as quais as populações conseguem, na prática, realizá-las e tais práticas devem conduzir o entendimento e o desenvolvimento do TBC na Amazônia, muitas vezes distantes de modelos idealizados por políticas públicas ou mesmo pela academia.