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2022

Implementar uma política de combate às mudanças climáticas em uma região metropolitana: o caso da região do Grande ABC no Brasil

Mettre en place une politique de lutte contre le changement climatique en aire métropolitaine : le cas de la Région du Grand ABC au Brésil
Implementing a policy to fight climate change in a metropolitan area: the case of the Greater ABC Region in Brazil
Julie Bideux
Édité par Patrícia Reuillard
Traduction de Julia Martins Pinheiro
Cet article est une traduction de :
Mettre en place une politique de lutte contre le changement climatique en aire métropolitaine : le cas de la Région du Grand ABC au Brésil []

Résumés

Les gouvernements locaux sont récemment apparus comme un niveau d’action important de lutte contre le changement climatique. Il devient donc nécessaire d’étudier quels sont les facteurs favorisant une action sur le sujet, et comment celle-ci est mise en place. A travers le cas de la Région du Grand ABC dans la Région Métropolitaine de São Paulo au Brésil, on peut analyser la construction d’une politique climatique, qui c’est faite en zone métropolitaine, par des villes petites et moyennes, et à travers la coordination d’un Consortium inter-municipal. Plus particulièrement, on voit comment les circonstances de mise à l’agenda de la lutte contre le changement climatique – des acteurs, institutions, niveaux de gouvernements ou secteurs impliqués - influencent la manière dont cette politique est mise en œuvre. Cela permet ainsi d’identifier en partie l’origine de problèmes d’institutionnalisation de la problématique, ou de répartition inégale des bénéfices du processus entre municipalités et secteurs.

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Texte intégral

1Atualmente, as mudanças climáticas parecem ser o maior problema do século XXI, em grande parte, porque nenhuma solução política universal parece ter sido encontrada. Assim, embora o funcionamento desse fenômeno tenha sido estudado e compreendido desde o final dos anos 1970, após quase quarenta anos de discussão seguida de ação política nacional e internacional, tais esforços, neste momento, não parecem ter efeito tangível algum sobre as emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) ou sobre as práticas que as causam (WRI, 2017).

2Muitos autores que trabalham com política climática acreditam que a luta contra as mudanças climáticas deve ser conduzida em grande parte na esfera local, ou seja, o mais próximo possível da origem do problema e onde seus efeitos são sentidos (Bulkeley e Newell, 2015; Ostrom 2009). Os governos locais, usualmente, têm autoridade acerca do planejamento do uso do solo ou da gestão de resíduos e, com frequência, têm um papel importante em questões relacionadas ao transporte e consumo de energia (Betsill e Bulkeley, 2006). A esfera local também parece ser uma transmissão privilegiada para divulgar a política climática aos cidadãos e incluir essa preocupação na vida cotidiana dos territórios (Bertrand, Rocher e Mele, 2007). Trata-se, portanto, de uma esfera que incentiva inovações que podem, então, ser replicadas em outros territórios e outras escalas.

3Hoje, porém, os governos locais que lidam com questões climáticas permanecem sendo uma minoria composta sobretudo por capitais e metrópoles. Essas cidades grandes ou pioneiras são geralmente o foco dos trabalhos sobre políticas climáticas locais em detrimento do restante das áreas urbanas. Em seu trabalho sobre as áreas periurbanas das metrópoles estadunidenses, Hari Ofosky destaca, no entanto, a necessidade de abordar a ação climática das cidades pequenas e médias na periferia dos grandes centros urbanos (Ofosky, 2015). Tais cidades menos relevantes têm mais dificuldades para implementar políticas climáticas devido à falta de recursos econômicos e técnicos, mas também porque motivações políticas, como o desejo de implementar ações pioneiras, são fatores de decisão menos significativos (Sippel e Jenssen, 2009).

4Além disso, pode-se também questionar qual a importância das características locais dos territórios para a inclusão na agenda da questão climática. Nas áreas urbanas, são produzidas de 60 a 80% das emissões globais de CO2 (Stern, 2007: 457), ao mesmo tempo em que apresentam vulnerabilidades particulares às mudanças climáticas. Deste modo, na medida em que as mudanças climáticas intensificam as disfunções existentes, a densidade de assentamentos e as atividades humanas criam um risco, sobretudo através de picos de calor associados a picos de poluição e enchentes.

5O estudo de caso que realizamos aborda a implementação de uma política de luta contra as mudanças climáticas na Região do Grande ABC pelo Consórcio Intermunicipal da região. O Grande ABC inclui sete cidades do sudeste da Região Metropolitana de São Paulo (Mapa 1), está localizado no estado de São Paulo e reúne uma população de 2.702.071 habitantes em 828 km²; as cidades que o compõem somavam de 811.489 habitantes em São Bernardo, em 2014, a 47.731 em Rio Grande da Serra. Em 2016, o Consórcio, instituição de cooperação intermunicipal, em parceria com os municípios da região e o ICLEI (Governos Locais pela Sustentabilidade), associação transnacional que atua no âmbito das políticas ambientais locais, adotou um plano de ação para a luta contra as mudanças climáticas. Tal plano foi elaborado após a conclusão de um inventário das emissões de GEE no território e ainda não foi implementado através da legislação municipal pelas cidades membros. Entretanto, após as eleições de 2016, a transposição das medidas do plano para o nível municipal foi interrompida e a implementação do plano desacelerou significativamente.

Mapa 1 – Os municípios do Grande ABC

Mapa 1 – Os municípios do Grande ABC

6O objetivo principal deste artigo é, portanto, determinar como a luta contra as mudanças climáticas foi pautada no Grande ABC e, em seguida, explicar as razões para a não implementação da política resultante desse processo. Busca-se identificar (1) quais fatores contribuíram para o estabelecimento da agenda da questão climática nessa região, uma vez que diversas cidades não têm um perfil que favoreça sua ação a respeito desse problema (Hoppe et al., 2016) e (2) como esse processo de estabelecimento da agenda influencia o modo e, especialmente, o sucesso da implementação de uma política climática. Isto é, em que condições as cidades pequenas e médias localizadas na periferia de uma área metropolitana são capazes de desenvolver uma política de combate à mudanças climáticas.

7Os resultados deste artigo provêm de uma dissertação escrita sobre o mesmo tema a respeito de um estudo de caso da construção da política climática da Região do Grande ABC. A metodologia adotada para abordar essa questão foi, primeiramente, a análise do contexto político no qual a política climática do Consórcio está inserida, com base em uma análise dos textos legislativos em vigor e documentos encontrados on-line, nos sites dos municípios, do Consórcio, do estado de São Paulo e do Ministério do Meio Ambiente brasileiro. Essa análise foi complementada com textos acadêmicos sobre políticas ambientais e climáticas brasileiras, além de informações obtidas através de entrevistas. Em um segundo momento, realizamos uma série de 14 entrevistas semidirigidas sobre a pauta do clima na agenda do território e o desenvolvimento do inventário e do Plano Climático do Consórcio com 20 dirigentes, agentes administrativos e técnicos e pesquisadores que tenham atuado nos municípios do Grande ABC, do Consórcio e do ICLEI. Tais entrevistas abordaram a emergência do tema da luta contra as mudanças climáticas no Grande ABC, as ações e políticas relacionadas já realizadas no território, os agentes decisivos no processo de construção de uma política regional e, finalmente, as conquistas e dificuldades encontradas.

8Na primeira parte, veremos então quais fatores foram decisivos para colocar a questão climática na agenda do Grande ABC; na segunda, como esses mesmos fatores influenciaram a implementação da política resultante do processo.

Uma pauta parcialmente baseada na consideração das vulnerabilidades do território

9Entre 2012 e 2015, a questão climática foi pautada, levando à realização de um inventário de emissões de GEE e de um plano de ação climática regional em 2016. A pauta se organizou em diversas fases, diferentes ritmos e em segundo plano nas discussões sobre a construção de uma política regional de gerenciamento de riscos; posteriormente, foi construído um Plano Climático durante o que João Ricardo Guimarães Caetano, então coordenador do Consórcio, chamava de um "período muito curto de felicidade", uma janela de oportunidade de acordo com o modelo de Kingdon.

10A janela de oportunidade é usada para descrever o fenômeno de pautar um problema público. Ela supõe que um problema só pode dar origem a uma política pública quando três correntes se sobrepõem: a corrente dos problemas a serem resolvidos politicamente; a das soluções – as bases de políticas potenciais, construídas por defensores da causa; e a política, em relação ao calendário político. Os defensores ou empreendedores de políticas públicas são indivíduos que investem seus recursos e influência política para promover uma solução política, seja associando-a a um problema existente ou oferecendo uma interpretação ou explicação relevante.

11No caso da política climática do Grande ABC, o alinhamento dessas correntes também é favorecido pelo forte apoio político que a questão recebeu. Entretanto, esse apoio desapareceu antes do fim da implementação da política, questionada após as eleições de 2016. No caso estudado, vários outros fatores foram importantes para que a questão climática fosse colocada em pauta.

12Os agentes que entrevistamos mencionaram, em particular, as ligações entre essa questão e os problemas ambientais preexistentes no território, os benefícios econômicos que poderiam derivar da implementação de uma política climática, o apoio insuficiente dos níveis nacional e estadual ou a aproximação com redes, como a organização dos Governos Locais pela Sustentabilidade (ICLEI) ou a Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente (ANAMMA). No Grande ABC, encontra-se um conjunto de fatores identificados na literatura sobre as políticas climáticas locais como influentes para a tomada de iniciativa dos agentes nesse nível. A ação deles, embora baseada em um território, depende de esferas de influência regionais, nacionais e internacionais e eles podem encontrar diversos obstáculos relacionados a questões políticas, institucionais, econômicas, culturais, etc. (Sippel e Jenssen, 2009).

Seriam as mudanças climáticas um problema público no Grande ABC?

13Um elemento comumente encontrado nos discursos dos agentes que entrevistamos é a dificuldade de relacionar a luta contra as mudanças climáticas às preocupações das cidades. Para destacar uma relação indireta com as políticas existentes e a melhoria da qualidade de vida dos habitantes, uma campanha especial foi realizada quando a questão climática foi posta em pauta no Grande ABC.

14Tal dificuldade, no entanto, é encontrada de forma bastante desigual nos diversos municípios, dependendo das competências que assumem e de sua qualidade de liderança na região. Assim, os agentes que representam as cidades de Santo André e São Bernardo descrevem de forma bastante espontânea as ligações feitas entre as mudanças climáticas e as ações que são ou foram realizadas em seu município: plantio de árvores e política de recuperação florestal, redução da poluição e gestão de riscos ou prevenção de ilhas de calor. Essas duas cidades têm, portanto, uma política ambiental altamente desenvolvida: São Bernardo implementou ações relacionadas ao transporte público, a um mapa das ilhas de calor e à reciclagem, enquanto Santo André, através de seu Serviço Municipal de Saneamento Ambiental (Semasa), tem experiência na implementação de ações ambientais integradas entre os setores. Era o local de experiências em gestão de riscos que foram, depois, divulgadas para todo o Consórcio.

15Essas cidades, de onde vieram as primeiras reflexões sobre como lidar com as mudanças climáticas no Grande ABC, representam a maior parte do território e da população da região. Além disso, são também as maiores emissoras de CO2, entre outros poluentes (Santo André e São Bernardo respondem por 63% das emissões da região) (Mapa 3). O Grande ABC é, de fato, um território altamente industrializado, mas inclui uma vasta zona de proteção e recuperação ecológica ao redor da Represa Billings (Mapa 2), que atravessa a parte sul da região. Nessa zona protegida, a legislação restringe severamente o desenvolvimento da atividade industrial e a expansão urbana. Rio Grande da Serra, por outro lado, é a cidade com as menores emissões da região, mas também a mais vulnerável economicamente e com menos recursos para desenvolver políticas ambientais (Mapas 3 e 4). Por diferentes motivos, Rio Grande da Serra, Ribeirão Pires e Mauá ou Diadema são, geralmente, os municípios mais vulneráveis às mudanças climáticas (Mapa 5), com o índice agregado de vulnerabilidades a eventos climáticos dependendo das vulnerabilidades socioeconômicas, demográfico-urbanas e de saúde (Valverde, 2017). Foi também nessas três primeiras cidades que os técnicos se apropriaram menos do tema e, posteriormente, tiveram menor participação ativa no trabalho sobre essa questão dentro do Consórcio, enquanto Diadema se retirou dos projetos do Consórcio em 2017.

16Embora alguns agentes apontem que a questão climática foi colocada em pauta bastante cedo, nos anos 2010, isso foi feito de forma não linear e o tema não foi tratado como tal até 2015. Temas como a gestão de resíduos ou transportes, que geram consequências ambientais – gestão integrada e intermunicipal de resíduos e melhor gerenciamento do transporte público – são tratados então em nível regional. Entretanto, sua ligação com a luta contra as mudanças climáticas só será feita a posteriori. Pelo contrário, a abordagem teria sido feita através da questão da gestão de riscos em uma região muito vulnerável após a expansão urbana descontrolada e em um contexto de aumento das precipitações (Nogueira et De Oliveira, 2014). Agentes muito envolvidos na questão relacionam essa preocupação e a da adaptação às mudanças climáticas: em uma campanha de conscientização, uma reportagem especial é publicada no jornal interno da Semasa, e um seminário regional sobre gestão de riscos e mudanças climáticas é organizado.

17Organizado em 2015, é um dos primeiros passos para pautar a questão climática na agenda formal do Grande ABC. No entanto, ao longo do ano, ocorrerá uma mudança de perspectiva sobre esse tema, que passa de uma busca de soluções para o problema público da vulnerabilidade do território para a busca de oportunidades políticas e econômicas. Podemos observar, portanto, uma transição das forças motrizes técnicas para os agentes políticos preocupados, em particular, com a influência da região. Segundo diversos agentes que participaram do processo, os argumentos utilizados para convencer os prefeitos das cidades da região visam fornecer uma estrutura para resolver problemas ambientais, desenvolver uma política regional exemplar e obter recursos internacionais para montar os projetos necessários localmente. Naquela época, de fato, os municípios brasileiros, sobretudo no Grande ABC, enfrentavam dificuldades para atrair recursos financeiros para seus projetos. Produzir um inventário das emissões de GEE e participar de uma rede transnacional como o ICLEI lhes dá a oportunidade de obter financiamento.

Mapa 2 - O Grande ABC e a Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais (APRM)

Mapa 2 - O Grande ABC e a Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais (APRM)

Fonte: Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do estado de São Paulo

Mapa 3 - PIB per capita dos municípios do Grande ABC (em R$ per capita)

Mapa 3 - PIB per capita dos municípios do Grande ABC (em R$ per capita)

Fonte: IBGE

Mapa 4 - Emissões de GEE per capita dos municípios do Grande ABC

Mapa 4 - Emissões de GEE per capita dos municípios do Grande ABC

Toneladas de CO2 equivalentes ao ano per capita

Fonte: Consórcio Intermunicipal Grande ABC, 2016

Mapa 5 - Índice agregado de vulnerabilidade a eventos climáticos para os municípios do Grande ABC

Mapa 5 - Índice agregado de vulnerabilidade a eventos climáticos para os municípios do Grande ABC

Fonte: Valverde, 2017

Uma política mais ou menos incentivada em nível nacional e transnacional

18No regime constitucional em vigor desde 1988, as cidades brasileiras dispõem de diversas competências sobre as questões ambientais, mas nem todas têm os recursos necessários para assumi-las (Scardual e Bursztyn, 2003). As cidades menores dependem muito de recursos, diretrizes e incentivos dos níveis federal e estadual, mas, no caso da luta contra as mudanças climáticas, tal coordenação é pouco consolidada ou mesmo inexistente.

19A luta contra as mudanças climáticas foi pautada no Brasil muito recentemente, após a apresentação de metas quantificadas de redução de emissões de GEE na Cúpula de Copenhague em 2009, seguida da criação de uma política nacional no mesmo ano. Tal política foi adotada após um longo processo marcado pela importância do tema durante a campanha para as eleições presidenciais de 2010, com a candidatura da senadora Marina Silva pelo Partido Verde (PV), além da aprovação de duas leis sobre mudanças climáticas, definindo metas específicas para a redução de emissões (Viola, 2010), pela cidade de São Paulo e, depois, pelo estado de São Paulo em junho e novembro de 2009. Para refletir as ambições do país, a política nacional é implementada através de planos setoriais, que dedicam recursos significativos à luta contra o desmatamento. A lei que estabelece essa política também propõe incluir ações realizadas por estados e municípios, as quais devem ser incentivadas e apoiadas. Na prática, no entanto, as ações nessa escala não são integradas ou disseminadas para outros municípios ou níveis.

20Quanto à questão climática, o estado de São Paulo não mantém diretamente relações institucionais estáveis com as municipalidades do território. O Programa Município Verde-Azul, ferramenta destinada a promover o desenvolvimento de medidas ambientais por parte dos municípios do estado, é o principal vínculo entre eles e o estado em relação a esse tema. Às cidades que obtêm uma pontuação suficiente é concedida a oportunidade de receber financiamento de um Fundo Estadual. Esse programa cria um espaço de discussão entre o estado e os municípios e lhes proporciona um incentivo, ou mesmo um guia, para a implementação de uma política ambiental mínima. A questão climática, no entanto, ocupa um lugar limitado nas ações recomendadas pelo estado: em 2015, uma ação proposta menciona diretamente a adaptação às mudanças climáticas; no entanto, nos outros casos, o vínculo é apenas indireto, através do tema da qualidade do ar ou da arborização urbana.

21Diversos agentes entrevistados no âmbito da tese de mestrado mencionaram também que uma das razões para iniciar o trabalho da luta contra as mudanças climáticas foi a ambição de lidar com um importante tópico do momento. Em 2015, tratava-se, de fato, de uma questão atual, pois o governo brasileiro precisava renovar seus compromissos de 2009 na COP21. Entretanto, no caso da política climática do Grande ABC, a influência dos governos nas escalas nacional e estadual é mais um efeito cascata do que uma verdadeira coordenação entre tais escalas, uma vez que não há apoio institucional direto para a questão.

22Diante desses problemas de coordenação entre os níveis governamentais, a pauta da questão climática dependeu muito da conscientização dessa problemática entre os agentes locais em redes como a ANAMMA ou o ICLEI. A ANAMMA é uma associação criada por representantes municipais visando reunir e representar os municípios brasileiros em questões ambientais e promover a cooperação e o intercâmbio entre eles. A missão da rede não se restringe à questão climática; no entanto, trata-se de uma temática importante no contexto da preparação da COP21 em Paris. Em escala internacional, o ICLEI assume uma missão similar que se dedica ao desenvolvimento de iniciativas ecológicas locais através do compartilhamento de ferramentas de planejamento e monitoramento climático, do desenvolvimento de projetos piloto e atuando como um lobby nos níveis nacional e internacional.

23O vínculo entre o desenvolvimento de políticas climáticas locais e a participação em redes de governos locais em diferentes níveis é um fenômeno observado por vários autores (Betsill e Bulkeley, 2006, Newell et al., 2012). Assim, diversos papéis dessas redes são destacados na literatura dedicada ao assunto: conscientizar e fomentar a mobilização interna sobre o tema, formular metas de redução de emissões, institucionalizar políticas públicas climáticas e seus instrumentos, fomentar o intercâmbio entre cidades e fornecer apoio técnico (Busch et al., 2018). Por exemplo, em 2015, os prefeitos do Grande ABC assinaram o Pacto Global de Prefeitos pelo Clima e Energia, uma outra rede, comprometendo-se a implementar várias ações de luta contra as mudanças climáticas. Embora o Pacto indique os diferentes passos a serem seguidos na implementação de uma política pública, não é um acordo obrigatório. No entanto, trata-se de uma forma de institucionalização da abordagem dos políticos eleitos. Antes disso, diversos agentes das cidades e do Consórcio do Grande ABC foram conscientizados sobre a questão climática através de suas experiências dentro da ANAMMA. Eles puderam discutir com os principais agentes de outros territórios, como o ex-secretário do Meio Ambiente da Cidade de São Paulo, Eduardo Jorge, ou se envolver em projetos em outros níveis, como os Conselhos Nacionais ou Estaduais de Meio Ambiente. Em contrapartida, tanto Santo André quanto São Bernardo do Campo eram membros do ICLEI antes de 2015, o que torna a rede um espaço de conscientização. Os membros do ICLEI são, portanto, convidados regularmente a participar de eventos para compartilhar suas práticas e, como os da ANAMMA, têm acesso a recursos pedagógicos e técnicos, que lhes proporcionam modelos de legislação municipal. O ICLEI será, então, um importante suporte técnico no desenvolvimento de uma política climática regional, pois a organização será recrutada para realizar o inventário das emissões de GEE na região e um plano de ação para o Consórcio.

Um apoio político incentivado principalmente no âmbito do Consórcio

24Por fim, fatores políticos desempenharam um papel na forma como a luta contra as mudanças climáticas foi pautada no Grande ABC, o que, por sua vez, influenciou a implementação da política climática.

25Em primeiro lugar, a intervenção dos defensores do clima junto aos técnicos, especialmente aos dirigentes, foi essencial para levar em conta essa questão, articulando-a como um assunto relevante a ser tratado no território. Trata-se de um fator frequentemente destacado na literatura: Carolyn Kousky e Stephen Schneider descobrem em seu estudo, por exemplo, que a ação de um empreendedor de políticas públicas foi decisiva para iniciar uma política climática em 10 das 23 cidades estadunidenses que analisaram (Kousky, Schneider, 2003, p. 361). No caso do Grande ABC, dois agentes atuaram nos municípios da região e têm posições como coordenadores no Consórcio. Ambos foram conscientizados em relação ao assunto dentro da Semasa e ao atuar em instituições fora do Grande ABC. Em seguida, eles apresentaram propostas para levar a questão climática em consideração nas políticas municipais e regionais, primeiramente, para uma delas, durante a criação de instrumentos de gestão de riscos e, depois, no caso das outras duas, em torno do desenvolvimento de uma política consagrada.

26O sucesso da mediação desses dois agentes está, no entanto, bastante ligado à receptividade dos eleitos do Grande ABC e a um forte apoio político. No âmbito dos dirigentes, a implementação de tal política foi particularmente apoiada por Luiz Marinho, prefeito de São Bernardo do Campo, assim como pelo Secretário Executivo do Consórcio, Luis Paulo Bresciani. Tal política parece ter sido amplamente apoiada a partir da perspectiva de demonstrar o papel exemplar do Consórcio na implementação de políticas regionais inovadoras. Em sua abordagem integrando níveis, setores e agentes, e através das políticas públicas desenvolvidas desde os anos 1990, a estrutura tem uma história reconhecida de inovação institucional. Desenvolver uma política climática em escala regional permitiria estar em pé de igualdade com as diversas metrópoles e capitais de estado, que teriam o monopólio da luta contra as mudanças climáticas no Brasil, e com os governos nacional e estadual. Um ex-coordenador do Consórcio explica que o objetivo era mostrar a possibilidade e relevância de trabalhar sobre o tema em escala regional, já que quanto mais articuladas são as políticas regionais, menor é a necessidade de ação por parte do governo estadual. O Consórcio também procura ter alguma influência na Região Metropolitana de São Paulo, fato particularmente visível ao se observar o processo de elaboração do seu Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado, no qual os agentes do Consórcio tentam replicar os modos de ação praticados na região, propondo-se, em particular, a tratar das questões climáticas ou de gestão de riscos nessa escala (Região Metropolitana de São Paulo, 2016).

27A mobilização em torno da implementação de uma política climática também permaneceu concentrada no nível dos gestores políticos, uma vez que não houve participação significativa da população ou dos agentes intermediários. Ao consultar a imprensa regional da época, é possível observar um interesse limitado pelo meio ambiente e inexistente pelas mudanças climáticas: a descrição do trabalho do Consórcio sobre o assunto não é problematizada, com um objetivo informativo e não crítico. Da mesma forma, nenhum agente da sociedade civil foi envolvido no processo.

28Os municípios do Grande ABC são vulneráveis às mudanças climáticas e mais ou menos emissores de GEE. Assim, foi nesse segundo aspecto que a questão se tornou um problema público no território através da ação de empreendedores políticos sensibilizados dentro de redes externas. Em uma segunda parte, veremos como as características dessa pauta esclarecem as dificuldades encontradas na implementação da política climática do Grande ABC.

A implementação abortada da política climática do Grande ABC

29A parceria entre o Consórcio do Grande ABC e o ICLEI resultou em 2016, na realização de um inventário de GEE da região e na elaboração de um plano de ação contra as mudanças climáticas. Além disso, também foi produzida uma proposta de lei municipal, institucionalizando esse trabalho. No entanto, ela não será adotada pelas cidades por duas razões: primeiro, porque não foi adaptada às particularidades de cada município; segundo, porque esse processo de implementação de uma política climática regional foi interrompido pela realização de eleições municipais e pela grande renovação dos vereadores do Grande ABC.

30Sendo assim, o desenvolvimento dessa política foi retardado, ou mesmo interrompido, no início de sua fase de implementação. Portanto, teremos de limitar nossa análise das razões para sua implementação ao estudo desse fracasso ou do que poderia ou deveria ter sido produzido: o inventário, o plano de ação e suas prioridades, os projetos de lei de certas cidades, ou as ações do Consórcio. Isso nos permite, entretanto, destacar duas tendências no processo: uma institucionalização limitada da luta contra as mudanças climáticas em nível municipal e a implementação de medidas de mitigação mais favoráveis às cidades grandes.

Uma institucionalização insuficiente da luta contra as mudanças climáticas

31A questão climática pôde ser discutida durante um "curto período de felicidade", logo interrompido pelas eleições de 2016, após as quais a maior parte dos vereadores e do pessoal técnico foi renovada. Tal aspecto destaca a insuficiente institucionalização dessa política, mas sobretudo de seus meios: a realização das ações planejadas continua dependente da mobilização de agentes altamente envolvidos e de um apoio político significativo. O desenvolvimento da política foi muito limitado temporalmente, o que condiciona o estabelecimento de estruturas e rotinas para facilitar sua continuidade além do compromisso de certos indivíduos. Entretanto, vários outros fatores, decorrentes da forma como o problema climático foi pautado e definido, também influenciaram na sua implementação e institucionalização.

32Primeiramente, o processo de elaboração do inventário e do plano havia ocorrido durante o segundo semestre de 2016, coincidindo, em grande parte, com a campanha eleitoral e limitando a participação dos agentes municipais nas reuniões de formação e de preparação do plano de ação. O inventário e o Plano Climático deveriam ser os primeiros passos no processo para permitir que as equipes técnicas se apropriassem dos instrumentos e de sua metodologia; no entanto, isso não aconteceu na maior parte dos municípios. Ademais, a grande maioria dos agentes centrais do processo, em especial os empreendedores de políticas públicas, deixarou o Grande ABC em seguida após a mudança da gestão, no início de 2017, alguns por opção, outros que não foram reeleitos ou renovados no cargo com a mudança da orientação política da região.

33A institucionalização da luta contra as mudanças climáticas na região também foi limitada porque se trata de um processo conduzido no Consórcio, que é uma instituição bastante instável, sem poder legislativo e muito dependente da iniciativa dos políticos. Assim, os agentes impulsionadores deixaram a região após as eleições quando o Partido dos Trabalhadores (PT), até então dominante na região, sofreu uma grande derrota. Essa mudança de tendência política provocou uma desvalorização do trabalho realizado pelo Consórcio do Grande ABC, uma instituição historicamente ligada ao PT, ainda que funcionários públicos efetivos permanecessem no cargo e continuassem a apoiar o Plano Climático. O Consórcio perdeu sua capacidade de articular as políticas regionais e, em particular, a política climática, uma vez que era nesse nível que se estabelecera a coordenação do projeto, o intercâmbio entre técnicos sobre o assunto e o contato com o ICLEI.

34A pauta e a definição da política também se deram no Consórcio, mas, principalmente, entre os dirigentes e os agentes técnicos, já que a população do Grande ABC fora pouco mobilizada. A participação pública, no entanto, pode ser um fator decisivo na legitimação e institucionalização de uma política, especialmente na implementação de ações concretas: ao manter o interesse público na questão, ao provocar um mecanismo de responsabilização para os políticos eleitos e, por vezes, ao envolvê-las na implementação da política (Sippel e Jenssen, 2009).

35A implementação de uma política climática, por fim, implica frequentemente a necessidade de pensar sobre sua integração, ou seja, levar em conta tanto a disseminação voluntária dos princípios da política estudada em outros setores quanto a possível interferência entre diferentes políticas desenvolvidas por diversas estruturas burocráticas (Adelle e Russel, 2013). A natureza transversal das mudanças climáticas, de fato, não corresponde à forma como os governos locais geralmente se organizam, visto que uma política climática requer principalmente competências e recursos para coordenar ações em diferentes setores. Entretanto, isso não pode ser alcançado quando determinada questão é tratada apenas por uma secretaria do meio ambiente com poucos recursos (Bulkeley et al. 2009, p. 23). No Grande ABC, a estrutura e a experiência do Consórcio permitiram que agentes dos grupos de trabalho sobre o Gerenciamento de Riscos, os Transportes, o Gerenciamento de Resíduos e Meio Ambiente discutissem sobre o desenvolvimento de uma política climática. Surgiu o problema, contudo, de transpor tal esforço para o nível municipal, onde se reencontram os padrões organizacionais descritos. É difícil trabalhar tanto intersetorialmente quanto em vários níveis de ação pública, sobretudo porque isso multiplica o número de nós de decisão e a necessidade de cooperação. Como explica uma técnica do ICLEI:

36“A principal dificuldade foi a articulação entre os sete municípios. Porque quando se trabalha na escala municipal [formando um grupo de trabalho] envolvendo diferentes secretarias: do meio ambiente, da habitação, dos transportes… [na escala regional], deve-se, primeiro, criar um grupo de trabalho com todos os municípios e, depois, [...] isso depende muito da ação do próprio técnico [municipal], que terá que articular [as secretarias da cidade].”

37Todavia, esse trabalho de coordenação é facilitado em algumas cidades pela existência de órgãos que trabalham as questões ambientais de forma transversal, e, apesar das mudanças na administração, permanecem estáveis. É o caso do Semasa de Santo André e do Seasa de São Caetano do Sul após 2017. O Semasa, até pouco tempo, foi responsável por todas as políticas ambientais do município, gerenciando, de forma integrada, abastecimento de água, coleta e gestão de resíduos, drenagem urbana, gestão ambiental e de riscos. Mesmo assim, recentemente, o Semasa perdeu algumas de suas competências para uma Secretaria do Meio Ambiente recém-criada e para o Departamento de Proteção Civil. Isso foi feito com o objetivo declarado de dar ao meio ambiente um lugar semelhante ao dos setores de ação pública em termos de iniciativa política, embora a eficácia comparada desses dois modos de governança na implementação da ação climática ainda deva ser estudada. Hoje, em todo caso, apenas as cidades de Santo André e São Bernardo parecem ter ainda o projeto de realizar uma política climática municipal, de duas maneiras diferentes. O projeto de São Bernardo tem um horizonte de longo prazo, para 2025 - no qual o plano do Consórcio é apenas uma etapa - e é apoiado por uma equipe técnica consolidada e estável. Em Santo André, pelo contrário, um dos primeiros projetos do novo secretariado do meio ambiente é desenvolver um plano climático coerente antes do final do mandato, levando em conta o trabalho do Consórcio, mas também fazendo um inventário mais preciso das emissões do território e tentando envolver de maneira mais substancial os diversos agentes do território, em particular as empresas.

Uma implementação com lucros distribuídos de forma desigual:

38Além da implementação bem-sucedida da política estudada, a institucionalização da questão climática no território influencia a forma como ela é incluída na ação pública, em geral, na região. No caso do Grande ABC, um esforço foi feito para construir o Plano Climático a partir das políticas já implementadas no território, sobretudo em relação aos transportes ou à gestão de resíduos. Medidas similares àquelas de outros planos regionais podem ser encontradas no documento, e os agentes que trabalham com essas questões foram envolvidos no processo (Consórcio do Grande ABC, 2016b). Como explica um coordenador do Consórcio:

“[o Plano Climático do Grande ABC] se apropria das medidas de outras políticas e planos já implementados [...]. Não creio que seja um problema. O problema, em vez disso, é incorporar a agenda das mudanças climáticas nas políticas e planos feitos nos municípios”.

39Conduzir uma política climática não significa que a questão das mudanças climáticas em si esteja integrada nas diversas políticas setoriais em qualquer nível de governo, o que deveria ser o objetivo das políticas públicas para a luta contra as mudanças climáticas.

40Foi possível observar no Grande ABC tal esforço de integração das políticas públicas, visto que o Plano Climático é uma reunião de elementos e medidas de políticas setoriais que não estavam, anteriormente, ligadas ao tema climático, com o objetivo de tornar coerentes ações que antes eram pensadas separadamente. Esse fenômeno de integração das políticas climáticas é justificado por diversas das pessoas que entrevistamos como essencial para engajar os agentes na política climática. Trata-se, de fato, de um assunto que não é bem compreendido e identificado como uma prioridade em nível municipal, e isso é ainda mais verdadeiro em cidades com pouca capacidade técnica. Criar uma política climática a partir de medidas existentes permite não ter de lidar com uma ideia completamente nova. O tratamento político das mudanças climáticas depende, portanto, das preocupações comuns e importantes no território - na região do Grande ABC: transportes, qualidade do ar e gestão da água e dos resíduos - especialmente porque tais políticas já estão articuladas e apoiam a luta contra as mudanças climáticas.

41Entretanto, incorporar medidas existentes em uma nova política climática não significa que a questão climática seja incorporada às políticas do território de forma dessetorizada. De fato, “climatizar” as políticas existentes leva ao favorecimento de certas medidas e setores, os mais consolidados, ou aqueles que podem levar a um ganho político a curto prazo. Assim, os GTs de meio ambiente e defesa civil do Consórcio estiveram muito envolvidos no processo de produção da política climática, mas um setor como o dos transportes acabou, finalmente, por "ganhar" mais. É difícil generalizar e tirar conclusões com base na experiência do Consórcio do Grande ABC, uma vez que o processo de construção de uma política climática ainda não foi totalmente concluído. No entanto, no momento do estudo, em 2018, estava prevista a implementação de algumas ações, em particular a criação de um Centro de Controle Operacional Regional e da Mobilidade Urbana. O Consórcio, na realidade, estava em processo de obtenção de financiamento através de um programa de cooperação técnica da UE, ao qual teve acesso graças ao inventário de emissões de GEE produzido em parceria com o ICLEI.

42Essa tendência à climatização das medidas economicamente mais favoráveis, que também são com frequência as mais favoráveis às grandes cidades, pode ser acentuada pela metodologia utilizada pelo ICLEI. Este auxilia os governos locais a produzirem um inventário e uma política climática ao usufruírem de uma metodologia específica de agregação de emissões de GEE e de um processo genérico: a produção de um inventário, um plano de ação e uma lei (Consórcio do Grande ABC, 2016b, p. 15). Porém, esses diferentes elementos produzem efeitos sobre a política resultante, em particular na definição das ações futuras.

43Em primeiro lugar, no que diz respeito às mudanças climáticas, o acompanhamento do ICLEI está centrado principalmente na produção de um inventário de emissões de GEE a fim de identificar a situação do território e as ações a serem tomadas, mas também porque tal estudo é necessário, muitas vezes, para obter financiamento internacional. Segundo a metodologia do ICLEI, a realização de um inventário é, sistematicamente, a primeira etapa a ser seguida na elaboração de uma política climática. Entretanto, embora tal ferramenta seja importante para definir as áreas de ação prioritárias e para aperfeiçoar a ação climática de um território, “são bem conhecidas as ações necessárias para reduzir as emissões de GEE localmente - aumentar a eficiência energética, mudar as fontes de energia e reduzir a demanda de energia (tanto nos prédios quanto nos transportes)” (Bulkeley et al. 2009, p. 13). Ademais, o processo de elaboração de uma política climática e a formação dos técnicos no tema estão centrados na criação de um inventário. Como resultado desse enquadramento, a principal tarefa dos técnicos municipais era coletar informações dos diferentes órgãos locais, e o inventário foi considerado, principalmente para os agentes das cidades menores, como o centro do processo, pois eles não haviam adquirido uma percepção mais ampla e integrada do que é a luta contra as mudanças climáticas.

44Essa abordagem centrada nas metas de redução das emissões de GEE, e defendida por instituições e redes internacionais como o ICLEI, também está bastante distante de uma visão mais transversal da luta contra as mudanças climáticas. Em razão da maneira como os agentes locais a traduzem na sua implementação, a política climática tende a levar a ações focadas nos benefícios imediatos para o território. Isso pode ser problemático, sobretudo para os municípios menores, cujas baixas emissões de GEE têm muito pouco impacto sobre o fenômeno global das mudanças climáticas. A política climática do Grande ABC, como deve ser desenvolvida, não é particularmente adaptada aos pequenos municípios: mesmo que, em geral, eles se beneficiem de ações desenvolvidas no âmbito do Plano Climático, precisariam especialmente da implementação de ações de adaptação, sendo mais vulneráveis às mudanças climáticas devido aos seus poucos recursos econômicos. Pelo contrário, o enquadramento do inventário e a política sobre os setores de emissão de GEE levam a tender as ações realizadas pelo Consórcio a esforços visando à atenuação das mudanças climáticas nos setores de transporte ou de resíduos. No plano de ação final, as ações de adaptação correspondem a apenas uma das quatro partes do documento, e acabam sendo menos valorizadas pelos agentes.

45Pode-se ver, portanto, que o processo de definição da agenda influencia a implementação da política climática produzida, em particular limitando a institucionalização da luta contra as mudanças climáticas na região e distribuindo os benefícios da política de forma desigual entre setores e municípios.

Conclusão

46As dificuldades encontradas na implementação da política do Grande ABC podem ser explicadas por diversos fatores. O fato de a definição da agenda ter sido impulsionada pela mediação de dois coordenadores do Consórcio e por um forte apoio político de alguns vereadores – que logo deixaram a região e o processo – pode explicar, em parte, a falta de continuidade no tratamento da questão climática nos municípios do Grande ABC. Tal aspecto é, ainda, acentuado pelo fato de que a política em estudo foi implementada na esfera do Consórcio, uma instituição "frágil" que perdeu sua capacidade de articular políticas regionais após uma mudança na orientação política da região. Era esse nível que se estabelecera não somente como um lugar de trocas sobre o tema e de coordenação entre níveis e setores, mas também como um contato com a rede do ICLEI. Surge o problema da compatibilidade de um forte impulso político e de uma instituição estável e permanente que possa desenvolver uma política transversal em parceria com diversos setores de ação pública.

47Essa questão da continuidade da política do Grande ABC também pode estar ligada à insuficiente mobilização da sociedade civil e dos técnicos municipais. Esses últimos foram integrados ao processo, em grande parte, durante a formação sobre a metodologia do ICLEI, particularmente acerca da produção do inventário de emissões de GEE, tema técnico bastante desvinculado das preocupações de campo. Aliás, isso se relaciona à segunda tendência: a distribuição desigual dos benefícios da política climática entre setores e municípios, influenciada pelo peso dos técnicos durante sua produção e pela centralidade do inventário no processo. Uma apropriação insuficiente do espírito do Plano Climático, por um lado, pelos gestores e técnicos das cidades menores e, por outro lado, pelos agentes que permanecem após as eleições municipais, leva à polarização de sua implementação sobre as medidas economicamente mais viáveis nos setores mais consolidados, que estão, por sua vez, também frequentemente ligados à atenuação das mudanças climáticas.

48Sendo assim, diversos fatores são favoráveis à implementação bem-sucedida de uma política climática, tais como a presença de empreendedores de políticas públicas comprometidos com o tema e um forte apoio político, que deve, no entanto, ser estável durante o tempo necessário para que por um grupo mais amplo de agentes se aproprie do processo. Do mesmo modo, a participação, ou mesmo verdadeira coconstrução da política com a sociedade civil e os técnicos pode facilitar a institucionalização da luta contra as mudanças climáticas no território. Entretanto, governos e redes que lidam com a questão podem se beneficiar do estabelecimento de programas diferenciados de apoio às autoridades locais de acordo com seu tamanho e recursos. Uma vez que a percepção da questão climática se deu originalmente sobretudo por cidades pioneiras, as redes transnacionais tendem a ser “redes pioneiras para pioneiros” (Kern e Bulkeley, 2009, p. 329), o que evoluiu nos últimos anos. Levar em consideração tal diversidade poderia, assim, promover uma melhor apropriação da questão das mudanças climáticas ao longo do tempo, atuar de forma mais ampla em atividades que emitem GEE e, finalmente, preparar mais territórios para os efeitos das mudanças climáticas.

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Table des illustrations

Titre Mapa 1 – Os municípios do Grande ABC
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Titre Mapa 2 - O Grande ABC e a Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais (APRM)
Crédits Fonte: Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do estado de São Paulo
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Titre Mapa 3 - PIB per capita dos municípios do Grande ABC (em R$ per capita)
Crédits Fonte: IBGE
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Titre Mapa 4 - Emissões de GEE per capita dos municípios do Grande ABC
Légende Toneladas de CO2 equivalentes ao ano per capita
Crédits Fonte: Consórcio Intermunicipal Grande ABC, 2016
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Titre Mapa 5 - Índice agregado de vulnerabilidade a eventos climáticos para os municípios do Grande ABC
Crédits Fonte: Valverde, 2017
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Pour citer cet article

Référence électronique

Julie Bideux, « Implementar uma política de combate às mudanças climáticas em uma região metropolitana: o caso da região do Grande ABC no Brasil »Confins [En ligne], Traductions, mis en ligne le 29 mars 2022, consulté le 13 décembre 2024. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/45103 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/confins.45103

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Éditeur scientifique

Patrícia Reuillard

Professora na UFRGS, patricia.ramos@ufrgs.br

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