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Resenhas

Pierre Monbeig e a Formação da geografia no Brasil

Pierre Monbeig et la formation de la géographie au Brésil
Pierre Monbeig and the Formation of Geography in Brazil
Paul Claval
Référence(s) :

Larissa Alves de Lira, 2021, Pierre Monbeig e a Formação da geografia no Brasil (1925-1956) : Uma geo-historia dos saberes, São Paulo, Alameda, ISBN: 9786586081848, 370 p.

Fr

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Pierre Monbeig et la formation de la géographie au Brésil []

Texte intégral

1Larissa Lira faz parte de um pequeno grupo de geógrafos brasileiros que conhecem a França e a geografia francesa tão bem quanto o Brasil e a geografia brasileira. Ela já publicou em 2013 um estudo sobre Vidal de la Blache e o mundo mediterrâneo (Lira, 2013) que atestou seu conhecimento aprofundado sobre o mundo mediterrâneo e os primeiros anos da geografia moderna na França. Eis que ela nos oferece uma obra que conjuga a história do pensamento geográfico na França e no Brasil com os primórdios da geografia moderna no Brasil.

2Seu livro analisa a obra de Pierre Monbeig (1908-1987), um geógrafo que se junta, em 1935, à missão que a França acabara de enviar para facilitar os primeiros passos da Universidade de São Paulo; ele fora precedido por Pierre Deffontaines, recém-mudado para o Rio de Janeiro, onde participa da criação da primeira universidade federal brasileira. A guerra prolonga a estadia de Pierre Monbeig no Brasil; ele lá reside até 1946 e continua a desenvolver trabalhos sobre esse país por mais uma dezena de anos após seu retorno à França.

3Que não se espere encontrar neste livro uma biografia de Pierre Monbeig. A ambição é outra; como nos diz o subtítulo, a autora busca escrever “uma geo-história dos saberes” e compreender como os conhecimentos e as abordagens científicas passaram, graças a Monbeig, de um país ao outro. A introdução é longa: ela não apresenta o personagem do qual o livro trata, mas indica os fundamentos epistemológicos e metodológicos da abordagem adotada; não saberemos praticamente nada do meio onde se formou o jovem Monbeig, senão que seus pais eram professores em Beauvais. A narrativa começa com os estudos superiores. Monbeig frequenta os cursos de grandes vidalianos, tais como Lucien Gallois, Emmanuel de Martonne e, sobretudo, Albert Demangeon. Igualmente, frequenta os cursos de Henri Hauser, historiador que é o mais perspicaz dentre os primeiros alunos de Vidal: foi ele quem levou adiante a ideia de uma regionalização da França no contexto da reforma Clémentel.

4As aulas expositivas tiveram seu papel, mas é na experiência das excursões que se transmite uma parte essencial da disciplina: as regras metodológicas e as práticas por ela adotadas.

5Larissa Lira se atém verdadeiramente a Monbeig apenas a partir do momento em que ele prepara o que hoje chamamos de mestrado, e que na época se denominava Diploma de Estudos Superiores [Diplôme d’Études Supérieures]. Sua dissertação é consagrada ao Hurepoix, pequena região ao sul de Paris. O tema é central na geografia francesa tal como construída por Vidal de Blache e seus discípulos: uma análise da organização territorial que parte de pequenas entidades caracterizadas por um ambiente natural nomeado pays. Mas Pierre Monbeig lida com um conjunto particular. Os traços de uma sociedade e de uma economia tradicionais se apagam rapidamente em razão da proximidade de Paris e do desaparecimento de autarquias locais: o pays é transformado por uma frente pioneira de urbanização perimetropolitana; as forças sociais e econômicas ganham, com isso, mais peso que os constrangimentos naturais.

Figura 1 Pierre Monbeig com colegas brasileiros

Figura 1 Pierre Monbeig com colegas brasileiros

6O estilo de pesquisa que Pierre Monbeig prática se alicerça em um pequeno número de preceitos metodológicos, mais que sobre um corpus teórico fortemente estruturado. Fazer um estudo geográfico é tomar posse do corpo do terreno para, ali, analisar as oportunidades que o meio oferece em termos de solo, de vegetação, de clima. É perceber sua originalidade através das paisagens e apreender sua população através de seus gêneros de vida e suas atividades, como fazia Vidal. É colocar em evidência as restrições que esse meio impôs ao domínio médico, como ensina então Max Sorre. É explorar os arquivos e restituir o estado anterior do povoamento e da valorização, como Albert Demangeon e Jules Sion ensinaram a fazer. É interrogar os trabalhadores sobre as técnicas que eles mobilizam. Com Raoul Blanchard, é se habituar a mudar incessantemente de escala e analisar os lugares de acordo com a descrição do sítio (escala local) e da situação (escala regional ou nacional).

7Trata-se de construir, de maneira inteligente, todo um ofício, mais do que elaborar esquemas teóricos a serem depois confrontados ao real. Essa é a forma que a geografia francesa toma entre as duas guerras, a maneira como ela assegura sua fecundidade, que lhe permite entender a diversidade de um mundo em plena evolução, mas que não conduz à elaboração de uma abordagem verdadeiramente coerente, ainda que alguns, como Albert Demangeon em particular, sintam essa necessidade.

8Aquilo que Larissa Lira recupera de Marie-Claire Robic e dos pesquisadores formados por ela é o que faz da geografia clássica francesa do entreguerras uma disciplina inovadora, ainda que seus fundamentos sejam imperfeitamente explicitados: ela guarda uma forma literária ao mesmo tempo que se torna cada vez mais científica. As primeiras publicações de Monbeig mostram um pesquisador que tirou o melhor de seu aprendizado do ofício de geógrafo: ele é igualmente preocupado com a qualidade de seus escritos e o rigor de suas investigações.

9Aprovado na agrégation, Monbeig inicia a preparação de uma tese sobre as ilhas Baleares. Ele realiza seus trabalhos na Casa de Velásquez, que acaba de abrir em Madri e acolhe jovens pesquisadores franceses que trabalham com o mundo hispânico. A atmosfera que reina ali é estimulante. Enquanto Jean Brunhes tinha apresentado a economia do arquipélago fechada sobre si mesma, Monbeig mostra que ela é, desde o século XVIII, largamente aberta ao mundo exterior, o que explica as especializações e o dinamismo de suas explorações agrícolas.

10Depois de dois anos na Casa de Velázquez, Monbeig passa a ensinar no liceu de Caen, até que Henri Hauser lhe oferece, em 1935, a oportunidade de se lançar ao Brasil. A guerra civil que eclode na Espanha em 1936 o obriga a abandonar suas pesquisas sobre as Baleares. Ele ocupa a cadeira que havia sido de Pierre Deffontaines, aquele que havia lançado as bases de uma nova organização da geografia brasileira, fundando a Associação dos Geógrafos Brasileiros. É nesse quadro que Monbeig vai evoluir durante onze anos; depois de retornar à França, ele ainda consagra seus trabalhos ao Brasil por dez anos.

11A Universidade de São Paulo fora concebida para dotar o estado de São Paulo de uma elite intelectual que permitisse à cidade e ao estado continuar a dominar o país. Em um primeiro momento, os estudantes que frequentam o novo estabelecimento são pouco numerosos, mesmo que bolsas de estudos tenham sido concedidas a professores das escolas e dos liceus do estado de São Paulo para lá adquirirem uma formação superior. O recrutamento não se limita ao meio mais privilegiado; ele se abre às classes médias e populares do país.

Figura 2 Pierre Monbeig supervisionando o trabalho de estudantes

Figura 2 Pierre Monbeig supervisionando o trabalho de estudantes

12O que Pierre Monbeig ensina com muito rigor, e mesmo severidade, é o ofício de um geógrafo moderno, tal como ele havia aprendido na França. Como na França, ele dá um amplo espaço ao trabalho de campo. Nele, está fora de questão oferecer aulas expositivas: em uma atmosfera convivial, os estudantes participam diretamente na pesquisa ao lado do mestre. É dessa maneira que nasce a geografia moderna no Brasil: ela é, de início, levada a cabo por jovens brasileiros sob a liderança de um professor francês que os ensina a profissão e descobre, em colaboração com os próprios estudantes e ao mesmo tempo que eles, as realidades do país. Para dar conta de uma região que difere da França, as práticas ensinadas devem ser adaptadas às condições locais.

13O trabalho geográfico que Monbeig ensina passa pela preparação de estudos nos quais são apreendidos ao mesmo tempo o meio natural e a ocupação humana do espaço – uma ocupação recente, no caso do estado de São Paulo, cuja penetração ocorreu com a difusão da cultura do café. Os gêneros de vida aí são mais contrastados que os da França dessa época.

14Como mostra Larissa Lira, “Pierre Monbeig será chamado a construir um discurso normativo sobre o método, ao acomodar em São Paulo uma estrutura pedagógica, científica e institucional que ele liderava, e uma orientação sobre o uso prático dos estudos geográficos” (Lira, 2021, p. 198).

15Larissa Lira prossegue:

“Nas excursões, Pierre Monbeig construiu um ambiente de trocas recíprocas, onde todos participavam da aventura do conhecimento, ele inclusive, pois o Brasil e os brasileiros o motivavam. Ele agiu igualmente como um ponto de convergência entre os diferentes grupos de geógrafos. Através da AGB, atuou como um articulador entre diversas comunidades geográficas. Em seguida, […] conseguiu construir um público de intelectuais de diversos campos “consumidores” dos trabalhos e das reflexões ofertadas por esta comunidade de geógrafos. De um lado, pelo modo como conseguiu consolidar sua autoridade, junto com ela conseguiu resguardar valores epistemológicos que lhe eram caros. De outro lado, Pierre Monbeig se adapta às exigências do Brasil e dos brasileiros”. (ibid.).

16A enxertia vinga após alguns anos: ela já é bem-sucedida nos anos 1940, quando são defendidas e publicadas as primeiras teses daqueles que Monbeig formou: a de Maria da Conceição Vicente de Carvalho sobre Santos e a geografia humana do litoral paulista (1944), a de João Dias da Silveira, que oferece Um estudo geográfico dos contrafortes ocidentais da Mantiqueira (1945), ou a de Nice Lecocq-Müller sobre Sítios e sitiantes no estado de São Paulo (1945). Elas compreendem os diferentes meios geográficos do estado de São Paulo, sua fachada litoral, a vertente ocidental da parede montanhosa que constitui a Mantiqueira e as colinas do interflúvio, os espigões, que cobrem o essencial do interior. Relatam o difícil domínio de um litoral apertado entre o mangue e os taludes de quase 1.000 metros de altitude da Serra do Mar, e os esforços por fazer de Santos a saída de um imenso interior que se abre a partir da bacia de São Paulo. Analisam a passagem de uma plantation escravista, tal como se desenvolve no Vale do Paraíba, para a forma moderna que ela toma no momento em que cafeicultura atinge o interior do estado de São Paulo. Nice Lecocq-Müller estuda a última fase, aquela da valorização do oeste do estado: diante da crise, pequenas explorações substituem as grandes propriedades que tinham até então dominado.

17Esses trabalhos mostram que a elaboração da tese de Monbeig (1952) sobre os pioneiros e plantadores de São Paulo é, em larga medida, uma obra coletiva – uma obra franco-brasileira.

Figura 3 A expansão do café na época de Pierre Monbeig

Figura 3 A expansão do café na época de Pierre Monbeig

18A geografia francesa não ignorava o papel das frentes pioneiras, mas estas até então não haviam sido estudadas por colegas formados em Paris ou na França. Foi sobretudo através dos trabalhos de Isaiah Bowman, em boa parte consagrados à América do Sul, que o tema se tornou conhecido. Mas a versão paulista é muito particular: até os anos 1930 e 1940, a frente pioneira que varre o estado e depois o oeste do Paraná tem, com efeito, a particularidade de possuir valor apenas nas últimas margens desmatadas: os métodos extensivos utilizados exaurem rapidamente os solos, de forma que o sistema somente pode se manter por meio da construção de novos trechos de vias férreas e do desmatamento de novas áreas de floresta; a montante, isso implica o recurso a técnicas evoluídas de transportes e de financiamento.

19Através da dinâmica da agricultura paulista, apreende-se toda a vida rural brasileira, com seu apetite por solos virgens ou novos depósitos minerais: é um sistema que combina extensividade da exploração e investimentos importantes em transporte e capacidade de tratamento primário dos produtos obtidos.

20A economia brasileira aparece, assim, como a projeção sobre terras novas de formas capitalistas cujos pontos de origem estão no exterior, e que aproveitam da imensidão dos horizontes abertos para se permitir dilapidar os solos e os recursos. A interpretação que Monbeig propõe sobre a construção econômica do Brasil vai no sentido que fora avançado pelo historiador português Lúcio de Azevedo em 1929: o de uma sucessão de ciclos ligados à valorização sucessiva de uma série de recursos por algo que já era um capitalismo (Azevedo, 1929). A tese é logo retomada pelo marxista Caio Prado Jr. (1933), um dos intelectuais paulistas com quem Monbeig mantém relações. Este último lhe dá uma dimensão geográfica nova, “tropicalizando-a”, ou seja, sublinhando que é a conjunção de grandes espaços livres e clima em que os solos são rapidamente lixiviados o que explica a dinâmica particular das frentes pioneiras brasileiras.

21A interpretação das dinâmicas econômicas do Brasil em termos de capitalismo proposta por Monbeig é original, como observa Larissa Lira; ela a contrasta com os modos de explicação então em uso na geografia francesa e mostra como a exportação da profissão de geógrafo à maneira francesa leva a uma profunda transformação desta última

22O que podemos acrescentar a essa análise inovadora e empolgante? Que o trabalho de Monbeig é rico e complexo o suficiente para permitir outras leituras. Monbeig é um homem informado que leva em conta tudo o que lhe parece inovador. Ele renova, assim, a geografia dos ambientes naturais brasileiros, integrando nela tudo que a medicina pasteuriana descobriu sobre os mecanismos em jogo nas doenças endêmicas, bem como na propagação de epidemias.

23Monbeig também é sensível à qualidade das pesquisas realizadas pelo Instituto Agronômico de Campinas: estas mostram que é possível dar uma segunda vida aos solos esgotados pela frente pioneira, utilizando fertilizantes e pesticidas. O estado de São Paulo descrito por Monbeig não é apenas uma próspera franja pioneira cujo avanço deixa para trás terras exauridas em pousio. Uma segunda onda de desenvolvimento já está ocorrendo nas terras deixadas pelo café, não mais ligada à exploração extensiva de áreas imensas destinadas a serem rapidamente esgotadas, mas à de terras que a mecanização do cultivo e o progresso da química abriram a uma nova forma de exploração em larga escala: que produz imensas quantidades de cana-de-açúcar, álcool, suco de laranja ou madeira de eucalipto para fabricação de papel; ela se tornará rapidamente o suporte de um novo capitalismo internacional e agora também brasileiro.

24Larissa Lira não apenas enfatiza o que o trabalho do geógrafo ensina sobre os mecanismos fundiários e econômicos em ação nas frentes pioneiras. Monbeig está constantemente preocupado em apresentar seus resultados de uma maneira elegante. Ele é assim levado a mobilizar “grandes narrativas” que apresentam os personagens que encarnam as mudanças em curso. Fala dos indivíduos e das famílias que abrem novas terras e fazem avançar as ferrovias, mas nos lembra de que “la marche pionnière fut primordialement assurée par les petits propriétaires” (Monbeig, 1952). E, nessas zonas pioneiras, também vê uma franja onde se justapõem as nacionalidades:

“Lá, há, de fato, a construção de algo novo, de uma sociedade que abandona seus antigos hábitos para criar novos. A zona pioneira de São Paulo, portanto, é mais do que um cadinho de nacionalidades. Ela transforma os homens, ela os unifica em um projeto comum, ela é, portanto, um caldeirão de uma nova sociedade e o germe da criação de um sentimento regional e mesmo nacional”. (LIRA, 2020, p. 325).

25Para além da economia, o Brasil como um todo é renovado pela experiência pioneira do estado de São Paulo.

26No conjunto, trata-se de um livro sólido, austero, mas apaixonante, que atesta a qualidade da pesquisa geográfica no Brasil contemporâneo.

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Bibliographie

Azevedo, J. L., Épocas do Portugal económico, Lisboa: Livraria Clássica, 1929.

Lira, L. A., O Mediterrâneo de Vidal de la Blache: o primeiro esboço do método geográfico (1870-1918), São Paulo: Alameda, 2013.

Lira, L. A., Pierre Monbeig e a formação da geografia no Brasil (1925-1956): uma geo-história dos saberes, São Paulo: Alameda, 2021.

Monbeig, P., Pionniers et planteurs de São Paulo, Paris: Armand Colin, 1952.

Prado Jr., C., Evolução política do Brasil: ensaio de interpretação materialista da história brasileira, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1933.

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Titre Figura 3 A expansão do café na época de Pierre Monbeig
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Pour citer cet article

Référence électronique

Paul Claval, « Pierre Monbeig e a Formação da geografia no Brasil »Confins [En ligne], 54 | 2022, mis en ligne le 13 mars 2022, consulté le 15 janvier 2025. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/44268 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/confins.44268

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Auteur

Paul Claval

Sorbonne-Université, p.claval@wanadoo.fr

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