- 1 Artigo resultante do Projeto FAPESP (2017/20224-1): BR-163/Sub-região da Calha do Amazonas: o papel (...)
1 O Governo Federal1 procura, desde os anos de 1970, ordenar a ocupação da região amazônica por meio de diferentes medidas de Ordenamento Territorial e Fundiário, incluindo a criação de Unidades de Conservação, indígenas e diferentes modalidades de Assentamentos da Reforma Agrária. Do Plano BR-163 sustentável, cujo objetivo primordial era o asfaltamento da rodovia, emerge a elaboração do ZEE BR-163, extenso em cobertura territorial e denso em informações geradas (diagnósticos temáticos, mapas, indicações de uso, cenários e proposta de gestão). O território objeto do zoneamento da BR-163 é composto por 5 sub-regiões sendo de interesse específico do presente estudo a sub-região denominada de Calha do Amazonas.
2 De modo geral, a mídia - nacional e internacional - aborda a Amazônia para divulgar os altos índices de desmatamento. Por mais que esta divulgação seja válida, é preciso chegarmos a outras identidades geo-históricas dessa região. Nesse artigo, focado no recorte geográfico onde estão inseridos os municípios de Santarém, Belterra e Mojuí dos Campos, vamos priorizar alguns projetos, de curta duração, aqui denominados por nós de "os voos de avestruz" e a chegada do agronegócio nessas terras do norte do país.
3 A curta duração de vários projetos, focados em recursos naturais, malgrado a localização de Santarém: em um rico território, no encontro do rio Tapajós com o rio Amazonas, em área de solo fértil, de floresta consolidada, com abundante biodiversidade e beleza cênica, boa conexão com outras aglomerações e, ainda a implantação do Porto da Cargill, explicam a chegada do agronegócio na região. Apesar de oficialmente a cidade possuir 356 anos, desde sua fundação como vila portuguesa, Santarém pertence a um grupo de assentamentos humanos com profundas raízes pré-cabralianas, com área urbana que apresenta indícios de ser um espaço ocupado desde o século XX.
4A Calha do rio Amazonas recebe influência da cidade de Santarém e das rodovias Santarém/Cuiabá (BR-163) e Santarém/Curuá-Una (PA-370). Corresponde aos ecossistemas que sofreram ação antrópica, pelo uso com agricultura itinerante de derruba e queima para implantação de pastagem.
Figura 1 - Localização de Santarém/PA.
Coordenadas 2º 24" 52" de latitude e 54º 42" 36" de longitude na região do oeste paraense, na mesorregião do baixo Amazonas, microrregião de Santarém, margem direita do rio Tapajós na sua confluência com o rio Amazonas.
Organização: Diogo Laércio Gonçalves (2020)
- 2 Géosystème-source – territoire-ressource – paysage-ressourcement.
5Atualmente, o meio ambiente requer um “método de complexidade”, associando dialeticamente epistemologia e história das ciências, teoria e prática, método e técnica, saber e formação. Proposto desde 1990, o sistema GTP, associa o geossistema-fonte ao território-recurso e à paisagem-identidade2 não tem outra razão de ser. É uma tentativa, de ordem geográfica, para matizar, ao mesmo tempo, a globalidade, a diversidade e a interatividade de todo sistema ambiental.
6A exploração geográfica da interface natureza-sociedade exige um método de complexidade e de diversidade. Ele se situa no encontro de vários percursos metodológicos e deve responder a princípios contraditórios: evitar todo ecletismo ambíguo e ser unívoco e linear, permanecendo didático para ser operatório.
7O sistema define três campos semânticos, cada um com sua própria finalidade, que varrem a interface a partir de três conceitos: o geossistema, o território, a paisagem. O geossistema é inspirado na geografia soviética e em diversos “land-use” anglo-saxões, conceito de inspiração naturalista que leva em consideração as massas, os volumes e os funcionamentos bio-físico-químicos. Ele está ligado com as linguagens, conceitos e métodos das ciências da natureza e introduz a dimensão geográfica nos estudos de meio ambiente, privilegiando a dimensão histórica e espacial (vertical: geohorizontes, e horizontal: geótipo, geofácies, geocomplexo), sendo mais eficiente que o ecossistema.
8O território, conceito central da ciência geográfica, é considerado, aqui, como a interpretação socioeconômica do geossistema. A paisagem, noção mais que conceito, permite ao geógrafo aceder ao mundo das representações sociais da natureza assegurando ao mesmo tempo um elo, com os objetos naturais em sua dimensão geossistêmica.
9O que conta aqui antes de tudo é reaproximar estes três conceitos ou noções para analisar como funciona um meio ambiente geográfico na sua globalidade. Trata-se então, essencialmente, de apreender as interações entre elementos constitutivos diferentes e, muito especialmente, de ver como interagem a paisagem, o território e o geossistema.
10No início da eleboração do método, Bertrand utilizou o termo geossistema para designar, ao mesmo tempo, o conceito geral e uma unidade espacial intermediária entre o geofácies e o domínio. No entanto, graças às críticas de pesquisadores soviéticos (D.L. Armand, V. B. Sochava e N. Beroutchachvili), Bertrand reservou o termo geossistema ao conceito geral e abstrato, destacado de toda unidade territorial concreta. Na escala têmporo-espacial de referência e a cartografia correspondente, o termo geossistema é substituído pelo de geocomplexo (geótopo, geofácies, geocomplexo, domínio, região).
11O geocomplexo da Calha do rio Amazonas será abordado em consonância com a teoria geossistêmica, ou seja, globalmente.
12Geologicamente, o Planalto Santareno está situado na porção central da Bacia Sedimentar do Amazonas, aflorando, na maior parte do seu território, a seção superior da Formação Alter do Chão (Cretáceo/Terciário). Essa unidade está constituída, predominantemente, por arenitos finos a grossos, esbranquiçados a avermelhados, friáveis, caulínicos, com frequentes estratificações cruzadas: apresentam intercalações de argilas avermelhadas. No topo da unidade, é comum a presença de crosta ferruginosa, laterítica, responsável pela preservação dos platôs que caracterizam a Formação.
13A compartimentação geomorfológica é, dominada, predominantemente, pela planície aluvial, que fica temporariamente inundada, apresentando formação de inúmeros lagos. Esta unidade é representada pelas várzeas e restingas do rio Amazonas e os solos nela encontrados são os hidromórficos, de origem sedimentar, e ocorrem em áreas de relevo plano de várzea. São aproveitados na época de estiagem, principalmente, os extensos campos naturais chamados campos de várzea, para criação de gado.
14Santarém, juntamente com toda a área dos municípios de Mojuí dos Campos e Belterra, estão localizados no Planalto Santareno, cuja altitude média está 150 metros acima da planície amazônica, que circunda toda a região. Os rios Amazonas e Tapajós são as vias de maior importância para o desenvolvimento econômico da região, através do escoamento de produtos nela gerados, pela utilização de embarcações de diversos portes. O latossolo e demais classes de solos são derivados de litologias de natureza argilo-arenosa ou areno-argilosa da Formação Alter do Chão, do período Cretáceo/Terciário (Camargo & Rodrigues, 1979) ou material proveniente de cobertura relacionada àqueles sedimentos (Figura 2)
Figura 2 – Solo e paisagem da várzea Amazônica
Fotografia 1: Latossolo avermelhado-amarelado no leito da estrada, aberta recentemente, no interior da FLONA do Tapajós. Fotografia 2: Área de várzeas do rio Amazonas com característica de planície aluvial
Fonte: Messias Modesto dos Passos (2018).
15A região encontra-se sob características gerais de clima quente úmido. As temperaturas médias, máximas e mínimas anuais oscilam, respectivamente, entre 25 e 26ºC, 30 e 31ºC e 21 e 23ºC, enquanto a precipitação pluviométrica apresenta valores anuais oscilante em torno de 2.000mm, com distribuição irregular durante os meses, mostrando a ocorrência de dois períodos nítidos de chuvas, o mais chuvoso abrangendo o período de dezembro a junho, concentrando em mais de 70% a precipitação anual.
16Analisando o geocomplexo, atribuímos valor maior à vegetação, por consideramos esta como o elemento síntese, resultante da combinação dos demais elementos naturais. A cobertura vegetal é composta por quatro formações florestais bem distintas que são: floresta equatorial subperenifólia e cerrado equatorial subperenifólio, na terra firme; floresta equatorial higrófila de várzea e campos equatoriais de várzeas, nas áreas sujeitas a inundação (Embrapa, 1983).
17Os nossos estudos, realizados no período de 2016 a 2019, contemplaram levantamentos fitossociológicos em 18 lotes. No entanto, nesta publicação, vamos tratar apenas de dois: (a) Floresta Equatorial do Planalto Santareno e (b) Cerrado de Alter do Chão, ambos da Calha do rio Amazonas.
18Na região norte é onde situam-se as maiores formações florestais do continente, dominadas pela floresta equatorial subperenifólia de terra firme. O cerrado equatorial subperenifólio localiza-se numa pequena faixa entre Alter do Chão e Santarém. É formado por árvores de altura média, entre quatro e sete metros, composto de elementos arbustivos esclerófitos, dispersos sobre um tapete contínuo, dominado por Andropogom sp, Paspalum sp e Bulbosylis sp.
19Os inventários fitossociológicos foram precedidos da avaliação da espacialização da vegetação que restou do agressivo processo de ocupação do território. Para essa tarefa foram usadas imagens do satélite Landsat e observações sistemáticas do terreno realizadas ao longo dos últimos quatro anos por fotos tomadas a partir de Drone.
Figura 3 - Ficha Biogeográfica do Lote nº 01
Fonte: Messias Modesto dos Passos (2018)
Figura 4 – 1: Pirâmide de Vegetação lote nº 1; 2: Floresta Equatorial Amazônica - Santarém/PA - Brasil
Fonte: Messias Modesto dos Passos (2018)
20Uma vez definida a área, efetuamos as anotações na ficha biogeográfica, a qual consta de duas partes independentes: na superior, a parte fitossociológica, onde são relacionadas as espécies vegetais mais importantes que ocorrem na formação segundo os estratos e, na inferior, na parte geográfica, detalham-se os fatores biogeográficos que influem na referida formação vegetal, além de ser assinalada a dinâmica do conjunto.
21 Em parte do Planalto Santareno, mais exatamente em Alter do Chão, ocorre uma área significativa de cerrado. A ocorrência desse enclave de vegetação aberta, não xerofítica, pode ser resultado do efeito dos períodos climáticos secos na Amazônia, durante o Quaternário, segundo J. Haffer e G.T.Prance (Figuras 5 e 6).
22Observo que, após o nosso levantamento fitossociológico, esta área de cerrado foi alvo de queimadas que resultaram numa acirrada polêmica, inclusive com prisão de brigadistas acusados de atuarem fogo, propositalmente nessa vegetação de cerrado.
Figura 5 - Ficha Biogeográfica do Lote nº 02
Fonte: Messias Modesto dos Passos (2018)
Figura 6 – 1: Pirâmide de Vegetação lote nº 02; 2: área de cerrado nas proximidades de Alter do Chão.
Fonte: Messias Modesto dos Passos (2018)
23Os geofacies se definem facilmente no interior de cada geocomplexo porque eles correspondem sempre a uma combinação característica. Nesta escala, a vegetação fornece os melhores critérios, em particular sob a forma de argumentos fitosociológicos.
24A decomposição do todo espacial em suas partes, ou seja, a subdivisão da área em unidades elementares, tem como fim compreender as “descontinuidades objetivas da paisagem”, segundo Bertrand (2007).
- 3 Observo que no Relatório FAPESP (Processo: 2017/20224-1) foram inseridos todos os geofácies diagnos (...)
25Partindo dos elementos fornecidos pela pesquisa, é possível uma classificação de geofacies3 da paisagem, dessa parcela do território amazônico, em função de uma tipologia dinâmica e da fragilidade dos equilíbrios morfo pedogenéticos, nos seguintes tipos:
26a) áreas de usos intensivos com minifúndios em dinâmica estável –conjunto das pequenas propriedades situadas nas inúmeras e diversas comunidades assentadas no eixo da PA-370. A figura 7 mostra uma pequena propriedade, dedicada à policultura: banana, limão, maracujá, hortaliças e pimenta do reino. As áreas de minifúndios – apresentam uma dinâmica estável, apesar da eliminação da vegetação e uma estabilidade do potencial ecológico. Todos os pequenos proprietários entrevistados, acusam: poluição química, motivado pela pulverização de agrotóxicos nas grandes propriedades do entorno. Esta poluição está contaminando, notadamente as hortaliças. Outro problema é que o mercado de consumo de Santarém está recebendo produtos de outras regiões. Desde que todas as Comunidades passaram a ter o abastecimento hídrico a partir de grandes caixas d´água, denominado localmente de "Sistema", os pequenos cursos d´água foram "abandonados" e se encontram em estado de desperenização.
Figura 7 - Áreas De Usos Intensivos Com Minifúndios Em Dinâmica Estável.
Na foto, em primeiro plano, o terreiro de secagem da pimenta do reino. Comunidade de Boa Esperança/Santarém, PA-370.
Fonte: Messias Modesto dos Passos e Diogo Laércio Gonçalves (2018)
27b) áreas de vegetação residual em biostasia subclimácica – nessa unidade de paisagem, onde o potencial ecológico não foi alterado, constatamos o processo dinâmico e ativo de desmatamento progressivo, ou seja, o desmate se dá pouco a pouco. Nessa unidade, conforme se pode observar, temos três estágios: (a) o solo nu, preparado para o cultivo de grãos; (b) as manchas de floresta secundária e (c) a área em tom verde mais claro, aparentando ser de capoeira, no interior da qual se encontra uma serraria em pleno funcionamento. O estádio de biostasia é mantido, notadamente pelas condições de relevo plano, pouco suscetível à erosão. Podemos prognosticar que, dentro de dois ou três anos, conforme a dinâmica do mercado da soja, toda essa área seja desmatada.
Figura 8 - Áreas de vegetação residual em biostasia subclimácica.
Observa-se que algumas áreas florestadas estão mais bem conservadas (subclimácicas), enquanto outras sofreram uma modificação parcial da exploração biológica (paraclimácica). No interior dessa unidade de paisagem, cuja foto foi obtida a partir de Drone, há uma serraria em pleno funcionamento. Comunidade de Boa Esperança/Santarém, PA-370.
Fonte: Messias Modesto dos Passos e Diogo Laércio Gonçalves (2018)
28É através da terra e do território que a problemática da natureza torna-se problemática social, interna na geografia, portanto submetida a escolhas e a hierarquias que a limitam e a transcendem ao mesmo tempo.
29Do ponto de vista das comunidades rurais, o “meio natural” é, numa primeira aproximação, o conjunto dos elementos “naturais”: relevo, clima, águas, solo, vegetação, fauna, que concorrem para a estruturação do espaço rural.
30Os solos, as florestas, as pastagens, as lagoas e os rios etc., com os quais os camponeses têm contato mais ou menos estreitos, não são meios naturais no senso estrito, mas meios em geral profundamente modificados na sua estrutura e evolução pelo tipo de exploração (ou tipos sucessivos de exploração). O geográfico é, mais que nunca, o domínio de todos. Como tudo isto que mexe o meio ambiente e mais precisamente a antropização dos territórios.
31A região do baixo Amazonas, viveu um período de conflitos muito intensos entre as Missões Jesuíticas, que ganharam grande relevância com a chegada do Padre Antônio Vieira, em 1671 e a política que resultou na expulsão da Companhia de Jesus, arquitetada pelo Marquês de Pombal e executada, notadamente, pelo irmão deste, o governador do Grão Pará e Maranhão, Mendonça Furtado.
32 Podemos afirmar que a formação socioespacial da Calha, passou por diversos ciclos, notadamente o ciclo da Borracha, a partir de 1870. É notório que o "ciclo da borracha" teve curta duração, pois quando a borracha começou a ter valor econômico, surge a concorrência da produção inglesa, na Malásia.
33A Calha do rio Amazonas viveu momentos de euforia, de prosperidade que se prestam para exemplificar os obstáculos para se ter um modelo de desenvolvimento socialmente justo e ambientalmente correto. Nós vamos nos ater, agora à alguns eventos:
34 Nesse item, a falência de projetos, vamos abordar alguns empreendimentos, regra geral apoiados por políticas públicas, cujas durações foram efêmeras, ou seja, de quase-nula sustentabilidade.
35 Apoiado na exaustiva inserção nos arquivos (jornais, livros, fotos, depoimentos etc.) do Instituto Cristovam Boanerges Sena, de Santarém, passo a expor dois eventos: Fordlândia–Belterra e Tecejuta de grande relevância para o povoamento e ordenamento do território na Calha do rio Amazonas.
36 Nunca é demais lembrar que a Calha do rio Amazonas desfruta de uma posição estratégica no baixo Amazonas, por estar situada na confluência do grande rio Tapajós com o rio-mar do Amazonas e, ainda, ter ligação direta com a BR-163.
37 O padrão de ocupação do território sempre foi de dispersão, com pequenas localidades distribuídas ao longo das calhas de rios, acompanhando as suas várzeas, áreas mais propícias ao plantio e que permitiam fácil deslocamento (Heckenberger, 2005).
38 O mito de que a região era despovoada e dispunha de recursos infinitos justificou o direcionamento de migrantes (nordestinos refugiados da grande seca de 1915; assentados da região Sul na década de 1970; trabalhadores das obras dos projetos federais dos Planos Nacionais de Desenvolvimento e do Polamazônia). Houve o crescimento de cidades, vilas, fazendas e estruturas produtivas, agora conectadas por estradas, e a reestruturação da antiga rede urbana de padrão dendrítico (baseada nos rios), expandindo a cidade de Santarém em dois principais vetores: o rio e a penetração do território.
39 Santarém reafirmou sua importância regional a partir do acúmulo de novas funções e destacou-se como polo regional segundo a lógica urbano-industrial. A consolidação da cidade no período colonial e o seu fortalecimento no decorrer do século XX, sob a hegemonia capitalista, são bem ilustrativas do fenômeno apresentado por Becker (1998) de urbanização da floresta na década de 1990.
40 Dentre os vários ciclos de pouca, quase-nenhuma sustentabilidade, vamos destacar o projeto de Henri Ford, com a fundação de Fordândia (1928) e de Belterra (1934) e a implantação e falência da TECEJUTA.
41 O Ciclo da Borracha corresponde ao período da história brasileira em que a extração e comercialização de látex para produção da borracha foram atividades basilares da economia. De fato, ocorreram na região central da floresta amazônica, entre os anos de 1879 e 1912, revigorando-se por pouco tempo entre 1942 e 1945.
42 Com o fim do comércio da borracha cessaram as viagens para o Alto Tapajós. Os seringais foram abandonados e os seringueiros dispersaram-se. Pouquíssimos ficaram por lá, plantando pequenas roças para subsistirem.
43Em 1928 chegou a Companhia Ford Industrial do Brasil e uma era de prosperidade, que prometia ser duradoura, estabeleceu-se. Inicialmente, não apareceu como parte diretamente interessada no assunto. O Sr. W. L. Reeves Blakeley, de origem americana, foi quem obteve do governo do Estado do Pará, em 21 de julho de 1927, a concessão de uma área de um milhão de hectares de terra, tidas como devolutas, à margem direita do rio Tapajós. Essas terras situavam-se em dois municípios (Aveiro e Itaituba). O prazo de validade dessa concessão era de dois anos, durante os quais o concessionário se obrigava a estabelecer uma ou mais empresas, com direito à propriedade, uso e gozo das terras que lhes fossem outorgadas, sendo obrigatório, o plantio de seringueiras além de outras essências florestais de interesse econômico da região.
44 Pouco tempo depois a concessão foi transferida do Mr. Reeves para o Sr. Dumont Villares que, por sua vez, a transferiu a Henry Ford, o grande magnata americano de Detroit. No seu todo, os termos da concessão eram altamente danosos aos interesses nacionais, uma vez que se outorgava à Companhia, direitos inadmissíveis em um outro país livre e soberano. Ela podia explorar o solo, o subsolo, a navegação, as comunicações, as quedas d´água, as madeiras etc. e, no fundo, isso era uma verdadeira alienação de parte de território brasileiro.
45 O projeto de Henry Ford, assentou-se na localidade de Boa Vista, que passou a ser chamada de Fordlândia. Apesar dos problemas enfrentados e, notadamente os conflitos com os nacionalistas, a Companhia trouxe para o Tapajós um grande alento: bons salários, boa assistência médica e hospitalar, boa assistência social e, acima de tudo, uma excelente escola de aprendizado e organização para todos. A saída da Ford dessa região foi uma grande perda para todos. Tudo aquilo que havia sido feito com tanto esmero e trabalho, em poucos anos transformou-se em ruínas abandonadas que lá estão como testemunho. Imensas construções de ferro, casas originais, alojamentos, seringais, estrada, tudo entregue ao mais completo abandono.
46 Em 1935/36, a Ford, desencantada com a área muito acidentada e já bastante infestada pelo "mal das folhas" que atacava as seringueiras, conseguiu trocar parte da concessão primitiva, por outra área com cerca de 300 mil hectares, no platô que se eleva ao sul de Santarém, que oferecia melhores condições naturais para a implantação do seu projeto. Essa nova área é plana, com terras razoavelmente férteis e clima mais fresco. Assim nasceu Belterra, (Figura 9) onde foi praticamente iniciado o novo projeto, desta feita procurando-se corrigir os erros cometidos em Fordlândia.
Figura 9 – 1: Construção dos tempos da implantação do projeto da Companhia Ford do Brasil; 2: Casa típica de Belterra.
Fonte: Messias Modesto dos Passos (2019)
47Em fins de 1945, princípios de 1946, a Ford retirou-se do Tapajós e ele mergulhou novamente no silêncio e no esquecimento, ficando ainda mais pobre do que antes. Itaituba que é a "capital" do rio, transformou-se quase numa cidade fantasma. As casas ruíram, o mato invadiu as ruas e tudo parecia destinado a morrer definitivamente.
48Aconteceram então dois eventos: descobriram-se grandes quantidades de ouro nos afluentes superiores do rio Tapajós e construiu-se a estrada Transamazônica, que passando por Itaituba ruma a oeste. O rio voltou a encher-se de vida e movimento: Itaituba cresceu sem planejamento, atingindo rapidamente mais de 50 mil habitantes e passou a ser chamada de "cidade do ouro". Ali só se fala em ouro e talvez não haja no Brasil uma cidade com maior concentração de pequenos aviões. Barcos saem diariamente de Santarém para lá, levando grande número de pessoas e mercadorias.
49 No final da década de 1940, a cultura da juta estava totalmente implantada e era uma realidade na maioria dos municípios que agregam a região do Baixo Amazonas.
50 O município de Alenquer tornou-se o maior centro produtor de sementes e o comércio de Óbidos rivalizava com o de Santarém dentre os mais movimentados da calha do Amazonas.
51No processo de readaptação causado pela Segunda Grande Guerra, havia dois japoneses inconformados, um no Japão e outro em Santarém, que ainda mantinham viva a esperança de implantar uma nova colônia nos moldes da que foi interrompida pelos dissabores da guerra: Tsukasa Uyetsuka e seu preposto no Brasil, o austero diretor da Vila Amazônia, Kotaro Tuji.
52Contudo, o grande ideal de Tuji e Uyetzuka, para o qual tinham recebido promessa de apoio do então presidente Getúlio Vargas, durante o curto encontro que tiveram na cidade de Parintins, era implantar uma indústria de tecelagem para verticalizar a produção da fibra próximo aos locais de plantio. O Baixo Amazonas passaria a ser um exportador de sacaria e não um mero fornecedor de matéria prima para as indústrias do Sudeste.
53Com o pomposo nome de Companhia de Fiação e Tecelagem de Juta de Santarém (Tecejuta), a fábrica nasceu, ainda que só no papel, em 10 de novembro de 1951. Começou com um capital de 350 mil dólares e a promessa de um acréscimo de mais 500 mil dólares que deveria ser suprido por financiadores japoneses.
54O primeiro embarque da produção da Tecejuta, num navio da Companhia Costeira, que era estatal, aconteceu no dia 11 de março de 1966, quase dezesseis anos depois que Getúlio Vargas fez a promessa pública de instalar a fábrica, e num momento em que o ciclo da juta do Baixo Amazonas, já estava em franco declínio.
55 A TECEJUTA faliu pelas mesmas razões como faliu a tentativa de implantação de um parque industrial em Belém, há pouco mais de um século, no embalo dos excelentes resultados do ciclo da borracha. O setor moderno está hoje em Manaus, embora a indústria incentivada pela renúncia fiscal seja uma realidade artificial que necessita de constantes renovações legais.
56 No fundo, porém, está a “vocação” histórica da Amazônia: fartura de recursos naturais que “devem” ser exportados in natura para beneficiar a indústria e os mercados externos, nacionais e estrangeiros.
57Nos últimos quarenta anos, a sociedade brasileira sofreu mais alterações que nas décadas anteriores. Foram transformações de caráter social, econômico, político-ideológico, cultural, tecnológico e institucional que levaram organizações e modelo vigente de Estado a profundos ajustamentos.
58Neste contexto, em que o Brasil forçosamente viu-se diante do paradigma de ter que enfrentar e competir nos mercados internacionais, surgiu a figura do agronegócio. É uma abrangência do significado histórico da agricultura. Talvez a maior diferença seja justamente a incorporação da tecnologia como vetor indispensável da competitividade nos mercados muito mutantes.
59 A partir de 1997 o agronegócio da soja avança na região do oeste do Pará, principalmente por incentivos governamentais e o apoio do Banco da Amazônia (BASA), apoiando principalmente os grandes produtores rurais, deixando à margem a agricultura familiar. De início ocorre, por parte dos sojicultores, a compra de lotes da agricultura familiar que não tinha suficiente apoio técnico e financeiro.
60 A chegada de grandes sojicultores do Mato Grosso e do sul do país se deu por causa das propagandas feitas pelas Prefeituras dos municípios, mostrando vantagens sobre a fertilidade do solo e as facilidades de acesso à grandes áreas de terra (Figura 10).
61A soja foi trazida para a região santarena por meio do contato direto de governantes locais, que na década de 1990, se dirigiram para o Mato Grosso e estimularam os produtores daquele estado a se instalarem em Santarém. O planalto santareno era propício à mecanização do solo e as terras nessa época eram baratas, o que facilitou o ingresso da soja no município, porém, não houve nenhum tipo de estudo dos impactos que a soja poderia desencadear às terras, aos rios, igarapés e aos povos locais.
Figura 10 - “Documento” com assinatura de vários produtores rurais e, notadamente, dos prefeitos municipais.
Pode-se ler: “Consolidação da implantação da cultura da soja em Santarém. Que a Virgem da Conceição nos permita no futuro relembrar com orgulho e satisfação este momento”.
Fonte: STM 21/11/97 - 17:30 hs. (Cópia cedida pelo ICBS, Santarém/PA).
62Os produtores de soja, encontraram, na Calha do rio Amazonas, uma área de ocupação já consolidada, por conta dos assentamentos do INCRA, no início da década de 1970. As áreas desmatadas pelos assentados totalizavam cerca de 500 mil hectares; no entanto, no entorno dessas áreas, ocupadas com agricultura tradicional, havia (e ainda há) muitas parcelas de vegetação secundária.
63 Com a chegado da agricultura mecanizada (soja e milho) os pequenos lotes, desmatados, são comprados a preços muito baixos. Portanto, a agricultura mecanizada ocupa áreas já desmatadas e, também, vão efetuar desmatamentos da vegetação secundária. Os desmatamentos se dão das bordas para o interior dos remanescentes de vegetação florestal.
64 Nessas áreas de ocupação consolidada, como, por exemplo a Curuá-Una (PA-370) os impactos são mais graves: desmatamento; agricultura mecanizada (compra de lotes dos assentados); pulverização aérea de agrotóxicos; aniquilamento das culturas tradicionais; impacto no abastecimento de produtos básicos da alimentação local: farinha, feijão etc.
65 Muitos dos que vendem os seus lotes se dirigem para a periferia de Santarém, perdendo grande parte da qualidade de vida que tinham na área rural e/ou vão para outras áreas de terras arrecadas pelo INCRA, como o projeto "Corta Corda".
66Segundo informações obtidas na pesquisa de campo em 2018, há relatos de que muitas famílias deixaram suas terras, foram compelidas a isso em virtude da chegada de grandes produtores, que os comprimiam diante de suas grandes plantações de soja e de arroz, fazendo com que estes não tivessem uma alternativa a não ser vendê-las e migrar. Muitos foram para a zona urbana, em Santarém, outros para Manaus, Belterra e Belém, quando não se dirigiram para a BR-163, perto da Flona Tapajós, onde formaram pequenos conglomerados, vilarejos, ou mesmo foram para o interior da mata, onde desmataram alguns lotes de terra e passaram a plantar, exercendo a agricultura de subsistência.
67 O agronegócio chegou em Santarém no final da década de 1990, quando fazendeiros de outras regiões vieram em busca de terras mais baratas para o cultivo de grãos, especialmente o arroz, soja e milho. Primeiramente, foram plantados apenas milho e arroz, em seguida, iniciou-se o plantio da soja. Com a instalação do porto da Cargill (2001/2002), houve um aumento da área plantada de soja passando de 50 ha em 1997 para 22.000 ha em 2005 e caindo para 15.000 ha em 2007 (IBGE, 2009).
68Vamos analisar a expansão da agricultura mecanizada na Calha do rio Amazonas, a partir das imagens do satélite Landsat.
69A figura 11 permite visualizar o mapa do uso da terra na Calha do rio Amazonas. De oeste para leste, temos o rio Tapajós, a FLONA do Tapajós, a BR-163 e o reservatório da Pequena Central Hidroelétrica de Curuá Una. Ao norte, o rio Amazonas.
70 Em amarelo, as áreas de agricultura. Em 1990, esta área já estava consolidada pela ocupação de pequenos agricultores, assentados pelo INCRA. Ainda é possível visualizar que no entorno de Santarém as áreas florestadas estão mais preservadas, por duas razões: a ocorrência da FLONA do Tapajós e poucos Projetos de Assentamentos do INCRA. Os desmatamentos por conta dos assentamentos estão mais localizados ao longo da PA-370 (Figura 1) e no entorno de Mojuí dos Campos.
71Belterra está dentro da FLONA do Tapajós e, também, é uma área de ocupação consolidada, desde a implantação da Companhia Henri Ford, no início dos anos de 1930.
Figura 11 - Uso da terra na Calha do rio Amazonas, registrada para o ano de 1990.
Fonte: Viegas (2018)
Figura 12 – Assentamentos rurais, implantados pelo INCRA, no início da década de 1970.
Fonte: Andrea Coelho
Figura 13 - Uso da terra na Calha do rio Amazonas, registrada para o ano de 2000.
Fonte: Viegas (2018)
72Já no ano 2000 (Figura 13), observa-se a expansão da agricultura mecanizada, tanto no entorno de Santarém, mas, notadamente, em direção ao Curuá-Una, no município de Mojuí dos Campos, por uma relação direta: a compra das pequenas propriedades pelos sojicultores, pois estas ofereciam a vantagem de já estarem desmatadas.
73Em 2010 (Figura 14) a agricultura mecanizada se expande ainda mais, ocupando, áreas já consolidadas (pela agricultura familiar) mas, também, significativos fragmentos florestais que estão sendo desmatados a partir das bordas. Nesse mapa, estão evidentes as áreas desmatadas a leste da PCH do Curuá-Una. É por conta dessa ocupação que o INCRA vai arrecadar uma grande área de floresta e implantar o Projeto de Assentamento Corta Corda.
74A figura 15, se presta para mostrar a evolução do uso do solo na porção da BR-163. É nítido que entre 1990 e 2017, ocorreu expansão da área com agricultura, especialmente a mecanizada. Inicialmente, a agricultura mecanizada vai se apossar de áreas já desmatadas, pois a Calha do rio Amazonas estava consolidada. No entanto, nos anos seguintes, observa-se o desmatamento dos fragmentos de floresta ainda existente na área. Os sojicultores adotaram/adotam a estratégia de desmatar a partir das bordas desses fragmentos
Figura 14 - Uso da terra na Calha do rio Amazonas, registrada para o ano de 2010.
Fonte: Viegas (2018)
75Em 2018 (Figura 16), os fragmentos de florestas estão muito reduzidos. Há predomínio quase total da agricultura mecanizada e de algumas pequenas áreas de resistentes agricultores familiares.
Figura 15 - Uso da terra na Calha do rio Amazonas, registrada para o ano de 2017.
Fonte: Viegas (2018)
Figura 16 - Uso da terra na Calha do rio Amazonas, registrada para o ano de 2018.
Fonte: Messias Modesto dos Passos e Diogo Laércio Gonçalves (2018)
76A partir de entrevistas, notadamente com técnicos do INCRA Santarém, obtivemos a informação de que: muito dos proprietários de pequenos lotes, ao vendê-los para os sojicultores, se deslocaram mais ao leste, entre os rios Curuá Una e o Xingu, motivados pelo Projeto de Assentamento do INCRA, denominado de Corta Corda.
77 A figura 17, se presta para mostrar como a área de floresta entre os rios Curuá-Una e o Xingu e o rio Amazonas e a Transamazônica está sendo devastada a partir das bordas, ou seja, nas laterais da BR-163 e da BR-230/Transamazônica.
Figura 17 – Quadrilátero BR-163, BR-230, Rios Xingu e Amazonas.
Uso da terra no quadrilátero formado pelas BR-163 e BR-230 e os rios Xingu e o Amazonas, no qual está inserida a Calha do rio Amazonas, registrada para o ano de 2018
Fonte: Messias Modesto dos Passos e Diogo Laércio Gonçalves (2018)
78Está evidente que, a chegada do agronegócio na região, trouxe impactos socioambientais consideráveis: (a) desmantelou grande parte da estabilidade dos pequenos agricultores; (b) incrementou o desmatamento dos significativos fragmentos florestais que existiam (e ainda existem, apesar de já reduzidos); (c) trouxe uma cultura totalmente diferente da então presente na região; (d) e pior, criou as necessidades para que o INCRA arrecadasse áreas florestadas e implantasse o PA Corda Corda; (e) etc.
79 No modelo GTP a paisagem deve ser tratada como um subsistema: o da percepção da paisagem, ou seja, a paisagem é considerada/abordada como o lado sensível do meio ambiente. Todos sabem hoje que a paisagem não é apenas a natureza. Ela é uma criação humana, a marca de uma sociedade sobre um território.
80 Criadora da identidade, ela participa do patrimônio dos indivíduos e das sociedades. Ela tornou-se uma das facetas culturais do meio ambiente.
"É em nós que as paisagens têm paisagem"
(Extraído do livro: "Desassossego - Lisboa & Pessoa". São Paulo:
Martins Fontes, 2007, p. 38).
81 Como afirmado anteriormente, a paisagem, no modelo GTP, deve ser abordada a partir da percepção que os sujeitos e atores têm do "seu" meio ambiente e, consequentemente, de suas paisagens.
82 A decisão de explorar as representações da paisagem através do olhar dos habitantes locais se baseia sobre o fato que muito frequentemente são justamente estes olhares que são os menos considerados, os menos conhecidos e os mais negligenciados.
83Estes habitantes são muito susceptíveis às mudanças territoriais e sensíveis ao próprio meio ambiente.
84 Escutar a população das comunidades rurais falarem sobre "suas paisagens", sobre "seu rio", é sempre uma experiência inesquecível. Mas, sobretudo, no caso de uma investigação científica, as palavras dos habitantes se apresentam como uma fonte inesgotável, pois viva, para aprofundar nossos conhecimentos sobre a relação entre os homens e seus espaços de vida, e para contribuir nas metodologias de leitura e de análise das paisagens.
85Em agosto de 2018, foram entrevistados 12 chefes de famílias de um total de 26, na comunidade de Jamaraquá/FLONA do Tapajós. Dos doze entrevistados, quando perguntados como se identificavam, 5 responderam que se declaram tradicionais; 6 responderam que se declaravam agricultores e 1 como ribeirinho.
- 4 “Gelerias”: recipientes – isopor, por exemplo - próprios para preservar os peixes, retirados do rio
86 As principais atividades econômicas praticadas por estes entrevistados foram: agricultura (40%), artesanato (17%), turismo (22%), criação de galinha (11%), extração de látex (10%). Os moradores entrevistados informaram que existem conflitos pelo uso dos recursos pesqueiros, envolvendo a pesca comercial, onde “geleiras”4 de outros lugares, como Santarém, invadem a área da comunidade em busca de peixe, o que, por se tratar de uma unidade de conservação, é proibido a captura para a comercialização. Os moradores podem realizar a pesca para a subsistência de suas famílias. Outro conflito informado pelos moradores é o que ocorre com relação à caça dentro da comunidade, que ocorre quando os moradores de fora da comunidade invadem a área da floresta.
87 Com relação aos conflitos pelo uso da terra na comunidade, os moradores informaram que existe respeito entre eles e não há registro de conflitos por terras.
Figura 18- Casa de pau a pique e palha de curuá, na Comunidade de Jamaraquá. Fotografada a pedido do entrevistado Luís Antônio.
Fonte: Messias Modesto dos Passos (2018)
88 Nas trilhas na floresta (Piquiá e Castanheira) os turistas podem conhecer seringais, árvores centenárias, plantas medicinais, casa de animais, casa de seringueiro, vestígios arqueológicos, roças e mirante, bem como podem acessar o igarapé do Jamaraquá que possui beleza natural sem igual.
89 A pousada Nirvana do Tapajós (Figura 19) foi construída com madeira retirada da floresta, e a cobertura de palha de curuá. Ela dispõe de cômodos com camas e redes e sua localização é às margens do rio Tapajós. Os proprietários do local também oferecem café da manhã e refeições ao turista.
Figura 19 - Pousada Nirvana, às margens do rio Tapajós/Comunidade de Jamaraquá.
Fonte: Messias Modesto dos Passos e Diogo Laércio Gonçalves (2018)
90O seringueiro, personagem de grande importância na ocupação do Tapajós, voltou à coleta de látex, desta vez para abastecer unidades de produção que utiliza a borracha para a produção de mantas, artesanato e biojoias (Figura 20) onde os recursos da floresta, como sementes nativas, são transformados em acessórios (brincos, pulseiras, etc.).
Figura 20 - Biojoias, produzidas a partir de plantas da biodiversidade da FLONA Tapajós.
Fonte: Messias Modesto dos Passos e Diogo Laércio Gonçalves (2018)
91As sementes são coletadas pelas próprias mulheres da comunidade respeitando a natureza. As principais sementes coletadas e transformadas em biojoias são jataí (Hymenaea coubaril), tento vermelho da mata (Adenanthera pavonina), tento amarelo do igapó (Ormosia saponaria), morototó (Schefflera morotoni), saboneteira (Sopondis saponaaria), olho de boi (Mucunau rens de candolle), dentre outras.
92 A implantação do projeto Tecbor na comunidade de Jamaraquá foi responsável pela reativação dos seringais existentes, permitindo extração sustentável para a produção de mantas, bem como para a produção de objetos de artesanato na comunidade.
93Os municípios do planalto santareno (Santarém, Belterra e Mojuí dos Campos) passam por profundas transformações em sua paisagem, desde o final da década de 1990, quanto tiveram início as grandes plantações de soja na Calha do rio Amazonas. Este modelo implicou na alteração de uma geografia da seringueira para uma geografia da soja, esta última contando com o fomento estatal e com o mercado internacional muito aquecido.
94A constatação da ineficiência do Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) parece seguir o mesmo destino de parte dos projetos do INCRA, e a pressão do agronegócio contribui para descaracterizá-lo. Como o espaço é fruto da sociedade, necessário se faz o conhecimento da mesma, através de levantamento das condições socioambientais que possam subsidiar a implementação de políticas alternativas para amenizar os efeitos da insustentabilidade.
95 Nas comunidades que compõem o norte da Floresta Nacional do Tapajós, um conjunto de experiências tem contribuído para a manutenção da floresta em pé, onde os comunitários, por meio de práticas de manejo, têm conseguido retirar parte de sua renda.
96 As áreas de pastagem seguem ocupando expressivas extensões de terra mesmo depois da publicação da lei estadual 7.243/2009 que institui o ZEE BR-163, ainda que não haja indicação de pecuária na área de estudo. A pecuária nessa região apresenta-se sob os mesmos moldes desde a chegada dos emigrantes ainda nos idos de 1970.
97 Os grandes sojicultores começam um processo de compra de áreas de produtores familiares, que culmina com a expulsão dos agricultores remanescentes das áreas de maior especulação. Segundo estimativas da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural, o preço da terra passou de R$ 300,00/ha para até R$ 4.000,00/ha nas áreas mais próximas das localidades de Mojuí dos Campos e Tabocal, nos últimos 20 anos
98 Consequências imediatas desse processo de especulação fundiária são o êxodo rural, com a migração de muitas famílias para a área urbana de Santarém, e a fuga para áreas de terras devolutas ou para regiões mais afastados do próprio planalto, como o Projeto de Assentamento Corta Corda. Esse segundo movimento gera, na disputa por terras devolutas, um novo foco de tensão entre os sojicultores e os camponeses.
99A valorização das terras causadas pela entrada dos sojicultores na região do planalto santareno e imediações gerou dois processos diretos: a concentração de terras por meio da compra e da grilagem e a transformação de terrenos antes considerados inviáveis para a atividade extrativa e agrícola no rol de opções de investimentos.
100 A migração de camponeses expropriados pelas terras mais baratas gerou novas frentes de desmatamento em regiões de fronteira revitalizada. Os camponeses vendem ou perdem suas terras e, em troca, buscam novas áreas onde possam desenvolver a agricultura familiar em áreas maiores ou de igual tamanho.