1A expressão da fronteira revela-se não simplesmente pelo encontro entre os diferentes entre si, mas “essencialmente, a um só tempo, um lugar de descoberta do outro e de desencontro” (Martins, 2009, p 132), o desencontro de temporalidades históricas distintas, porém, contemporâneas (Massey, 2015). Como lugar social de alteridade e do conflito, sua concepção não pode se restringir à criação de uma nova sociabilidade fundada no mercado, e tampouco se limitar ao deslocamento populacional por sobre territórios vazios. A fronteira expande a sociedade nacional por sobre os territórios indígenas, ao mesmo tempo em que também amplia um padrão de circulação espacial e de condições modificadas de reprodução das sociedades indígenas que conseguem sobreviver revelando, em contrapartida, desdobramentos no outro lado da fronteira étnica (Barth, 2000).
2Assim, quando tratada como pioneirismo, ignora-se o aspecto trágico que a fronteira contém através da conflitividade que a caracteriza e do desencontro genocida de etnias que ela produz, ao avançar em um canibalismo simbólico (Martins, 2009). Tais processos foram traduzidos pela antropologia (Cardoso de Oliveira, 1972) nos termos de situação de contato, na qual a reflexão sobre a questão indígena no Brasil não se restringe à compreensão e a explicação dos grupos étnicos em si, mas em sua relação com a sociedade envolvente, enquanto contato interétnico.
3Seguindo tais premissas, nossos esforços aqui visam compreender a construção da alteridade indígena na produção da fronteira Amazônica, notadamente no contexto do que propomos chamar de geografia do contato interétnico, um esforço teórico construído mediante revisão bibliográfica e documental, de caráter historiográfico e etnográfico, a partir do qual buscamos um diálogo mais estreito entre a análise espacial sobre os povos indígenas da Amazônia com a historiografia e a antropologia.
4No sentido de compreender a referida espacialidade, defende-se que a geografia do contato interétnico se apresenta a partir de duas dimensões distintas, de caráter simbólico e material: a primeira revelada na reprodução de um projeto civilizatório que (re)posiciona a existência social indígena na condição de não-ser; e a segunda pela dominação territorial, momento em que observamos a geometria de poder das relações sociais, definida por meio de contenção territorial, cercos e (i)mobilidade dos povos indígenas (Costa-Malheiro, 2019). De maneira geral, estas dimensões estão ligadas a modalidades de incorporação do indígena a uma lógica hegemônica de subalternização de sua condição étnica, revelando-se, com isso, uma estreita relação entre a imposição de políticas indigenistas e a expansão da fronteira amazônica.
5A Amazônia foi inserida no chamado projeto de modernidade – ou, nos termos de Wallerstein (2007), no sistema-mundo moderno – a partir da incorporação forçada do indígena com a utilização de violentas e arbitrárias modalidades de coerção. Estas, associadas à produção de riquezas, à expropriação de territórios e à destruição de recursos ambientais, efetivaram, como parte do projeto colonial, declaradas práticas de genocídio denominadas de “pacificação”. Representou também um controle racional sobre a vida humana por meio de medidas civilizatórias, “uma máquina geradora de alteridades que, em nome da razão e do humanismo, exclui de seu imaginário a hibridez, a multiplicidade, a ambiguidade e a contingência de formas de vida concretas” (Castro-Gómez, 2005, p. 169).
6Diante disso, conforme sustenta Pacheco de Oliveira (2016), fazer exercícios críticos em relação ao lugar reservado aos índios, sobretudo a partir da compreensão de ausência, invisibilidade e esquecimento, pode transfigurar o projeto de negação da condição étnica do indígena como simples omissão, quando na verdade corresponde a regimes de memória que revelam que a presença desses sujeitos na formação do Brasil é marcada por uma representação formulada. Quando Carneiro da Cunha (2012) assinala que os índios não são índios, apenas estão índios, intenta dizer que tais grupos ocupam certas posições no nosso imaginário, uma vez que a questão indígena está eivada de reificações.
7A título de exemplo, destaca-se que, no século XVI, quando foi necessário justificar a expansão colonial, os índios eram enxergados, sob o prisma da filosofia moral, como “bons selvagens” ou mesmo “antropófagos”. Já no século XIX, enquanto eram vistos como extintos podiam tornar-se um símbolo nobre do Brasil independente, mas quando eram notados como sendo de carne e osso, representavam um feroz obstáculo à penetração territorial. Mais recentemente, foram tidos como os puros paladinos da natureza, ao mesmo tempo em que representavam “ameaças” à soberania nacional, “inimigos internos” usados como instrumentos da cobiça internacional pela Amazônia.
8As populações que já habitavam a Amazônia às vésperas da invasão colonizadora de modo algum representavam uma única expressão cultural, isso porque diversas eram as formas de articulação social, econômica e política, materializadas em diferentes escalas (Fausto, 2000). Tais povos existiam enquanto grupos numerosos e diversificados e, como bem lembra Almeida (2013, p. 48), “[f]oi a partir de seu trágico envolvimento com a expansão europeia que se tornaram índios”. Na visão de Carlos Walter Porto-Gonçalves:
“[...] Para os colonizadores, sim, eram nativos, eram índios, eram aborígenes expressões que, desse modo, os integrava numa única categoria. Eles eram, na verdade, não-brancos, uma primeira maneira de não-ser. Mais uma vez uma identidade atribuída por outrem e com a qual, quase sempre contra a qual, terão que se haver, reinventando suas identidades culturais/territoriais nesse novo contexto” (Porto-Gonçalves, 2001, p. 19, grifos nossos).
9No contexto colonial, esses sujeitos eram distinguidos em dois grandes grupos: aliados e inimigos. Os primeiros representavam aqueles integrados à colônia, que viviam como habitantes das aldeias coloniais e nelas desenvolviam para si uma identidade própria com referência a essa condição, ou mesmo permanecendo em suas aldeias, mas colaborando com o interesse colonial. O segundo grupo era composto por aqueles que resistiam, reagiam e atacavam o avanço da colonização, sendo identificados, por sua vez, como índios bravos. Com isso, a instalação de um povo sempre foi um desafio para tal contexto, a primeira e mais importante determinação era que os habitantes das povoações deveriam ser cristãos.
10Laurent Vidal (2017) destaca três categorias de população a partir das quais eram classificados os habitantes das vilas coloniais, quais sejam: os moradores, que eram pessoas de diferentes qualidades institucionais definidas, ocupantes do topo de uma estrutura hierárquica entre as categorias apontadas, a exemplo dos fidalgos que ocupavam altos cargos; os vizinhos, que seguiam a hierarquia e representavam o cidadão ou os homens bons, sendo aqueles que estavam aptos a receber privilégios, além de indicar capacidade para ocupar alguns cargos administrativos. Ressalta-se que a definição de povoadores é indicada nesta classificação como aqueles que estavam excluídos da definição de povo, aqueles que ocuparam os primeiros núcleos e que eram necessários à ocupação do território, mas que não faziam parte da definição de povo que se queria. Percebe-se que, nesta denominação, os povoadores podem ser entendidos como notadamente os índios.
11A tarefa de abandonar a condição étnica era o primeiro passo para adentrar adentrar a definição de povo e ocupar a posição de índios coloniais, isto é, aqueles que aceitaram o batismo e passaram a viver sob a autoridade colonial em cidades, vilas e povoados (Spalding, 1982). Assim, a categoria índio não era suficiente na designação desses sujeitos, pois era preciso que a este termo se agregasse distinções do tipo moradores e aldeados.
12Esta distinção pode ser observada no retrato da sociedade amazônica baseado nos dados do Censo de 1778, do Estado do Grão-Pará, que mostra uma diferença de status entre a população mais abrangente de índios aldeados e aqueles qualificados como moradores e “cabeças de família”; estes últimos correspondendo aos índios livres que possuíam empregos, ofícios, escravos e agregados. A discriminação se apresenta pela necessidade de acompanhar os avanços das ações coloniais na incorporação das populações indígenas aos núcleos, momento em que os traços distintivos configuram-se como de suma importância, pois revelam o fato de poder viver fora do alcance da jurisdição dos eventuais tutores (Sampaio, 2011).
13É nesse contexto que a ideia de índios aldeados aparece associada à submissão dos mesmos à tutela seja da Igreja, no interior de aldeamentos missionários, seja de colonos nos núcleos coloniais, no sentido de adquirir uma cobertura moral ao colocar esse sujeito como incapaz de conduzir-se, inapto para a existência civil entre os cristãos, havendo necessidade, então, de ser orientado, tutelado, e só produzindo quando solicitado. Dessa forma, criaram-se condições para a expressão índio administrado.
14Dessa maneira, viver sobre si é uma condição para ocupar um lugar na hierarquia que define o povo e, ao mesmo tempo, outro lugar nas hierarquias coloniais que separam quem pode e quem não pode ser compelido ao trabalho compulsório; antes de qualquer coisa, quem está ou não pronto para ser desobrigado da tutela, apartando-se da classificação de “selvagem” (Sampaio, 2011). Neste processo, portanto, o movimento entre categorias sociais nos núcleos coloniais se dava a partir do abandono das condições étnicas.
15O projeto civilizatório de definição do índio, além de uma teoria de classes sociais, envolve ainda uma compreensão histórica de classificação social que ocorre quando os sujeitos disputam o controle da existência social, produzindo uma distribuição do poder fundamentada em relações de exploração/dominação/conflito. Não se trata de um poder limitado às relações de produção ou de ordem e autoridade, mas sim de uma lógica em que lugares e sujeitos exercem o controle do trabalho, dos recursos, dos produtos e, até mesmo, da subjetividade, determinando, com isso, diferenças sociais e, por conseguinte, formas de classificação social (Quijano, 2010).
16Ao propor uma antropologia dos registros numéricos, desde uma perspectiva contextualizada e crítica, Pacheco de Oliveira (2016) nos permite perceber a incorporação dos dados históricos e estatísticos à narrativa etnográfica como produções textuais dotadas de intencionalidade. Para este antropólogo, os dados quantitativos existentes sobre os índios brasileiros comumente se relacionam a questões de controle social, ao avanço nas técnicas de registros e contabilidade de populações e territórios.
17Enquanto população a ser incorporada e civilizada ainda no período colonial mediante a catequese, os indígenas eram contabilizados pelas missões a partir da categoria de almas. Além do universo de almas alcançadas, por muito tempo existiu apenas os índios bravos, aqueles que ainda não haviam sido localizados pelas missões ou aqueles que já haviam sido constatados, mas que resistiam à catequese e, por esse motivo, eram classificados como pagãos, estando associados à ideia de animalidade e errância, tendo assim subtraída sua condição humana. Esses índios, que ainda não eram almas, não faziam parte da colônia; fato este que os deixavam de fora dos dados populacionais e, da mesma forma, distante da “luz protetora” da Igreja e do Estado (Pacheco de Oliveira, 2016).
18A esse respeito, vale desdobrar as considerações sobre o registro da população indígena nos censos do Brasil. O primeiro censo nacional realizado no Brasil ocorreu em 1872, ainda durante o Império, com critérios de identificação da população que sobrepõe condição civil e divisão racial. Os recenseados livres tinham o direito de se autoclassificar como “branco”, “preto” (escravos alforriados), “pardo” ou “caboclo”, e ainda era de sua competência a classificação da população escrava como “preto” ou “pardo”, que estivesse sob seu domínio (IBGE, 2010). Esse censo permite apreender o peso da presença indígena nas mais variadas regiões do Brasil monárquico e escravocrata. Utilizava-se a classificação de “caboclo” para identificar uma população livre que se distinguia tanto da condição de brancos quanto da condição de negros e ainda de estrangeiros. Neste momento, a população indígena aparece referida apenas aos índios catequizados, contando apenas aqueles que já interagiam normalmente com o restante da população brasileira. Uma interessante resposta para a elite letrada imperial que ansiava pela descrição de uma nação homogênea quanto aos aspectos culturais, mas hierarquizada quanto a sua condição social e cor (Botelho, 2005).
19A denominação “caboclo”, utilizada na investigação populacional em questão, aparece na sua versão em francês traduzida diretamente como indien, elemento significativo para a compreensão da presença étnica na composição da sociedade que se pretendia construir; fato este evidenciado na postura de muitos governadores que negavam a existência de indígenas, por considerá-los extintos. Dessa forma, constrói-se em torno da identificação “índios” um termo considerado inapropriado diante do uso discriminatório e estigmatizado, que, pelo senso comum, fazia referência à ideia de índios bravos (Pacheco de Oliveira, 2016).
20Tais processos foram determinantes para o estabelecimento de contrastes ente os dados censitários e a composição étnica da população. No censo de 1890, agora em um novo contexto político e racial que segue a abolição da escravatura e a Proclamação da República, todos os cidadãos recenseados são legalmente livres. A classificação pela cor torna-se a principal forma de distinção populacional, mantendo a categoria “caboclo”, mobilizada no censo anterior, no sentido de diferenciação em relação à categoria “escravos”, que, a partir de então, deixa de existir. Com isso, além daquela, as categorias existentes no censo de 1890 eram: “brancos”, “negros” e “pardos”, este último fazendo referência à mestiçagem, a qual, em termos de significado social, conotava uma aproximação à condição escrava. Já aqueles identificados como “caboclos” ocupavam a categoria mais próxima da condição indígena.
21Com a abolição da escravidão, identificar-se estrategicamente como caboclo se torna uma opção classificatória favorável em termos sociais aos mestiços, o que resultou em um aumento significativo na população cabocla, inclusive, bem superior à taxa de crescimento demográfico. Além disso, esse fato muito se aproxima de questões relacionadas ao censo anterior, de 1872, quando a escravidão de indígenas, considerada ilegal, era camuflada pela celebração de casamento entre indígenas livres e negros não alforriados, tornando sua descendência escravos do responsável por esse arranjo.
22Assim, os indígenas, registrados no censo de 1872, apareciam também na categoria “pardos”, na condição de “escravos”. Com a abolição, esse contingente populacional pôde sinalizar sua identidade indígena em razão da mudança para a categoria “caboclo”. Nos censos posteriores a 1890, o “caboclo” não aparece mais como alternativa classificatória, colocando todas as formas de mestiçagem na categoria de “pardos”.
23Nos dois primeiros censos do século XX, 1900 e 1920, os quesitos de cor e raça não serão apreendidos, voltando apenas na década de 1940, no contexto de constituição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que se tornou, a partir de então, o órgão competente pelo processo censitário. No recenseamento posterior, em 1950, ratifica- se o uso do termo “pardo” como categoria guarda-chuva para mulatos, caboclos e cafuzos. Em 1970, durante a ditadura militar, retiram-se novamente dos questionários as classificações raciais, assim permanecendo até a redemocratização (Senkevics, 2015). Demonstra-se com isso que os desafios de estudos populacionais que considerem a presença indígena, para estes contextos, devem se apoiar de certa forma em peneiramento de dados por Estados e municípios, em séries históricas e notícias sobre fluxos migratórios (Pacheco de Oliveira, 2016).
24Foi apenas em 1991, como resposta às pressões dos movimentos sociais, que o IBGE passou a operar com o mecanismo de autoclassificação, permitindo, no quesito cor, que o entrevistado se identificasse com as categorias “brancos”, “negros”, “pardos”, “amarelos” ou “indígena”. Este recenseamento registrou uma população total indígena de 294.131, dos quais 71 mil estavam localizados nos centros urbanos, um terço da população absoluta (IBGE, 1991). A partir deste censo houve um crescimento de 10,8% ao ano da população que se declarou indígena entre os anos de 1991 e 2000, principalmente nas áreas urbanas do País, chegando a quase 383.298 mil indígenas, de um universo de 734.127 (IBGE, 2000). Em 2010, a população total indígena no Brasil é registrada em 817.963, dos quais 315.180 localizam- se nas cidades (IBGE, 2010).
25Essa expressiva presença indígena nas áreas urbanas do Brasil corresponde a um fenômeno que não poderia ser dimensionado, uma vez que não havia qualquer base para se questionar os dados obtidos pelo IBGE. Ainda que esses dados nos permitam visualizar processos que estão para além das estruturas de políticas indigenistas de tutela e assistência, eles não se restringem a demonstrar apenas os movimentos migratórios crônicos de deslocamento de áreas rurais para as cidades, mais do que isso, revelam processos de longa duração, processos de incorporação do indígena em diferentes e múltiplos espaços de reprodução ao longo do processo histórico. Isso significa dizer que esses sujeitos étnicos não começaram simplesmente a migrar para as cidades nas últimas décadas, mas o fenômeno passou a ser contado/registrado oficialmente desde então (Costa-Malheiro, 2019).
26Assim como nos censos, os índios receberam historicamente diferentes definições que lhes negavam sua condição étnica. A historiografia os classificou como “pobres livres”, enquanto a sociologia e a etnologia lhes concederam a classificação de “sertanejos”, “caipiras”, “bugres” e “caboclos”, que compunham contingentes propícios a realizar migrações do campo para a cidade, onde, por sua vez, seriam novamente definidos e estigmatizados por outrem, sendo aqueles que carregam traços culturais de herança indígena, vistos, então, como errantes por natureza (Lima, 1995). Na cidade, recebem classificações como “índios urbanos”, “índios citadinos”, “desaldeados”, entre outras definições antecipadas e carregadas de estereótipos e estigmas que os condicionam a uma situação de marginalidade, tanto na sua condição étnica como na sua condição urbana (Costa-Malheiro, 2019).
27O primeiro (des)encontro na Amazônia foi marcado por expedições que adentravam o território levando guerras de extermínio. Episódios que ocorreram numa sequência de combates e fugas que efetivou uma enorme matança de indígenas. Nesse movimento de legitimação da dominação, o genocídio figurou como simples e merecida reação à “falta” de humanidade e à condição de selvagem do índio, que poderia ser vencida e subjugada por meio da domesticação (Pacheco de Oliveira, 2016). O batismo “reconhecia” a humanidade do índio (Martins, 2009) e, seguindo a mesma premissa, os descimentos, as tropas de resgates e as guerras justas estavam fundadas na ideia de animalidade do indígena, da mesma forma acompanhadas de uma narrativa de antropofagia.
28As tropas de resgate enviadas em expedições pelo vale amazônico tinham como principal finalidade capturar índios com o intuito de atender a demanda por mão de obra escrava nas cidades que surgiam como base militar, assim como nos aldeamentos religiosos. Nesse processo, o descimento era uma estratégia fundamental tanto para a captura de mão de obra quanto para o que se entendia como povoamento da colônia, efetuado principalmente por missionários responsáveis por convencer comunidades inteiras a “descer” das aldeias na floresta para junto dos aldeamentos missionários. Redução era o termo usado para a reunião de índios em missões jesuítas cujo sentido de subjugação aliava-se bem ao de confinamento territorial.
“[...] os diferentes grupos nativos eram deslocados e posteriormente concentrados num lugar preciso, diferentes daquele onde antes habitavam, e aí eram fixados.
(...) Após a concentração dos diferentes agrupamentos indígenas de tradições culturais algumas vezes até inimigas, surge a aldeia: um espaço homogeneizador e centralizado no qual diferentes culturas, línguas, cosmologias nativas serão amalgamadas e levadas a se submeterem à cultura, língua e cosmologia cristã” (Guzman, 2008, p. 107-108, grifos do autor).
29Aldear o índio significava reuni-lo e sedentarizá-lo. O termo aldeamento fazia direta referência à ideia de concentração populacional, aglomerações multiétnicas criadas por missionários e autoridades coloniais que isolavam populações “descidas” e, consequentemente, “dessocializadas” (Monteiro, 2001). Ressalta-se que esse processo se perpetuou por vários séculos, uma vez que, segundo Correia Filho (1942) e Soares (1963), os poucos centros de povoamento existentes na Amazônia brasileira até o fim do século XVIII eram constituídos, em sua esmagadora maioria, por “aborígenes”, pois Belém e Manaus contavam com uma escassa população de brancos e negros.
- 1 Proposto pelas reformas pombalinas, enquanto espaços de transição para a “civilidade”. O aldeamento (...)
30Vale mencionar que o branco, como colono, foi enviado pela metrópole a partir de 1676, enquanto o trabalho escravo de negros africanos foi introduzido em fins do século XVII. Assim, até meados do século XVIII não houve um crescimento considerável da população amazônica, mas sim uma movimentação da população indígena dentro da região para os aldeamentos, primeiro os missionários e posteriormente os diretórios1; fato que é definido por Almeida (1990) como falácia do povoamento, pois o crescimento demográfico das povoações apresentava-se numa proporção direta ao despovoamento das aldeias, sendo com isso um crescimento fundado no reposicionamento de populações das florestas para os núcleos coloniais.
31Com as mudanças na estrutura de poder e a reconfiguração da sociedade brasileira no contexto de construção do projeto de Brasil independente, cria-se o discurso oficial de usar de brandura e persuasão com os índios. A partir desses elementos, os objetivos da atuação governamental foram centrados em promover a civilização dos índios e torná-los “úteis” ao “desenvolvimento” nacional por meio de instrumentos especiais de controle da população indígena definidos pelo Estado.
32No Pará, Ladislau Monteiro Baena escreve em 1831 ao Conselho da Província do Pará sobre a “Civilização dos índios”, em um projeto dividido em dois capítulos, um intitulado “índios cristãos” e outro denominado como “índios selvagens”. Para os primeiros, aponta questões sobre a necessidade da localização de “vilas indígenas” serem próximas às “povoações dos paraenses”, e da designação de policiamento específico para fiscalização dos índios; questões de arrecadação para a constituição de “uma caixa de Superintendência dos índios” destinada a despesas administrativas com os índios e que deveria ser financiada por “cidadãos” mais abastados; também aponta questões sobre o uso da força do trabalho de indígenas já estabelecidos nas povoações, afirmando que estes sujeitos não deveriam ser afastados da mesma para executar o serviço de terceiros, salvo aquele que não quisesse “trabalhar”; propõe ainda que as práticas de cultivo tradicionais dos índios deveriam ser abandonadas, e que eles deveriam aprender “métodos de agricultura europeus”; incentiva o casamento entre brancos e índias; aponta, outrossim, que no caso de índios que tivessem herdeiros legítimos e possuíssem bens, estes seriam de propriedade do Estado.
33Sobre os “índios selvagens”, Baena pondera que os mesmos deveriam ser induzidos a abandonar os matos e a vida selvagem por meio do destacamento de clérigos regulares e seculares; avalia que as expedições em busca dos mesmos não deveria ser acompanhada de forças militares e sim de outros índios, notadamente daqueles que possuíssem características de “mais guerreiros que os outros índios”; e destaca que os selvagens livres deveriam ser retirados de suas terras e assentados nas povoações onde já deveriam encontrar casas construídas e roças de mandioca a ponto de colheita (Arnaud, 1973).
34Essa política indigenista do século XIX exigia uma reflexão na forma de abordagem ao índio bravo, sem necessariamente negar a necessidade de aldear aqueles que ainda eram considerados “selvagens”. Com base na leitura que Jhon Monteiro faz das “Memórias de Arouche”, oriundas de um contexto político de construção do Plano para Civilização dos Índios, entende-se que as políticas de aldeamento indígena se expressaram, nesse contexto, em práticas fundadas nas seguintes estratégias: pacificação – “convém extinguir para sempre o bárbaro costume de atacar os índios como inimigos”; combater – “tratá-los bem, inclusive oferecendo auxilio militar contra hordas mais poderosas”; confinar – “aldeá-los um pouco perto das nossas povoações, para ensiná-los a cultivar a terra e a criar animais domésticos”; e escravizar – “convém separar-lhes os filhos, ou parte deles [...] entregando a boas famílias, que os saibam educar, e que em prêmio lucrem os seus serviços até certa idade” (Rendon, 1842 apud Monteiro, 2001, p. 119, grifos nossos).
35É principalmente ao longo do século XIX que a questão indígena deixa de ser essencialmente uma questão de mão de obra para se tornar uma questão de terras. Desde a colônia, ao se aldear o índio, cada aldeamento recebia sesmarias de terras que podiam ser arrendadas ou aforradas sob a justificativa de sustento da aldeia. No início do século XVIII, estipulava-se uma légua em quadra para aldeias criadas, porém, ao longo do século XIX, tal determinação começa a variar, sobretudo no que tange à dimensão das terras atribuídas. Assim, é a partir de então que se inicia a expropriação e a liquidação das terras dos aldeamentos, visualizadas no seio de uma corrida às terras e disputas por estas, envolvendo principalmente municípios, províncias e governo central, todos reivindicando o que Carneiro da Cunha (2012) chama de “propriedade do espólio”. Geralmente eram as Câmaras Municipais que pressionavam pela concentração do índio em territórios reduzidos, ao cobiçar as terras ocupadas por estes, assim como os arrendatários e foreiros também começaram a pedir Cartas de Sesmarias, que se sobrepunham as terras dos aldeamentos.
36Com a Lei de Terras de 1850, reafirmar-se-á a conveniência em se assentar o índio em “hordas selvagens”, utilizando as áreas dentre as terras devolutas que deveriam ser inalienáveis e destinadas ao seu usufruto, instrumento a partir do qual o Império decide incorporar aos nacionais as terras de aldeias de índios que teoricamente estavam dispersos e confundidos na massa da população (Carneiro da Cunha, 2012). De forma paradoxal, após incentivar por um século a miscigenação, o Estado se utiliza dos critérios de uma aparente “assimilação” para despojar os indígenas de suas terras ao extingui suas aldeias. Com isso, ignora-se o dispositivo que previa o direito inalienável do índio sobre a terra, concedendo-lhes apenas lotes nas áreas correspondentes a tais aldeias; fato que materializa a questão indigenista, em tal contexto, como subsidiária de uma política de terras.
37Esse contexto incorporou a categoria de índio bravo às políticas indigenistas como questão prática e administrativa. Os povos considerados “perigosos”, “hostis” ao contato e “primitivos” seriam “amansados” e “domesticados” pela nação através de tutela e proteção. É possível visualizar no discurso dos presidentes das províncias a descrição das comunidades indígenas que habitavam tradicionalmente a região da bacia Tocantins-Araguaia, consideradas por eles como “selvagens” devido às características que possuíam de não se fixar no território; como “hostis ao contato” por se reproduzirem afastadas dos moldes da vida cristã; e como “feroz” e, ainda, um obstáculo ao crescimento econômico da região e à ocupação efetiva do território, uma vez que reagiam com ataques ao avanço das povoações e estabelecimentos rurais que se expandiam pelo território.
“Muitas são as hordas de selvagens que vagueiam pelas vastas florestas, e campinas desta província, privados absolutamente das vantagens da vida social, e dos saudáveis benefícios da Religião Catholica, Apostólica Romana. Algumas destas hordas, bem como a Chavante, e especialmente a Canoeira, além de selvagens he ainda feroz, e tem produzido gravíssimo males a esta Província. Povoações nascentes, e estabelecimentos ruraes, que promettiao espantoso engradecimento se achão hoje destruídos pelas incursões dos selvagens, talvez em grande parte devidas não tanto a ferocidade destes infelices, como aos methodos improfícuos com os quais se tem pertendido dosmestica-los, e antes de se terem conseguido interessantes fins, tem resultado ficarem inimigos irreconciliáveis da classe civilizada [...] persuado que o methodo de aldeamento, não pelo methodo athe hoje adotado, mas debaixo de outros princípios” (Relatório do Presidente da Província de Goiás, 1846, p. 13-14).
38A estratégia de pacificação se apresenta aqui, principalmente, na reintrodução da conversão; agora, associada a questões mais explicitamente econômicas, evidentes nos esforços de transformação do índio em trabalhador agrícola, simbolicamente ratificada em sua colocação sob a jurisdição do Ministério da Agricultura (Karasch, 1992). A partir de então, busca-se aldear os índios em lugares não muito distantes de suas antigas aldeias, sob a supervisão de guarnições militares e de missionários, de modo que o processo de aldeamento ocorresse de forma “gradual” e “imperceptível” até que adquirissem necessidades sociais, através de “meios pacíficos” de atração. Com isso, visualizamos a incorporação da política de redução a práticas oficiais indigenistas.
39A definição de poder tutelar, de acordo com Lima (1995), está relacionada à modalidade de incorporação das populações indígenas por parte do Estado, na qual uma população será reconhecida oficialmente ou não como indígena e, doravante, a ela será destinada uma parcela do território nacional, estabelecendo-se, nesse momento, os mecanismos de proteção e assistência (Pacheco de Oliveira, 2016). Combinando ideias de proteção fraternal e tutela, aparelhou-se o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN). A criação dessa agência indigenista no âmbito da administração pública no Brasil se apresentava como peça determinante na produção de sentidos generalizáveis para a heterogeneidade da vida social brasileira, de forma que sua finalidade primordial era “civilizar” e “educar” o índio, conferindo-lhe um lugar delimitado no espaço social e geográfico do Brasil que se pretendia construir (Lima, 1995).
40Até o século XX, as políticas indigenistas oficiais ainda refletiam marcas de medidas civilizatórias, sobretudo na utilização usual de palavras como “atração”, “pacificação” e “contato” enquanto termos técnicos mobilizados no jargão oficial para caracterizar o trabalho de agências indigenistas em referência à ação de neutralização de populações ditas hostis. Sintetizando diferentes ações no verbo “amansar”, uma palavra que bem revela o lugar que o índio ocupa no imaginário do “civilizado” da fronteira.
41A pacificação era a estratégia referente à primeira fase do trabalho dessa ação indigenista e, por isso, era também a estratégia que exigia a experiência militar, pois estava destinada aos índios hostis, aqueles em situação de guerra com as frentes nacionais. As estratégias de atração consistiam em trabalhos táticos de concentração da população a ser protegida próximo dos postos de atração/pacificação, destinados aos ditos “selvagens” ou “arredios” que estavam estabelecendo os primeiros contatos sem hostilidade. Pacificação e atração, nesse sentido, correspondiam a técnicas de deslocamento espacial e concentração geográfica em torno de um núcleo administrativo por meio da distribuição de presentes (produtos industrializados ou ferramentas de metal, por exemplo), em um verdadeiro jogo de sedução para sedentarizar populações indígenas (Lima, 1995).
42Após a consolidação da atração/pacificação, com a instalação de postos de pacificação em áreas de colonização recente e de postos indígenas nas áreas de colonização antiga onde o contato já estava dado, iniciava-se a fase de civilização por meio da introdução de atividades voltadas à produção agropecuária, assim como da introdução da educação escolar com o ensino da língua portuguesa, com treinamento em trocas comerciais e a execução de ações destinadas ao atendimento das condições sanitárias.
43Como é possível perceber, a instalação de postos se diferenciava de acordo com a fase de intervenção, passando pela atração, pacificação, civilização e regularização da posse, podendo ser classificados, por exemplo, em postos de atração, de criação e de nacionalização, que, entre seus regulamentos e planos de ação, estabeleciam uma pedagogia nacionalista no que se refere ao controle das demandas indígenas (Gagliardi, 1989). Por fim, eram feitas negociações com os governos estaduais para a criação de reservas em áreas de terras devolutas onde fosse possível garantir a sobrevivência física dos índios; fase esta conhecida como sendo de regularização das reservas e parques indígenas.
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- 3 Eram estabelecidas em locais de antigos aldeamentos, extintos ao longo do século XIX, ou eram obtid (...)
- 4 Deveriam atender aos trabalhadores nacionais e aos índios que “atingissem” essa categoria.
- 5 Unidades de clara inspiração militar, tal como os postos, cuja atuação era prevista para ser tempor (...)
44O projeto de nacionalização dos índios estruturava-se em técnicas regulatórias para situar os índios num sistema de estratificação de direitos civis e políticos, a fim de garantir a permanência de uma gestão militar de controle e construção territorial, reafirmando a conquista de espaços e populações como elemento fundante (Lima, 2011). Em síntese, o SPI estruturava-se em unidades administrativas organizadas espacialmente a partir da atuação local, passando pela articulação política no plano regional até chegar aos aparelhamentos de poder de caráter nacional. As unidades locais funcionavam através de postos2, povoações indígenas3, centros agrícolas4 e vigilâncias5.
45Enquanto empresa tutelar (Lima, 2011), esta estrutura espraiou-se pelo território amazônico delimitando e definindo espaços como partes da órbita própria à vida indígena, impôs padrões de territorialização aos povos indígenas a partir de um controle estatal intensivo do espaço e das populações que o ocupavam, destruiu territorialidades históricas e culturalmente diferenciadas, convertendo-as em mercadoria potencial (Ferreira, 2013).
Figura 01 – Distribuição da Inspetoria Regional do Pará em 1940
Fonte: Freire (2011)
- 6 O grupo Parkatejê do povo Gavião, no Médio Tocantins, que foi submetido diretamente ao trabalho de (...)
46Assim, a criação de reservas, além de reproduzir relações de patronagem, sob a administração da agência indigenista6, também foi destinada aos povos indígenas que representavam a possibilidade de inviabilizar grandes projetos de integração e desenvolvimento, como a instalação de linhas de comunicação, a abertura de ferrovias e estradas e, num momento posterior, com a construção de barragens e hidrelétricas. A esse respeito, vale lembrar do grupo Akrantikatejê do povo Gavião, conhecidos como Gavião da Montanha, que foram deslocados de forma compulsória pela Eletronorte na década de 1960, com a construção da hidrelétrica de Tucuruí́, paradoxalmente expropriados do território para onde haviam sido atraídos, pelo SPI, há pouco mais de uma década.
47É reconhecido que a agência indigenista evitava o risco de extermínio físico de populações indígenas, no entanto, vale destacar que em raras situações esse indigenismo conseguiu assegurar o controle dos povos indígenas sobre os seus antigos territórios, (Pacheco de Oliveira, 2016). É definido por Erthal (1992) como extermínio pacífico essa perda de controle dos territórios pelos índios a partir do crescente apossamento pelo avanço da fronteira, pois, pacificados os índios dos sertões, estes espaços ficavam livres para serem ocupados pelas frentes econômicas. A constituição de reservas indígenas além de marcar o início de uma situação histórica de subordinação do índio a um regime tutelar, deixa claro que as atuais terras indígenas, são apenas fragmentos de territórios muito mais amplos, que foram desintegrados em meio aos processos de conquista colonial e formação do Estado nacional.
48De uma maneira geral, percebe-se um conjunto de aparelhos institucionais responsáveis por delimitar a localização indígena produzindo um grande cerco de paz (Lima, 1995), entendido enquanto um “modo tático de sublimação da guerra, e de formas de denegar a violência aberta”, edificados sobre os alicerces da ciência e não mais da religião. A partir da divisão imposta entre índios e civilizados, este cerco aparece ainda como uma estratégia de domesticação da diferenciação social que se pretendia estabelecer no espaço agrário brasileiro (Lima, 1995).
49Em síntese, a produção de um cerco criado tanto pelo Estado quanto pelo capital aos povos indígenas e seus territórios, assim como as remoções, evidenciam que a definição dos territórios indígenas não depende apenas das dinâmicas de reprodução do povo, e estão vinculadas a mediação do mercado e a lógica da terra como mercadoria na relação que estes povos desenvolvem com a natureza. Percebe-se ainda que, ao serem imobilizados em territórios reduzidos, tiveram suas aldeias fixadas, suas práticas culturais alteradas e suas terras progressivamente esgotadas, de modo que suas técnicas tradicionais tornassem-se insuficientes.
50Ademais, são obrigados a constantemente reinventar sua condição indígena e a buscar novas estratégias de sobrevivência em um espaço que sofre pressões constantes para tornar-se culturalmente limitado. Diante disso, vale reafirmar Carneiro da Cunha (2012), quando coloca que os povos indígenas que conseguiram sobreviver à expansão da fronteira sofreram sucessivos processos de desterritorialização, remoções compulsórias e reduções territoriais, encontrando-se hoje, em consequência, onde a predação e a espoliação permitiram que ficassem.
51Diante das reflexões aqui expostas, concordamos com Massey (2015) quando essa autora pontua que a espacialidade da estória da modernidade permite-nos uma compreensão das posicionalidades e das imbricações geográficas no mundo contemporâneo, tendo como efeito a violência, o racismo e a opressão; processos estes que estabelecem uma relação particular de conhecimento/poder que se reflete na geografia do poder ou dos espaços colonizados. Isso, por sua vez, se traduz nas políticas de aldeamento condicionadas aos povos indígenas da Amazônia, que ocorreu por intermédio de remoções e reduções territoriais vinculadas a estratégias de apropriação do trabalho e das terras indígenas.
52Assim, enquanto projeto civilizatório, aldear o índio ligava-se à definição de territórios indígenas diretamente relacionados à expansão de projetos colonialistas por meio de deportação e confinamento de comunidades, ora em missões religiosas, para conversão e escravidão; ora em diretórios, nos quais se reproduzia um trabalho compulsório de servidão; ora junto aos núcleos de povoamento para garantir a apropriação dos territórios tradicionais; ou mesmo em reservas, para contenção territorial de povos em espaços de terras devolutas onde não fosse um “empecilho” a expansão de frentes econômicas e, como contrapartida, pudesse reproduzir-se física e culturalmente sob a proteção tutelar do Estado.
53Nestes termos, a geografia do contato interétnico revela que a produção da fronteira amazônica é engendrada a partir das estratégias de incorporação de populações indígenas à produção do espaço regional, (re)posicionando a etnicidade indígena tanto no imaginário sobre esses povos, ao redefinir e ressignificar sua existência étnica, como na geometria de poder das relações estabelecidas mediante as políticas indigenistas de contenção, cerco e (i)mobilidade de comunidades indígenas. Nesse processo, foram definidas formas espaciais de dominação de territórios e corpos indígenas, aliadas a uma estratégia multifacetada de negação da condição étnica.