1O Turismo religioso, diferente de todos os outros segmentos de mercado do turismo, tem como motivação fundamental a fé. Está, portanto, ligado profundamente ao calendário e acontecimentos religiosos das localidades receptoras dos fluxos turísticos. É comum chamar- se peregrinação a cada viagem de turismo religioso. Aqui chamaremos de visita técnica, por não se constituir o local da experiência um produto sob a égide do turismo, como a cidade destino de São José de Ribamar no Brasil, planejado destino de turismo religioso.
2Por outro lado, um outro segmento se soma a este relato: o turismo cultural, que é considerado uma alternativa sustentável de preservação e visibilidade de patrimônios culturais no Brasil. Nisto, urge-se encontrar processos e modelos de desenvolvimento que permitam o fortalecimento comunitário e outros, em diversas áreas a fim de consolidar o tecido social por meio do crescimento de diversos conteúdos, inclusive do estoque de capital social.
3Nessa acepção, leva-se em consideração os fenômenos socioculturais e o processo de possibilidades do turismo cultural nos terreiros brasileiros. Assim, compreende-se que as atividades desenvolvidas nos terreiros podem gerar transformações no dado território ao ponto de promover o desenvolvimento com equidade social, prudência e respeito com as populações residentes, os visitantes e as entidades do terreiro.
4Dessa maneira, o presente artigo enseja uma reflexão sobre a significância dada ao terreiro e as possibilidades de incluir novas aceitações a sua dinâmica, sem que estas tragam substanciais interferências a suas identidades, enquanto terreiro de mina. Para tanto, o objetivo centrou-se em analisar a relação de viabilidade do terreiro enquanto território de interesse ao setor de turismo religioso e cultural, diagnosticado como atividade social e econômica a ser fomentada na referida área.
- 1 Modelo descritivo desenvolvido por Neil Leiper para explicar o sistema turístico por meio do qual é (...)
5Metodologicamente, utilizou-se as teorias da análise sistêmica do turismo, pelo modelo referencial das teorias de Neil Leiper (1979)1 como fio condutor para delinear os resultados.
6Portanto, diante da relevante importância dos terreiros enquanto territórios religiosos e culturais é interessante elucidar que, tanto o turista quanto os representantes dos terreiros e a comunidade residente do local, têm a oportunidade de experimentar uma aproximação com diferentes culturas, além dos benefícios econômicos no contexto da comunidade local, com possibilidades estruturais físicas, econômicas e sociais, tão necessárias a todos do sistema turístico e social.
7A origem do município é cerceada da lenda de um navio português, que quase naufragou na Baía de São José. Segundo historiadores, a lenda diz que o Comandante da caravela desesperado com a tormenta fez a promessa a São José de Lisboa-Portugal, que caso ele e a tripulação se salvassem, voltariam com uma imagem do santo para o lugar onde o navio encalhasse. De acordo com Miranda (2009, p. 2):
Sou uma cidade nascida nas águas, em noite de choro, de medo e de dor. Na tempestade, o navio era açoitado pelas ondas e o vento despedaçava mastros e velas. Nuvens chocavam-se violentamente; no escuro do céu, relâmpagos e trovões desenhavam sons e cores terríveis. A nau havia entrado numa baía desconhecida cheia de perigos e bancos de areia. A tripulação ia jogar-se ao mar, quando o capitão português juntou suas últimas forças e rogou a proteção a São José.
8Nota-se, pois, que a crença no santo está enraizada na origem do município que se estabeleceu como a terceira cidade mais populosa do Estado e a segunda maior da ilha de São Luís. Fica localizada a 32 km (trinta e dois quilômetros) da capital, possui uma população estimada de 177 687 habitantes segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2019) e suas principais atividades econômicas são: a pesca, o comércio, o setor de serviços e o turismo, que aos poucos começa a se desenvolver.
9Os principais atrativos naturais são as praias, entre elas as mais conhecidas são: a Praia de Banho, a de Panaquatira, a do Meio e a do Araçagy caracterizando o Turismo de Sol e Praia, mas existem também algumas desertas como: Jararaí, Boa Viagem, Juçatuba, Caúra e Ponta Verde próprias para o Ecoturismo.
10Dentre os atrativos culturais encontramos grupos culturais de bumba-meu-boi, tambor de crioula, danças afro, blocos carnavalescos, além de diversos músicos e artistas solos. Destacam-se dois eventos culturais significativos, são eles o carnaval do lava-pratos e o lava- bois, ambos realizados após as festas oficias, respectivamente, Carnaval e São João, atraindo número elevado de público de outras localidades para a Cidade.
11O município apresenta vasta diversidade religiosa, apesar da presença forte do catolicismo, encontram-se, outras religiões cristãs, além de diversos terreiros de Tambor de Mina, Umbanda e Candomblé.
12No âmbito da religiosidade o município atrai públicos diversos para visitas ao Santuário de São José de Ribamar, padroeiro da Cidade e do Estado. Em frente à igreja, estão instaladas oito estações, representadas por monumentos em estatuas, que narram a vida bíblica de São José, Maria e do Menino Jesus. Tais estações junto com a Concha Acústica, Casa das Velas, Monumento de São José formam o conjunto arquitetônico religioso da cidade.
13A cidade possui, ainda, o Museu dos Ex-votos onde são colocadas todas as oferendas dadas ao santo por bênçãos alcançadas, e a réplica da gruta de Nossa Senhora de Lourdes que foi construída em homenagem a Nossa Senhora, pelo centenário na França. Todos os anos no mês de setembro a cidade recebe milhares de devotos para o Festejo do Santo Padroeiro, o que caracteriza o município como o principal destino religioso do Maranhão.
14A gastronomia, à base de frutos do mar, e o artesanato a base de argila, palha, conchas, coco, couro e madeira que se transformam em bijuterias, bolsas, são atrativos que também se destacam.
15Os atrativos naturais, culturais, religiosos e gastronômicos são os principais temas abordados nas campanhas de marketing do município, por meio de folhetos e vídeos institucionais de campanhas publicitárias, que são distribuídos em salões de turismo, encontros municipais e estaduais.
16Alguns destes materiais de divulgação também são entregues aos turistas no Balcão de Informações Turísticas, localizado próximo à igreja, e no Centro de Cultura e Turismo Alcione Ferreira, localizado na região do cais. Esses dois espaços institucionais, fazem parte da estrutura administrativa da Secretaria de Turismo e Cultura do Município e têm o objetivo de orientar o visitante e informá-lo sobre a cidade e suas características.
- 2 O Plano Estadual de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Afric (...)
17Segundo o Plano Estadual de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana 2015-20202 (2015, p.5), a tradição afro-brasileira no Maranhão é diversificada e muito específica no contexto nacional. Na atualidade tal diversificação forma um conjunto heterogêneo nas expressões das religiões de matriz africana no estado:
- 3 Como são chamados os templos das religiões de matriz africana. O espaço do culto em si, também é de (...)
Os terreiros3 do Maranhão refletem muito bem o processo de colonização marcado por uma composição étnica de várias nações africanas escravizadas e transplantadas para o estado, e as formas nativas do fazer ritual ameríndio. Tambor de Mina é a denominação usada para designar a religião implantada por esses africanos.
18Assim, compreendemos a diversidade de rituais existentes no Estado do Maranhão e as ações públicas direcionadas aos terreiros locais.
- 4 Ação que representa a firmação do Terreiro em determinado espaço físico (local sagrado).
19O Terreiro de Mina Nanã Buruquê, que fora coordenado pelo líder espiritual Álvaro José dos Santos Souza, cujo nome social e de patrimonio foi “Pai Neto de Nanã” esteve “Assentado”4 no Povoado Pindaí, São José de Ribamar, no periodo de 2011 a 2018. Suas atividades foram interrompidas por conta da “passagem espiritual”( usando a linguagem dos adeptos da religião), do falecimento do líder espiritual Pai Neto de Nanã. Após a morte de Pai Neto de Nanã, o terreiro permaneceu fechado por um ano, sendo reaberto apenas para o ritual de encerramento das atividades. Este artigo apresenta a uma experiencia realizada no ano 2016.
- 5 Quarto de trabalho e desenvolvimento espiritual do médium. Espaço Sagrado que antecede o Terreiro
- 6 O Terreiro de Mina Nanã Buruquê é de Mina Nagô Cambinda, e apresenta características da cura/pajela (...)
20As atividades religiosas e espirituais do Pai Neto de Nanã eram realizadas até a ano 2011, no bairro da Liberdade, onde o mesmo mantinha uma “Palhoça”5, desde 1997. Por conta dos preceitos do líder espiritual, o terreiro teve que ser “assentado” na zona rural e foi construído dentro das origens do mesmo: barro, chão batido em cinza, madeira da mata (há a marcação simbólica do tucueiro, da aroeira e do aririzeiro)6.
21Por meio do sincretismo, as atividades dos terreiros de matriz africana acompanham o calendário católico. Nanã Buruquê é o nome de um orixá, cultuado no Candomblé, que no catolicismo equivale à Sant'Ana, avó de Jesus e na Mina Nanã Buruquê é “Vó Missan”. O dia 26 de julho, dia de Nossa Senhora Sant'Ana, nos terreiros é consagrado, a senhora dos mangues, pântanos, lagos, águas paradas, a senhora da lama. Nanã é um dos orixás mais velhos do pantheon africano, e sua origem é a lama, a terra, o barro. Na Mina, Vô Missã é uma entidade muito velha e pesada, com extrema dificuldade de manter-se em pé.
- 7 Obrigações são rituais que devem ser cumprido obrigatoriamente pelo médium.
22As atividades do calendário anual das religiões de matriz africana são denominadas de “obrigações”7, mescladas com atividades de cunho interno, e atividades voltadas para a participação da comunidade sempre com fortes laços com a cultura popular.
- 8 As “Salvas de Caixa para o Divino Espírito Santo”, são formas de pagar promessas para o Divino. No (...)
- 9 Mulheres que tocam “Caixas do Divino” ( instrumento afro percussivo , similar a um tambor pequeno, (...)
- 10 No momento das paradas as Caixeiras tomam cerveja, comem e brincam entre si
23A maior atividade do Terreiro de Mina Nanã Buruquê foi a realização do Festejo de Nossa Senhora Sant’Ana, que era caracterizado por uma forte integração com a comunidade. O Festejo dividia-se em dois momentos distintos: os rituais sagrados, que acontecia nos dias 25 e 26 de julho; e a programação cultural, que em geral acontecia a partir do dia 27 de julho até o domingo (quando o dia 27 de julho cai na segunda-feira, a programação cultural acontece na segunda e terça-feira). No dia 25 de julho, o ritual se iniciava ao meio-dia com a abertura da “Salva de Caixa para o Divino Espírito Santo”8, com a participação de diversas Caixeiras9 do Divino Espírito Santo. Após a abertura ocorria o momento do almoço, seguindo durante todo o dia, com toques e paradas para as caixeiras descansar e se distrair10. No dia 26 de julho, durante o dia, acontecia a “obrigação” interna e a noite, era rezado uma ladainha para Nossa Senhora Sant’Ana e logo após o toque do Tambor de Mina que durava toda a noite.
- 11 A Rede de Terreiros da Região Metropolitana de São Luis “Um Passo nos Terreiros” foi articulada pel (...)
24A programação cultural era diversificada com dias específicos de atrações como noite de seresta, tarde do reggae roots e noite das manifestações da cultura popular (bumba-meu-boi e danças regionais), e realização de Feira de Artesanato da Rede de Terreiros da Região Metropolitana de São Luis “Um Passo nos Terreiros”11.
25O Tambor de Mina no Maranhão se desenvolveu a partir de duas casas principais fundadas em meados do século XIX. Sobre o assunto Mundicarmo Ferreti (1997, p.2) afirma que:
Não se pode falar em religião afro-brasileira do Maranhão sem falar em Tambor de Mina e nos dois terreiros mais antigos dessa denominação religiosa, localizados no bairro de São Pantaleão (Centro): a Casa das Minas - Jeje, consagrada ao vodum Zomadonu, e a Casa de Nagô, consagrada ao orixá Xangô - abertas em meados do século passado por africanos.
Fonte: arquivo pessoal, 2016.
26Segundo a autora, tanto a Casa das Minas Jejê, como a Casa de Nagô influenciaram direta ou indiretamente outros terreiros, que de alguma forma, em sua origem estão relacionados com estas casas. A autora segue explicando que, a partir dos anos 1950, com a inserção de novos elementos das religiões afro no Maranhão, como o Candomblé e a Umbanda, o Tambor de Mina passou a ser influenciado fortemente pela Umbanda, tanto na capital como no interior do Estado. (FERRETI)
27Atualmente o Candomblé possui o desenvolvimento de seu ritual específico em alguns Terreiros da Capital, no Terreiro de Mina Nanã Buruquê não identificamos características do Candomblé na realização do ritual, no entanto, o Terreiro leva o nome de uma entidade ligada ao Candombé e suas características são da Mina Cambinda, influenciados pela Cura, Pajelança e Umbanda.
28Durante o acontecimento da maior atividade desse terreiro, o Festejo de Nossa Senhora Sant’Ana, realizou-se uma visita técnica, no ano de 2016, com os alunos da disciplina Fundamentos do Turismo II, do Curso de Turismo/UFMA, cujas atividades
29contemplavam uma experiência acadêmica em terreiros. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e a pesquisa de campo aliados aos objetivos e metodologia da disciplina Fundamentos do Turismo II.
30A busca pelo aperfeiçoamento do setor turístico está embasada por diversos estudos sobre o planejamento de sua estruturação. De acordo com o Plano Nacional do Turismo 2013– 2016 (2013, p.52), em um país com a dimensão e a complexidade do Brasil, o turismo constitui uma atividade econômica com grande potencial de alavancar e contribuir para a consolidação do desenvolvimento socioeconômico equilibrado, mesmo em distintas condições territoriais, e aponta, tal como os diversos estudos já realizados, a necessidade de planejamento dentro de uma visão sistêmica para o alcance de desenvolvimento socioeconômico sustentável:
O potencial de desenvolvimento turístico oferece ao mesmo tempo oportunidade e desafio para a execução de ações de proteção ao meio ambiente e de promoção do seu uso economicamente sustentável, com respeito aos costumes regionais, viabilizando grandes avanços na inclusão social e na distribuição da riqueza.
31Segundo, Beni (2007), para que o turismo se desenvolva de forma integrada aos outros setores da economia, o seu planejamento deve conter estrutura sistêmica, possuindo conteúdo social, sem comprometimento da realidade paisagística e cultural local, garantindo a descentralização política econômica dentro de um modelo de desenvolvimento auto-sustentável. O autor traduz a complexidade do fenômeno de turismo a um modelo referencial, que utiliza a noção de Sistema para retratar toda a riqueza e dinâmica das variáveis envolvidas.
32O turismo, afirma Acerenza(2002), é de interesse da Ciência Econômica, mas sua origem se dá no próprio ser humano. Este constitui seu elemento fundamental, sendo, pois resultado do aspecto social. Acerenza (2002), afirma ainda, que o Turismo tem implicações correspondentes aos aspectos geográficos das regiões onde se desenvolve.
33Ou seja, para Acerenza (2002,p.194) o turismo para ser analisado em sua totalidade, necessita da abordagem da visão sistêmica do Turismo. Esse enfoque é fundamentado na Teoria Geral dos Sistemas:
A teoria geral dos sistemas estabelece as bases conceituais para a organização do conhecimento interdisciplinar e representa, portanto, um marco de referência coerente que permite identificar os elementos componentes e interatuantes de um dado fenômeno, bem como, as funções, relações e interação deste com seu ambiente. Entende-se por interações, aqui, a influência reciproca que cada um dos elementos exerce sobre o desenvolvimento do outro.
- 12 (LEIPER, Neil. “Toward a cohesive curriculum in tourism; The case for a Distinct Discipline.” Anals (...)
34De acordo com Leiper(in ACERENZA, 2002, p.196), o turismo, analisado sob a ótica da teoria geral dos sistemas consiste em “(...) um sistema aberto, de cinco elementos, interatuando em um amplo meio ambiente. Esses elementos são um dinâmico, o turista; três geográficos: a região geradora, a rota de trânsito e a região de destinos, e um elemento econômico, a indústria turística”12
35Os cinco elementos mencionados, na estruturação de Neil Leiper, apresentam-se ordenados em conexão (funcional e espacial) e em interação com os fatores físicos, econômicos, sociais, culturais, políticos e tecnológicos que compõe o contexto no qual o turismo se desenvolve.
36O estudo realizado in loco pelos alunos consistiu em identificar e organizar os principais fatores da região de destino do sistema de turismo tendo como objeto de pesquisa o passeio náutico realizado na cidade de São José de Ribamar e o Festejo de Sant’Ana localizado no Terreiro de Mina Nanã Buruquê. A partir do desenvolvimento de pesquisa teórica e do estudo de caso no Município de São José de Ribamar/MA, enquanto Região de Destinação de Turistas (RTD), o Terreiro de Mina Nanã Buruquê foi parte do roteiro realizado pelos alunos.
37A definição de cultura, na perspectiva antropológica e abrangente, permite afirmar que o Brasil possui um patrimônio cultural diversificado e plural. E em se tratando, do Maranhão, e da Ilha de São Luís, esse patrimônio é extremamente diversificado.
38No entanto, na tentativa de formulação de uma identidade cultural do povo brasileiro, durante um longo período ocorreu um distanciamento social em relação às culturas populares e tradicionais. As instituições oficiais deram contribuição fundamental para tal distanciamento, ao tentarem delimitar uma identidade nacional.
Figura 2: Visita ao Terreiro de Mina Nanã Buruquê. alunos da disciplina Fundamentos do Turismo II em diálogo com o líder do Terreiro
Fonte: arquivo pessoal, 2016.
39A instituição oficial de patrimônio no Brasil (IPHAN) surgiu na década de 30, com o objetivo de revestir os bens culturais de forte caráter patriótico, sagrado, prestigioso, exclusivista e elitista, estabelecido por um modelo centralizado de gestão. A partir da implantação da política patrimonial, ocorrida nas ultimas duas décadas, cujo emerge o reconhecimento dos bens imateriais enquanto patrimônio, tal distanciamento começou a ser revisto pelas instituições oficiais e consequentemente pela sociedade.
40Quando inserimos neste contexto a concepção de território existe a ligação com a ideia de fronteiras identitárias, aonde “território significa uma identidade histórica e cultural. São fluxos econômicos, sociais, culturais, institucionais, políticos, humanos. O valor simbólico da territorialidade esta permeado pela importância das relações sociais desenvolvidas “no lugar”, em um determinado espaço, território e por isto os lugares “pretendem (pretendem-nos) identitários, relacionais e históricos [já que] nascer é nascer num lugar, ser designado à residência. Nesse sentido, o lugar de nascimento é constitutivo da identidade individual” (AUGÉ, 1994, p. 52).
41A relação entre territórios e identidades, dialoga com o sentido “do lugar” enquanto elemento essencial da relação interpessoal e, por isto, emerge e se sucumbe à malha social que o perpassa. Ora, neste sentido os Terreiros de Matriz Africana, em sua originalidade, são espaços de reafirmação da identidade dos adeptos da religião e congregam significados simbólicos relativos à memória coletiva.
42Assim, o sincretismo encontrado na relação entre os cultos cristãos e as festas de origem afro e indígena mostram uma mistura de sentimento e força das camadas sociais que assimilaram o catolicismo ao seu modo, relacionando-o com seus sistemas religiosos (FERRETI).
- 13 O Terreiro de Matriz Africana objeto de analise deste artigo organizava o Festejo de Nossa Senhora (...)
43É neste contexto que surgem uma diversidade de expressões culturais populares, a partir do hibridismo de matrizes culturais distintas. De acordo com o pesquisador Ferretti (2005, p.5) “nessas expressões podemos encontrar paralelismos, misturas e convergências de culturas decorrentes de contribuições brancas, negras e indígenas que fertilizaram nossa cultura, na música, nas danças, nas indumentárias, na alimentação, na alegria e na capacidade de organização das festas.”13.
- 14 Produto turístico é o conjunto de atrativos, equipamentos e serviços turísticos, acrescido de facil (...)
44Tais aspectos, da pluralidade e da diversidade cultural, representam para o turismo a oportunidade de estruturação de novos produtos turísticos14 com o consequente aumento do fluxo de turistas; e converte o turismo em uma atividade capaz de promover e preservar a cultura brasileira. Desta maneira, as diversas combinações da cultura e do turismo configuram o segmento de Turismo Cultural, fortemente marcado pela motivação do turista em deslocar- se principalmente para vivenciar os aspectos e situações peculiares da cultura da Região de Destinação de Turistas (RTD).
45Como afirma Dias (2004) uma das maneiras de promover o respeito e a responsabilidade para uma determinada cultura é, exatamente, conhecer e envolver-se com ela. Assim, o turismo cultural pode ser utilizado como ferramenta de aprendizado, voltado para novos pensamentos, bem como, para o exercício da cidadania e do respeito. Esse tipo de atividade turística é também chamado de turismo de experiência
- 15 Agenda 21 da Cultura é um documento orientador das políticas públicas de cultura e como contribuiçã (...)
46A Agenda 2115 (2004) da Cultura destaca entre os seus princípios, a diversidade cultural como o principal patrimônio da humanidade, bem como, o patrimônio cultural, tangível e intangível, como testemunho da criatividade humana e substrato da identidade dos povos. Cada vez mais o desenvolvimento econômico e social do mundo contemporâneo está associado à capacidade humana de simbolizar, ou seja, ancora-se na criatividade de indivíduos e grupos.
47Logo, tendo como referência os conceitos de desenvolvimento sustentável, extraído do pensamento ecológico a partir do conceito de sustentabilidade ambiental, podemos inserir o termo “sustentabilidade cultural” onde é possível estabelecer o diálogo positivo para a prática do turismo de base comunitária, étnica e cultural, respeitando os “saberes e fazeres” da localidade, do território identitário.
48É sabido que os turistas têm predileção pelo que é original e singular, e que por isso os bens culturais e naturais exercem sobre eles forte atração. Essa circunstância pode ser aproveitada para potencializar as expressões culturais locais, conservando, ainda, as belezas naturais, desde que o turismo seja, também ele, sustentável.
49Nesse contexto a sustentabilidade no turismo pressupõe uma concepção estratégica e duradoura de desenvolvimento, apoiada em uma interpretação plural e integral da dinâmica regional (IRVING,2005, p.6). A autora nos diz que:
O caminho da sustentabilidade em planejamento turístico não representa um ‘produto acabado’ ou um ‘ideal pré fabricado’, mas um processo contínuo de construção, que requer avaliação permanente e flexibilidade para mudanças, uma direção possível.
50Para Irving(2005) a promoção do turismo sustentável não representa apenas controlar e gerenciar os impactos negativos advindos das atividades turísticas. O turismo na contemporaneidade ocupa uma posição privilegiada da economia globalizada para gerar o desenvolvimento local com a conservação dos recursos ambientais, e promoção da responsabilidade social e cultural, que devem ser interpretados como aspirações comuns que podem ser mutuamente reforçadas. “Políticas e ações para planejamento turístico devem ser desenhadas de maneira a otimizarem e promoverem os benefícios em sentido amplo e interdisciplinar” (IRVING, 2005, p. 3).
51O território constitui a base fixa do Estado. Demarcado dentro dos limites específicos é quem proporciona o contexto particular e os recursos materiais à população. Nessa perspectiva, compreende-se que existem poucos territórios aonde o turismo não seja palco de interesses. Assim, o planejamento da atividade se faz necessário.
52Segundo Hall (2004, p.29) o planejamento turístico deve ser considerado um elemento critico para se garantir o desenvolvimento sustentável a longo prazo dos destinos turísticos. A partir do pensamento do autor Gunn(1988), citado em seu livro, Hall descreve as abordagens do planejamento turístico identificadas pelo mesmo para se obter a excelência no planejamento da política publica, são elas: somente o planejamento poderá evitar impactos negativos e para garantir sua eficiência deve ter a participação de todos os envolvidos na atividade turística; o planejamento deve envolver as dimensões sociais, econômicas e físicas; o planejamento é político, por isso é vital considerar os objetivos sociais e equilibrá-los com outras aspirações (por vezes conflitantes); o planejamento turístico deve ser estratégico e integrador e possuir importância ao planejamento regional.
53De acordo com o autor (HALL, 2004, p.34) o planejamento turístico não se refere especificamente á divulgação e ao desenvolvimento do setor, ainda, que estes sejam aspectos importantes.
O turismo deve ser integrado a processos de planejamento mais amplos a fim de promover determinadas metas de melhoria ou maximização econômica, social e ambiental que posam ser atingidas por meio do desenvolvimento turístico adequado. Consequentemente o planejamento turístico deve ser, como Getz (1987,p.3) ressaltou, ‘um processo, baseado em pesquisa e avaliação, que busca otimizar o potencial de contribuição do turismo ao bem-estar humano e a qualidade do meio ambiente
54O turismo necessita de sistemas de gerenciamento adequados que no caso do planejamento turístico são parte integrantes desse planejamento o processo do Sistema de Turismo / SISTUR e os participantes dos elementos constitutivos do mesmo. Identificar as potencialidades turísticas locais é fundamental para o planejamento de ações a curto, médio e longo prazo que favoreçam o desenvolvimento sustentável do turismo, abrangendo comunidades urbanas e rurais.
55Considerando tais prerrogativas nos chamou a atenção para alguns aspectos referente ao objeto de analise desse artigo. O primeiro é que tratava-se de um espaço institucionalizado, como observado, nos materiais de divulgação do Festejo Nossa Senhora Sant’Ana; o segundo é que a Prefeitura do município São José de Ribamar, Região de Destino Turístico (RDT) da visita técnica realizada, foi apoiadora do evento realizado pelo Terreiro e o terceiro aspecto é que no planejamento turístico do município, o espaço do terreiro não foi considerado enquanto roteirização turística.
56Ou seja, a Prefeitura de São José de Ribamar apoiava à realização do Festejo Nossa Senhora Sant’Ana, mas, no entanto, não divulgava o mesmo dentro de suas ações de promoção e marketing para os roteiros turísticos locais.
57Ainda reafirmando o pensamento que integra todos os participantes do SISTUR no processo de elaboração e consequente execução do planejamento turístico, abordamos a afirmação de Hall(2004) que enfatiza a respeito do papel do planejamento público de turismo é se deter ao interesse público e ao desafio de partilhar espaços, de defender na prática turística a idéia de comunidade baseada em um lugar aberto á integração social, como alternativa para a sustentabilidade econômica, social e cidadã de tais comunidades.
58Levando a aplicação do modelo de Leiper, o sistema turístico entra em funcionamento por meio do segmento chamado turismo científico, ou seja, de um elemento dinâmico que coloca em movimento todo o sistema como consequência de seu interesse e deslocamento até o terreiro de Mina e zonas adjacentes da Região de destinação Turística. Logicamente, observando a aplicação do turismo sustentável que visa atender às atuais necessidades econômicas, sociais e de qualidade de vida para o desenvolvimento regional, conservando os recursos naturais e mantendo a integridade cultural da população local, promovendo a responsabilidade coletiva e a satisfação das expectativas dos turistas de maneira que a atividade possa continuar indefinidamente proporcionando os benefícios propostos.
59Para alguns autores sendo o turismo uma atividade econômica e que sempre causara impactos nas regiões de destino, tornar-se impossível a aplicação de sustentabilidade ao desenvolvimento da atividade, para outros se trata sim de explorar aspectos, a partir de conceitos identitários e culturais (aonde o meio ambiente é parte dessa territorialidade), que possibilitem o desenvolvimento sustentável do turismo, orientação que aplicamos nessa experiência junto ao Terreiro. As políticas e ações para planejamento turístico devem ser desenhadas de maneira a otimizarem e promoverem os benefícios em sentido amplo e interdisciplinar.
60O desenvolvimento do turismo a partir de grupos identitários, como os Terreiros e com a valorização das expressões culturais locais é um dos caminhos possíveis para a sustentabilidade das comunidades receptoras de turistas.
61Neste sentido, a experiência turística realizada no Terreiro de Mina Nanã Buruquê observou in loco essa possibilidade, ao perceber o espaço do terreiro, como espaço de memória, com relevante construção simbólica e identitária, aonde os “visitantes” (alunos e professores que acompanharam a experiência) inseriram-se no desenvolvimento do ritual sem interferência no mesmo, porém com a concepção de roteiro turístico elaborada.
62Ao longo dessa pesquisa pôde-se observar algumas limitações para o seu desenvolvimento. Inicialmente o desconhecimento da turma sobre a importância dos terreiros enquanto roteiro de visitação turística tal como acontece em alguns destinos brasileiros, por conta disso, também um distanciamento e intolerância religiosa por parte daqueles praticantes de outras religiões, o que de certa forma, trouxe um ponto de conflito social durante a visitação. Apesar dessas limitações esta pesquisa proporcionou um entendimento mais detalhado da cidade de São José de Ribamar, destacando sua vocação para o turismo religioso e as suas novas possibilidades de mercado
63Desta forma, podemos afirmar que o desenvolvimento sustentável do turismo deve visar o equilíbrio entre a conservação dos recursos naturais e culturais existentes, a viabilidade econômica do turismo e a equidade social numa perspectiva ética e direcionada para as comunidades locais, observando roteiros consensuais e sustentáveis, ganham todos: turistas e comunidades.