- 1 Entende-se por alimentos ecológicos, os alimentos produzidos não apenas sem a utilização de agrotóx (...)
1A produção de alimentos ecológicos1 em assentamentos rurais como objeto de estudo apresenta uma riqueza de possibilidades de análises que englobam diversas temáticas da relação sociedade-natureza. Nessas pesquisas, além da análise da inclusão socioprodutiva de trabalhadores assentados na terra, pode-se realizar estudos que envolvem a relação campo-cidade, questões referentes à comercialização direta, preservação da natureza e a sustentabilidade, agricultura familiar, geração de renda e mercado de trabalho, as novas ruralidades, a formação de cadeias produtivas, as logísticas de transporte, entre outras temáticas.
- 2 De acordo com a atual regionalização do IBGE (2017), os municípios que compõe a Região Metropolitan (...)
2Assim, partindo de observações realizadas decorrentes de experiências de trabalhos desenvolvidos ao longo dos últimos anos em assentamentos rurais e em feiras orgânicas na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) e na Campanha Gaúcha2 (MEDEIROS; LINDNER, 2014, 2016, 2017; LINDNER; MEDEIROS, 2015), foi possível constatar as transformações que as produções ecológicas vêm gerando nesses assentamentos rurais no Rio Grande do Sul (RS).
3Os assentamentos rurais representam espaços repletos de histórias através dos quais podemos desvendar diversas territorialidades. Muitos produtores assentados vêm de um histórico de luta e adequação para se manter na terra. Portanto, o artigo se refere à análise sócio territorial daqueles que encontraram na produção de alimentos ecológicos uma forma de permanecer em seus lotes, produzindo produtos voltados para um mercado diferenciado, que prima pela qualidade de vida sustentável e por melhores condições de saúde.
4Comum a produtores recém assentados, as dificuldades de se produzir na nova terra representaram um dos problemas enfrentados por diversos assentados no RS. Seja por falta de recursos financeiros, seja por falta de conhecimentos técnicos para produzir em áreas diferenciadas das regiões de origem, muitos assentados passaram por períodos de fome e miséria, e alguns acabam por abandonar os lotes. Essa situação, nos assentamentos da RMPA, começou a mudar com o desenvolvimento de práticas de educação ambiental que propiciaram a criação de projetos visando solucionar o problema da fome. Dessa forma, deu-se início à organização dos assentados para a produção de alimentos ecológicos.
5Entre essas produções, a que mais se destaca é a de arroz. A pouco mais de uma década, organizados em grupos gestores e integrando cooperativas, os assentados deram início à produção de arroz ecológico. Iniciada no final dos anos noventa como uma experiência, atualmente se configura como a maior produção de arroz ecológico da América Latina e dá identidade a esses assentamentos.
6Também, as hortas orgânicas destacam-se ao oferecer uma grande variedade de produtos frescos, livres de agrotóxicos e que atualmente tem um papel muito importante na permanência dos trabalhadores rurais assentados na terra. Esta atividade que tem como característica um retorno financeiro mais imediato, possui grande inserção de mulheres no cultivo e propicia aos assentados trabalho e renda durante o ano todo. A inserção dessa produção nas feiras orgânicas da RMPA foi possível devido à garantia de produção orgânica dada pelo OCS (Organismo de Controle Social).
7Assim, a abrangência da pesquisa no estado do RS, ocorre principalmente em áreas da RMPA. Isto justifica-se entre outras características por esta, além de ser a precursora na produção de alimentos ecológicos em assentamentos rurais no estado, apresentar atualmente uma área significativa de produção de alimentos ecológicos, em especial de arroz (Mapa 1).
Mapa 1 – Regiões Geográficas Intermediárias do Rio Grande do Sul
8Ao se estudar experiências de produção ecológica dos assentados do Rio Grande do Sul, é importante que se tenha claro o que se entende por esse tipo de produção para se compreender as transformações socioespaciais implícitas no processo, na comercialização e no consumo dos alimentos.
9Nesse contexto, o interesse pelo estudo da temática dos alimentos ecológicos parte da percepção da sua crescente oferta, seja através da multiplicação de feiras de produtos especializadas em orgânicos, seja nas prateleiras das grandes redes de supermercados. O crescimento da oferta, assim como a multiplicação de produtores dedicados a esse tipo de produção, é estimulado pela constante orientação na busca por alimentos saudáveis, que faz com que o espaço rural brasileiro, gradativamente venha sofrendo pequenas transformações. Essa nova orientação de consumo, além de trazer melhorias ambientais provoca mudanças significativas na qualidade de vida das famílias de agricultores, envolvidas na produção ecológica e na dos consumidores desses produtos.
10Assim, ao se analisar as experiências de produção ecológica é preciso ter cuidado na utilização dos termos, pois comumente são colocados como sinônimos termos como agroecologia e agricultura orgânica. Nesse contexto, remete-se à Caporal e Costabeber (2002), os quais colocam que cada vez mais há referência à agroecologia como estilo de agricultura menos agressiva ao meio ambiente, que promove a inclusão social e proporciona melhores condições econômicas aos agricultores. No entanto, isso demonstra certa confusão no entendimento do termo Agroecologia, o qual se refere à “ciência que estabelece as bases para a construção de estilos de agricultura sustentável e de estratégias de desenvolvimento rural sustentável” (CAPORAL; COSTABEBER, 2002, p.71).
11Seguindo essa lógica Altieri (2004, p.18) coloca que:
A agroecologia fornece uma estrutura metodológica de trabalho para a compreensão mais profunda tanto da natureza dos agroecossistemas como dos princípios segundo os quais eles funcionam. Trata-se de uma nova abordagem que integra os princípios agronômicos, ecológicos e socioeconômicos à compreensão e avaliação do efeito das tecnologias sobre os sistemas agrícolas e a sociedade como um todo. Ela utiliza os agroecossistemas como unidade de estudo, ultrapassando a visão unidimensional – genética, agronomica, edafologia – incluindo dimensões ecológicas, sociais e culturais.
12Dessa forma, a agroecologia não pode ser considerada como um tipo de agricultura, um sistema de produção ou uma tecnologia agrícola, mas sim é o resultado da aplicação de seus princípios. “Podemos alcançar estilos de agricultura de base ecológica e, assim, obter produtos de qualidade biológica superior” (CAPORAL; COSTABEBER, 2002).
13Nesse sentido, entende-se que a produção dos assentados está diretamente relacionada à agroecologia, visto que não se trata apenas da produção de produtos orgânicos, mas de um estilo de agricultura que segue princípios e conceitos da agroecologia, mesclando os saberes tradicionais com os conhecimentos científicos em busca de produções alternativas. Ao encontro dessas afirmações, Candiotto, Corrijo e Oliveira (2008), salientam que diferente das formas tradicionais de agricultura, a agricultura chamada de alternativa teve seus métodos desenvolvidos a partir da constatação do impacto das técnicas e dos métodos convencionais.
14Entre esses impactos gerados pela agricultura convencional, estão a degradação ambiental, a pobreza rural gerada pela concentração de terras destinadas a monoculturas, a mecanização da agricultura e o consequente desemprego rural e o aumento dos minifúndios que se muitas vezes constituem espaços insuficientes para o sustento das famílias numerosas. Situações como essas, que acabaram levando muitos agricultores, hoje assentados, a ingressar na luta pela terra e após a conquista, rever a forma de produzir com a busca por alternativas diferenciadas daquelas que, anteriormente, os excluíram do processo produtivo.
15Assim, as novas formas de agricultura sustentável vêm buscando minimizar impactos gerados pela agricultura convencional e pelo sistema de produção capitalista que visa somente a maximização da produção sem se importar com as consequências sociais e ambientais geradas por tais práticas. A produção de alimentos de forma sustentável em pequenas e médias propriedades demanda mão de obra durante todo o processo produtivo, além de respeitar as condições locais e os saberes tradicionais.
16Dessa forma, todo o processo rumo à agroecologia, requer além de um esforço de pesquisa, a participação dos produtores, pois são eles que vão pôr em prática as conquistas da ciência. Os produtores são os agentes do processo, são eles os sujeitos capazes de operar as mudanças e consequentemente transformar suas vidas e de suas famílias.
17A implantação da agricultura de base ecológica implica em uma série de transformações, sobretudo nas relações sociais de produção, uma vez que exige uma participação ativa do agricultor e uma radical mudança na relação deste com o ambiente, rumo a uma produção sustentável. Caporal e Costabeber (2002), ao apresentarem as seis dimensões da sustentabilidade, colocam as dimensões ecológica, econômica e social na base. De acordo com os autores, ao lado da dimensão ecológica, a dimensão social representa um dos pilares básicos da sustentabilidade, visto que a preservação ambiental e a conservação dos recursos naturais só passam a ter relevância quando usufruído pelos diversos segmentos da sociedade. Essa dimensão, também inclui a busca de melhores níveis de qualidade de vida através da produção e consumo de alimentos com qualidade biológica superior. A importância dessas dimensões é facilmente percebida ao se analisar experiências de produção ecológica, vislumbradas na preservação ambiental, diminuição da dependência do sistema convencional e melhorias na qualidade de vida.
18Interligada as dimensões ecológica e social, a dimensão econômica também apresenta grande importância nesse tipo de produção, que pode tanto se refletir no bom retorno financeiro, através da conquista dos mercados, como também na produção para o consumo de subsistência das famílias produtoras.
19No centro dos pilares da sustentabilidade, encontramos as dimensões, cultural e política. No que tange a dimensão cultural, Caporal e Costabeber (2002) explicam que é necessário que as intervenções sejam respeitosas com a cultura local. “Os saberes, os conhecimentos e os valores locais das populações rurais precisam ser analisados, compreendidos e utilizados como ponto de partida nos processos de desenvolvimento rural” (CAPORAL; COSTABEBER, 2002, p.78). Assim, percebe-se que muitos desses saberes e conhecimentos foram resgatados de experiências anteriores, trazidas de antigos territórios, as quais somadas a novas questões e necessidades se moldam ao contexto da realidade atual.
20Já, a dimensão política, tem a ver com os processos participativos que se desenvolvem na produção agrícola, ou seja, se refere “aos métodos e estratégias participativas capazes de assegurar o resgate da autoestima e o pleno exercício da cidadania” (CAPORAL; COSTABEBER, 2002, p.79). Portanto, essa dimensão diz respeito a capacidade de organização dos grupos em prol da sustentabilidade, o que no caso da pesquisa representa uma característica de grande importância, pois é através da organização de grupos de produtores que foi possível a viabilização da produção e da comercialização.
21No topo dos pilares da sustentabilidade está a dimensão ética, que representa o comprometimento com a sustentabilidade, a qual inclui responsabilidades individuais e coletivas, ou seja, “quando se aborda o tema da sustentabilidade, a dimensão ética se apresenta numa elevada hierarquia, uma vez que de sua consideração podemos afetar os objetivos e resultados esperados nas dimensões de primeiro e segundo nível” (CAPORAL; COSTABEBER, 2002, p.80).
22Portanto, é preciso ter claro que, a busca por formas de agricultura sustentáveis requer comprometimento e constantes transformações de atitudes, de concepções e de valores. E isso tudo, não se refere apenas aos agricultores que produzem os alimentos, mas também aos consumidores, os quais geralmente trazem consigo outras formas de se relacionar com o espaço que ocupam.
23Nesse contexto, destaca-se que a pesquisa da produção de alimentos ecológicos em assentamentos rurais não se limita unicamente à produção e à comercialização dos produtos, pois a mesma traz consigo diversas outras questões referentes a atitudes e valores que geram transformações espaciais, tanto no campo quanto na cidade.
- 3 O primeiro assentamento no Rio Grande do Sul de acordo com as informações do INCRA (2020) foi criad (...)
24A criação dos primeiros assentamentos no estado do Rio Grande do Sul, data do ano de 19863 (INCRA, 2020), década que representa um marco histórico da luta pela terra no estado. De acordo com Fernandes (2000, p.50):
A expropriação, a expulsão das famílias camponesas e a usurpação do território indígena geraram uma das condições que levaram à luta os camponeses que iriam realizar a ocupação de terra, que também inaugurou o processo de formação do MST na região noroeste rio-grandense.
25A expulsão de 1.800 famílias de colonos da Reserva Indígena Nonoai, por índios Kaigang, no mês de maio de 1978, representou o início do processo de luta pela terra no RS. A essas famílias de colonos que o governo do estado havia concedido a permissão de ocupar a referida área indígena, a cerca de 15 anos, na condição de rendeiros do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) só restaram três alternativas: “1) migrar para os projetos de colonização da Amazônia; 2) tornar-se assalariados de empresas agropecuárias ou de indústrias, migrando para as cidades; 3) lutar pela terra no Estado do Rio Grande do Sul” (FERNANDES, 2000, p. 51).
26Assim, os anos 80 representaram uma década de intensa luta pela terra no estado, com diversas ocupações e manifestações organizadas pelo então formado MST. Da mesma forma que as ações aconteceram, a repressão policial também se acentuou e o movimento passou a ter a visibilidade da mídia e da sociedade em geral. Ocorreram as primeiras conquistas com a criação dos assentamentos. Entre os anos 1986 e 1990, foram criados 13 assentamentos de reforma agrária no RS (Tabela 1), todos eles em municípios localizados na metade norte do estado, nas regiões intermediárias de Ijuí, Passo Fundo, Santa Maria e Porto Alegre.
Tabela 1: Assentamentos criados no estado do Rio Grande do Sul entre os anos 1986 e 2020
Fonte: INCRA (2020).
27Conforme percebe-se na tabela 1, que mostra os assentamentos criados no estado do RS entre 1980 e 2020, a década de 90 representou o ápice na criação de assentamentos no estado. Foi também no final dessa década que teve início a experiência com o arroz ecológico em assentamentos da RMPA.
28No ano de 1999, em caráter experimental, foram cultivados 07 hectares de terra com arroz ecológico, em dois assentamentos localizados na RMPA. Segundo Campos e Medeiros (2014), dez anos após a experiência inicial, na safra 2009/2010, a produção de arroz ecológico já envolvia 211 famílias de assentados de oito assentamentos, que cultivaram 2.104 hectares.
29A iniciativa partiu das famílias assentadas, de suas cooperativas e do MST, movimento social ao qual estão vinculadas, e as motivações foram de ordem econômica e social (CAMPOS; MEDEIROS, 2014). No que tange a questão econômica, buscou-se produzir com menores custos em um mercado onde a concorrência fosse menos capitalizada do que no mercado de arroz convencional. Medeiros et al (2013, p.12), explica que:
[...] nos anos 2000, uma parcela significativa dessas famílias envolvidas com a produção do arroz convencional acumulava dívidas decorrentes dos altos custos de produção pelo uso de insumos externos, como agrotóxicos além dos baixos preços do arroz no mercado.
30Assim, as lavouras de arroz ecológico se desenvolveram gradativamente e foram se disseminando pelos assentamentos do estado do Rio Grande do Sul (Mapa 2). As áreas plantadas e o número de famílias envolvidas na produção desenvolveram-se, ocorrendo algumas oscilações que acompanhavam os momentos de crises econômicas e de adversidades climáticas ocorridas nas regiões de produção. Isso pode ser percebido pelos dados das últimas safras referentes à área plantada (ha) no estado do Rio Grande do Sul, que foram cedidos pela Certificação Participativa da COCEARGS (Cooperativa Central dos Assentamentos do Rio Grande do Sul), conforme mostra o Gráfico 1.
Gráfico 1 - Produção de arroz orgânico em assentamentos no Rio Grande do Sul (ha)
Fonte: Certificação Participativa da COCEARGS (2019).
Mapa 2 – Municípios com assentamentos produzindo arroz ecológico no Rio Grande do Sul
31A partir dessas informações, é possível perceber uma certa constância na área plantada, com algumas oscilações advindas das crises econômicas e das adversidades climáticas, como foi explicado anteriormente. Pelas mesmas razões, o número de famílias produtoras envolvidas na produção também vem apresentando pequenas variações, tendo contado na safra 2019-2020 com a participação de cerca de 292 famílias de produtores. A expansão da produção ao longo dos anos foi impulsionada pela criação do Grupo Gestor do Arroz Ecológico (GGAE), cuja meta, além de reunir as famílias produtoras, foi a de promover a sistematização de dados, a troca de experiências entre os produtores, a negociação com instituições públicas e privadas, a ampliação de parcerias e a busca pelo aumento do número de famílias assentadas envolvidas no cultivo ecológico do arroz irrigado (MENEGON et al, 2009).
32O GGAE teve início com um grupo de agricultores que plantavam arroz e começaram a se reunir para discutir as dificuldades técnicas enfrentadas nos processos produtivos, assim como buscavam equipamentos e recursos para a produção tendo como motivadora a Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre – COOTAP (MARTINS, 2017).
33Também se considera importante destacar que a expansão da produção do arroz orgânico que obteve apoio do Estado, através do financiamento da construção de estruturas de armazenagem e beneficiamento, foram fundamentais neste crescimento da produção (Figura 1), os quais atualmente encontram-se em fase de expansão (Figuras 2 e 3). De acordo com Campos e Medeiros (2014, p. 45): “Esse apoio ocorre, sobretudo na comercialização, mas também é significativo no financiamento das estruturas de armazenagem e beneficiamento, sem as quais não teria sido possível expandir a produção”. Segundo as autoras, inicialmente os produtores não tinham acesso ao preço diferenciado do produto, pois tinham que entregar o arroz para ser armazenado em silos privados onde ele era misturado ao arroz convencional. A partir da obtenção de recursos de programas governamentais foi possível mudar essa situação e o arroz orgânico passou a ser armazenado em silos próprios sem o contato com o arroz convencional.
Figura 1 - Unidade de Beneficiamento de Sementes da COTAP – Assentamento Lanceiros Negros, Eldorado do Sul, Rio Grande do Sul
Fonte: Acervo dos autores, 2017.
Figura 2 - Obras de ampliação da Unidade de Beneficiamento de Sementes da COTAP – Assentamento Lanceiros Negros, Eldorado do Sul, Rio Grande do Sul
Fonte: Acervo dos autores, 2018.
Figura 3 - Projeto de ampliação da Unidade de Beneficiamento de Sementes da COTAP – Assentamento Lanceiros Negros, Eldorado do Sul, Rio Grande do Sul
Fonte: Acervo dos autores, 2018.
34Também as hortas são tão importantes quanto a produção de arroz, pois representam um dos principais pilares de fixação de famílias de trabalhadores assentados no campo. Devido às suas características de envolvimento intensivo de mão de obra na produção e de circulação de capital constante, as hortas têm um papel fundamental na ocupação e na renda dos trabalhadores.
35Esta experiência das hortas orgânicas iniciou, também, no final da década de 1990, em pequenas áreas nos assentamentos Itapuí, Capela e Integração Gaúcha, sendo os dois primeiros situados no município de Nova Santa Rita e o último em Eldorado do Sul, na RMPA. No início da experiência, cerca de 20 famílias plantavam suas hortas em lotes individuais. Com o aumento do número de assentamentos nos anos seguintes, o número de famílias produzindo hortaliças de forma orgânica também cresceu. Aliado a esse crescimento ocorreram mudanças na legislação para produtos orgânicos, e houve então, a necessidade de uma organização dessas famílias assentadas para a sua inserção em um processo de certificação.
36Nesse contexto, no ano de 2008 foi criado o Grupo Gestor das Hortas, Frutas e Plantas Medicinais, que segundo informações do Grupo, seguem a organização de outros grupos gestores vinculados à Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (COOTAP), com famílias e suas coordenações, em municípios situados em duas Regiões Intermediárias, Porto Alegre e Santa Cruz do Sul – Lajeado (Mapa 1).
37Com participação significativa de mulheres, o Grupo Gestor contava, no ano de 2018, com 180 famílias organizadas em 27 grupos de produção nos assentamentos dos municípios de Nova Santa Rita, Taquari, Eldorado do Sul, São Jerônimo, Charqueadas, Guaíba, Encruzilhada do Sul e Viamão (Mapa 3).
Mapa 3 – Municípios com famílias envolvidas com o Grupo Gestor das Hortas, Frutas e Plantas Medicinais no Rio Grande do Sul
- 4 O PAA “tem duas finalidades básicas, que são: promover o acesso à alimentação e incentivar a agricu (...)
- 5 “O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) oferece alimentação escolar e ações de educação (...)
38A produção das hortas é comercializada nas feiras orgânicas de Porto Alegre e RMPA, sendo que atualmente, existem cerca de 40 feiras de produtores, além da Loja da Reforma Agrária e dos mercados locais. Também é comercializada através das cestas orgânicas em Porto Alegre, proposta surgida no ano de 2010, na qual os produtos são encomendados previamente e entregues em pontos estabelecidos, onde produtores e consumidores tem a oportunidade de discutir sobre práticas sustentáveis de produção e consumo de alimentos. Fazem também, parte do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)4 e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)5.
39Há muito tempo se tem a consciência de que a luta pela terra não finda após a conquista de um lote em um assentamento. Tão importante quanto a conquista da terra é a luta pelas condições que irão possibilitar a produção de alimentos nos assentamentos.
40Desta forma, estratégias de produção e comercialização são desenvolvidas pelos assentados e nesse contexto a produção de alimentos ecológicos vem ganhando cada vez mais destaque nos assentamentos do RS. A produção ecológica já é uma orientação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no entanto condições favoráveis, como a organização em grupos de produção e a proximidade geográfica de alguns assentamentos com a capital gaúcha, contribuem para o sucesso dessas estratégias de produção.
41A evolução e a crescente importância da produção do arroz ecológico no Rio Grande do Sul, que teve início na RMPA e que se expandiu para outras regiões do estado, demonstram claramente o papel transformador que essa produção teve na vida dos agricultores assentados. Experiências como esta que trazem benefícios tanto aos produtores, como aos consumidores e ao meio ambiente, devem ser multiplicadas e estimuladas, sobretudo se for considerada a crescente ampliação do mercado consumidor.
42As feiras aparecem como espaços privilegiados para os assentados, oportunizando a geração de renda às famílias, que levam a produção da reforma agrária para a sociedade e potencializam o consumo da alimentação saudável a preços mais acessíveis do que os praticados em grandes redes de supermercados.
43Também é importante destacar que a produção de orgânicos representa um importante elemento de fixação do homem no campo, trazendo grandes contribuições para o desenvolvimento socioeconômico. Além disso, fortalece a relação urbano rural ao colocar também como objetivo produzir alimentos saudáveis para serem consumidos nas cidades. Esta é a alternativa de produção que vem ao encontro da construção de uma nova sociedade mais consciente, mais participativa e mais eficaz em suas ações.