1O avanço da agropecuária para o interior do Brasil a partir dos anos 1960 marca o início de uma profunda transformação geográfica produtiva (Lemos et al. 2003; J. E. R. Vieira Filho 2016). Cabe destacar que a ocupação da fronteira agrícola foi apoiada pela inovação e tecnologia (Gasques et al. 2018; J. E. R. Vieira Filho 2016; J. E. R. V. Vieira Filho and Fishlow 2017), conduzida pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) com participação de institutos de pesquisa e universidades públicas, sob amparo de políticas públicas (Santana et al. 2014).
2Esse movimento espacial e o dinamismo da agropecuária foi influenciado por uma revolução institucional e por uma intensificação de insumos produtivos (Alves and Rocha 2010; J. E. R. V. Vieira Filho and Fishlow 2017). Cabe destacar que a construção da malha rodoviária pelo governo federal nos anos 1950 promoveu a integração regional, ocupação do interior e a aproximação entre produtores, consumidores e provedores de insumos, estimulando a formação de cadeias produtivas (Galvão 1996; Lemos et al. 2003; Presidência da República do Brasil 1958).
3A infraestrutura logística influencia a eficiência e os custos de todos os setores da economia. Estima-se que, em 2016, os custos de transportes representavam 55% dos custos totais logísticos no Brasil (CNT 2018a). Uma adequada infraestrutura no setor de transportes interfere no desenvolvimento econômico, estimulando o aumento da produção e os ganhos de produtividade, inclusive na atividade agropecuária (Gasques et al. 2018; Medeiros and Ribeiro 2019; J. E. R. V. Vieira Filho and Fishlow 2017).
4A interiorização da produção agropecuária colocou desafios para a sociedade, a partir do aumento da demanda por infraestrutura logística. Neste sentido, a abertura do mercado internacional para os produtos agropecuários brasileiros amplificou a urgência de investimentos em logística. O mercado agropecuário é em grande medida tomador de preços. O custo de produção, portanto, é a variável de ajuste, incluindo custos de transporte e armazenagem (Péra and Caixeta-Filho 2017). Quando a infraestrutura logística não é adequada, a competitividade do setor é prejudicada.
5Neste contexto, o presente artigo busca avaliar quais são os desafios logísticos da nova geografia da agropecuária brasileira. O objetivo geral é apresentar a nova geografia da agropecuária brasileira e discutir os desafios logísticos. Para tanto, o estudo está organizado em quatro seções, além desta breve introdução. A segunda seção apresenta o referencial teórico, assim como os aspectos metodológicos. A terceira seção discute a nova geografia do setor agropecuário e analisa os principais desafios logísticos. Por fim, seguem as considerações finais.
6O preço do transporte e a distância do local de produção ao centro consumidor sempre influenciaram na função custo de produção. Entretanto, na literatura econômica, essas variáveis têm sido em grande medida marginalizadas ou negligenciadas nas análises sob o pressuposto da ausência de custo de transporte e do espaço homogêneo (Mankiw 2014), sendo relegados à economia regional (Cruz et al. 2011; Diniz and Crocco 2006). A análise pioneira realizada por von Thünen, ainda em 1826, revelou a importância dos custos de transporte na atividade agropecuária (Cruz et al. 2011).
7Von Thünen analisou a alocação dos recursos e a determinação dos preços agrícolas, usando um modelo baseado no uso da terra (O’Kelly and Bryan 1996). Os resultados mostraram que o aumento da distância da produção agrícola em relação ao mercado impunha incrementos nos custos de transporte, afetando os preços. Desse modo, quanto mais distante a produção fosse realizada dos mercados, maiores seriam os custos de transporte e menor seria a renda da terra. Este trabalho marcou o início dos estudos locacionais e a inclusão dos custos de transporte na análise econômica. Esses modelos revelaram a importância dos custos de transporte e do espaço na determinação dos preços e da renda, inclusive a renda da terra.
8A análise sobre o surgimento dos centros econômicos, realizada por Lösch (1978 [1954]), revelou o papel de fatores econômicos na localização das atividades econômicas. Os resultados indicaram que esses fatores atuavam como incentivos à concentração (centrípetos) e, em outros casos, para a dispersão (centrífugos). A concentração ocorreria em função das vantagens de especialização e das economias de escala – características das fronteiras agrícolas do Cerrado brasileiro (Buainain et al. 2017), enquanto a dispersão seria influenciada pelos custos de transportes e economias de escopo.
9A importância dos custos de transporte na função custo de produção e na determinação dos preços, posteriormente, foi associada à competitividade das atividades econômicas. Além da eficiência produtiva, a competitividade estaria associada à infraestrutura logística e os custos de transporte. O avanço da globalização revelou o papel estratégico da redução dos custos de transporte nesse contexto (Caixeta Filho 2010). Com isso, produtores rurais começaram a reconhecer a importância da infraestrutura logística na rentabilidade e na competitividade da atividade.
- 1 “(…) the design and operation of the physical, managerial and information systems needed to allow g (...)
10A logística é entendida como “desenho e operação de sistemas físicos, gerenciais e de informação necessários para permitir que as mercadorias superem o tempo e o espaço”1 (Daskin, 1985, p. 383). Em outras palavras,
11[...] a logística geralmente inclui o gerenciamento do transporte de produtos (chegada e saída), gerenciamento de frotas, armazenamento, manuseio de materiais, acompanhamento de pedidos, desenvolvimento de redes de logística, gerenciamento de estoques, planejamento de oferta e demanda e gerenciamento de fornecedores de serviços de logística (Caixeta Filho, 2010, p. 104).
12A logística está diretamente relacionada à prestação de serviços, que inclui transportes, armazenagem e gestão de fluxo de matérias.
13As questões logísticas incluem uma perspectiva de longo prazo, relacionada à localização e à infraestrutura. No entanto, associa-se também à fatores de curto prazo, tais como a gestão dos produtos e do transporte. A logística é um importante componente da economia, em especial para países continentais como o Brasil.
14No caso da produção de alimentos, o desafio é enorme, porque são perecíveis (IBGE 2020) e seus preços são determinados pelo mercado (Péra and Caixeta-Filho 2017; Waquil et al. 2010). Os produtores têm pouco poder para repassar os custos de transporte para o consumidor ou comprador. Segundo Péra (2018), as perdas físicas com o transporte de soja e milho alcançaram 2,38 milhões de toneladas, em 2015, no Brasil; e as perdas econômicas foram de R$ 2 bilhões.
15O estudo é baseado em informações secundárias, como levantamento na literatura, estudos acadêmicos e institucionais, relatórios e estudos do Ministério da Infraestrutura – e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), da Agência Nacional de Transporte Terrestres (ANTT), Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), entre outras.
16A expansão da fronteira agrícola para o interior o Brasil colocou enormes desafios para o escoamento da produção, especialmente para o mercado internacional. Na tentativa de facilitar a análise e a definição de políticas e estratégias logísticas, adota-se a delimitação espacial do país em dois “arcos”: o norte e o sul (Câmara dos Deputados 2016). O Arco Norte corresponde a rota logística com saída pelo Norte, que envolve os estados de Roraima, Amapá, Amazonas, Pará e Maranhão. No caso do Arco Sul, trata-se da rota logística que envolve os principais portos da região centro-sul país dos estados de Santa Catarina, Paraná e São Paulo.
17A análise da infraestrutura logística do setor agropecuário envolveu diferentes bases de dados, que abordaram os modais rodoviário, ferroviário e hidroviário, assim como a produção e a comercialização. A análise dos dados foi realizada com o auxílio dos instrumentos das Geotecnologias (Figura 1), em especial com a preparação de mapas temáticos da infraestrutura de transportes e de armazenagem do Brasil. As análises foram realizadas com o auxílio do ArcGis 10.2.22 e do QGIS3.
Figura 1 – Etapas metodológicas da análise espacial
Fonte: preparado pelos autores.
18O mapeamento das ações para solucionar os problemas logísticos foi realizado junto às instituições brasileiras públicas e privadas (Figura 2).
Figura 2 – Etapas metodológicas para a identificação das ações adotadas pelos produtores rurais
Fonte: preparado pelos autores.
19Por fim, a identificação das ações adotadas por produtores rurais para manter-se competitivos nos mercados agropecuários e dos seus limites foi realizada com base na literatura, instituições representativas do setor, como a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), cooperativas agropecuárias, entre outras.
20Em um curto período, áreas do Centro-Oeste, Cerrados Nordestinos (Buainain et al. 2017) e Amazônia (Souza et al. 2013) passaram a ocupar posição de destaque na produção de milho, soja, cana-de-açúcar e na criação de animais.
- 4 A metodologia usada para espacialização da produção agropecuária é o método IDW – Inverse Distance (...)
21Em 1980, a produção de milho e soja estava no Sul e Sudeste do país, respondendo por 86% da produção nacional; em 2017, o Centro-Oeste respondia por 48% da produção de soja-milho e 18% de cana-de-açúcar (IBGE 2020). Os mapas a seguir revelam a nova geografia da agropecuária brasileira4.
Mapa 1 – Dinâmica Espacial da Produção de Soja no Brasil: Média 1980/1982-2015/2017
Fonte: preparado com base em IBGE, 2020.
Mapa 2 – Dinâmica Espacial da Produção de Milho no Brasil: Média 1980/1982-2015/2017
Fonte: preparado com base em IBGE, 2020.
Mapa 3 – Dinâmica Espacial da Produção de Cana-de-açúcar no Brasil: Média 1980/1982-2015/2017
Fonte: preparado com base em IBGE, 2020.
22A soja avançou para Mato Grosso, oeste da Bahia e para a região conhecida como MATOPIBA – Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia (mapa 1). No Mato Grosso a produção de soja alcançou 30,5 milhões de toneladas em 2017 e no MATOPIBA 5 milhões, conjuntamente representando 31% da produção nacional (114,5 milhões) (IBGE 2020). No caso do milho, a dinâmica é um pouco distinta. A produção ocorre em todas as regiões, mas há aumento e sobreposição com as áreas de soja (mapa 2).
23Por fim, a cana-de-açúcar, concentrada em São Paulo e litoral do Rio de Janeiro, Alagoas, Pernambuco e Paraíba em 1980, deslocou-se para o centro-sul (mapa 3). Apesar de São Paulo ter aumentado em 517% sua produção, no período, ampliando a participação de 49% para 59% da produção nacional, o cultivo também se expandiu para outros estados, em especial Goiás, que respondeu a 9% da produção brasileira em 2017 (IBGE 2020).
24Essa mudança na geografia agrícola influenciou a dinâmica espacial da pecuária bovina e da criação de aves e suínos, conforme os mapas 4, 5 e 6.
Mapa 4 - Dinâmica Espacial da pecuária bovina no Brasil: Média 1980/1982-2015/2017
Fonte: preparado com base em IBGE, 2020.
Mapa 5 - Dinâmica Espacial da criação de aves (galinhas, galos, frangas e frangos) no Brasil: Média 1980/1982-2015/2017
Fonte: preparado com base em IBGE, 2020.
Mapa 6 - Dinâmica Espacial da criação de suínos no Brasil: Média 1980/1982-2015/2017
Fonte: preparado com base em IBGE, 2020.
25No caso da pecuária bovina, o preço da terra foi decisivo para seu deslocamento para o interior, já que a atividade ainda se mantém extensiva, apesar dos avanços tecnológicos (Dias-Filho 2011, 2014). A atividade avançou para a região Norte (mapa 4). No mapa 5, observa-se que, em 1980, a criação de aves estava na região Sul e em São Paulo; mas, em 2017, avançou para o Centro-Oeste, com destaque para Mato Grosso. Movimento similar foi observado na criação de suínos (mapa 6). Em 1980, a criação estava na região Sul, acompanhada por Maranhão e Rondônia; em 2017, verificou-se o deslocamento para o Centro-Oeste; Mato Grosso se destacando novamente. Nota-se que o deslocamento da criação de aves e de suínos coincidiu com o surgimento das principais regiões produtoras de soja e milho no Centro-Oeste (mapas 1 e 2), evidência que reforça a conexão entre o complexo de grãos com o de carnes.
26A expansão do complexo Soja-Milho no Arco Norte influenciou nas exportações (Tabela 1). Em 1997, o Arco Norte já respondia por 38% da produção nacional de milho e soja, mas não tinha participação nas exportações, dominadas pelo Arco Sul. Em 20 anos, o Arco Norte passou a responder por 21% do volume exportado, de um total de 91 milhões de toneladas, e por 59% da produção nacional, que alcançou 212 milhões de toneladas (MAPA 2019).
Tabela 1 – Produção e Exportação de Milho e Soja por Arco Norte e Sul do Brasil: 1997-2017
Região
|
Produção (%)
|
Exportações (%)
|
1997
|
2017
|
1997¹
|
2017
|
Norte
|
38%
|
59%
|
0%
|
21%
|
Sul
|
62%
|
41%
|
100%
|
79%
|
Total
|
100%
|
100%
|
100%
|
100%
|
Fonte: preparado com base em IBGE, 2020 e MAPA, 2019.
¹ a série histórica das exportações de soja e milho iniciam apenas em 1997.
27Vale ressaltar que 81% do milho e 39% da soja exportada tem sua origem no Centro-Oeste, revelando a importância da logística para a competitividade da região. Em 2017, as exportações de açúcar de cana somaram 28,7 milhões de toneladas; Sudeste respondeu por 77%, Centro-Oeste 8% (2,3 milhões) (MAPA 2019). As exportações do complexo carnes alcançaram 6,7 milhões de toneladas em 2017; carne de frango 4,2 milhões; seguida pela bovina (1,5 milhões) e suína (683 mil) (MAPA 2019). A região Centro-Oeste se destaca com 19% das exportações de carnes. Por fim, a região Norte já responde por 19% das exportações brasileiras de carne bovina.
28A malha rodoviária brasileira totaliza 1,5 milhão de km (95% estadual e municipal e 5% federal); dos quais apenas 213 mil km são pavimentados (12,3%) (CNT 2018b; DNIT 2018; Ministério da Infraestrutura 2019) (Mapa 7). Apesar disso, estima-se que no Brasil exista 25 km de rodovias pavimentadas para cada mil km² de área, nos EUA 438, China 359, Rússia 54, Austrália 46, Canadá 42 e Argentina 25 (ABDIB 2018; CNT 2017). Das rodovias pavimentadas, 9% (19 mil km) estão sob concessão privada; destes, 10 mil km são rodovias federais (ABDIB 2018). Da malha federal (83 mil km), 66 mil são pavimentados; mas apenas 6,4 mil são duplicadas (Ministério da Infraestrutura 2019).
Mapa 7 – Malha Rodoviária Estadual e Federal no Brasil: 2017
Fonte: preparado com base em (Ministério da Infraestrutura 2019).
29A pesquisa da CNT (2017) revelou que 58% de 103 mil km analisados têm algum problema em seu estado geral, como no pavimento, sinalização ou geometria; 11% foram qualificados em ótima condição; 48% regular, ruim ou péssimo; 78% mostraram algum tipo de inadequações na geometria. Problemas no pavimento podem elevar em até 91,5% o custo operacional em rodovias qualificadas em condição péssima em comparação ao pavimento ótimo. Se o pavimento for bom, esse aumento no custo operacional é de 18,8%; em condição regular 41% e ruim 65,6% (CNT 2017). Sob concessão privada, o aumento do custo operacional médio é de 9,6%, considerando a cobrança de pedágios, quando comparado ao estado ótimo; nas rodovias públicas, é de 28,7%. Esses resultados reforçam a importância da parceria público-privada na melhoria da infraestrutura de transportes no Brasil, apesar da cobrança de pedágios.
30A malha ferroviária tem pouco mais de 30 mil km (Mapa 8) – 29 mil km estão sob concessão privada (CNT 2018b) –, praticamente a mesma extensão de 1922, estimada em 29 mil (CNT 2018a). Em 2017, 5 obras estavam em execução no Brasil (Ministério da Infraestrutura 2019; MTPA 2018a): Ferrovia Norte-Sul, trecho Ouro Verde (GO) até Estrela D’Oeste (SP) com 682 km; Ferrovia de Integração Oeste-Leste, no estado da Bahia, trecho Ilhéus até Caetité com 537 km e de Caetité até Barreiras com 485 km; Ferrovia Nova Transnordestina com 1.735 km; Estrada de Ferro Carajás, duplicação de 892 km. Praticamente as obras são importantes para amenizar os problemas enfrentados pelo setor agropecuário. Outro desafio é a baixa velocidade média operacional, estimada em apenas 22 km/h, enquanto que nos EUA é de 80 km/h (CNT 2018b).
31CNT (2018b) indicou que os principais entraves para a expansão das ferrovias foram: invasões das faixas de domínio; passagens críticas em nível; gargalos físicos e operacionais, tais como o traçado sinuoso ou montanhoso; compartilhamento da via com o transporte de cargas e de passageiros e a existência de bitolas diferentes na malha; falta de planejamento intermodal; deficiências nos projetos; questões ambientais e de licenciamento; complexidade institucional e de processos, que culminava na burocracia excessiva.
Mapa 8 – Malha Ferroviária em Operação no Brasil: 2017
Fonte: preparado com base em (Ministério da Infraestrutura 2019).
32A malha hidroviária navegável foi estimada em 42 mil km (Mapa 9), mas apenas 20 mil km são economicamente navegáveis (CNT 2018b), além dos 8,5 mil km de costa marítima usados para o transporte de cabotagem; 37 portos organizados; 52 instalações portuárias de pequeno porte; 51 portos públicos; 13 eclusas; 7 companhias de docas (Ministério da Infraestrutura 2019). O transporte de interior hidroviário movimentou apenas 30 milhões de toneladas em 2017, revelando o pouco uso das hidrovias. Essa situação reflete problemas institucionais, na infraestrutura e gestão, que resultaram no baixo investimento, falta de financiamento, problemas de manutenção como dragagem e conflitos entre os múltiplos usos da água (CNT 2018a).
33No caso dos portos marítimos, as infraestruturas estavam localizadas em áreas urbanas, dificultando a movimentação terrestre (CNT 2018a), tais como as filas de caminhões, acidentes de trânsito, falta de opções para expansão das atividades portuárias em terra e velocidades reduzidas. A regulação, pouco flexível, e as incertezas, jurídica e tributária, elevaram os custos de transação (CNT 2018a).
Mapa 9 – Malha Hidroviária Navegável e Portos em Operação no Brasil: 2017
Fonte: preparado com base em (Ministério da Infraestrutura 2019).
34O sistema de armazenagem de grãos é composto por mais de 1.700 estruturas convencionais, silos, armazéns graneleiros etc. (Mapa 10). A Pesquisa de Estoques do IBGE revelou que no primeiro semestre de 2018 estavam em operação mais de 7.700 estabelecimentos armazenadores (46% Sul; 28% Centro-Oeste); capacidade útil estimada em 144,7 milhões de toneladas em armazéns graneleiros e granelizados e silos (42% Sul e 41% Centro-Oeste) e 40,5 milhões de m³ em armazéns convencionais, estruturais e infláveis (35% Sudeste, 31% Sul e 23% Centro-Oeste); 95% da capacidade útil está sob responsabilidade do setor privado (IBGE 2020). Enquanto isso, a produção de grãos superou 230 milhões de toneladas em 2017.
Mapa 10 – Infraestrutura de Armazenagem Agrícola no Brasil: capacidade em toneladas
Fonte: preparado com base em (Ministério da Infraestrutura 2019).
- 5 Boletim da CONAB de Acompanhamento da safra brasileira de grãos 2018/19, volume 6, nº 4, quarto lev (...)
35Embora o Centro-Oeste tenha menos unidades, a capacidade útil é equivalente à da região Sul, reflexo das economias de escala. Mesmo assim, o Brasil apresenta um déficit da ordem de 52 milhões de toneladas, levando-se em conta a estimativa da produção de grãos 2018/19 da CONAB5; no Centro-Oeste este déficit alcança 36 milhões. Com as projeções de crescimento da produção (MAPA 2018), a redução do déficit é desafio importante para produtores, empresas e governo. O armazenamento auxilia na gestão da produção, nas estratégias de escoamento e de comercialização, estando integrada aos modais de transporte. O armazenamento permite que o produtor obtenha melhores condições de mercado e planejamento, além de permitir maior estabilidade da renda.
36A movimentação total de carga no Brasil se concentrou no modal rodoviário, que responde 61%, ferroviário 20,7%, hidroviário 13,6%, dutoviário 4,2% e aeroviário 0,4% (CNT 2018b). Composição similar é observada nos granéis agrícolas; o destaque é o uso ferrovias, que alcança 30%, mas ainda dominado pelas rodovias (60%); as hidrovias movimentam 10% (CNT 2017). No entanto, o minério de ferro representa 79% do volume transportado por ferrovias, soja 4%, cana-de-açúcar 3% e milho 2% (EPL 2018a).
37Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo e Bahia, localizados no Arco Sul, possuem rotas bem-definidas para a exportação, além de acesso facilitado ao mercado doméstico. Contudo, os estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, da região Norte e do Cerrado Nordestino, que inclui parcela do MATOPIBA (região produtora de grãos que inclui os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) não possuem rotas consolidadas. Apesar dos investimentos em rotas para o Norte e Nordeste (MTPA 2018a), tais como por Itaqui no Maranhão, Santarém e Vila do Conde no Pará e Manaus no Amazonas, os estados do Arco Norte ainda são dependentes da infraestrutura logística do Sul e Sudeste (Castro et al. 2016; Dassan et al. 2016; MTPA 2017; J. E. R. Vieira Filho 2016).
38Mato Grosso escoa a produção pelas hidrovias do rio Amazonas, mas, para isso, a produção deve ser transportada por caminhão até as áreas de transbordo, localizadas em Porto Velho (RO) ou Itaituba (AM). A partir destes pontos, pode-se transportar a produção por barcaças até os Portos de Santarém (PA), Belém (PA) ou Santana (AP), e daí para exportação (Dassan et al. 2016; Embrapa Territorial 2018; MTPA 2017; J. E. R. Vieira Filho 2016). A hidrovia do Tocantins oferece grande potencial, mas sua utilização é sazonal em função do volume de água (Dassan et al. 2016; Embrapa Territorial 2018; MTPA 2017).
39A expansão do Canal do Panamá reforça a importância das rotas de escoamento pelo Arco Norte. Como a China é o principal destino das exportações de soja e milho (MAPA 2019), essa alternativa se mostra relevante. O Brasil é um importador líquido de agroquímicos (MAPA 2019). Assim, melhorias na infraestrutura logística do Arco Norte beneficiariam a importação de agroquímicos para a região (Dassan et al. 2016).
- 6 O índice é preparado com base em uma pesquisa realizada a cada dois anos pelo Banco Mundial junto à (...)
40O Brasil ficou em 80ª no Ranking Global de Competitividade, dentre 137 países (World Economic Forum 2017). O resultado foi influenciado pelos problemas na infraestrutura brasileira, com destaque para a logística. Segundo o Logistics Performance Index6 (Arvis et al. 2018), o Brasil ocupava a posição 56ª entre 160 países em 2018; EUA 14ª; Argentina 61ª; China 26ª; África do Sul 33ª; Índia 44ª; Rússia 75ª. Esse estudo indicou que o Brasil gastou 12,4% do PIB em custos logísticos, enquanto os EUA apenas 8,0%. Isso encareceu os produtos brasileiros em mais US$ 36 bilhões por ano.
41Em razão da crise política, econômica e fiscal que abateu a economia em 2014, os investimentos em infraestrutura de transporte registraram forte queda. Em 2017, os investimentos públicos e privados totalizaram R$ 23,7 bilhões, sendo R$ 12,7 bilhões privados. A queda foi de 54,3% em relação a 2014, quando atingiu R$ 46,6 bilhões (EPL 2018b). Ressalta-se que 75% desses investimentos foram destinados a rodovias. Os demais modais também sofreram com o baixo investimento estatal, como as ferrovias que receberam apenas R$ 600 milhões em 2017 (R$ 5,2 bilhões privado); o aquaviário incluiu investimentos em terminais e estações de transbordo, que foi de R$ 4,2 bilhões (R$ 600 milhões público e R$ 3,7 bilhões privado) (EPL 2018b).
42Segundo CNT (2018b), 2.663 projetos são essenciais ao país, exigindo investimentos de R$ 1,7 trilhão: R$ 1,4 trilhão em 2.343 projetos de integração nacional; R$ 320 bilhões em projetos urbanos. O equacionamento dos desafios em infraestrutura logística exige estratégia combinada entre setor público e privado. Ademais, não se pode negligenciar o valor das tarifas de pedágio, para não criar mais distorções no sistema.
43O investimento deverá ser contínuo, porque i) há um aumento da demanda por serviços logísticos, especialmente em regiões deficitárias; ii) mudanças tecnológicas exigem adequação da infraestrutura, no intuito de manter a competitividade logística; iii) novas demandas por rotas em função do surgimento de novas áreas produtivas. Por conseguinte, “[...] buscar novas formas de intervenção governamental que permitam ou atraiam investimento privado é um desafio central [...]” (Vazquez, Hallack e Queiroz, 2018, p. 137). O setor privado foi responsável por quase 70% dos investimentos em infraestrutura em 2017 (ABDIB 2018).
44A segurança jurídica e institucional é fundamental para estimular a iniciativa privada, ou criar ambiente de negócios favorável à tomada de decisão empresarial. O Estado deve garantir condições para: preparação e manutenção de contratos; desenvolvimento dos projetos técnicos; adequada remuneração do capital, mas sem perder de vistas o custo dos serviços prestados à sociedade; promover a transparência das regras para participação; promover uma adequada gestão de riscos, onde os avanços em Big Data (Torre-Bastida et al. 2018) e Blockchain (Verberne 2018) possam aportar contribuições; entre outras.
45A incerteza jurídica faz parte das atividades dos operadores de rodovias sob concessão. Há mais de 200 projetos de lei em tramitação no âmbito federal e estadual pleiteando descontos ou gratuidades para grupos específicos. Segundo a ABDIB (2018, p. 27), a “segurança jurídica será mais evidente quanto mais clara e menos discricionária for a regulação, quanto mais eficiente e independente forem as agências reguladoras, quanto mais célere funcionar o Poder Judiciário”.
- 7 Uma iniciativa interessante é a Plataforma de Infraestrutura Logística de Transportes (PILT/FDC), c (...)
- 8 Informações detalhadas sobre a Política Nacional de Transportes consultar (MTPA 2018c, 2018d).
46Um marco importante para as políticas públicas foi a criação da Empresa de Planejamento e Logística (EPL) (Brasil 2012), que dentre seus objetivos, buscou promover a integração da infraestrutura logística. O papel desempenhado pela EPL desenvolveu duas iniciativas importantes: i) Plano Nacional de Logística (PNL); e ii) Observatório Nacional de Transporte e Logística (ONTL)7. Essas ações estiveram vinculadas à Política Nacional de Transportes (PNT) (MTPA 2018b)8.
47A PNT tem sido preparada pelo MTPA desde a década de 1990. A última foi instaurada pela Portaria nº 235/2018, Ministério da Infraestrutura, cujo objetivo foi o de melhorar e orientar as políticas em infraestrutura de transportes (MTPA 2018b). Constatou-se a existência do planejamento em infraestrutura logística, mas o desafio tem sido a execução.
- 9 Mais informações ver Relatório Executivo do Plano Nacional de Logística 2025 (EPL 2018a).
48O PNL, lançado em 2018, visa promover o planejamento integrado da infraestrutura de transporte de longo prazo (EPL 2018a). O plano definiu as estratégias para a melhoria da infraestrutura logística brasileira, além de indicar os empreendimentos e investimentos necessários até 2025. Neste sentido, o PNL pode recuperar a capacidade técnica de planejamento logístico do Estado, desmontada em função das recorrentes crises na economia brasileira desde os anos 1980. Espera-se que o PNL seja usado como instrumento norteador para a definição de políticas públicas e decisões do setor privado para o setor de infraestrutura logística9. Embora o PNL e PNT sejam importantes, a preparação de duas políticas nacionais pode dificultar a sua realização.
49O PNL e a PNT contam ainda com o Programa de Concessões de Rodovias Federais (Lei nº 9.277/96) e Programa Parceria de Investimentos (PPI) (Lei nº 13.334/2016). Estes programas são tentativas para equacionar a questão institucional e de financiamento, ampliando e fortalecendo a interação Estado e iniciativa privada.
50Apesar do déficit rodoviário, investimentos em ferrovias deveriam ser prioridade. O governo brasileiro deveria estimular o desenvolvimento de pequenas ferrovias, para atender a demanda local e regional. Nos EUA, por exemplo, existem mais de 500 pequenas ferrovias, operando mais de 60 mil km; no Canadá, há 36, totalizando 10 mil km. Essa estrutura atenderia clientes menores, ampliando a malha ferroviária brasileira (ABDIB 2018).
51Apesar da importância dos projetos em infraestrutura, os decorrentes impactos ambientais e sociais podem resultar em diversos conflitos. O licenciamento ambiental tem revelado essa situação. A concepção de projetos segundo boas práticas internacionais é fundamental. EPL (2018b) indicou que, se o governo brasileiro conseguisse executar todos os projetos disponíveis para equacionar os problemas da logística do transporte de cargas – integrando e ampliando ferrovias, hidrovias, rodovias e armazenagem –, o custo de transporte na economia, não só na agropecuária, despencaria o equivalente a R$ 33 bilhões ao ano, a partir de 2025.
52Em razão da complexidade do setor de infraestrutura logística, as estratégias de políticas públicas deveriam considerar a articulação entre concessões, parcerias público-privadas e investimentos públicos diretos. Não é possível apenas o Estado atender toda a demanda do setor de infraestrutura logística, incluindo equacionar o histórico déficit. Essa estrutura coloca enormes desafios em termos da articulação e eficiência na execução dos projetos e manutenção da infraestrutura.
53Não há dúvidas sobre o papel de uma infraestrutura logística eficiente para o desenvolvimento, especialmente em um país continental como o Brasil. Com a nova geografia da agropecuária brasileira, caracterizada pela ocupação do Centro-Oeste e áreas da região Norte, o papel da infraestrutura logística ganha mais importância nas estratégias de desenvolvimento. Enquanto a produção agropecuária estava centrada no litoral, essa questão não tinha tanta urgência na agenda. Porém, a mudança na estrutura produtiva agropecuária colocou o Brasil, em poucas décadas, como um importante player mundial, onde, para se manter competitivo, o acesso a estrutura logística é fundamental.
- 10 O Observatório da Infraestrutura é uma plataforma de informações online, cujo objetivo é monitorar (...)
54Apesar desse novo contexto, o Brasil ainda carece de uma estratégia de desenvolvimento de médio e longo prazo, mesmo tendo algumas políticas nacionais e setoriais, como a Política Nacional de Transportes. O que tem predominado na agenda política é quase que um desenvolvimento baseado na conjuntura de curto prazo. Neste sentido, o Estado precisa recuperar sua capacidade técnica de planejamento, especialmente no tratamento da questão da infraestrutura logística. Uma iniciativa interessante foi a criação da EPL, do PNL e da PNT, do Observatório de Infraestrutura, conduzido pela ABDIB (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base)10 em parceria com o Ministério do Planejamento (ABDIB 2018), entre outras.
55Não obstante, o desafio ainda é enorme, a agropecuária brasileira sofre com a baixa eficiência e os gargalos logísticos. Diante da escassez de recursos públicos, produtores e empresas do setor agropecuário adotaram iniciativas para manter a competitividade no mercado interno e externo. As ações individuais mostram-se limitadas, pois o enfrentamento dos desafios passa pela definição de projetos nacionais, que busquem promover a integração dos modais de transporte, sustentado por parcerias público-privadas. A execução exige um ambiente favorável aos negócios, financiamento de longo prazo, projetos técnicos e participação do setor privado.
56Em resumo, as diretrizes de política pública para o enfrentamento dos problemas em infraestrutura logística passam por: i) integrar setores público e privado; ii) aumentar os investimentos no Arco Norte; iii) melhorar o programa de concessões à iniciativa privada; iv) promover melhoria na capacidade técnica de planejamento do setor público e privado, tendo a EPL papel central em sua coordenação; v) diversificar as alternativas de financiamento; vi) ampliar o sistema de armazenagem e sua integração com os modais de transporte; vii) incentivar os investimentos na malha ferroviária; e viii) melhorar a malha rodoviária estadual e municipal, no intuito de promover maior integração da porteira aos mercados consumidores.