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Terminologia da geografia cultural: estudo preliminar

Terminologie de la géographie culturelle: étude préliminaire
Terminology of cultural geography: a preliminary study
Raquel Moraes de Brum et Patrícia Chittoni Ramos Reuillard

Résumés

Cet article présente une recherche de Master qui a identifié les termes les plus usuels de la géographie culturelle, champ de recherche qui analyse les réalités humano-spatio-sociales par l’intermédiaire de la culture, étudiée en France et au Brésil. Fondée sur la théorie communicative de la terminologie, cette étude porte sur un travail de linguistique avec corpus. La collecte de données est partie d’un échantillon de ce domaine et s’est servie d’un logiciel d’analyse textuelle. Pour mieux identifier la place de cette approche parmi les autres approches géographiques, on a élaboré un arbre de domaine et une carte conceptuelle préliminaire de la géographie culturelle à partir de l’analyse des termes prélevés.

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terminology, cultural geography, french

Índice de palavras-chaves:

terminologia, geografia cultural, língua francesa
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Texte intégral

  • 1 NEER. Núcleo de Estudos em Espaço e Representações. Disponível em: http://www.neer.com.br/home/?pag (...)

1A Geografia Cultural, ramo dos estudos geográficos que “busca aprofundar a abordagem cultural na Geografia, focando as questões relacionadas aos estudos sobre o espaço e suas representações, entendendo as representações como uma ampla mediação, que permitem agregar o social e o cultural, abarcando também a temática do ensino de geografia [...]”1, é bastante desenvolvida na França e tem atraído o interesse dos pesquisadores brasileiros. No entanto, a maior parte da bibliografia dessa área ainda é em francês. Considerando que os materiais de referência, tais como glossários, têm uma importante dimensão social, em função do papel de divulgadores de conhecimento especializado, idealizamos a construção de um glossário bilíngue francês-português da área a fim de facilitar o trabalho de tradutores, intérpretes, redatores técnicos e todos os que trabalham com a linguagem de modo interdisciplinar e têm a tarefa de auxiliar o “fluxo comunicacional” entre áreas, visto que a abordagem de assuntos que envolvam conhecimentos especializados em qualquer domínio exige do especialista um bom manejo das linguagens técnico-científicas, ou seja, o conhecimento dos termos e da convencionalidade do texto especializado.

2Porém, dada a complexidade da área e sua estreita relação com outras Ciências Humanas e Sociais, optamos por fazer primeiramente um estudo preliminar, que elencou os termos mais recorrentes da Geografia Cultural em uma série histórica de aproximadamente 20 anos de produção científica da revista Géographie et Cultures. Não desvelamos toda a complexidade do fazer científico da Geografia Cultural através da sua linguagem, mas buscamos – dentro de nossas possibilidades e limitações de estudiosos da linguagem – compreender como uma área que se encontra na interface com tantas outras se manifesta linguisticamente através de seus textos.

3Apresentaremos brevemente a Geografia Cultural, os aportes teóricos para a realização da pesquisa e os procedimentos metodológicos. Na sequência, descrevemos os dados e discutimos os resultados.

A Geografia Cultural

4A Geografia “é uma forma de compreender o mundo, a natureza e as sociedades humanas numa perspectiva de suas dimensões espaciais e de sua inscrição na superfície da terra”, afirma Claval (2013, p. 144), acrescentando que ela estuda as mesmas realidades que as outras ciências, mas as considera diferentemente. A Geografia Cultural começou a se constituir no século XIX, na Alemanha, ao destacar a importância do homem e da cultura nos estudos da terra, a relação do homem com a paisagem e a relação dos grupos humanos com os animais e com a agricultura. No século XX, os geógrafos alemães passaram a enfatizar os instrumentos, as técnicas e a análise da paisagem.

5Claval (2012, p. 24) considera que, embora a Geografia Humana tenha dado um lugar importante às realidades culturais desde seu surgimento, ela o fazia de modo reducionista, priorizando técnicas, instrumentos e transformações da paisagem. Hoje, graças a contribuições de vários pensadores – sobretudo dos franceses Paul Vidal de La Blache, Jean Brunhes e Pierre Deffontaines, dos alemães Schlüter e Eduard Hahn e do norte-americano Carl O. Sauer – a Geografia Cultural se configura como disciplina independente no âmbito da Geografia Humana (Santos, 2000).

6Discutindo a influência da França na Geografia Cultural, Claval (1999; 2012) afirma que os franceses imaginaram, através da noção de genre de vie, uma ferramenta que permitisse estudar a relação entre os homens e a paisagem. Assim, os adeptos da escola francesa levaram mais em consideração os componentes sociais e ideológicos da cultura e se mostraram sensíveis aos ensinamentos da etnografia e dos estudos folclóricos, adotando a linha de pesquisa de Brunhes e Deffontaines. No entanto, como o interesse pelas estruturas agrárias aproximou os trabalhos franceses e alemães, alguns estudos deixaram em segundo plano outros aspectos da cultura. Podemos resumir esse percurso com as palavras do próprio Claval, para quem [...] “Na França, fala-se de civilizações: se os povos diferem, é que eles se situam mais ou menos perto do progresso. Na Alemanha, destacam-se as diferenças que persistem entre povos igualmente civilizados: a noção de cultura aparece assim.” (2012, p. 9, tradução nossa).

7Em função das críticas sofridas por tentarem fazer uma ciência espacial, os geógrafos se voltaram para temáticas de cunho essencialmente social e romperam paradigmas tradicionais. Passaram a ver a consciência da cultura como fator que molda a diversidade da organização da dinâmica espacial e, entre os anos 1970-1980, embarcaram em uma verdadeira virada cultural pós-moderna. Abraçaram filosofias humanistas, adotaram o existencialismo, a hermenêutica, a fenomenologia em busca de uma abordagem da análise social contemporânea, que, como observa Hall (1997, p. 27), vê a cultura como uma condição constitutiva da vida social, ao invés de uma variável dependente dela.

8No entanto, foi nos Estados Unidos, onde a escola de Berkeley fundada por Sauer ditava as normas na Geografia Cultural, que a virada cultural realmente ocorreu. O artigo “O supra-orgânico na Geografia Cultural”, publicado pelos britânicos Denis Cosgrove e James Duncan levou ao surgimento da Nova Geografia Cultural: uma renovação interna que admite os estudos culturais do ponto de vista crítico, com influências do pós-modernismo e do pós-estruturalismo nas Ciências Sociais, entre outras correntes.

9Guy Di Méo considera que, a partir do final do século XX, a “[...] Geografia Cultural se inscreve em uma corrente que questiona as concepções positivistas da ciência em geral e da geografia em particular” e avalia que isso pode ser positivo desde que “cultura não seja concebida como uma determinação definitiva das relações humanas e da sua dimensão espacial” (Di Méo, 2010, p. 7, tradução nossa). Para ele, a virada cultural na Geografia realçou a importância dos símbolos para os seres humanos, compreendidos nas suas vidas e nos seus espaços cotidianos.

10Na atualidade, Almeida (2008) destaca a contribuição dos geógrafos franceses Armand Frémond, Paul Claval e Jean Gallais como os primeiros a insistir sobre a valorização da experiência humana dos lugares, das paisagens e do espaço, procurando redescobrir uma géographie à visage humain, questionando o espaço vivido e o espaço percebido.

11A definição da Geografia Cultural como o campo da Geografia em que as realidades sociais são explicadas através da cultura (Claval, 1999), mesmo sucinta, já indica o nível de abrangência da área e a dificuldade que tivemos em compreendê-la no âmbito das Ciências Humanas e Sociais. A própria definição refere a um amplo leque de possibilidades através da expressão “realidades sociais”, que pode dizer respeito a muitos fenômenos e situações da sociedade, e também da palavra “cultura”, por si só polissêmica (Corrêa, 2009). Entendendo que ela se compõe de uma rede de relações e que seu valor está justamente nessa feição característica, identificá-la – priorizaremos a escola francesa – é o primeiro passo para nosso estudo terminológico.

Terminologia e Linguística de Corpus

12Para esta abordagem exploratória da terminologia da Geografia Cultural, baseamo-nos na Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT) (Cabré, 1993; 1999) e nos aportes metodológicos da Linguística de Corpus (Berber Sardinha, 2000).

13Segundo Krieger & Finatto (2004, p. 13), a Terminologia é “campo de conhecimento que toma o chamado léxico especializado como seu objeto principal de interesse”; o termo terminologia tem valor polissêmico, pois “tanto pode significar os termos técnico-científicos, representando o conjunto das unidades lexicais típicas de uma área científica, técnica ou tecnológica, quanto o campo de estudos”. As unidades terminológicas dos textos especializados são nós conceituais de suas áreas e fazem parte da linguagem natural e da gramática que descreve a língua. Não são unidades autônomas que formam um léxico especializado diferenciado, e seu caráter de termo não se dá por si, mas em função do uso de uma unidade léxica em um contexto expressivo e situacional determinado. Os termos não pertencem a um âmbito específico, mas são utilizados em um campo com um valor singular dado através e somente naquele ambiente textual (Cabré, 1999, p. 123-125).

14Para a TCT, as unidades terminológicas são poliédricas e podem ser analisadas a partir de três ângulos: linguístico, cognitivo ou comunicativo. Na face linguística, a identificação e descrição e/ou análise dos termos ou de outras unidades especializadas partem do texto produzido por especialistas, pois é no seu contexto de uso real, in vivo, que se estabelece seu valor especializado. Na face cognitiva, diferem-se os conhecimentos especializado e não especializado. Finalmente, na perspectiva da comunicação, identificam-se os diferentes contextos situacionais em que as unidades são utilizadas e, portanto, os aspectos pragmáticos (âmbito, temática, tipo de texto, funções do texto, interlocutores, etc.) que interferem no uso. Logo, os termos relativos à Geografia Cultural nada mais são que as palavras da língua comum inseridas em um contexto científico-informativo que lhes confere valor terminológico. Por exemplo, a palavra lieu pode assumir tantas acepções em outros domínios e na língua comum quantas nos textos da Geografia Cultural. Termo e palavra diferem somente quanto ao ambiente em que ocorrem, e é por essa razão que sempre vai haver semelhanças e fenômenos comuns entre um e outro, como a polissemia.

15Em razão disso, a análise do comportamento dos termos em seus contextos de ocorrência tornou-se um princípio metodológico para a investigação. Deve-se olhar para o todo do ambiente especializado estudado, não apenas para a “materialidade” linguística do texto em questão, muito embora seja dela que se depreendam os candidatos a termo, e também conhecer as convenções do gênero textual, para observar não só o contexto de onde emergem os termos mais frequentes, mas as especificidades de cada área, decisivas na constituição do valor especializado que adquirem essas unidades lexicais (Krieger; Finatto, 2004).

16Levando em consideração a abordagem (con)textual do estudo terminológico, a metodologia da Linguística de Corpus (LC), que “prioriza o modelo de língua que considera três aspectos principais: o desempenho dos falantes, os fatos psicológicos da competência individual juntamente com os fatos sociais da língua como sistema” (Stubbs, 1996), embasa nossa pesquisa. Segundo Berber Sardinha (2000), a LC se ocupa da coleta e exploração de corpora – conjuntos de dados linguísticos textuais coletados para servir para a pesquisa de uma língua ou variedade linguística – e explora a linguagem através de evidências empíricas, extraídas através de coletâneas de textos arquivados e processados por programas informatizados, partindo do princípio de que é no contexto que se configura o significado.

17Dessa forma, para que o corpus desta pesquisa – mesmo sendo um constructo “artificial” – fosse ilustrativo, buscamos compilar textos autênticos, isto é, provenientes de um ambiente em que a linguagem especializada da área fosse abundante e dos quais naturalmente pudessem ser depreendidos os modos de dizer da área. Tal compilação – de onde emerge a linguagem da área de forma natural e abundante – e a consequente constituição do corpus com esses materiais são passos indispensáveis para a realização de um estudo que vise levantar a terminologia de uma área cuja linguagem ainda não foi estudada, como é o caso da Geografia Cultural.

18Da observação dos textos especializados que compõem o nosso corpus interessa-nos lembrar que não são constructos fixos que apresentam conceitos rígidos e prontos, mas um meio de manifestação de correntes, filiações teórico-metodológicas, ideologias e opiniões muito particulares de seus autores, sobretudo no caso de uma área como a Geografia Cultural, que interage com outras. Ainda que divulgados seguindo indicações de edição de uma dada publicação, deles podem emergir diferentes maneiras de observar o mesmo conceito, ou de conceitualizar o mesmo objeto de observação. Serão sempre apreensões “particulares” do mundo.

19Observamos então que, tal como em muitas outras áreas relacionadas às Ciências Humanas, os artigos da Geografia Cultural apresentam características de uma área de interface e não seguem um rígido padrão macroestrutural. Justamente por isso é imprescindível a observação dos termos nos textos, pois só através deles é possível identificar a terminologia. Em outras palavras, buscamos compreender o nível conceitual dos termos a partir da observação dos cotextos e contextos de ocorrência e de uma busca por contextos definitórios que “express[em] um determinado saber, uma porção de conhecimento especializado. Esse enunciado envolve, portanto, uma representação conceitual particular, vinculada a um saber técnico, científico ou tecnológico [...]” (Finatto, 2004, p. 74).

Metodologia

  • 2 Para mais informações sobre o estudo-piloto, ver Brum, 2015..

20A pesquisa realizada seguiu o quadro teórico-metodológico que prioriza a comunicação especializada em contexto real de uso, a TCT (Cabré, 1993) e utilizou, como principais ferramentas, uma amostragem dessa comunicação em um conjunto de textos atuais e um software de análise textual, em três etapas: leitura de textos da área para melhor caracterizá-la; construção de uma árvore de domínio, através da qual foi possível observar com que outras áreas da Geografia esta abordagem se relaciona e o que ela estuda para, em etapa posterior, partir para a construção de um mapa conceitual. A metodologia e o software escolhidos para a realização do trabalho foram previamente testados num estudo-piloto2. Para contrastar a linguagem da área com a linguagem comum, utilizamos também um corpus de referência.

21A partir da leitura de textos da área, da consulta a especialistas e da distribuição das áreas da CAPES, construímos uma árvore de domínio para observar como e onde a Geografia Cultural se situa no quadro das Ciências Humanas. A árvore é um diagrama que “serve para que o pesquisador possa compreender algumas hierarquias básicas e também situar um recorte do reconhecimento terminológico para seu dicionário” (Krieger; Finatto, 2004 p. 134) e serve como um instrumento auxiliar para coletar os candidatos a termo e para a posterior elaboração do mapa conceitual:

Fonte: Brum, 2015.

  • 3 Disponível em http://gc.revues.org/ Acessado em 30/06/2014.

22Para apresentar um esboço da configuração da terminologia da área, ao invés de estabelecer um recorte temático do corpus, fizemos uma observação “temporal” da publicação francesa Géographie et Cultures3. Entendemos que um olhar sobre a evolução da linguagem especializada utilizada nessa revista ao longo dos anos pode nos aproximar de uma visão tanto mais “global” quanto precisa da área como um todo.

23Para sua construção, coletamos todos os textos, de todas as seções, de todos os números disponíveis na página on-line da revista. O primeiro número disponível é o 1, de 1992, denominado Géographie et Cultures, e o último é o 84, nomeado Varia, de 2012, 20 anos de intensa produção no campo da Geografia Cultural. Contudo, há 15 anos de publicações indisponíveis para download – de 1992 até 2007. Mesmo com essa lacuna, consideramos a quantidade de números a que tivemos acesso suficiente para cumprir o objetivo do estudo.

24O procedimento inicial foi a coleta dos textos através de download. Para ter uma visão “panorâmica” da área, utilizamos todos os textos publicados nas diferentes seções da revista. Cada número da revista comporta 6 a 7 artigos, que seguem normas de publicação para artigos standard. As outras seções contêm diferentes tipos de textos: Lecture, resenhas; Film, sobre cinema; Note, formatos mais “livres”; L’écho de nos correspondants étrangers, apresentação dos países de correspondentes estrangeiros; Série, séries televisivas; Événement, sobre eventos que envolvam temática cultural; e Exposition, sobre exposições de arte.

25Como os textos coletados encontravam-se em formato .pdf, foram convertidos para .txt, formato lido pelo software AntConc utilizado para análise (Anthony, 2008). Depois de coletados, foram organizados em pastas, salvos, “limpos” (retirada das partes não textuais, cabeçalhos, folha de rosto, paginação, informações sobre os autores, resumos, notas de rodapé e referências bibliográficas, que não contêm informações relevantes para a coleta) e catalogados. Totalizaram 270 textos, com cerca de 1 milhão de palavras. Conforme a tipologia de Berber Sardinha (2004, p. 20-22), o corpus pode ser descrito como escrito por especialistas, sincrônico (de 1992 a 2012), selecionado por amostragem, com conteúdo especializado e monolíngue (francês).

  • 4 Disponível em http://wortschatz.uni-leipzig.de/ws_fra/ Acessado em 04/08/2014.
  • 5 Disponível em http://wortschatz.uni-leipzig.de/ws_fra/help.html Acessado em 04/08/2014.

26Para contrastar com o corpus de estudo, utilizamos um corpus de referência, isto é, um corpus em francês, de língua comum não especializada, que funciona como “termo de comparação para a análise” (Berber Sardinha, 2004, p. 97). Por ser livre e de fácil acesso, escolhemos o Corpus Francês da Universidade de Leipzig4, um dos maiores bancos de textos de língua francesa contemporânea, com 700 milhões de palavras compiladas de jornais francófonos5.

27A coleta foi feita com um programa específico para a pesquisa linguística em corpus informatizado, a ferramenta AntConc, um software de livre acesso e uso amigável, que oferece um conjunto de ferramentas que possibilitam diferentes opções de pesquisa de itens lexicais: listador de palavras, Wordlist; concordanciador, Concordance; plotagem de concordâncias, Concordance Plot; visualizador do contexto ampliado, File View; gerador de cluster e de N-gramas, Clusters e N-grams; e identificador de colocados, Collocates.

28Para a coleta dos candidatos a termo, os procedimentos abrangeram duas etapas não estanques e que muitas vezes se confundiram: coleta e análise, ambas assistidas pelo software AntConc e à luz da árvore de domínio:

    • 6 Tokens se refere ao número total de palavras, enquanto types se refere aos tipos diferentes.

    produção de uma lista de palavras e contagem de types e tokens (49.753 e 1.048.618 respectivamente)6, além do rank de frequência, isto é, listagem em ordem da palavra mais frequente à menos frequente, e frequência;

  1. escolha das 30 palavras lexicais mais frequentes;

  2. produção de concordâncias com essas palavras;

  3. plotagem das concordâncias, com a distribuição dessas palavras nos textos do corpus;

  4. exame do contexto das 30 palavras de frequência e distribuição significativas;

  5. geração progressiva de clusters, isto é, combinações de palavras que se repetem no corpus, começando com bi-gramas.

  6. identificação de colocados: listagem das palavras mais frequentes que coocorrem com a palavra de busca.

29À medida que esses procedimentos foram aplicados, surgiram novas pistas para a coleta de candidatos a termos e os procedimentos se repetiram. Finda essa etapa, procedeu-se à validação dos candidatos:

  1. busca no corpus de referência: procedeu-se à avaliação dos dados coletados em primeiro lugar recorrendo ao corpus de referência. Para tanto, usamos cada provável termo como nódulo de busca de uma concordância, cujo contexto examinamos. Com isso, verificamos se o item pesquisado era uma palavra usada no corpus especializado com seu significado lexicográfico, isto é, como se encontra no dicionário de língua comum, ou se essa unidade lexical se referia a um conceito temático da Geografia Cultural.

  2. seleção e categorização dos itens a serem submetidos e organizados num mapa conceitual.

  3. construção do mapa conceitual.

30Apresentamos a seguir os resultados a que chegamos através dos métodos e procedimentos acima descritos.

Resultados

  • 7 Para o detalhe da coleta de dados, ver dissertação indicada à nota 4.

31Apresentamos uma tentativa de sistematização dos candidatos, visando sua posterior discussão e avaliação na discussão dos resultados. Por falta de espaço, não poderemos detalhar aqui a coleta dos dados7.

32Como um recurso operacional, procuramos categorizar os dados. Em uma primeira tentativa de organização, levamos em conta não só sua expressiva frequência, mas também o cotexto e contexto, não nos afastando da dimensão linguística e conceitual. Nessa perspectiva, destacamos espace, culture e homme como candidatos a palavras-chave da Geografia Cultural. Procuramos associar a cada uma dessas palavras os outros candidatos identificados como prováveis portadores de um significado especial na área. A palavra rapport não nos pareceu recobrir nenhum conceito especializado, mas sua elevada ocorrência no contexto de palavras que pareceram relevantes nos levou a incluí-la em nossa sistematização.

33Para fins operacionais de nosso levantamento das palavras que comunicam o pensamento especializado da área, dividimos as palavras encontradas em três grupos: entidades, qualidades e processos. Em nossa perspectiva, entendemos entidade como tudo aquilo que existe concreta ou abstratamente com atributos e funções que o individualizam. Qualidade é o atributo característico de uma entidade, e processo define as atividades realizadas em/com/por entidades.

34Desse modo, chegamos a uma categorização das principais palavras que, em um primeiro momento, pareceram prováveis candidatos a figurar como raiz de desdobramentos fundamentais de uma terminologia da área.

Tabela 1 – Categorização dos dados

ENTIDADES

QUALIDADES

PROCESSOS

OUTROS

aire

altérité

agencement

pratique

ambiance

identité

aménagement

rapport

culture

spatialité

appropriation

système

environnement

territorialité

déterritorialisation

processus

espace

urbanité

différenciation

catégorie

finage

géographicité

gentrification

 

habitat

 

médiance

 

héritage

 

métropolisation

 

homme

 

mitage

 

imaginaire

 

représentation

 

lieu

 

restauration

 

milieu

 

spatialisation

 

nature

 

symbolisation

 

patrimoine

 

territorialisation

 

paysage

 

urbanisation

 

région

 

 patrimonialisation

 

réseau

 

 

 

Site

 

 

 

symbole

 

 

 

temps

 

 

 

territoire

 

 

 

tradition

 

 

 

Fonte: Brum, 2015.

35Os procedimentos de coleta mostraram que muitas palavras se desdobram em sintagmas e combinatórias maiores. Para ilustrar essa situação, podemos citar a primeira palavra-chave analisada – espace – a partir da qual identificamos 12 combinatórias, além de outras palavras-chave, como spatialité, spatialisation que também derivam, como espace, do latim spatium – logo, pertencem ao mesmo campo semântico. Verificamos um sem número de relações entre os termos (por exemplo, a expressão aménagement de l’espace), o que demonstra não só os desdobramentos de um termo como também uma intricada relação entre eles. Em outras palavras, muitas vezes os candidatos iniciais listados na tabela acima se relacionam e se associam, formando outros candidatos.

36Dessa forma, entendemos que a terminologia da Geografia Cultural forma uma ampla rede de ideias que se sobrepõe e interliga. Essa rede implica uma infinidade de possibilidades: os termos se adaptam, se desdobram e se modificam de acordo com as temáticas abordadas, adquirindo sob cada enfoque um novo valor. A coleta exemplificada acima forneceu os dados e os elementos para a análise e discussão que seguem.

37A árvore de domínio que construímos nos ajudou a situar a Geografia Cultural e permitiu compreender e organizar algumas relações básicas da área, como sua inserção nas Ciências Humanas e nos estudos geográficos e seus desdobramentos temáticos. Ela apresenta uma sugestão dos temas estudados – gênero, perdas e produções de sentido, simbolismo das paisagens, religiões, festas, conflitos culturais, microterritorialidades, percepções e representações culturais, identidades territoriais, multiterritorialidades, comunicações, consumo, indústria e artes – que se aproximam muito dos assuntos tratados pelos textos que compõem nosso corpus. Na coleta de dados, alguns apareceram como candidatos a termo, como identité territoriale, ou ocorreram no contexto dos candidatos, como symbolisme.

  • 8 Corpus de Leipzig, disponível em http://wortschatz.uni-leipzig.de/ws_fra/ Acessado em 13/11/2014.

38Retomamos essa esquematização dos temas e a cotejamos com os dados obtidos na pesquisa, de modo a compatibilizá-los. A partir desse ponto, expandimos as buscas, extrapolamos a horizontalidade das linhas de concordância do corpus de estudo e fomos além da observação dos contextos definitórios nele presentes: passamos a analisar os resultados a fim de validá-los, seja através de buscas das palavras-chave no corpus de referência8, seja no referencial bibliográfico, seja consultando especialistas da área.

39Essa retomada forneceu dados relevantes e confirmou a infinidade de relações e desdobramentos entre os temas e candidatos a termo: primeiramente, entendemos que espace merece ser eleito como candidato por excelência: mais alta frequência no corpus. Muito embora a frequência não seja o valor prioritário decisivo em terminologia, ela é, sem dúvida, um forte indício na seleção de candidatos. Só em títulos de textos do corpus, a palavra espace aparece 22 vezes. A condição de nomear um texto e ser seu tema sugere que seja portador de valor especializado.

40Sendo o espaço um ponto de partida para que os geógrafos estudem a sociedade, para onde seus olhares e pesquisas se voltam, certamente se trata de um nó conceitual na estrutura de conhecimento da Geografia e da Geografia Cultural. Contudo, como fazemos uma análise fundamentalmente terminológico-textual, buscamos comprovações a partir do estudo com corpus. Assim, a ocorrência de espace no singular e espaces no plural nos levou a levantar algumas hipóteses: espace no singular seria a ideia de espaço na geografia, um sinônimo de espaço geográfico, isto é, o espaço físico, caracterizado por seus atributos físicos. Já espaces seria a ideia geral de espaços categorizados por atributos não materiais. Para Michel Lussault e Jacques Levy, por exemplo, também existem diferentes tipos de espaços (Lussault, 2007, p. 40, tradução nossa).

41Assim, percebemos que haveria diferentes instâncias da realidade geográfica. Ou seja, dentro ou a partir de espace, temos lieu, aire, réseau e ainda territoire, que o próprio autor chama, em seguida, de “idéal-type ou tipo ideal. Ainda segundo Lussault, precisamos compreender, através desses três conceitos fundamentais, o que o homem faz com o espaço organizado. Lieu diz respeito à subjetividade e à afetividade do ser humano em relação ao espaço; aire trata da compreensão em polígono, isto é, uma região, uma parcela agrícola, um país, com contornos bem precisos; por fim, réseau tange a uma série de pontos conectados. Vemos então três outros candidatos a termo da Geografia Cultural ligados também a territoire, palavra a que chegamos durante as pesquisas com o corpus de estudo e que parece refletir esse espaço marcado pelo exercício do poder. 

42Para complementar a discussão, examinamos espace no corpus de referência e vimos que ocorre 90.465 vezes. Consultamos o Dictionnaire de la géographie et de l’espace des sociétés, de Lévy e Lussault, onde há uma categoria intitulada “Théories de l’espace” a partir da qual são listados mais de 100 termos, que coincidem com o que encontramos: aire culturelle, aménagement du territoire, capital spatial, corps, cospatialité, déterritorialisation, différentiation spatiale, échelle, espace public, espace vécu, gentrification, géographicité, identité spatiale, imaginaire, lieu, médiance, milieu, paysage, répresentation de l’espace, réseau, spatialité, territoire, territoriale, territorialité, urbain, urbanisation, urbanité, valeur spatiale, ville. Os dados confirmam que espace é um dos termos mais significativos e um eixo temático sobre o qual é feita uma análise cultural-geográfica.

43Observamos também a ocorrência de outras palavras (effet, processus e pratique) que, devido à frequência alta, poderiam ser nódulos conceituais da área. Contudo, ao examinar seus contextos, concluímos que essas palavras exigiam um argumento que completasse seu sentido, por exemplo: pratiques aménagistes, pratiques sociales, pratiques spatiales, effets de la globalisation, processus de térritorialisation, processus sociaux, processus culturels. Compreendemos então que se trata de atividades e ações cujas consequências afetam o espaço.

44Nesse mesmo contexto, destacamos a palavra rapport, que ocorre 193 vezes no corpus. Seus múltiplos contextos sugerem também a maneira como a Geografia Cultural vê o relacionamento do homem e o espaço.

45Percebemos que a linguagem da Geografia Cultural é basicamente a mesma da língua comum: as denominações usadas para o espaço geográfico, por exemplo, são aquelas presentes em qualquer compêndio popular de geografia: rio, mar, porto, paisagem, ilha, continente, território, entre outros, são conceitos geográficos. No entanto, o relacionamento (rapport) do homem/sociedade com esses espaços e as ações que o afetam no tempo adquirem outra significação em uma perspectiva própria que se caracteriza por ser multidisciplinar, diferente daquela adotada em outros âmbitos da Geografia. Essa interdisciplinaridade e o fato de se ocupar de análises qualitativas a tornam um verdadeiro carrefour de Ciências Humanas, Sociais e da Terra e, evidentemente, implicam uma terminologia que também perpassa uma infinidade de áreas.

46Além de espace, estão entre as palavras mais frequentes do corpus: corps, culture e temps, que consideramos igualmente como eixos da área. A presença de palavras como corps (frequência 948) em contextos em que também ocorrem espace, monde naturel e culture, além de société e géographie, indica que a frequência não só é representativa como reflete seu valor dentro dos textos. Essa avaliação foi corroborada por um artigo (Di Méo, 2010) em que o autor defende a ideia do corps humain como objeto geográfico e a íntima relação desse termo com outras palavras que consideramos chave, como espace, paysage, milieu, symbole, identité, société, territoire, nature.

47Por fim, concluímos que, como o próprio nome da área sugere, sua frequência e a de seus derivados no corpus e toda a infinidade de textos produzidos refletindo sobre ela, culture é a palavra que, juntamente com espace, ancora os estudos e, logo, as outras relações linguísticas que encontramos. Segundo Corrêa (2009), o termo cultura é portador de muitas acepções e é tanto empregado na linguagem comum quanto no âmbito científico. Além disso, ele afirma que, mesmo nas Ciências Sociais, esse termo é considerado polissêmico e gerador de muitos debates. Em função justamente de também serem palavras da linguagem não especializada e de outras áreas técnicas ou científicas, o mesmo acontece com outros candidatos a termo da área, como espace, lieu, corps, milieu, réseau. Talvez seja para elucidar as possíveis questões ligadas a isso que existam tantos textos da área que se debruçam sobre “conceitos” e “temas” da Geografia Cultural (por exemplo, Cosgrove, 1983; Corrêa, 2009).

48Parece-nos evidente também que, neste área, culture está a serviço de um olhar geográfico, que não analisa mais os espaços (espaces) sem a interferência do homem (homme); isto é, suas marcas, suas ações, visões (représentations, perceptions identités), relações (rapports), quer seja na natureza (nature) ou noutro meio ambiente (environnement), através dos grupos (groupes) e das sociedades (sociétés) – formas de construir uma ou mais cultures que modificam uma geografia. Os caminhos se bifurcam e os conceitos se ampliam e se entrelaçam e não é possível determinar ou delimitar fronteiras entre eles. Isso sem dúvida dificultou muito nossa ambição de construirmos um mapa conceitual da área, mas mesmo assim, apresentamos o que nos pareceu ser grosso modo a Geografia Cultural através da sua linguagem e terminologia.

49Antes disso, porém, apresentamos o conjunto dos termos coletados:

Tabela 2 – Conjunto de termos coletados

aire

espace public

patrimoine national

altérité

espace régional

paysage

aménagement

espace rural

place

appropriation

espace social

plage

choc de culture

espace subjectif

rapports

contre-culture

espace temporel

région

corps

espace urbain

regional (adj)

culture

espace vécu

régionaliser

culture de consummation

espace virtuel

représentation

culture dominante

espace-temps

réseau

culture élitaire

fleuve

savoir géographique

culture populaire

gentrification

site

culturel (adj)

heritage

sous-culture

déterritorialisation

homme

symbole

différenciation

homme spatial

symbolisation

environnement naturel

identité

terre

environnement social

identité culturelle

territoire

environnement urbain

identité territorial

territorialisation

Espace

imaginaire

territorialisation

espace construit

lieu

terrtitorialité

espace culturel

médiance

tradition

espace de nature

mer

urbain (adj)

espace géographique

millieu

urbain (nom)

espace ludique

mitage

urbanisation

espace matériel

nature

urbaniser

espace metaphysique

patrimoine

urbanité

espace naturel

patrimoine culturel

urbanité consommatoire

espace politique

patrimoine mondial

urbanité déambulatoire

urbanité vernaculaire

Fonte: Brum, 2015.

50Por fim, elaboramos o mapa conceitual, esquema que busca mostrar sistematicamente os conceitos de uma área, ou seja, trata-se de um instrumento para auxiliar a compreensão e suas relações. Representamos aqui nossa visão dos conceitos da Geografia Cultural, como se estruturam e se interligam, e a submetemos à avaliação dos especialistas para correção e refinamento.

Figura 2 – Mapa conceitual da Geografia Cultural

Figura 2 – Mapa conceitual da Geografia Cultural

Fonte: Brum, 2015.

51As relações entre os conceitos básicos identificados na Geografia Cultural sistematizadas acima não se esgotam com essa representação gráfica; tampouco registram a totalidade de termos da área. Com o auxílio dos especialistas da área, este mapa poderá ser aperfeiçoado, destacando melhor o vínculo entre a natureza, o homem e a sociedade, questionamento de base da disciplina. Do mesmo modo, poder-se-á precisar a significação das setas, relação de causalidade, com reciprocidade para as setas de dupla direção ou, mais simplesmente, vínculo lógico que hierarquiza as rubricas. Por essa razão, consideramos este mapa como o marco inicial para estudos futuros.

52No centro e no topo da imagem, está o nome da área, início da sistematização dos termos. Uma linha vertical parte de Géographie Culturelle e interliga os três termos referentes aos conceitos considerados mais relevantes nas nossas buscas: homme, espace e culture. Eles se relacionam num sentido de mão dupla, indicado pela seta com duas pontas. Depreendemos que o espace, isto é, o lieu onde está o homme, é constantemente marcado e modificado por ações influenciadas e determinadas pela culture, concebida como um amálgama de componentes materiais, intelectuais e simbólicos. Logo abaixo de Géographie culturelle, temos Homme, que se relaciona com Espace e todos os outros termos da área. A Geografia Cultural nasce da Geografia Humana, de uma Antropogeografia, logo, Homme é central nos estudos da área.

53Acima de Homme e Espace, situamos site, paysage, lieu, réseau, terre, milieu, place. Estes termos também se inter-relacionam com todos os demais, como marcam as setas entre eles e sua ligação com Espace. Sua posição diferenciada indica que os compreendemos como diferentes categorias de espaces.

54Em seguida, à esquerda, termos derivados de uma subjetividade do espace, constituídos pelo bloco encimado por espace virtuel. Compreendemos territoire como uma categoria de espace, porque o vemos marcado pelo poder e o situamos partindo de espace politique, assim como région. Então, temos, respectivamente, régional, régionaliser e territorialité. Ainda temos, aqui, espace regional.À direita de espace, situamos os espaces matériels, com o bloco iniciando por espace public e espace construit. Derivado de espace urbain, temos urbain, urbaniser e urbanité. Temos ainda environemment urbain, urbanité consommatoire, urbanité déambulatoire e urbanité vernaculaire representando categorias de urbanité focalizadas pela GC.

55Em um bloco separado, há espace de nature e espace naturel em relação com nature. Embora etimologicamente pareçam sinônimos, pareceram referenciar dois conceitos diferentes. Na sequência, environemment naturel, que inclui fleuve, mer, plage; em um corpus mais amplo do que o nosso, provavelmente incluiríamos as entidades tradicionalmente elencadas pelos estudos geográficos convencionais. De culture e société alcançamos espace social e environemment social.

56Homme está ligado a todos os outros através de culture. Nessa ligação está um savoir géographique cuja explicação foge de nossa alçada e cabe ao especialista apresentar. Partindo de homme, temos também corps, culture e espace, homme spatial. A presença do homem se faz sentir no lado direito do mapa. Diretamente da relação homme-culture: alterité, heritage, identité, imaginaire, patrimoine, symbole, tradition e os respectivos desdobramentos – identité culturelle e identité territorial; e patrimoine, patrimoine culturel, patrimoine mondial, patrimoine national.

57Saindo de culture, mas também em relação a homme, temos choc de culture, contre-culture, culture de consommation, culture dominante, culture élitaire, culture populaire, culturel e sous-culture. Partindo da temps temos ainda espace-temps e espace temporel.

58Nosso mapa pretende demonstrar que partimos de espace para organizar os processos e categorias que resultam do “rapport de l’espace et culture”. Por essa razão, os processos ou ações – rapports ­­– estão no último bloco de termos na área central inferior. Pretendem representar ações geradas pela interface temps, homme, nature e société (e de algum modo, seus desdobramentos). Desse complexo inter-relacionamento resultam desdobramentos que não aparecem na figura, como, por exemplo, aménagement de l’espace, répresentation de l’espace, entre outros. Contudo, pretendemos demonstrar uma ampla gama de possibilidades através das setas que ligam as ações aos “grandes” termos da área.

Considerações finais

59Nossa ideia inicial era construir um glossário bilíngue da Geografia Cultural. Contudo, durante o reconhecimento inicial da área e as primeiras leituras, julgamos necessária a execução de um estudo piloto que testasse a viabilidade de nossas ambições. Com os resultados desse estudo preliminar, realizado com um corpus bilíngue, ficou claro que seria necessário limitar nosso objetivo dada a inexequibilidade da tarefa em apenas dois anos. A proposta inicial de construir um glossário bilíngue foi revista e se transformou no levantamento monolíngue aqui apresentado.

60Embora o estudo piloto tenha auxiliado muito no replanejamento dos objetivos de pesquisa, ele não esgotou nosso estudo da área. Na verdade, a primeira dificuldade encontrada na realização do trabalho foi nossa limitação como leiga na área de Geografia Cultural e em algumas áreas com que ela estabelece relações muito próximas. Dessa forma, todo o trabalho foi um movimento constante de leitura, pesquisas e intensas trocas com os especialistas da área. A esse respeito, retomamos Barros (2004, p. 192-193), para quem “[...] Um terminológo é um cientista da linguagem capaz de, entre outras coisas, elaborar todo tipo de obra terminográfica. De acordo com sua formação teórica e experiência prática, pode estar mais ou menos preparado para enfrentar certas empreitadas”, porém “um menor grau de experiência não significa incapacidade de obtenção de bons resultados em seus projetos, ao contrário, é na prática que se validam os modelos teóricos e se verifica sua funcionalidade”.

61Acreditamos que o cerne deste trabalho se encontra nesse movimento. Mais do que elaborar um trabalho terminológico de uma área científica, como nos propusemos inicialmente, o que fizemos foi mergulhar na Geografia Cultural. Foi necessário construir um conhecimento sobre ela – através da sua linguagem – antes de nos aprofundarmos em sua terminologia.

62No decorrer da pesquisa, percebemos outra limitação importante. Por se tratar de uma área abrangente e em expansão, além de inovadora, vimos que o corpus, composto por apenas uma revista – mesmo que seja uma das mais representativas na área – ofereceu somente um recorte do que se produz na perspectiva da Geografia Cultural francesa. Temos, com esse trabalho, um levantamento terminológico da linguagem utilizada dentro dos limites da revista Géographie et Cultures. Isso não significa que não retrate a linguagem especializada da área, mas um estudo posterior que se queira mais amplo deverá prever uma ampliação do corpus abrangendo outras fontes.

63A Geografia Cultural vai ao encontro da nossa visão de ciência, que busca rumar para um horizonte que atenda e apreenda as complexidades humanas e científicas. Como sabemos, o que se convencionou chamar de ciência moderna possibilitou um grande progresso tecnológico à humanidade, mas esse progresso demanda atualmente uma contrapartida à altura do ponto de vista social e humano.

64O modelo científico, ideológico e econômico do atual projeto capitalista, praticado nos territórios de vários países, tem se expandido como pensamento colonizador único entre demais povos do planeta. Além disso, os aportes culturais, educativos, teóricos, epistemológicos e, sobretudo, científicos desse modelo se revelam incapazes de gerar um novo processo civilizatório. Dessa maneira, os modelos e técnicas científicos alinham-se, muitas vezes, ao projeto conservador capitalista excludente ao apenas produzirem propostas de “eficiências pragmáticas” (ações técnicas para compreensão dos territórios, pessoas e culturas desde o centro até os países periféricos, valorizando, assim, ações de colonizações culturais e conservação de todo um processo de desigualdade da vida humana e planetária (cf. MORIN, 2003).

65Por outro lado, frente ao grande acúmulo de conhecimento já produzido pelo campo científico crítico mundial, já é possível pensar na construção de um novo ordenamento político, econômico, social e educativo, enfim, em um novo projeto civilizatório que, enquanto síntese cultural para a libertação e emancipação humana e planetária, não negue, mas produza novos horizontes para as ciências, a cultura, a economia, a política e educação das gentes. É na afirmação desse novo projeto civilizatório que a Geografia Cultural inscreve-se como possibilidade de pensar a territorialidade global em relação com as múltiplas diversidades culturais produzidas pelas diversas e diferentes gentes do planeta.

66Notamos que há um vasto campo de superações no paradigma científico da Geografia Cultural, o qual pode ser expresso, de forma geral, por um grande apelo a que a ciência se veja não mais como um campo disciplinar isolado e apartado das demais elaborações humanas. Como vimos, a Geografia Cultural é uma construção interdisciplinar do conhecimento, que não remete a um discurso teórico apenas, mas a uma atitude dos pesquisadores em suas áreas científico-disciplinares e constatamos, com este estudo linguístico, que a vertente denominada Geografia Cultural está em vivo diálogo epistemológico-científico com todas as Ciências Sociais e Humanas.

67Todos esses motivos nos sensibilizaram para o fato de que, para além da relevância de todos os processos dessa pesquisa terminológica – e isso implica a eficiência pragmática a que nos referimos acima –, foi significativo olhar para a Geografia Cultural como um campo do conhecimento capaz de fazer emergirem as complexidades humanas nas diversidades que compõem o mosaico dos saberes humanos. Por isso, mesmo sendo este um trabalho de terminologia, todo o empenho intelectual canalizado para entrar na área com a qual tecemos uma interface acaba por nos sensibilizar para as questões que ela estuda.

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Notes

1 NEER. Núcleo de Estudos em Espaço e Representações. Disponível em: http://www.neer.com.br/home/?page_id=24. Acessado em 25/09/2012.

2 Para mais informações sobre o estudo-piloto, ver Brum, 2015..

3 Disponível em http://gc.revues.org/ Acessado em 30/06/2014.

4 Disponível em http://wortschatz.uni-leipzig.de/ws_fra/ Acessado em 04/08/2014.

5 Disponível em http://wortschatz.uni-leipzig.de/ws_fra/help.html Acessado em 04/08/2014.

6 Tokens se refere ao número total de palavras, enquanto types se refere aos tipos diferentes.

7 Para o detalhe da coleta de dados, ver dissertação indicada à nota 4.

8 Corpus de Leipzig, disponível em http://wortschatz.uni-leipzig.de/ws_fra/ Acessado em 13/11/2014.

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Table des illustrations

Crédits Fonte: Brum, 2015.
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Titre Figura 2 – Mapa conceitual da Geografia Cultural
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Pour citer cet article

Référence électronique

Raquel Moraes de Brum et Patrícia Chittoni Ramos Reuillard, « Terminologia da geografia cultural: estudo preliminar »Confins [En ligne], 50 | 2021, mis en ligne le 03 juin 2021, consulté le 09 décembre 2024. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/36634 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/confins.36634

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Auteurs

Raquel Moraes de Brum

Mestre em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), raquelmbrum@gmail.com

Patrícia Chittoni Ramos Reuillard

Professora do Programa de Pós-Graduação em Letras e do Depto de Línguas Modernas do Instituto de Letras da UFRGS, patricia.ramos@ufrgs.br

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