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Dossiê geografia regional 2

A natureza e a região na Amazônia: zoneamento ecológico-econômico e políticas de desenvolvimento regional

Nature and region in the Amazon: ecological-economic zoning and regional development policies
La nature et la région amazonienne : zonage écologique et économique et responsables du développement régional
Anna Carolina de Abreu Coêlho, Rafael Gonçalves Gumiero, Sergio Moreno Redón et Andréa Regina de Britto Costa Lopes

Résumés

L’objectif est de comprendre la nature et la région amazonienne, en discutant les possibilités et les limites des politiques de zonage écologique et économique et de développement régional. En se basant sur une interprétation des relations espace-temps en Amazonie, en développant des récits et des représentations du temps et en discutant d'analyses scientifiques plus récentes, il est demandé de réfléchir aux alternatives et aux implications posées à la fois du point de vue du problème environnemental et de la question régionale minimiser les inégalités sociales, économiques et culturelles qui persistent et marquent profondément les tropiques humides.

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Texte intégral

  • 1 Este artigo contou com a leitura crítica e contribuições do Prof. Dr. Eudes Leopoldo.

1A partir de uma interpretação das relações espaço-tempo na Amazônia, desenvolvendo narrativas e representações da época e debatendo análises científicas mais recentes, busca-se pensar as alternativas e implicações colocadas tanto na perspectiva da problemática ambiental quanto no sentido da questão regional, que permitam minimamente mitigar as desigualdades sociais, econômicas e culturais que persistem e marcam profundamente o trópico úmido. O objetivo é compreender a natureza e a região na Amazônia, discutindo as possibilidades e limites do zoneamento ecológico-econômico e das políticas de desenvolvimento regional1.

2Aqui, a Amazônia é compreendida como “uma parte da totalidade” (Lencioni, 1999), especialmente na contemporaneidade, tendo em vista que ela está cada vez mais enredada nos processos de homogeneização, fragmentação e hierarquização do espaço mundial. E, simultaneamente, a Amazônia é interpretada como “um artefato” (Haesbaert, 2010), isto é, não é apenas um recorte, uma representação, mas também é um fato, uma realidade diferencial, bem como um instrumento de luta e intervenção. Portanto, a região é pensada a partir de uma “teoria regional crítica”, na medida em que aparece como “categoria reveladora das diferenças e contradições da sociabilidade capitalista contemporânea” (Leopoldo, 2018, p. 534).

3Já a natureza da Amazônia é lida como “produto da história humana”, posto que “a natureza é concebida como incluindo internamente um processo de objetivação do homem, que é, ao mesmo tempo, um processo de subjetivação; este, por sua vez, se desdobra em estranhamento e apropriação individual e social” (Damiani, 2012, p. 266). A partir dessas perspectivas teóricas e de uma ótica interdisciplinar, discutimos o zoneamento ecológico-econômico e as políticas de desenvolvimento regional como instrumentos reais para a efetivação de mudanças na Amazônia, ressaltando suas possibilidades e limites. Bem como, salientamos a necessária compreensão da articulação de ambos os instrumentos para avançar no desenvolvimento de uma região menos desigual.

O espaço-tempo na Amazônia

4Em 1889, durante a Exposição Universal de Paris destacava-se no pavilhão brasileiro, idealizado pelo arquiteto francês Louis Dauvergne, seis estátuas indígenas representando os principais rios brasileiros: Paraná, Amazonas, São Francisco, Paraíba, Tietê e Tocantins; podendo ser lidos como a própria definição do território nacional e os caminhos naturais de comunicação entre os espaços (Barbuy, 1996). Essa foi a última representação do império brasileiro no exterior (Figura 1), sendo que nos fins desse mesmo ano houve a mudança de regime (Barbuy, 1996). No entanto, os rios e o território continuaram a ser tema de inúmeros estudos que tratavam de questões inerentes a nacionalidade ou as possibilidades de desenvolvimento de localidades específicas durante a república como as obras As regiões amazônicas (1896) do Barão de Marajó e A Amazonia (1892) de José Veríssimo.

Figura 1 – Le pavillon de l'Empire de Brésil- Exposition universelle

Figura 1 – Le pavillon de l'Empire de Brésil- Exposition universelle

Fonte: Dessin d'après nature, de M. Dosso. Disponível em: https://www.alamy.com/​4-paris-exposition-universelle-le-pavillon-de-lempire-de-brsil-dessin-daprs-nature-de-m-dosso-image189264870.html.

5Essas obras se inserem em uma extensa teia discursiva sobre o rio Amazonas, iniciadas com os relatos de viajantes, como os de Gaspar de Carvajal e Cristóbal de Acunã, e acrescida com inúmeros viajantes que descreveram o vale do Amazonas como Alexandre Ferreira, Edward Willian, Paul Marcoy, François Biard, Alfred Russel Wallace, Henry Walter Bates, Robert Avé-Lallemant, Louis Agassiz, Orton James, Henri Coudreau e, o mais paradigmático de todos, Alexander Von Humboldt. Uma listagem de autores e obras era seguida de um comentário favorável ou não as obras dos viajantes estrangeiros, sendo de escritores brasileiros como Santa-Anna Nery, Barão de Marajó, José Veríssimo, Euclides da Cunha, entre outros. O diálogo com os estrangeiros teve papel fundamental na construção das hipóteses de interpretação nacionais, como exemplifica a História Geral do Brasil de Adolpho Varnhagen (Costa, 2006).

6No caso da Amazônia, o enfoque foi dado na opulência natural do vale amazônico. Há estudos específicos sobre esse tema, durante a primeira metade do século XIX, tais como Corografia Brasílica, escrito pelo padre Manuel Aires de Casal; Corografia Paraense, escrito por Ignácio Accioli Cerqueira e Silva; e Ensaio Corográfico, de Antônio Ladislau Monteiro Baena (Barros, 2006).

7Os livros As regiões amazônicas (1896) do Barão de Marajó e A Amazonia (1892) de José Veríssimo procuraram entender as grandezas naturais dos rios, cujo interesse advinha da perspectiva utilitária, por isso a navegabilidade do rio Amazonas possibilitaria que ele se tornasse um espaço de conexão global ou pelo menos entre os países da América meridional por meio da imigração, desenvolvimento comercial. O rio Amazonas com os seus inúmeros afluentes exemplifica uma natureza que propiciaria o estreitamento de relações sociais, culturais e da imigração.

  • 2 Segundo o Barão de Marajó, o Amazonas devia: “assegurar a imigração, a fácil colonização, a união p (...)

8O entrave ocorria da não utilização dessa natureza grandiosa pela inteligência humana. Um mundo “morto e inerte” da natureza deveria ser conectado por pessoas de diversos locais (especialmente a América), a partir dos rios da bacia amazônica2. No livro A Amazônia, José Veríssimo (1892) apresenta igualmente a navegabilidade como um atributo importante.

9Para além das possibilidades da navegação internacional pelo rio Amazonas, a fertilidade das terras seria outro fator que poderia favorecer o estabelecimento de uma grande civilização amazônica, tal como ocorreu às margens do rio Nilo. Para Veríssimo (1892), a Amazônia era um “dom” do rio Amazonas, tal como Heródoto havia proferido que o Egito era um dom do rio Nilo. Suas margens e várzeas baixas seriam propícias à cultura do arroz, de legumes peculiares aos climas quentes, além do café, da cana e do tabaco que foram cultivados no passado (Veríssimo, 1892).

10Veríssimo (1892) pensou a Amazônia como um lugar diferenciado do restante do Brasil tanto geograficamente (faz parte da Amazônia internacional, que compreende partes do Peru, Bolivia, Equador, Colombia e Venezuela) quanto historicamente (fazia parte do Maranhão e depois Grão-Pará, que se tornou a atual Amazônia). Para ele, a república brasileira deveria dar continuidade à obra da monarquia, no sentido de manter a integração, observando as singularidades da região e pensando um programa que pudesse receber imigrantes estrangeiros de modo adequado para um projeto agrícola (o vazio seria um dos maiores problemas). E, por outro lado, seria possível aproveitar as oportunidades de escoamento da produção agrícola e de produtos da floresta por meio da “colossal artéria fluvial, o Amazonas, e sua maravilhosa e utilíssima rede hidrográfica”, que favoreceria a comunicação para grande parte do Brasil e América do Sul e assim um dia, como teria dito o “profundo e discreto sabedor do nosso século, na Amazônia se concentraria mais cedo ou mais tarde a civilização do nosso globo” (Veríssimo, 1892, p. 103).

  • 3 Ver a respeito da recepção da obra de Humboldt na América do Sul em PRATT, Mary Louise, “Humboldt e (...)

11O “profundo e discreto sabedor” citado por Veríssimo (1892) foi Alexandre Von Humboldt. A obra de Humboldt foi paradigmática para diversos autores sul-americanos3, dentre eles José Veríssimo e Barão de Marajó. De acordo com Pratt (1991), a literatura europeia sobre o mundo não europeu nos fins do século XVIII, se organizava em viagens com objetivos científicos, sendo marcada pela história natural e pelas viagens subjetivas e sentimentais. Essa dinâmica pode ser observada na obra de Humboldt, na qual a América do Sul é o lócus da grandeza natural, que significaria para os europeus “um novo começo da história da América do Sul, um novo ponto de partida para um futuro que começa agora e que remodelará esse território selvagem” (Pratt, 1991, p. 153).

12Entender o vale do Amazonas como grandeza natural não era algo recorrente, Veríssimo (1892) cita e se posiciona ferrenhamente contra a opinião de Silvio Romero de que o rio Amazonas seria um entrave para a civilização. José Veríssimo e Barão de Marajó pensavam de forma semelhante à Felipe Patroni, de que o obstáculo para a civilização na Amazônia seria a ação humana ineficaz.

13No entanto, os dois escritores, ao contrário de Patroni, vislumbraram possibilidades em um tempo vindouro, que começava a transparecer devido às mudanças ocorridas na década de 1850, com a abertura do rio Amazonas para a navegabilidade. Essa ação possibilitaria um futuro de incessantes trocas e circulações globais. “Em relação ao estrangeiro, o Amazonas nos está mostrando um mundo novo nas relações comerciais, não só de grande parte do império, como de tantas repúblicas com a velha e civilizada Europa e a pujante América Inglesa” (Abreu, 1883, p. 33).

14Os rios surgem nos textos de José Veríssimo e Barão de Marajó como um indicativo de grandeza natural, que tendo favorecido uma grande civilização no Egito poderiam ser indutores de algo semelhante na Amazônia em um tempo futuro. Apesar de considerar os rios como indutores civilizacionais, tal característica não era o suficiente, pois estas dependiam, primordialmente, de vontade política, projetos urbanos (Barão de Marajó) e projetos de imigração (José Veríssimo).

15A ideia do vazio como problema, já apontado por Veríssimo (1982), e da grandeza natural ganham novos destaques e roupagens. Entre as décadas de 1930 e 1940 o discurso da integração dos espaços vazios ganhou bastante destaque nas políticas de governo. A base teórica dessa ação foi expressa de forma modelar na obra A Marcha para o Oeste de Cassiano Ricardo, que procurou estabelecer uma continuidade entre as bandeiras relativas à expansão no planalto paulista entre os séculos XVII e XVIII e o projeto do Estado Novo no século XX.

16Os espaços alvos dessa política de povoamento eram as regiões Centro-Oeste e a Amazônia. Os discursos de Getúlio Vargas realizados em Belém (1933) e em Manaus (1940) enfatizavam que era preciso povoar os espaços vazios, colonizar, fixar o homem à terra, isto é, incorporar definitivamente a região ao corpo nacional devia deixar de ser história natural e tornar-se “um dos capítulos da história da civilização” (Secreto, 2010, p. 262).

17De acordo com o historiador Pere Petit (2006), essa política de modernização da Amazônia teve continuidade com os governos civil-militares que desenvolveram seus objetivos na região em três momentos. O primeiro momento iniciou em 1966 e tinha como finalidade ampliar a política de substituição de importações no mercado regional com o objetivo de incrementar as atividades agrícolas, visando diminuir a preponderância das atividades extrativas, de subsistência e do sistema de aviamento (sistema de crédito informal que se consolidou com o boom da economia gomífera).

18O segundo, entre 1970 e 1977, dava prioridade à colonização de áreas junto à rodovia Transamazônica, aos projetos energéticos e à ampliação de rodovias. O terceiro momento é marcado pelo III Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), que destacava o aproveitamento das reservas madeireiras e os grandes projetos de exploração mineral e agropecuária. Esse período foi caracterizado tanto pelo controle do governo federal no território amazônico quanto por uma expansão demográfica motivada pelos fluxos migratórios de diversos estados que vieram em busca de terras e oportunidades (Petit, 2006).

19Atualmente, a Amazônia “não é mais mera fronteira de expansão de forças exógenas nacionais ou internacionais, mas sim uma região no sistema espacial nacional, com estrutura produtiva própria e múltiplos projetos de diferentes atores” (Becker, 2005, p. 82). Portanto, a Amazônia alcança certa autonomia regional depois de uma longa história de “(des)articulações espaciais”, no sentido dado por Rogério Haesbaert (2010), na medida em que sua intrínseca relação com outras regiões e mesmo com escalas a nível supranacional dava o tom de sua produção. No entanto, ela ganhou expressão e sentido regional próprio. A globalidade da Amazônia constitui-se e reitera-se com o fortalecimento de sua regionalidade. É nessa perspectiva contemporânea de Amazônia que se pensa, de um lado, o zoneamento ecológico-econômico e, de outro, as políticas regionais de desenvolvimento, que são importantes instrumentos políticos no combate conjuntural às desigualdades sociais, econômicas e culturais, apesar de suas contradições e limites.

O zoneamento ecológico-econômico do trópico úmido

20Antes de falar especificamente do zoneamento ecológico-econômico e das políticas de desenvolvimento regional e suas implicações na Amazônia, é necessário apresentar alguns aspectos centrais que desencadearam a concepção e a realização de uma regionalização e planejamento voltados às suas especificidades regionais. Cabe destacar a criação da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) em 1966, em plena ditadura militar, que substituiu a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) e reitera a expansão do capitalismo monopolista industrial do Centro-Sul para o restante do país a partir da reprodução dos mecanismos de financiamento das políticas regionais da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), como a política de incentivos fiscais, segundo Francisco de Oliveira (1977). Nesse movimento, o planejamento regional aparece claramente como ele é, uma forma de conflito social sem qualquer neutralidade que emergiu no Brasil na década de 1950 como expressão da divisão regional do trabalho, que reitera as diferenças nas relações inter-regionais (Oliveira, 1977).

21É importante salientar que, segundo Bertha Becker (1990), a ocupação da Amazônia se torna prioridade máxima após o golpe de 1964, quando fundamentado na doutrina de segurança nacional, o objetivo básico do governo civil-militar torna-se a implantação de um projeto de modernização nacional, acelerando uma radical reestruturação do país, incluindo a redistribuição territorial de investimento de mão de obra, sob forte controle social. Aqui, o governo civil-militar realiza por outros meios o projeto de José Veríssimo e de Getúlio Vargas, como vimos, na perspectiva de efetivação da integração desse grande “vazio” da Amazônia ao território nacional. O planejamento regional é o meio pelo qual essa ocupação desse dito “vazio” da Amazônia é operacionalizado, constituindo-se como “fronteira gigantesca” (Becker, 1990, p. 10).

22Nas décadas de 1950 e 1960, a ocupação da Amazônia tinha um caráter de fronteira agrícola, destacando-se as empresas agropecuárias e grandes fazendeiros, que detém o monopólio da terra, os pecuaristas, os pequenos produtores e os colonos do programa de colonização sob a égide do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) ou por companhias privadas (Becker, 1990). Atualmente, com a expansão do agronegócio, especialmente da cultura da soja, acirra-se o monopólio da terra e os conflitos no campo. Na ocupação da Amazônia, destacam-se também os grandes projetos econômicos extrativistas, como o Programa Grande Carajás, e as grandes obras de hidrelétricas, como a de Tucuruí e a Belo Monte. Nesse processo de ocupação da Amazônia, houve a difusão e formação espontânea ou planejada de cidades e povoados, como é o caso das company towns da Vila de Tucuruí (vinculado à Usina Hidroelétrica do Tucuruí) e o Núcleo Urbano de Carajás (relacionado ao Projeto Carajás). Assim, o processo de urbanização vai transformando o caráter da fronteira, que passa a ser essencialmente uma fronteira urbana.

23Com essas profundas mudanças na produção do espaço regional da Amazônia, que alteram fortemente as paisagens da natureza e da região, a problemática ambiental ganha um espaço importante na definição das políticas e do planejamento. Acselrad (2002) indica a segunda metade da década de 1980 como o momento em que o debate sobre o planejamento na Amazônia passou a adotar elementos do discurso ambiental, na medida em que uma racionalidade ecológica passa a ser apresentada como necessária ao ordenamento territorial. Nesse sentido, o “Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) é o instrumento que esteve desde então fortemente associado à materialização territorial dessa racionalidade” (Acselrad, 2002, p. 53). De acordo com Acselrad (2000, p. 8), o zoneamento ecológico-econômico significa simultaneamente

um meio de identificação técnica de “fatos ambientais”, vistos separadamente das chamadas “características antrópicas” da ocupação, ou, alternativamente, “um diagnóstico de situações ecossociais em transformação”. Poderá ser entendido ora como instrumento da identificação das “vocações naturais das células espaciais”, ora como meio “de caracterização de zonas equiproblemáticas para processos de negociação e regulação jurídico-política”.

24Para o caso específico da Amazônia, constitui-se o Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia Legal (MacroZEE), que tem por objetivo assegurar a sustentabilidade do desenvolvimento regional, indicando estratégias produtivas e de gestão ambiental e territorial em conformidade com a diversidade ecológica, econômica, cultural e social da Amazônia (Brasil, 2010). O MacroZEE é um instrumento que opera na Amazônia Legal do território brasileiro. O Decreto Federal nº 7.378 de 01 de dezembro de 2010, que altera o Decreto nº 4.297 de 10 de julho de 2002, institui o MacroZEE, que compreende os estados da Amazônia Legal: Roraima, Amapá, Acre, Rondônia, Pará, Mato Grosso, Tocantins e Maranhão.

25A Amazônia Legal apresenta uma natureza bastante diversificada, que expressa seus diversos usos e possibilidades. Do ponto de vista dos aspectos geomorfológicos, estudos sobre a Amazônia revelam que esses são controlados pela estrutura geológica e pela resistência diferencial das rochas à alteração química atuante na região, considerando que a maior ou menor resistência das rochas ao intemperismo depende de sua composição mineral. A presença de grandes rios e uma alta pluviometria atuam consideravelmente nos domínios morfoestruturais da Amazônia. São aspectos morfoestruturais registrados: o domínio morfoestrutural dos depósitos quaternários inconsolidados; as bacias sedimentares e as coberturas inconsolidadas de idade plio-pleistocênicas; as faixas de dobramentos e as coberturas metassedimentares associadas e o domínio do embasamento amazônico (Bigarella, Becker, Santos, 2007). Do ponto de vista da vegetação, a floresta amazônica possui uma composição heterogênea. A classificação estrutural da dispersão florística regional para a Região florística Amazônica compreende a Floresta Ombrófila Densa, a Floresta Ombrófila Aberta, a Floresta Estacional Sempre-Verde e Campinarana (IBGE, 2012). É bom lembrar que Aziz Ab’Saber (2003) destaca que cada domínio vegetal possui uma área nuclear e zonas de transição, onde os tipos vegetais se interpenetram e se misturam em mosaicos de complexidade. Portanto, uma natureza heterogênea e diversificada é constitutiva da Amazônia, trazendo inúmeros complicadores para a construção e execução de zoneamentos ecológico-econômicos.

26A natureza amazônica apresenta-se cada vez mais urbanizada e socializada, aprofundando a diversidade regional. Nesse sentido, “a exterioridade da natureza, em relação ao homem, ao invés de ser inerente e a definir como um universal em si, é passível de ser concebida somente como produto da relação, num processo histórico contraditório à humanização da natureza e à naturalização do homem” (Damiani, 2012, p. 266). É nessa perspectiva que se compreende a natureza na Amazônia, em seu processo de urbanização. Em última análise, Bertha Becker (2005) constata que a Amazônia é uma “floresta urbanizada”. É necessário considerar que a urbanização constitui-se de modo particular na Amazônia. O processo de urbanização e metropolização do espaço amazônico se diferencia desenvolvendo a premissa de que a Amazônia Oriental constituiu um processo de difusão urbana e metropolitana pelos grandes projetos instalados no interior e a formação de cidades médias importantes na região, o que, simultaneamente, reafirmou em nível econômico, a primazia do espaço metropolitano de Belém no conjunto de sua área de influência; já a Amazônia Ocidental recebeu incentivos e estímulos políticos e econômicos para a consolidação de um setor industrial de montagem, expresso na Zona Franca de Manaus, que reforçou a metropolização concentrada de Manaus e a ausência de cidade médias, que poderiam atenuar a polarização da metrópole manauara (Leopoldo, 2017; Trindade Júnior, 2006).

27Com uma diversidade regional da natureza e da urbanização na Amazônia, o zoneamento ecológico-econômico não pode abrir mão de pensar a problemática ambiental e a questão regional articuladas com o processo de expansão dos objetos e dos valores urbanos. No Detalhamento da Metodologia para Execução do Zoneamento Ecológico-Econômico pelos Estados da Amazônia Legal (UFRJ/LAGET, 1996) fica clara a necessária articulação e exame desses dois níveis de concepção e análise de tal instrumento: os processos naturais e os processos sociais, isto é, de um lado, a problemática ambiental e, de outro, o nível mais avançado de socialização, que é a urbanização. No entanto, o MacroZEE está baseado em eixos (como o corredor de integração Amazônia-Caribe; o policentrismo no entroncamento Pará-Tocantins-Maranhão; os sistemas produtivos do Araguaia-Tocantins), que denota uma perspectiva fragmentária da Amazônia, que não é vista em sua totalidade e complexidade (Figura 2). Aqui cabe a crítica de Henri Acserald (2000, p. 11), que ler que o espaço considerado é o espaço dos negócios, sendo que “a delimitação dos eixos serve antes de fundamento científico destinado a legitimar as ações e a distribuição espacial dos investimentos”, tendendo assim a “concentrar ainda mais as atividades e a renda onde ela já se encontra concentrada”.

Figura 2 – Propostas de Macrozoneamento da Amazônia

Figura 2 – Propostas de Macrozoneamento da Amazônia

Fonte: MMA, 2010 apud Théry-Mello, Neli; Théry, Hervé, 2014.

28Desde 1981, quando foi instituída a Política Nacional do Meio Ambiente, estabelecendo como um dos seus instrumentos o zoneamento ambiental, muitos avanços foram realizados, especialmente no sentido da concepção e execução de zoneamentos ecológico-econômicos para cada Estado federativo pertencente à Amazônia Legal. A perspectiva de eixos, polos e zonas, levaram o zoneamento ecológico-econômico do Amapá a trabalhar um detalhamento do Laranjal do Jari, no sul do Estado, e do Pará a enfocar regiões prioritárias, como a área de influência da BR-163, as regiões da Calha Norte e da Zona Leste. Esses zoneamentos evidenciam que há a produção de um espaço concebido fortemente atrelado aos capitais e investimentos do que aos pequenos produtores agropecuários e comunidades indígenas e ribeirinhas. A regionalização aparece mais como instrumento de ação política do que de fato envolvendo a realidade da sociedade regional diretamente afetada pelas mudanças advindas do zoneamento. As políticas de desenvolvimento regional na Amazônia também traduz essa visão que ainda orienta a construção e efetivação do planejamento.

As políticas de desenvolvimento regional na Amazônia

29Nos anos 1990, no Brasil, houve adoção da valorização da infraestrutura econômica, especificamente os transportes, como matriz definidora de eixos e suas áreas de influências para o planejamento integrado. Os recursos naturais em conjunto com a infraestrutura ocuparam posição central na ideia de planejamento, como disparadores da dinâmica econômica para o comércio internacional.

30Nas gestões federais de Fernando Henrique Cardoso, de 1994 a 2002, o planejamento regional foi substituído pela estratégia para o desenvolvimento a partir do estudo Identificação de oportunidades de investimentos públicos e/ou privados: estudo dos eixos nacionais de integração e desenvolvimento, mais conhecido no meio acadêmico como estudos dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (ENIDs). A aplicação do documento foi de responsabilidade do consórcio de empresas Consórcio Brasiliana formada Booz-Allen & Hamilton do Brasil Consultores Ltda., pela Bechtel International Inc. e pelo Banco ABN Amro S.A., nos anos de 1998/99.

31Os eixos foram definidos segundo a vertebração logística do Brasil, baseada nos meios de transportes, abrangendo uma área de influências. A estratégia de desenvolvimento deveria levar em conta o processo de integração física como instrumento de desenvolvimento, nos setores de infraestrutura econômica, transportes, comunicações e energia. O que gerou um portfólio de investimentos de acordo com a regionalização dos eixos no mapa brasileiro. Os eixos foram organizados em Sudeste, Sudoeste, Sul, Oeste, Araguaia-Tocantins, São Francisco, Transnordestino, Madeira-Amazonas e Arco Norte (Ablas, 2002).

32Ablas (2002) considera que a elevada escala em que os estudos dos eixos foram conduzidos, perderam características relevantes dos espaços delimitados pelos eixos e os projetos definidos não maximizariam os efeitos de desenvolvimento pretendidos. Os estudos realizados nos setores de transporte, energia e comunicações poderiam ser mais conclusivos se recebessem insumos mais detalhados do processo de caracterização dos eixos se fosse conduzida a uma escala mais próxima da realidade.

33No governo Luís Inácio Lula da Silva, a questão regional retornou ao centro dos debates e foi conduzida como ação do governo federal a institucionalização da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), em 2007. A metodologia de formulação da regionalização da referida política divergiu das dos ENIDs, caracterizada pela polarização da infraestrutura econômica com os recursos naturais do território. A PNDR por intermédio das variáveis de rendimento domiciliar médio e crescimento do PIB per capita dos municípios formulou a taxonomia formada por quatro grupos distribuídos em microrregiões de alta renda, dinâmicas, estagnadas e baixa renda (BRASIL-MI, 2005).

34Na segunda versão da PNDR, formulada pelo documento A PNDR em dois tempos: A experiência apreendida e o olhar pós 2010 referendou a multiescalaridade como metodologia para compreender as especificidades dos problemas para cada escala territorial, divididos em região, unidade federativa, sub-região, e a microrregião.

35Na nova versão da PNDR as categorias metodológicas para organizar a regionalização do território foram ajustadas. O primeiro eixo foi afinar os espaços elegíveis, em estado de vulnerabilidade socioeconômica, com a formulação de Regiões Programas (RPs) e as Sub-regiões de Planejamento (SRPs) em diversas escalas, objeto de intervenção de programas de acordo com as suas particularidades. O segundo eixo objetivou a legitimação dessa política por intermédio da formação do Sistema Nacional de Desenvolvimento Regional, constituído pelo presidente do Brasil e ministros das pastas estratégicas e, como instância executiva, a Câmara de Gestão de Políticas Regionais e Territoriais, composta pelos Secretários Executivos. O seu terceiro eixo foi a tentativa da aprovação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) (BRASIL-MI, 2012).

36A PNDR pode ser posicionada conforme a multiescalariedade na escala nacional, pois desempenha a instância superior do planejamento, ou seja, a Política de Estado, no qual fundamentou critérios metodológicos que definiram a tipologia dos territórios. A etapa seguinte é a formulação dos planos macrorregionais, que combinaram a metodologia da PNDR com a definição de objetivos e metas segundo as especificidades regionais. A PNDR foi dividida em três planos macrorregionais direcionados às regiões com altos índices de vulnerabilidade econômica e social. Na região Norte, foi instituído o Plano Amazônia Sustentável (PAS), elaborado junto com o Ministério do Meio Ambiente. Para a região Nordeste, foi proposto o Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste (PDNE). E, por fim, para a região Centro-Oeste, o Plano Estratégico de Desenvolvimento do Centro-Oeste (PDCO).

37Em conjunto com a formulação do PAS foi criada o Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento na Amazônia (PPCDAM). A intencionalidade do governo ao formular o PAS e o PPCDAM foi derivada da percepção de variáveis sociais e ambientais marginalizadas pelos programas anteriores e possuem como ponto de partida o diagnóstico da região, resultado das ações do Estado que privilegiou somente um estrato social da população, os empresários e o capital financeiro.

38O PAS foi formulado pelo Termo de Cooperação em 2003 entre o presidente e os governadores dos estados da região, balizado por um diagnóstico abrangente, e com a participação de consultas públicas com mais de cinco mil representantes. A inserção da variável ambiental nos conteúdos do Plano Plurianual do governo federal (PPA) para a Região amazônica e a partir do documento Amazônia Sustentável – Diretrizes e Prioridades do Ministério do Meio Ambiente para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Brasileira formatou uma nova percepção de desenvolvimento regional, legitimada pela participação para reunião realizada em maio de 2003, em Rio Branco, no Acre, que contou com a participação de ministros, secretários-executivos, representantes de entidades empresariais, organismos internacionais, movimentos sociais e organizações não-governamentais.

39O PAS pode ser posicionado na escala macrorregional e o seu diagnóstico identificou os modelos de ocupação territorial e as formas de apropriação dos recursos naturais na Amazônia que remetem às formas de exclusão social, concentração de renda, conflitos pelo assentamento na terra, exploração deletéria dos recursos naturais, sem respaldo de agências reguladores de preservação do meio ambiente, e com violação de direitos humanos (BRASIL-PAS, 2008).

40Outra consequência do processo de modernização ocorrida na Amazônia foi em decorrência da polarização urbana criada em capitais dos estados. A urbanização acelerada gerou efeitos de desigualdades no processo de acesso à rede de serviços básicos dos municípios para a população e o fenômeno de polarização urbana em Belém, Manaus, São Luís e Cuiabá em relação às cidades médias como Santarém, Marabá, Rondonópolis e Ji-Paraná.

A urbanização acelerada, associada às deficiências das políticas públicas e dos investimentos relativos à ocupação do solo urbano, abastecimento de água, saneamento básico, gerenciamento de resíduos sólidos e geração de emprego, colocou milhões de pessoas em habitações insalubres, tanto nas áreas metropolitanas, quanto nas cidades e vilas do interior. Nesse aspecto, convém ressaltar que, em geral, a salubridade – refletida pela mortalidade infantil e pela esperança de vida – é maior nas áreas rurais ou nas áreas mais remotas, onde há maior acesso a alimentos e água, e menor nível de contaminação, embora os serviços de saúde sejam menos acessíveis (BRASIL-PAS, 2008, p. 24).

41Segundo o PAS (2008) as diretrizes estratégicas para o desenvolvimento da Amazônia estão organizadas em quatro eixos temáticos: (i) Ordenamento Territorial e Gestão Ambiental, (ii) Produção Sustentável com Inovação e Competitividade, (iii) Infra-Estrutura para o Desenvolvimento e (iv) Inclusão Social e Cidadania. Apesar de cada eixo ter objetivos relacionados a diferentes enfoques, eles estão combinados com as matrizes conceituais do PAS, designadas pela valorização da diversidade sociocultural e ambiental da Amazônia em paralelo com a governança do Estado na ocupação territorial e uso de recursos naturais, destacando-se o atendimento das populações locais.

42O PAS foi organizado em temas que subsidiaram a formação de programas: a) promover o diálogo para o planejamento de políticas públicas entre as esferas do governo federal, estadual e municipal; b) assegurar a defesa dos direitos territoriais dos povos e comunidades tradicionais da Amazônia e valorização cultural das populações ribeirinhas, extrativistas, povos indígenas, quilombolas; c) combater o desmatamento ilegal e impedir o uso do solo de forma depreciativa, a exemplo das atividades agropecuárias; d) descentralizar a administração e gestão participativa da população em audiências públicas na tomada de decisões para formação da agenda de políticas públicas para o seu território (BRASIL-PAS, 2008, p. 58).

43A terceira escala de análise é da sub-região. O Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável é uma ação conjunta dos governos federal e estadual de cada unidade federativa da Amazônia, como forma de aplicar a descentralização de políticas públicas. No Pará foi organizado as regiões de integração divididas em Rio Caeté, Guamá Metropolitana, Marajó, Tocantins, Rio Capim, Lago de Tucuruí, Carajás, Araguaia, Xingu, Tapajós e Baixo Amazonas, totalizando doze sub-regiões. A implementação de planos de desenvolvimento foi realizada com base nas potencialidades locais, por meio do Planejamento Territorial Participativo (PTP), no qual foram promovidos debates com a sociedade local para formulação da agenda de políticas públicas.

44O exemplo utilizado para dimensionar o campo de atuação deste plano foi a região de integração do Xingu (Figura 3). A base da metodologia de atuação do PDRS é o diálogo com a sociedade local, na qual foi encaminhada a proposta de formulação dessa política pública em forma de consultas públicas das demandas da população de Altamira, Uruará e Senador José Porfírio. O objetivo da metodologia aplicada pelo PDRS foi articular o planejamento estatal em três instâncias de governo: federal, estadual e local. Há a tentativa de articular o PDRS com os Planos Plurianuais do estado do Pará e os municípios (BRASIL-PDRS, 2010).

Figura 3 - Região de Integração do Xingu

Figura 3 - Região de Integração do Xingu

Fonte: https://seplan.pa.gov.br/​sites/​default/​files/​PDF/​ppa/​ppa2020-2023/​ri_xingu.pdf

45A região do Xingu é formada pelos munícipios de Altamira, Anapu, Brasil Novo, Gurupá, Medicilâncida, Pacajá, Placas, Porto de Moz, Senador José Porfírio, Uruará, Vitória do Xingu. As diretrizes de ações do PDRS do Xingu estão organizadas por ordenamento territorial, regularização fundiária e gestão ambiental; infraestrutura para o desenvolvimento; fomento às atividades produtivas sustentáveis; inclusão social e cidadania e modelo de gestão (BRASIL-PDRS, 2010).

46Os objetivos do referido plano são: 1) planejamento e ordenamento territorial e ambiental articulados por uma política setorial; 2) atividades econômicas balizadas pelo uso sustentável dos recursos naturais e inclusão equitativa de indivíduos, embasados pela pesquisa e desenvolvimento da ciência e tecnologia; 3) implantação de obras de infraestrutura nos setores de energia, transporte, comunicações, saneamento, armazenamento e processamento; 4) políticas públicas para a inclusão social por meio de concessão de educação, saúde, segurança e previdência social, que incentivem a participação de gestão das políticas públicas; 5) implantação do modelo de gestão a partir da incorporação no planejamento da participação popular; 6) criação e fortalecimento de instituições de desenvolvimento regional; 7) mapeamento dos conflitos sociais e formulação de agendas emergenciais; 8) incorporação de ações e prioridades identificadas no âmbito do Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável (PTDRS do Território da Transamazônica, 2006; BRASIL-PDRS, 2010).

47As diretrizes do PDRS possuem uma função estratégica no planejamento, que seja de orientar os projetos propostos pelo PAS e seguindo o critério de tipologia de divisão territorial da PNDR. O modelo de gestão do PDRS organizou uma estrutura composta por diversos segmentos sociais da população na formulação e implementação dos projetos no território. A democratização da participação nos processos deliberativos da agenda das políticas públicas perpassa o fortalecimento da gestão local e territorial na região, no sentido de integrar a cooperação técnica e a gestão compartilhada de políticas públicas nas três esferas de governo com base nos instrumentos existentes (ZEE, Plano da BR-163 Sustentável, planos diretores municipais, estudos de impacto ambiental, cenários, PPA estadual, UC criadas e propostas) e na efetivação do monitoramento e avaliação das políticas públicas na região (BRASIL-PDRS, 2010). Aqui, o ingrediente fundamental da regionalização é a perspectiva normativa e instrumental, no entanto há avanços consideráveis no sentido do diálogo com a sociedade, de pensar a espacialidade diferencial como esse complexo de modos de vida. A aproximação com outros instrumentos, como é o caso do zoneamento econômico-ecológico, evidencia certa possibilidade de integração entre os diferentes desafios políticos instituídos.

Considerações Finais

48Constatam-se desdobramentos de instrumentos políticos de análise e de ação na identificação e mitigação das desigualdades regionais, como o zoneamento ecológico-econômico e as políticas de desenvolvimento regional. Essas ferramentas constituem importantes avanços para lidar com três desafios importantes do desenvolvimento na Amazônia: as grandes distâncias, a diversidade regional e a complexidade da natureza.

49A produção do espaço-tempo na Amazônia, que foi vista por seus primeiros intérpretes como uma grandeza natural e a região que “concentraria mais cedo ou mais tarde a civilização do nosso globo” (Veríssimo, 1892, p. 103), se complexifica. Especialmente a partir dos anos noventa do século XX, quando deixa de ser considerada como uma vasta “região homogênea” e passa a ser entendida como um território com diferenciações ou em processo de diferenciação. Onde aparentemente identificavam-se apenas diferenças naturais, vislumbram-se diferentes regiões tanto no que diz respeito às potencialidades quanto aos conflitos. Incorporar essa complexidade desde o ponto de vista do desenvolvimento e do planejamento amazônico demandou ao menos duas considerações inovadoras. A primeira é aceitar que qualquer intervenção tem que estar baseada no conhecimento preciso dessa diversidade ecológica, econômica, cultural e social, isto é, a partir de uma perspectiva multiescalar e em múltiplas dimensões (Ab’saber, 1989). E a segunda é incorporar agentes locais e regionais nos processos de tomada de decisões que representem ações para além do Governo Federal (UFRJ/LAGET, 1996), a conhecida descentralização política, apesar de que o governo central continue a ser o principal agente da questão regional na Amazônia.

50Os limites para o desenvolvimento regional a partir dos instrumentos citados talvez permitam convergir para a assertiva de José Veríssimo e Barão de Marajó de que o obstáculo para a civilização na Amazônia seria a ação humana ineficaz. No entanto, o que há é na verdade uma relação muito estreita entre o zoneamento ecológico-econômico e as políticas de desenvolvimento regional com os interesses do capital do que com os da sociedade regional. Dito de outra forma, embora os instrumentos estejam bem definidos desde um ponto de vista teórico e técnico, os resultados são frágeis, seja a partir da melhoria da qualidade de vida e da pobreza na escala da Amazônia Legal (Diniz; Santos; Diniz; Puty; Rivero, 2007) seja da precarização do trabalho, apoio às comunidades rurais e diminuição dos conflitos no campo (Santos, 2017), agravada pela concentração fundiária e presença de trabalho escravo (Girardi, 2019) nos casos regionais.

51Essas considerações nos parecem significativas para examinar as possibilidades do planejamento e das políticas públicas no contexto contemporâneo. Como construir novos instrumentos que minimizem os desenlaces de processos econômicos violentos, como, por exemplo, a apropriação privada da renda da terra que continua operando avassaladoramente na concentração e centralização de capitais e gerando conflitos pela terra com massacres e chacinas na Amazônia? A resposta não é simples e constitui um desafio estrutural, pelo fato de que esses processos na Amazônia estão atrelados diretamente com uma totalidade de sobreprodução e sobreacumulação globais e de circulação de capital excedente procurando ininterruptamente novos ganhos em face de uma crise que se aprofunda dia após dia.

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Notes

1 Este artigo contou com a leitura crítica e contribuições do Prof. Dr. Eudes Leopoldo.

2 Segundo o Barão de Marajó, o Amazonas devia: “assegurar a imigração, a fácil colonização, a união política e estreitar as relações sociais, facilitar o conhecimento, estudo e união de toda a América Meridional e, entretanto, esta união, este desenvolvimento comercial, esta fraternidade americana, não passa de ser um sonho, e de tudo isto nada existe senão os elementos dados por Deus, que tanto deviam surgir se a inteligência humana viesse fecundar este mundo morto e inerte” (Abreu, 1896, p. 69).

3 Ver a respeito da recepção da obra de Humboldt na América do Sul em PRATT, Mary Louise, “Humboldt e a reinvenção da América”, Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 4, n. 8, 1991, 151-165.

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Titre Figura 1 – Le pavillon de l'Empire de Brésil- Exposition universelle
Crédits Fonte: Dessin d'après nature, de M. Dosso. Disponível em: https://www.alamy.com/​4-paris-exposition-universelle-le-pavillon-de-lempire-de-brsil-dessin-daprs-nature-de-m-dosso-image189264870.html.
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Titre Figura 2 – Propostas de Macrozoneamento da Amazônia
Crédits Fonte: MMA, 2010 apud Théry-Mello, Neli; Théry, Hervé, 2014.
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Titre Figura 3 - Região de Integração do Xingu
Crédits Fonte: https://seplan.pa.gov.br/​sites/​default/​files/​PDF/​ppa/​ppa2020-2023/​ri_xingu.pdf
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Pour citer cet article

Référence électronique

Anna Carolina de Abreu Coêlho, Rafael Gonçalves Gumiero, Sergio Moreno Redón et Andréa Regina de Britto Costa Lopes, « A natureza e a região na Amazônia: zoneamento ecológico-econômico e políticas de desenvolvimento regional »Confins [En ligne], 49 | 2021, mis en ligne le 19 mars 2021, consulté le 14 février 2025. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/35364 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/confins.35364

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Auteurs

Anna Carolina de Abreu Coêlho

Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), annacarolinaabreu@unifesspa.edu.br

Rafael Gonçalves Gumiero

Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), gumiero@unifesspa.edu.br

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