1Os mapas apresentados versam sobre a contraditória territorialização do campesinato e do agronegócio no Norte de Minas Gerais. Utilizam as bases cartográficas e tabulações provenientes da divisão regional das mesorregiões e foram elaborados a partir de quatro dimensões indissociáveis: instrumento de pesquisa, linguagem, apresentação e sistematização de pesquisa e, por fim, recurso político-pedagógico.
2Les cartes présentées traitent de la territorialisation contradictoire de la paysannerie et de l'agro-industrie dans le nord du Minas Gerais. Elles utilisent les bases cartographiques et la tabulation de la division régionale des mésorégions et ont été élaborés à partir de quatre dimensions indissociables : instrument de recherche, langage, présentation et systématisation de la recherche et, enfin, ressource politico-pédagogique.
3The maps presented deal with the contradictory territorialization of the peasantry and agribusiness in the North of Minas Gerais. They use the cartographic bases and tabulation from the regional division of the mesoregions and were elaborated from four inseparable dimensions: research instrument, language, presentation and systematization of research and, finally, political-pedagogical resource.
4Os mapas apresentados neste breve ensaio versam sobre a contraditória territorialização do campesinato e do agronegócio no Norte de Minas Gerais, Brasil. Por isso, reitera-se que utilizamos as bases cartográficas e tabulações provenientes da divisão regional das mesorregiões, ou seja, reconhecemos a singularidade e importância histórica e geográfica da mesorregião Norte de Minas, mesmo sabendo que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) adotou, a partir de 2017, as regiões denominadas como intermediárias e imediatas em substituição/atualização às Mesorregiões e Microrregiões Geográficas utilizadas desde a década de 1990 no Brasil.
- 1 Arguição realizada durante o VI Seminário de Pesquisa em Geografia Humana realizado na Universidade (...)
5Nesse ínterim, salienta-se que os mapas advindos da compreensão da questão agrária Norte Mineira foram elaborados a partir de quatro dimensões indissociáveis, ou seja: instrumento de pesquisa, linguagem, apresentação e sistematização de pesquisa e, por fim, recurso político-pedagógico, como indicou a geógrafa Larissa Mies Bombardi1.
6O primeiro mapa enfatiza, justamente, a distribuição dos 89 municípios que compõem a região Norte de Minas (Figura 1), ou seja, remetem aos povos e comunidades tradicionais de origem camponesa, “conhecidamente os geraizeiros, vazanteiros, veredeiros, caatingueiros, apanhadores de flores, chapadeiros, ribeirinhos, indígenas e quilombolas, se apropriam de uma fração do território e permitem reconhecer a agricultura camponesa e o agronegócio em sua fase de territorialização e monopolização [...]” (FERREIRA; SILVA; SILVA, 2017, p. 22).
Figura 1 – Localização do Norte de Minas Gerais
Fonte: Elaborado pelos autores a partir de IBGE (2010).
7O Norte de Minas está em uma área de transição de biomas, quais sejam: Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica, os quais “vigoram na paisagem em constante influência sobre as populações que se apropriam dessa diversidade, manejando-a e transformando-a quanto aos distintos usos e territorialidades seculares” (FERREIRA; SILVA; SILVA, 2017, p. 24).
8Neste contexto, Costa (2015, p. 1291) salienta que:
O ordenamento territorial mineiro tem um marco específico no século XVIII, quando ainda o Norte de Minas, estava subjugado aos limites das Capitanias de Pernambuco e Bahia. Com a descoberta dos corpos minerários na região diamantífera se instaurou uma preocupação interna e externa (Coroa Portuguesa) em definir os limites da Capitania de Minas Gerais, ordenar a fundação de Vilas e demarcar a jurisdição das freguesias, para que, com isso pudessem exercer mais controle sobre as terras a serem exploradas pela mineração, como também foi uma preocupação, o abastecimento destas áreas.
9Trata-se, portanto, da transição entre biomas e, sobretudo, de uma área de confronto entre as distintas apropriações, para incorporar essas terras no processo histórico de privatização das terras públicas, ou seja, de um processo eminentemente desigual e contraditório para apropriação das terras de trabalho e vida das comunidades camponesas/tradicionais.
10Nos mapas a seguir, pode-se evidenciar a Dinâmica da pastagem no Norte de Minas Gerais em dois momentos, quais sejam: 1990 e 2018 (Figura 2) e a Dinâmica do Eucalipto no Norte de Minas Gerais (1990 e 2018), respectivamente. Sobre a pastagem, constata-se que no ano de 2018 existia uma área de aproximadamente 4 milhões de hectares, o equivalente a 6 vezes o município de Januária-MG, a 33 cidades do Rio de Janeiro-RJ, a 2 estados do Sergipe ou ainda 4 milhões de campos de futebol. Ao analisarmos a espacialização do eucalipto no Norte de Minas, constata-se uma área de aproximadamente 700 mil hectares, ou seja, equivale 2 vezes o município de Montes Claros-MG, 21 vezes o município de Belo Horizonte-MG, 5 vezes a cidade de São Paulo-SP e, aproximadamente, 700 mil campos de futebol, cujos dados foram organizados a partir do IBGE e MapBiomas de 2010 e 2018, respectivamente.
11Nota-se a expansão do agronegócio a partir de distintos conflitos fundiários, ou seja, há uma constante pressão sobre as terras camponesas. Por isso, cabe inferir a ação do campesinato frente à distinção dos processos de monopolização do território pelo capital e da territorialização do capital, conforme apregoado por Oliveira (1999). Revela-se uma articulação, ou mesmo, uma aliança de classes entre o capital nitidamente industrial e o proprietário de terras, constituindo, assim, um só agente de capital.
Figura 2 - Dinâmica da Pastagem no Norte de Minas Gerais (1990 - 2018)
Fonte: Elaborado pelos autores a partir de IBGE (2010) e MapBiomas (2018).
Figura 3 - Dinâmica do Eucalipto no Norte de Minas Gerais (1990 - 2018)
Fonte: Elaborado pelos autores a partir de IBGE (2010) e MapBiomas (2018).
12Os próximos mapas revelam os conflitos agrários presentes no Norte de Minas Gerais a partir do exímio trabalho realizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), ao organizar os dados e, sobremaneira, acompanhar e denunciar os conflitos no campo, os quais são marcados por diferentes estratégias que violam direitos e histórias de camponeses/as na terra de trabalho e vida. Reitera-se, portanto, que os dados apresentam os conflitos nas duas primeiras décadas do século 21, ou seja, compreende ao período de 2000 a 2019 a partir dos conflitos por terra, água e trabalhista em consonância com o total de famílias e/ou trabalhadores em atividades análogas à escravidão no campo Norte Mineiro.
- 2 De acordo com a metodologia utilizada pela CPT, pode-se reconhecer nestes conflitos as ocorrências (...)
13O mapa inerente aos conflitos por terra2 e famílias (Figura 5) apresenta dados reveladores. Registrou-se 206 conflitos entre 2000 a 2019, ou seja, 1,07% dos conflitos por terra do país, envolvendo 27.788 famílias ou 1,28% de todas as famílias envolvidas em conflitos por terra no Brasil nos primeiros 20 anos do século XXI. O estado Minas Gerais, por exemplo, concentra 4,01% de todos os conflitos ocorridos no país e o Norte de Minas é responsável por mais que 25% desses acontecimentos estaduais.
Figura 4 - Conflitos de Terra e Famílias no Norte de Minas Gerais (2000 – 2019)
Fonte: Elaborado pelos autores a partir de CPT (2000 -2020).
14Pode-se inferir que o Norte de Minas Gerais possui mais de 10 conflitos agrários por ano, os quais envolveram aproxidamente 1400 famílias apenas nas duas primeiras décadas do século XXI.
15No Mapa intitulado Trabalhadores escravos no campo no Norte de Minas Gerais 2000 – 2019 (Figura 5) é possível constatar a perversa e contraditória Geografia do Trabalho Escravo no Norte de Minas Gerais, cuja aliança terra-capital e ambiental em diferentes instâncias do legislativo, executivo e judiciário segue sendo legitimada com práticas antidemocráticas. Por isso, a resistência está vigente, assim como os conflitos nas Gerais e em outras regiões do Brasil (FERREIRA; SANTOS, 2018).
Figura 5 – Trabalhadores escravos no campo no Norte de Minas Gerais (2000 - 2019)
Fonte: Elaborado pelos autores a partir de CPT (2000 -2020).
- 3 Entendido no âmbito dessa pesquisa como: “[...] territórios demarcados por questões de poder políti (...)
16A leitura dos dados permite registrar e espacializar a ocorrência de trabalho escravo em 15 municípios do Norte de Minas em 28 conflitos que culminaram como resgate de 499 trabalhadores apenas nas áreas rurais. Na sequência, são apresentadas discussões sobre os conflitos por água e os períodos de seca no Norte de Minas Gerais entre 2000 – 2019 (Figura 6), reconhecendo que a questão agrária é indissociável da questão hídrica no Norte de Minas Gerais, tendo em vista estarmos em uma região semiárida. Por isso, urge reafirmar que no Norte de Minas, além da terra em si, o acesso à água é fundamental e, constantemente, o agrohidronegócio3 também se apropria desse recurso e recria novos conflitos.
Figura 6 – Conflitos por água e em Períodos de Seca no Norte de Minas Gerais (2000 - 2019)
Fonte: Elaborado pelos autores a partir de CPT (2000 -2020).
17O mapa possibilita verificarmos a distribuição dos conflitos por água e/ou períodos de seca no Norte de Minas, ou seja, temos 84 ocorrências com mais de 130 famílias envolvidas nos últimos 20 anos. Trata-se de uma temática atual no bojo das políticas públicas para atender à população que segue resistindo no campo norte mineiro.
18Nesse contexto, salienta-se que nos últimos 20 anos foram registrados mais 157 mil famílias envolvidas em 290 conflitos por terra e água no Norte de Minas Gerais, isto é, 7850 famílias envolvidas em conflitos anualmente, ou ainda 654 famílias envolvidas em conflitos por mês ou 22 novas famílias envolvidas em conflitos por dia no Norte de Minas Gerais.
19Por isso, os movimentos sociais seguem na luta, resistindo e construindo alternativas para enfrentar os ataques do agronegócio e suas faces respaldadas por ações governamentais que legitimam diuturnamente sua violenta e predatória atuação no país.
20No último mapa, intitulado Territorialidades no Norte de Minas Gerais (Figura 7), apresentamos a exímia síntese da pesquisa de Carlos Dayrell (2019) ao reconhecer o papel histórico, social, ambiental e territorial do campesinato Norte Mineiro. Trata-se de uma fecunda pesquisa-ação que traduz a vida do autor em dedicação aos conflitos e alternativas dos povos na Gerais.
Figura 7 – Territorialidades no Norte de Minas Gerais
Fonte: Elaborado pelos autores a partir de Dayrell (2019).
21No mapa em questão, é possível verificar a atuação e articulação das territorialidades presentes no Norte de Minas, quais sejam: geraizeiros, quilombolas, indígenas, veredeiros, vazanteiros, assentamentos rurais, Unidades de Conservação etc. Dayrell (2019) aponta a atuação da Articulaçao Rosalino de Povos Tradicionais a partir das seguintes áreas de incidência: Veredeiros, Vazanteiros, Apanhadores de Flores Sempre-Vivas, Geraizeiros, Caatingueiros, Quilombolas Sanfranciscanas e Indígenas em diálogo com as possíveis sobreposições territoriais, as quais representam o Norte de Minas e partes do alto Vale do Jequitinhonha e Noroeste de Minas. O autor frisa que esses limites estão em constante disputas e, nesse devir, afirma que a área total do Norte de Minas é de 12,8 milhões de hectares, ou seja, a incidência ora apresentada pela Articulação Rosalino – ou mesmo dos 7 povo que a compõem – tem cerca de 7 milhões de hectares, ou seja, representa aproxidamente 55% do Norte de Minas Gerais.
22Ressalta-se que as pesquisas e a produção cartográfica advinda desse processo como síntese e proposição das análises permitem registrar, denunciar e atuar, uma vez que a tabela esconde o rosto, oculta os olhos, não mostra a história (BALDUINO, 2010). Nesse ínterim, assumimos o papel de escancarar os dados estatísticos por meio de uma análise crítica e, por vezes, propositiva ao reconhecer os conflitos a partir da territorialização do campesinato e do agronegócio no Norte de Minas Gerais.
23Reitera-se, portanto, que o campesinato Norte Mineiro reivindica seu lugar além do mercado, ou seja, territorializa-se na terra de trabalho e vida, assim como indica que tal luta representa um contexto de soberania, segurança e modo de vida, repleto de singularidades e simbologias calcadas em uma agrobiodiversidade. Neste sentido, as resistências e conflitualidades camponesas apresentadas nos dados quantitativos servem como uma leitura em construção sobre a longa disputa territorial travada entre o campesinato, o agronegócio e a mineração nas Gerais.