1A compreensão da agricultura urbana e periurbana em Cuba passa pela discussão da atuação do Estado no planejamento e na organização das cidadesi. Para compreender a agricultura urbana cubana, foram selecionadas como recorte as cidades de Camaguey e Cienfuegos, objetivando: a) compreender a organização dos organopônicos, uma das modalidades da agricultura urbana cubana; b) verificar como ocorre o consumo de produtos frescos, por meio dos vários tipos de mercados agropecuários; c) identificar a adoção dos princípios da agroecologia; e d) analisar como o Estado atua no planejamento e nos sistemas de comercialização.
2A justificativa para a escolha dessas duas cidades se deve à proposta geral do projeto de cooperação que originou este artigo, o qual procura compreender a organização das cidades médias cubanas, e, além disso, as duas cidades são referências na prática da agricultura urbana e periurbana, sendo que Camaguey se destaca em nível nacional pela produtividade dos seus cultivos urbanos no país. Tanto Cienfuegos quanto Camaguey são classificadas como cidades de primeira ordem (que possuem entre 100 e 499.999 habitantes) e também são consideradas capitais de província, o que corrobora, em linhas gerais, a importância da agricultura urbana para a alimentação dos citadinos e a ocupação de terrenos não edificados para a geração de trabalho e renda. Portanto, no presente texto, se pretende realizar uma abordagem descritiva da agricultura urbana e periurbana nas duas cidades médias cubanas – Camaguey e Cienfuegos, visando compreender a organização dos organopônicos e os canais de comercialização de circuitos curtos.
3Para a consecução deste texto, foram adotados como procedimentos metodológicos os seguintes itens: 1) levantamento de materiais bibliográficos sobre agricultura urbana, agroecologia, segurança e soberania alimentar; 2) coleta e sistematização de dados de fontes secundárias obtidos junto ao Centro de Estudos Demográficos (CEDEM), Centro de Estudos da Economia Cubana (CEEC), Biblioteca Nacional da cidade de Havana, e órgãos institucionais, como Ministério da Agricultura (MINAG), Associação Nacional de Agricultores Pequenos (ANAP), Grupo Nacional de Agricultura Urbana (GAU), Direção Provincial de Planificação Física das cidades de Camaguey e Cienfuegos (DPPF); 3) realização de pesquisa de campo para a coleta de materiais e obtenção de informações in loco, em Cienfuegos e Camagueyii.
4Durante o trabalho de campo, foram realizadas observações sistemáticas e entrevistas, com roteiros não estruturados, com os responsáveis pelos organopônicos, – 03 em Cienfuegos e 03 em Camaguey - nos mercados agropecuários estatais e livres, e nos pontos de venda da produção da agricultura urbana. Também foram estabelecidos contatos com a Delegacia Provincial da Agricultura Urbana em Camaguey; e, por fim, foram concretizadas a sistematização e a análise das informações e dos dados obtidos à luz dos princípios da agroecologia e da ação do Estado frente à importância da agricultura urbana e periurbana para a soberania alimentar.
5O texto está estruturado em três partes além desta introdução, das considerações finais e referenciais. A proposta é, na primeira seção, abordar a atividade da agricultura urbana a partir dos princípios da agroecologia e a política de agricultura urbana cubana. Na segunda seção, contextualizar o recorte espacial e histórico das cidades selecionadas, com vistas a compreender as transformações em suas dinâmicas territoriais. Na última seção, analisar os dados e as informações concernentes ao desenvolvimento da política de agricultura urbana e periurbana. A partir dessa estruturação do texto, pretende-se demonstrar que a discussão que perpassa a agricultura urbana e periurbana não está centrada apenas na relação produtor-consumidor, mas na construção de redes de comercialização e redes sociais, e que o Estado tem papel preponderante na organização, na consecução e na consolidação dessa atividade.
6A agricultura urbana foi, primeiramente, utilizada e amplamente divulgada no meio acadêmico e, depois, apreendida pelos organismos internacionais, como a Food and Agriculture Organisation of the United Nations (FAO). Em documento publicado no ano de 2012, intitulado Cidades mais verdes, é apontado, por meio de dados estatísticos, a importância da agricultura urbana em âmbito mundial e, em particular, para a cidade de Havana.
7A agricultura urbana abarca a produção de alimentos produzidos em quintais, telhados e em espaços não utilizados dentro da cidade. Duas características são enfatizadas pela FAO (1999, 2012): a escala de produção e a organização espacial da atividade. A prática da agricultura urbana e periurbana se diferencia da agricultura no espaço rural por acessar com mais facilidade os consumidores, reduzir a necessidade de transporte e possibilitar a reutilização de resíduos.
8Para Aquino e Assis (2007, p. 139), “não é a localização urbana que distingue a agricultura urbana da agricultura rural, senão o fato de que está integrada e interage com o ecossistema urbano”. Nessa mesma linha de interpretação, há os trabalhos de Ribeiro, Bògus e Watanabe (2015), e Souza, Costa e Zanchi (2016), que enfatizam a agricultura urbana à luz da agroecologia urbana. Essa forma de interação agricultura e cidade corrobora para pensar a alimentação (saudável e alimentos frescos), a saúde, a valorização da biodiversidade e a geração de trabalho e renda.
9A agroecologia não significa, em linhas gerais, tão somente a não utilização de produtos químicos, mas que seja ambientalmente adequada, altamente produtiva e economicamente viável, ou seja, é um novo paradigma que valoriza o conhecimento local, as sementes, a terra, a água e todo o ecossistema (GLIESSMAN, 2002, p. 13).
10A valorização da agricultura urbana cubana possibilita pensá-la sob a perspectiva da agroecologia, como apresentado em Aquino (2002), uma vez que o manejo dessa se pauta em práticas conservacionistas de preparo do solo, rotação de cultura, uso de adubação verde e controle biológico de pragas. Acrescente a isso também o preço justo estabelecido entre os organopônicos e os consumidores, a valorização dos agricultores e a utilização de áreas não edificadas nas cidades.
11Em Ribeiro, Bògus e Watanabe (2015) há uma intrínseca relação entre a agroecologia urbana e a promoção da saúde, pois, com o desenvolvimento de hortas há a redução de roedores e vetores de doenças, além da diminuição do acúmulo de lixo, uma vez que terrenos não edificados podem ser usados para a produção de alimentos para os próprios moradores. A saúde está vinculada também à alimentação e, nesse caso, na importância da agricultura urbana pautada nos princípios da agroecologia, cuja preocupação é a articulação dessa atividade laboral para o bem viver nas cidades.
12A questão da saúde, contudo, não remete somente ao tratamento de enfermidades e doenças, segundo os referidos autores:
A concepção de saúde não pode estar separada de quaisquer aspectos da urbanização e de seu contexto socioambiental, uma vez que deve apreender as relações entre os múltiplos fatores envolvidos, sejam eles do tipo individual, relacional, sociocultural ou ambiental (RIBEIRO, BÒGUS; WATANABE, 2015, p. 732)
13Segundo a FAO (1999)iii, a agricultura urbana e periurbana contribui para a segurança alimentar em três frentes. Primeiro, em relação à oferta de alimentos: “Los pobres de las zonas urbanas carecen a menudo del poder adquisitivo necesario para adquirir un volumen suficiente de alimentos. La agricultura urbana reduce la inseguridad alimentaria al facilitar el acceso directo de los hogares a alimentos de producción doméstica y al mercado no estructurado”. Segundo, a oferta de alimentos com melhores valores nutricionais; terceiro, permissão da geração de empregos e renda, com destaque ao trabalho da mulher. De acordo com Ribeiro, Bógus e Watanabe (2015, p. 731) “a agricultura urbana e periurbana (AUP) tem sido considerada uma das possibilidades de amenizar alguns dos tantos problemas das cidades, especialmente os relacionados à alimentação, saúde, meio ambiente e geração de renda”.
14Mendes (2012) apresenta, de forma objetiva, considerações sobre as conceituações da Agricultura Urbana (AU) e suas diferentes práticas em vários contextos históricos. Para o referido autor, os termos AU ou hortas urbanas referem-se a pequenas áreas de produção situadas dentro dos limites das cidades, que são voltadas ao cultivo intensivo e criação de animais, sendo uma prática desenvolvida, usualmente, em espaços urbanos públicos ou privados. Tal definição não se distancia das colocações de Aquino e Assis (2007), Ribeiro, Bógus e Watanabe (2015), e Mougeot (2000).
15Para Vilela e Moraes (2014, p. 05), a Agricultura Urbana é como um sistema agroalimentar localizado, isso remete entendê-la como:
[...] ferramentas estratégicas no enfrentamento de certas dimensões da questão social, sobretudo, relacionadas à promoção de trabalho, emprego, renda, e ao suprimento de carências alimentares. Práticas agrícolas urbanas, em suas variadas possibilidades de produção de alimentos através de técnicas de hidroponia e de organoponia, em áreas com solos poluídos ou de aterros, hortas caseiras, hortas coletivas, produção de vegetais utilizando cercas que circundam comunidades, cultivo hortícola em vasos, em pneus, em garrafas tipo pet, criação de pequenos animais, existem, hoje, em várias cidades do Brasil e do mundo, em escala que não mais pode ser subestimada.
16Segundo Ribeiro, Bògus e Watanabe (2015, p. 01), a agricultura urbana agroecológica (AUA) é uma
[...] ferramenta promotora de saúde, por contribuir com o fortalecimento do protagonismo individual e comunitário, empoderamento, criação de ambientes favoráveis à saúde, bem como seu potencial para a multiplicação de “saberes”, pelos envolvidos, sobre temas relacionados à geração de renda, saúde e meio ambiente.
17A agricultura urbana apresenta uma nova forma de coexistência do verde urbano, o verde produtivo, ou seja, além de exercer a função estética e recreativa, que colabora para a construção e a manutenção da cidade consciente e sustentável, também otimiza o uso do solo e recupera espaços urbanos não edificados e abandonados. Segundo o estudo de Attiani (2011), a agricultura urbana também contribui com a impermeabilização do solo e as reduções de riscos ambientais, valorizando os saberes tradicionais e a diversidade de cultivos e culturas inseridas.
18Para Vilela e Moraes (2014, p. 06), a agricultura urbana está dentro do debate político e acadêmico ao tentar se inserir nas agendas de planejamento e de gestão pública, pois a prática dessa agricultura “dá-se em um ambiente sociopolítico diferente do da agricultura rural e, ao mesmo tempo, em uma situação de complementaridade”. Um desafio apresentado pelos autores refere-se a pensar a política de agricultura urbana e periurbana não como ação isolada, mas consubstanciada em outras políticas públicas:
[...] as várias experiências de agricultura urbana e periurbana representam pequenas porções de território e podem expressar movimentos políticos contemporâneos que se relacionam com outras lutas socioespaciais (estrutura fundiária urbana e rural), socioeconômicas (geração de renda e ocupação) e socioambientais (busca por alimentos mais saudáveis). Individualmente, ou através de grupos organizados, atores sociais buscam a ressignificação das suas relações com o meio, seja por fatores econômicos (autoconsumo), ou culturais (representação das práticas agrícolas) (VILELA e MORAES, 2014, p. 08).
19No caso da agricultura urbana e periurbana em Cuba, diante da necessidade de produzir alimentos em pleno período de crise agroalimentar e da possibilidade de reduzir a atuação dos intermediários, a atuação do Estado foi fundamental na implantação dessa política.
20Em Cuba a agricultura urbana foi implementada de maneira organizada e como política de Estado no início da década de 1990. Na década de 1980, em Cuba, havia uma política social de desenvolvimento de hortas escolares a partir de convênio entre os Ministérios da Educação e da Agricultura, favorecendo o cultivo de hortaliças de diferentes tipos e abastecendo as unidades escolares e de assistência social (MINAG CIENFUEGOS, 2009)iv. Em 1994, se deu a elaboração da Política Nacional de Agricultura Urbana, com a instauração do Grupo Nacional de Agricultura Urbana (GNAU), hierarquicamente situada no nível inferior ao do Instituto Nacional de Investigações Fundamentais de Agricultura Tropical (ININFAT), e vinculada ao Ministério da Agricultura (CASTRO, 2003; RELATÓRIO VIDAUP, 2006).
21Na década de 1980, Raul Castro Ruiz era o ministro da defesa e, segundo Koont (2009), foi um dos incentivadores dessa política antes mesmo do período especial (de 1989 até meados dos anos de 1990). Segundo o mesmo autor, o cultivo dos organopônicos já ocorria em áreas destinadas aos órgãos militares e o consumo ficava restrito aos militares. Em 1991, “o primeiro organopônico em Havana foi operacionalizado num lote vazio de dois acres em frente à sede do INRE, no distrito de Miramar” (KOONT, 2009, s/p.).
22Sorzano (2009) realizou uma análise da política de agricultura urbana em Cuba, mais precisamente na cidade de Havana. A autora a define como a produção de alimentos dentro das cidades, tanto em quintais, áreas disponíveis das residências, quanto em espaços públicos desocupados.
23Oficialmente, a política de agricultura urbana foi implementada em 1994, sendo fundamentada em dois grandes pilares: promover a segurança alimentar (produção de alimentos para a população) e propiciar trabalho (renda). No ano de 1997 foi criado o Movimento Nacional da Agricultura Urbana para o pleno desenvolvimento dessa como uma política pública.
24A consolidação dessa política deu-se com a possibilidade de o Estado oferecer a terra, mediante um valor anual fixado por m2, e a assistência técnica, por meio do recurso pago pelo próprio agricultor à empresa agropecuária de seu município. No sistema de imposto existente na agricultura urbana, periurbana ou rural, o agricultor é o principal produtor e emissor de recursos, pois a anuidade paga pelo uso da terra, calculada em m2, é revertida para as empresas estatais agropecuárias. Essas revertem o recurso despendido sob a forma de assistência técnica, comercialização e revenda de sementes e demais produtos utilizados. O Estado cede a terra, e todos os gastos dependem do trabalho e dos recursos pagos pelos agricultores.
25A eficiência e a consolidação da agricultura urbana e periurbana ocorrem a partir de diretrizes em três tipos de programas: cultivo, pecuária e apoio, como verificado no quadro 1.
Quadro 1: Os 28 subprogramas da agricultura urbana em Cuba.
Subprogramas
|
12 Agricultura
|
7 Pecuária
|
9 Apoio
|
Hortaliças e condimentos frescos
|
Gado
|
Controle, uso e conservação da terra
|
Plantas medicinais e condimentos secos
|
Avicultura
|
Matéria orgânica
|
Plantas ornamentais e flores
|
Ovino e caprino cultura
|
Irrigação e drenagem
|
Raízes e tubérculos tropicais
|
Suinocultura
|
Sementes
|
Plátano Popular (Banana)
|
Canícula cultura
|
Alimento animal
|
Arroz Popular
|
Aquicultura
|
Pequena agroindústria
|
Milho e sorgo
|
Apicultura
|
Ciência, tecnologia e capacitação
|
Feijão
|
|
Meio ambiente
|
Oleaginosas
|
Comercialização
|
Frutas
|
|
Florestais e café
|
Cultivos Protegidos
|
Fonte: Sorzano (2009)
26Em Cuba existem 28 subprogramas traçados para a organização da agricultura urbana e periurbana envolvendo a agricultura, a pecuária e o apoio. Há uma combinação de subprogramas de cultivo, por exemplo, de hortaliças, com produção de matéria orgânica (minhocultura), sementes e comercialização.
27Em Aquino (2002), Enriquez (2010) e Relatório (VIDAUP, 2006), existem diferentes modalidades de produção no país:
281) Organopônicos não protegidos (foto 01): consiste na utilização de canteiros retangulares separados por bloco de concreto pré-fabricados ou rochas da própria região, com medidas entre 30 metros de comprimento e um metro de largura, e, em cada canteiro, há uma mistura orgânica de adubos e restos de vegetais. Os organopônicos são implementados em “áreas con movimientos de tierras para la construcción, espacios intraurbanos con suelos degradados o erosionados, patios de industrias e instalaciones educacionales, entre otros” (RELATÓRIO VIDAUP, 2006);
292) Organopônicos semiprotegidos (foto 02): há o uso de telas de proteção para regular a umidade, a temperatura e evitar a exposição direta aos raios solares. Entretanto, os agricultores urbanos ou suburbanos adotam tal sistema apenas para alguns cultivos, como o tomate e para fabricação de húmus (minhocultura);
Foto 01: Organopônico na cidade de Cienfuegos
Fonte: Pesquisa de campo (2011)
Foto 02: Organopônico semiprotegido em Cienfuegos
Fonte: Pesquisa de Campo (2011)
303) Hortas intensivas: é um sistema que não adota a construção de canteiros, mas está presente em áreas industriais e instalações educacionais (RELATÓRIO VIDAUP, 2006);
314) Pátios: são pequenas hortas caseiras privadas que produzem principalmente para autoconsumo familiar, com área entre 20 a 800 m2 e, geralmente, nas áreas laterais das residências e condomínios;
325) Parcelas: lotes de terras individuais utilizados para cultivos de hortaliças e frutas;
336) Agricultura de lugar: são pequenos espaços dentro dos quintais, onde são cultivadas frutas, hortaliças, plantas ornamentais, criação de pequenos animais (galinha), e visam exclusivamente o autoconsumo;
347) Parcelas de autoconsumo de fábricas ou empresas: áreas das empresas do Estado para a produção de alimentos destinados aos refeitórios do próprio estabelecimento;
358) Fincas (propriedades rurais) suburbanas ou periurbanas: estão localizadas ao redor das cidades, cuja área é superior às parcelas ou às hortas populares, e o tamanho varia de 2 a 15 hectares (CASTELLON, 2003).
36Os diferentes tipos ou sistemas de produção variam conforme o município e a disponibilidade de área, água, mão de obra, adubos orgânicos e recursos econômicos. Atualmente, a maior parte dos cultivos da agricultura urbana é oriunda de organopônicos que consistem em “sembrar sobre paredes bajas de hormigón rellenas de materia orgánica y tierra, con surcos para riego por goteo situados sobre las plantas en crecimiento”v.
37Os dados mais recentes divulgados pela imprensa oficial cubana (Granma), em fevereiro de 2020, reforçam que a agricultura urbana e periurbana cubana incorporam “800 000 personas [...] 1 277 517 toneladas de alimentos en organopónicos, huertos intensivos, cultivos semiprotegidos y parcelas tecnificadas”vi.
Intervienen en la agricultura suburbana 147 563 fincas. De ellas 125 969 se encuentran en categoría de listas. Para sus actividades cuentan con 99 578 juntas de bueyes y 68 302 carretones. El pasado año fueron capacitadas en diferentes programas 34 000 personas, y en el actual se prevé hacerlo con una cifra similar.Está planificado recuperar este año 1 732 hectáreas principalmente en órganopónicos gigantes y cultivos semiprotegidos. Deben priorizarse en la agricultura suburbana las siembras de berenjena, quimbombó, pepino, frijol caupí, maíz para consumo tierno y obtención de forraje (GRAMNA, 2020, s/p)
38Especificamente em relação à política de agricultura periurbana, o “Lineamento de 2010” é o parâmetro formulado pelo Partido Comunista Cubano (PCC), contendo diretrizes e objetivos para a plena consecução dessa política. O documento foi elaborado pelo Ministério da Agricultura (MINAG) e pelo Grupo Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana (GNAU), cujo objetivo é o uso intensivo das terras localizadas ao redor das cidades para fins produtivos, legitimando o Decreto Lei 259 aprovado no ano de 2008. As premissas para o desenvolvimento da agricultura periurbana foram traçadas tendo como fio condutor a utilização das áreas (terrenos) situadas nas bordas das cidades (independentes do tamanho). Entre as premissas delineadas no documento de 2010, destacam-se quatro itens: a) uso intensivo das terras e uso da tração animal; b) adoção da finca (propriedade) como unidade organizativa; c) adoção de práticas agroecológicas; d) diversificação produtiva e de subprogramas.
39Diferentemente da agricultura urbana, em que não há incentivos para a criação de animais de grande porte, na agricultura periurbana não há tal restrição. Foi ampliado assim o número de subprogramas de 28 para 30. Cada província define seu plano estratégico no desenvolvimento dos subprogramas.
Quadro 2: Os 30 subprogramas da agricultura periurbana de Cuba
Subprogramas
|
10 Agricultura
|
7 Pecuária
|
13 Apoio
|
Hortaliças
|
Aves
|
Uso da terra
|
Frutas
|
Cunicultura
|
Comercialização
|
Arroz
|
Ovino
|
Logística
|
Florestas, café e cacau
|
Caprino
|
Capacitação
|
Banana
|
Porcino
|
Solo e adubo orgânico
|
Raízes e tubérculos tropicais
|
Gado maior
|
Sementes
|
Oleaginosas
|
Aquicultura
|
Uso e manejo da água
|
Grãos
|
|
Alimentação animal
|
Plantas medicinais e condimentos secos
|
Manejo agroecológico de pragas
|
Flores
|
Saúde animal
|
|
Polinização
|
Ambiente
|
Pequena Agroindústria
|
Fonte: Lineamientos da Agricultura Periurbana (2010).
40No quadro 2 é notável uma ênfase nos subprogramas de apoio, com o intuito de dar suporte ao desenvolvimento das atividades agropecuárias. É interessante notar que o Estado estabeleceu que a distância entre a produção e o ponto de compra não pode ultrapassar cinco km, para evitar a perda em virtude da perecibilidade dos produtos. A referida política busca trabalhar três eixos: 1) a descentralização da produção no cenário produtivo em diferentes modalidades; 2) a descentralização da assistência técnica e material; e 3) a descentralização da comercialização (diferentes pontos de venda). A organização administrativa ocorre baseada na Granja Urbana de cada município, respeitando as diretrizes do Grupo Nacional.
41Cada município, com base nos Lineamentos definidos para o desenvolvimento da agricultura periurbana, define a área produtiva. Essa área é traçada de maneira circular respeitando uma distância máxima de 10 km a partir do perímetro urbano. Na área circular são traçadas, com o respeito às especificidades de cada município, os subprogramas da agricultura periurbana.
42O município de Camaguey está localizado na porção central da ilha cubana e situado na Província com o mesmo nome (mapa 1). A sua descoberta data do século XVI, com as ações de piratas e corsários que, por sua vez, influenciaram no desenvolvimento de Santa Maria de Puerto Príncipe, antigo nome de Camaguey. A província de Camaguey é a maior em extensão territorial, cuja área total é de 15.413 km2.
Mapa 1: Localização da província de Camaguey
Fonte: DMPF, 2010.
43No contexto atual, Camaguey se destaca como cidade polarizadora, concentrando os principais institutos educacionais e de saúde da província.
La contribución más importante se da en el sector industrial, de la construcción y el agropecuario. Desde los criterios demográficos, la ciudad concentra el 39 % de la población total de la provincia y el 37 % de la población ocupada total de la misma. […] Correspondiente a la esfera no productiva es el 51% de la total de la provincia con mayor incidencia en el sector educacional con el 46% y el sector de salud pública, asistencia social, deporte y turismo con el 54%. (GONZÁLEZ, 2005, p. 67).
44Segundo o Plano Geral de Ordenamento Territorial elaborado pela Direção Municipal de Planificação Física de Camaguey (DMPF), no ano de 2010, Camaguey é um municipio receptor de migrantes, tanto intraprovincial quanto interprovincial. A organização político-administrativa de Camaguey permite, grosso modo, ter uma visão da espacialidade da agricultura urbana. Nos repartos – que são conjuntos habitacionais verticais, há um maior número de organopônicos e pontos de venda vinculados à agricultura urbana.
45O município de Cienfuegos ocupa uma área de 341, 28 Km2, sendo 54 Km2 de área urbana, cuja densidade é de 2.868,46 habitantes/Km2. O município localiza-se na parte costeira da província com o mesmo nome e situa-se na chamada porção centro-sul da ilha de Cuba (mapa 2).
Mapa 2: Localização da província de Cienfuegos.
Fonte: DPPF, 2010
46Por ser uma cidade costeira, Cienfuegos é conhecida como Pérola do Sul (Perla del Sur) pela importância econômica, sobretudo das atividades industrial e portuária. O crescimento da cidade acompanhou a “baía de bolsa”, como é chamada a Bahía de Jagua. A referida cidade abarca uma centralidade a partir dos serviços públicos, dos serviços vinculados ao turismo e das indústrias. Na hierarquia urbana não há centros intermediários nos demais municípios da província, o que caracteriza uma província centralizada no chamado município cabeceira - Cienfuegos. No Plano Físico da cidade tal modelo é chamado de estrutura monocentrica, ou seja, a existência de um único centro polarizador de serviços mais complexos.
47O município de Cienfuegos apresenta alta taxa de urbanização (95%), não tendo apresentado alteração desde 1990. Castro (2003) aponta que houve, entre 1987 e 2000, um aumento, mesmo que tímido, da população rural por conta da migração de outras províncias e de outros municípios da mesma província. No município de Cienfuegos existem 28 assentamentos (aglomerações) rurais com uma população de 10.699 habitantes (6,5%) e uma expressiva população urbana, estimada em 140.734 habitantes (91,5 %), em quatro distritos (poblados) urbanos.
48Segundo o DPPF Cienfuegos (2009), a cidade de Cienfuegos tem um grande peso demográfico, pois se constitui como principal centro receptor de migrantes pendulares e migrantes permanentes para trabalhar no setor de serviços e nas indústrias (PGOU, 2009). Essa característica de centralidade confere ao município, em especial à cidade, uma significativa importância na organização espacial e econômica de toda a província. E, também serve de base para compreender as razões e as estratégias fomentadas para a agricultura urbana e, recentemente, a periurbana.
49A institucionalização da agricultura urbana em Cuba ocorreu, segundo os estudos de Sorzano (2009) e Díaz (2005), nos anos 1990, em decorrência da crise e da extinção da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Com o fito de amenizar os efeitos da crise agroalimentar, o Estado programou várias reformas e políticas, entre as quais: criação da CUC – moeda livremente convertível -, por meio do Decreto Lei 140; criação do Mercado Agropecuário (MLA), a partir do Decreto Lei 191; criação do trabalhador cuenta-propista, sob o Decreto Lei 141; criação de Unidades Básicas de Produção Cooperativa (UPA), com o Decreto Lei 142 etc. (SORZANO, 2009; DÍAZ, 2005; GONZALES, 2009).
50Segundo Sorzano (2009) e Díaz (2005), a primeira ação do Estado foi o parcelamento das terras, em 1992, de maneira espontânea e, depois de 1994, organizada e regrada por ele. A partir de 2008, o Decreto Lei 259 foi implantado e teve o objetivo inicial de permitir o acesso dos trabalhadores (aposentados, jovens e mulheres, em sua maioria) à agricultura, mediante o direito ao usufruto da terra, seja na cidade ou no campo.
51Para a compilação de todo o material acerca da análise descritiva da agricultura urbana em Cienfuegos e Camaguey, foram visitados e aplicados a observação sistemática e roteiros não estruturados junto aos seguintes organopônicos em Cienfuegos (Pastorita, Universidade e 04 Caminhos) e em Camaguey (Julio Mella, Saratoga, La Gloria). Também foram visitados em Cienfuegos os bairros Pastorita e Costa Sul, com horta em parcelas e pátios, o Mercado Municipal de Preços Fixados e o Ponto de Venda de Produtos da Agricultura Urbana em Calzada – Parque Vivienda e a Direção Provincial de Planificação Física de Cienfuegos.
52Em Camaguey foi estabelecido o contato in loco, além dos organopônicos mencionados, na Direção Provincial de Planificação Física de Camagüey, no Mercado Agropecuário Estatal 30, na Faculdade de Ciências Agrárias da Universidade de Camaguey, no Reparto La Gloria, no Mercado Agropecuário Livre, no Mercado Agropecuário Estatal – CCS Renato Guitart, na Empresa Estatal Triângulo, nas Tiendas do Agricultor Urbano, no Viveiro CCSF Raúl Gómez García, no Ponto de Compra da Empresa de Acopio – responsáveis pela coleta e pelo armazenamento de produtos agrícolas, na Delegacia Provincial da Agricultura Urbana e na finca urbana de Flores La Margarita.
53O município de Cienfuegos abarca uma área de 34.127,62 hectares de superfície, sendo que 16.513,19 hectares são agrícolas e 17.614,43 não agrícolas. A área destinada ao desenvolvimento da agricultura urbana compreende 1.157,93 hectares e a agricultura periurbana 14.564,13 hectares, segundo os dados do MINAG CIENFUEGOS (2009). Na tabela 1 podem ser visualizados os dados sobre a distribuição da agricultura urbana e periurbana na sede e nos distritos de Cienfuegos.
Tabela 1: Área destinada à agricultura urbana e periurbana em Cienfuegos (hectares).
Assentamentos (sede e distritos)
|
Agricultura Urbana (área)
|
Agricultura Sub-Urbana (área)
|
Cienfuegos
|
1 042.9 ha
|
13 118.58 ha
|
Guaos
|
40.0 ha
|
502.80 ha
|
Pepito Tey
|
18.7 há
|
235.06 há
|
Ventas del Río
|
56.3 ha
|
707.69 há
|
Total
|
1. 157.93 ha
|
14. 564.13 há
|
Fonte: MINAG Cienfuegos (2009). Org: Erika Moreira Santos (2013)
54Segundo os dados do MINAG (2009), o município de Cienfuegos abarca 16.161,96 hectares disponíveis para a agricultura, sendo 3.709,2 hectares entregues, por meio do Decreto 259, para a agricultura urbana e periurbana e 6.222,69 hectares de terras ociosas. Como o município tem, dentro de seus limites políticos, o desenvolvimento de atividades industriais, é vedada a implantação de qualquer modalidade da agricultura urbana, por conta de possíveis contaminações. Sendo assim, verifica-se, nos bairros residenciais de Cienfuegos, que o cultivo agrícola com hortaliças, leguminosas, banana, manga e plantas ornamentais faz parte da maioria das casas, os chamados pátios e parcelas.
55Em relação à superfície agrícola, predomina o cultivo da cana-de-açúcar (17,3%), seguido por pastagens naturais (12,8%) e por tubérculos e raízes (7,9%). A estrutura organizativa municipal de Cienfuegos, no que tange à produção agropecuária, é baseada em empresas estatais municipais, cooperativas e granjas.
56Há diferentes modalidades da agricultura urbana e periurbana praticadas em Cienfuegos, com destaque para as hortas intensivas (huertos intensivos), cuja produção, no ano de 2009, chegou a 15.556 toneladas. Essa modalidade visa ao cultivo em áreas com solos mais férteis.
57Dos 30 subprogramas da agricultura urbana, a produção de hortaliças e condimentos frescos, raízes e tubérculos tropicais, criação de gado e caprinos são os que comparecem, em termos de área ocupada, com maior proeminência. Isso tem uma relação intrínseca com a dieta alimentar adotada e, consequentemente, com a demanda da população. Além disso, observamos, durante a pesquisa de campo, que as mulheres ocupam, majoritariamente, a comercialização das hortaliças (responsáveis pelos pontos de venda).
58O Estado cubano estabeleceu seus lineamentos (diretrizes políticas) visando ao planejamento de todas as províncias; surgiram, portanto, os Planos de Ordenamento Territorial, ou seja, Planos quinquenais de atuação do Estado no âmbito provincial. As áreas situadas na porção oeste, que percorrem a baia não podem ser ocupadas com agricultura urbana, pelo alto risco de contaminação. As propriedades entregues para usufruto, mediante o Decreto 259, estão situadas nas bordas da cidade, na área definida como cinturão produtivo (até 10 Km a partir do centro do município).
59Para a construção dos organopônicos é necessário que atendam às seguintes exigências: as áreas selecionadas sejam improdutivas e, preferencialmente planas; não se verifique a presença de árvores, para evitar sombras excessivas nos cultivos; tenha boa drenagem superficial e, principalmente, esteja localizada próxima ao consumidor final.
60A partir de 1994, as cooperativas tornaram-se responsáveis pela comercialização da produção com as empresas estatais e não mais o agricultor individual. O agricultor passou a receber da Empresa (estatal) o valor de sua produção escoada para escolas, hospitais, creches etc., entre cinco e dez dias após a entrega dos produtos, mediante pagamento bancário. Esse trâmite favoreceu um ganho maior ao agricultor e, ao mesmo tempo, resultou numa dependência em relação ao Estado. As empresas agropecuárias podem comercializar para o consumidor final mediante dois tipos de mercados: mercados de produtos racionados e mercados agropecuários com preços estabelecidos (ou mercado agropecuário estatal - MAE). Tanto nos mercados agropecuários livres como nos mercados estatais há produtos oriundos da agricultura urbana, periurbana e rural (GONZALEZ, 2006 e 2009).
61A forma estatal predomina entre os canais de comercialização dos produtos agropecuários. As diferentes formas de vendas – cooperativas, individuais, estatal e privado – são importantes estratégias de transformação nas relações de produção (GONZALEZ, 2009). Há um controle estatal da comercialização de produtos agrícolas visando amenizar a atuação maciça do intermediário. Jiménez (2010), em estudo sobre a comercialização da agricultura urbana no município de Cienfuegos, constatou que a comercialização constitui uma via de valor extraordinário para a venda de vegetais, frutas, grãos, hortaliças e condimentos, “cuyo destino es la población y las instituciones hospitalarias, educacionales y otros, resultado del acercamiento entre el lugar de la producción y los consumidores” (JIMENEZ, 2010, p.11).
No momento da realização da pesquisa de campo havia, em Cienfuegos, 93 pontos de venda direta dos produtos da agricultura urbana, sendo a maior parte dos fixos localizado nos próprios organopônicos. Foi feita visita a um dos principais pontos de venda dos produtos da agricultura urbana em Cienfuegos, localizado na Calzada Parque Vivienda, criado há cinco anos pela iniciativa de um ex-agricultor urbano, Sr. Curbelo, técnico agropecuário aposentado. Para evitar intermediário e agrupar a produção de quatro organopônicos – T15, 4 Caminhos (foto 03), Paraíso e Caunaw Florestal, o ponto de venda foi criado e nada é cobrado pelo espaço. Neste cenário, o responsável retém 5% da venda diária, sendo a contabilidade realizada todos os dias. Cada agricultor entrega seu produto utilizando carroça, charrete ou bicicleta, na parte da manhã e, juntamente, um recibo assinado com o valor total dos produtos. Há uma confiabilidade entre os produtores e o senhor que comercializa os produtos.
|
Foto 03 - Preparação dos canteiros no Organopônico Quatro Caminhos em Cienfuegos.
Fonte: Pesquisa de Campo (2011)
|
62Em um dos organopônicos visitados, 4 Caminhos, os produtos são vendidos para o Estado para o abastecimento das creches e hospitais, no próprio local (o Estado aplicou uma multa para melhorar fisicamente o ponto de venda) e no local de venda de produtos organopônicos na Calzada, área central da cidade. A única mulher que trabalha no organopônico é responsável pela venda direta ao consumidor no próprio ponto de venda.
63Na política da agricultura urbana e periurbana, embora tenha um lineamento para toda a ilha cubana, cada província e município cabeceira (capital) apresenta suas peculiaridades. Com Camaguey não é diferente pois tornou-se, em termos de subprogramas adotados, referência no desenvolvimento de tal política. A proposta inicial contava com seis organopônicos e oito hortas intensivas para atender as demandas, inicialmente, das instituições sociais (escolas, creches, hospitais, asilos, quartel etc.). Os primeiros desafios da agricultura urbana foram sensibilizar a população local quanto aos benefícios do consumo de hortaliças e leguminosas, a partir de divulgação realizada por parte dos Ministérios da Saúde Pública e da Agricultura.
Para a obtenção de bons resultados nessa atividade laboral, o primeiro passo foi a capacitação dos agricultores quanto às práticas orgânicas e de controle biológico contra insetos e pragas. Essa ação levou à capacitação de manejo e preparação de substrato orgânico a partir da compostagem de matéria orgânica, húmus de minhoca e terra. O que diferencia um organopônico de uma horta intensiva, além da existência de canteiros organizados, é a qualidade do solo e a necessidade de receber mais nutrientes ou não. O segundo passo para a obtenção de hortaliças de qualidade foi a adoção dos princípios da agroecologia, como o controle biológico contra pragas, tipos de cultivos e de plantas repelentes, utilização da água etc.
64A agricultura urbana e periurbana ocupa um total de 977 hectares, representando 14,8% da área total da cidade de Camaguey. Segundo os dados do MINAG Camaguey (2009), o município é candidato ao posto de programa de excelência da agricultura urbana. Tanto em Camaguey quanto em Cienfuegos observamos que há uma consonância entre os organopônicos (área de cultivo e comercialização) e a arquitetura de cada cidade (foto 04), pois há uma preocupação com o “embelezamento” da área.
Foto 04: Vista lateral dos canteiros do organopônico em Camaguey
Fonte: Pesquisa de Campo (2011)
|
65Em relação aos pontos de venda, em Camaguey, a tabela 2 apresenta-os por tipos e modalidades. Os tipos de venda dos produtos da agricultura urbana variam de pontos fixos a móveis. Foram identificados 14 organopônicos com pontos de venda (foto 05) - neste há um painel com os produtos comercializados diariamente e seus valores correspondentes. Os consumidores levam suas próprias sacolas e, na maioria das vezes, efetuam as compras na parte da manhã, pois estes pontos de venda funcionam apenas durante um período do dia.
Tabela 2: Número de pontos de venda dos produtos da agricultura urbana e periurbana em Camaguey
Tipos de pontos de venda
|
N.
|
Organopônicoss
|
14
|
Permanentes
|
47
|
Mercados agropecuários
|
5
|
Pontos móveis
|
75
|
Fonte: González (2005).
66No caso dos pontos permanentes, há 47 distribuídos por toda a cidade, sobretudo nas áreas residenciais (foto 06). Estes geralmente estão situados nas esquinas das ruas e vendem desde produtos in natura até processados artesanalmente (temperos, sucos de laranja e rapadura). A implantação de um ponto de venda (placitas) depende da autorização do Estado, mediante alguns trâmites burocráticos e aprovação, também, dos Comitês de Defesa da Revolução (CDRs).
Foto 05: Ponto de venda de um organopônico localizado em Camagüey
Fonte: Pesquisa de Campo (2011)
|
|
Foto 06: Local de comercialização do organopônico em Camaguey
Fonte: Pesquisa de Campo (2011)
|
67É possível a comercialização nos mercados agropecuários, sendo os produtos oriundos da Empresa Estatal de Acopio, que compra dos agricultores e, mediante os preços fixados, levam para os vários pontos de venda estatal. Neste tipo de mercado não há autorização para compra direta dos agricultores, tal prática se dá somente por meio da empresa de Acopiovii. O município abarca oito pontos de venda ao consumidor, cuja distância entre eles é de quatro quilômetros. Cada ponto de venda estabelece dois dias da semana para a compra dos produtos agropecuários dos agricultores urbanos e suburbanos. Os dias de compra são terças e quintas feiras e o abastecimento dos caminhões nos dias posteriores. O Estado fixa preço para mais de 30 produtos agropecuários (arroz, feijão, batata, ervilha etc.) e proíbe a comercialização em mercados agropecuários de oferta e demanda. O produto mais concorrido é a batata, cujo limite de venda para cada pessoa é de 10 libras (4,65 quilos). O faturamento anual de uma “placita”, na época da pesquisa, era de aproximadamente 124 mil pesosviii e o salário pago às funcionárias não depende do valor vendido, pois o Estado fixa um salário mensal. Cada ponto de venda atende a demanda de toda a área vizinha e foi implantado, justamente, a partir da delimitação territorial dos conselhos populares.
68Os dois mercados agropecuários – estatal (fotos 07 e 08) e livre – funcionam no mesmo local, na área central de Camaguey. No caso do mercado estatal, os boxes estão organizados por CCS (Cooperativa de Crédito e Serviços), por CPA (Cooperativa de Produção Agrícola) e por UBPC (Unidade Básica de Produção Cooperativa). Cada uma dessas organizações expõe e comercializa seus produtos depois de cumprir o contrato de entrega para o Estado. Observa-se, neste mercado, a comercialização de muitas hortaliças, frutas (abacate, banana e goiaba), doces de manga, goiaba e leite, extrato de tomate, temperos, sucos concentrados, ervas medicinais e aromáticas, vinagre, vinho, milho moído para a preparação de pamonhas etc. É possível também adquirir produtos beneficiados e de higiene pessoal, pois o Estado implantou quiosques de revenda desses. A Empresa Estatal Triângulo, por exemplo, tem um boxe de comercialização de tomate processado, abacate, abobora e raízes. Já a CCS Renato Guitart tem vários boxes, desde carnes e frutas até hortaliças e condimentos. Essa CCS é uma das mais consolidadas no município com mais de 75 propriedades cooperadas.
Foto 07: Mercado Estatal em Camaguey
Fonte: Pesquisa de Campo (2011)
|
Foto 08: Mercado Estatal em Camaguey
Fonte: Pesquisa de Campo (2011)
|
69A empresa de abastecimento compra a produção dos agricultores mediante um contrato prévio e depois distribui para as instituições sociais e para os pontos de venda estatais com preços subsidiados. São mais de 30 produtos com preços fixados pelo Estado e que são proibidos de serem vendidos em mercados privados.
70A DPPF de Camaguey elaborou o plano de ordenamento territorial (2009) e identificou os tipos e/ou modalidades da agricultura periurbana, sendo as hortas intensivas (huertos intensivos) mais numerosas - 84 pontos distribuídos pela cidade. Os pátios e as parcelas são estimados em 4.241 unidades e visam, na maioria das vezes, suprir as necessidades das famílias. É importante explicar que o número de propriedades periurbanas era baixo, pois estavam em processo de autorização apenas aquelas vinculadas ao Decreto Lei 259.
71Para se ter uma noção mais concreta dos valores dispensados para os tributos estatais, do total da venda realizada, 35% é deduzido para a Oficina Nacional de Arrecadação Tributária – ONAT, cujo pagamento é anual. Em caso de venda para Cooperativas, é obrigatório o pagamento em cheque nominal da organização e, para tanto, a Empresa Estatal Agropecuária estabelece o vínculo e deduz uma taxa de 14%, além de 10% da CCS, sendo 5% destinado à ONAT e 5% para gastos internos. Essa operação é realizada por agricultores vinculados a alguma cooperativa. Entre agricultores da própria cooperativa não há necessidade de comprar via empresa agropecuária. No caso de um comprador individual, cujo pagamento seja feito em dinheiro, não há necessidade de pagamento por meio da empresa e, portanto, é dispensada a dedução. A venda para o Estado é mais vantajosa, porque o valor pago é maior e a segurança da venda é garantida, embora haja esses problemas de ordem burocrática. Um problema enfrentado pelo administrador e que se estende para agricultores especializados em plantas e flores é a proibição da comercialização de vasos e suportes.
72No município de Camagüey a forma de transportar a produção agropecuária é através de funcionários que buscam a produção em bicicletas sinalizadas com a cor amarela. A produção arrecadada é levada para os pontos de venda estatal, as chamadas placitas, que estão, estrategicamente, localizadas nos quatro distritos, quais sejam: Julio Antonio Mella, Ignacio Agramonte, Joaquim de Agüero e Reparto La Gloria.
73Segundo o Plano de Ordenamento Territorial de Camaguey, a prática da agricultura urbana nas áreas periféricas da cidade é distribuída nas seguintes proporções: Distrito de Julio Antonio Mella (529 hectares); Distrito de Ignacio Agramonte (304 hectares) e Distrito de Joaquim de Agüero (19 hectares).
74O Reparto La Gloria, localizado na porção sul do município de Camagüey, apresenta uma peculiaridade: a existência de terrenos maiores e com residências, e com expressiva presença de pátios e parcelas cultivadas com frutas (banana, goiaba, abacate, manga, acerola, mamão, uva etc.), hortaliças, grãos, legumes, plantas ornamentais e florestais. É raro encontrar algum quintal (pátio) sem nenhum cultivo. Ao longo da principal via de acesso, a Carretera Santa Cruz do Sul, encontram-se cultivos variados e pessoas comercializando, em seus carrinhos e bicicletas, frutas como abacate e banana. A própria sociabilidade entre os moradores é um fator que incentiva essa prática, pois a comercialização ocorre entre eles, além do autoconsumo.
75O cinturão produtivo municipal de Camaguey foi traçado a partir da sede do município e se estende até 10 km. Segundo os dados do MINAG Camaguey, foram entregues, por meio do Decreto Lei 259, 6.783,76 hectares de terras até 2011 nas áreas periurbanas para fins produtivos. Assim, ingressaram no sistema de usufruto 324 novos produtores e 112 ampliaram sua área de produção. A maior parte das terras produtivas visa a produção pecuária e a produção diversificada (cultivos variados). (COMPANIONI et al., s/d, s/p).
76Para a capacitação dos agricultores urbanos e suburbanos há um plano de capacitação geral, formulado pelo Grupo Nacional de Agricultura Urbana, no qual são trabalhadas quatro linhas de subprogramas: lombricultura, solo, agroflorestal e manejo. Os cursos de capacitação ocorrem, segundo o responsável, semanalmente e com um especialista capacitado. A granja urbana (forma de organização coletiva) possui 22 representantes que são responsáveis pela capacitação por conselho popular. Esses representantes possuem cursos superiores ou técnicos em ciências agropecuárias. Além dos representantes, existem os facilitadores que participam dos cursos e auxiliam no processo de capacitação dos agricultores urbanos. Os recém-formados em ciências agropecuárias permanecem dois anos na empresa estatal (granja urbana) como uma forma de adquirir experiência.
77A implantação da política de agricultura urbana e periurbana em Cuba ocorreu em um período marcado pela crise agroalimentar, decorrente da dissolução da União Soviética, no final dos anos 1980. A atuação do Estado é preponderante tanto na organização e distribuição dos organopônicos e hortas, quanto na comercialização dos produtos. O principal comprador dos produtos é o Estado, para abastecer creches, escolas, hospitais e asilos e, ao mesmo tempo, permite que o agricultor faça sua venda diretamente ao consumidor.
78Há uma preocupação, por parte do planejamento urbano, que a existência dessa atividade seja usada tanto para a alimentação quanto para a manutenção de áreas verdes dentro das cidades. Tanto em Camaguey quanto em Cienfuegos, nota-se a existência de várias modalidades da agricultura urbana pulverizadas pelos bairros residenciais. Contudo, são duas cidades com características distintas, pois enquanto a economia de Camaguey é marcada pelo desenvolvimento da agricultura e da indústria alimentícia, em Cienfuegos o setor industrial é forte, com destaque para os ramos metal-mecânico e petroquímico.
79O primeiro desafio desse movimento de agricultura urbana foi a sensibilização da população local quanto aos benefícios de hortaliças e leguminosas, a partir de divulgação feita pelos Ministérios da Saúde Pública e da Agricultura. E o resultado dessa sensibilização foi a chegada de alimentos frescos, saudáveis e com preços acessíveis aos consumidores. Uma questão levantada durante as visitas aos organopônicos de Cienfuegos foi quanto a utilização da água nas plantações, pois havia, naquele momento, uma dificuldade relacionada ao abastecimento de água em vários horários do dia. Mas, de um modo geral, não foram apontados, por parte dos respondentes das duas cidades, nenhum fator que dificultasse a implantação da agricultura urbana.
80A política de Agricultura Urbana e Periurbana é importante para garantir alimentos aos citadinos e, consequentemente, valorizar a saúde e gerar renda e trabalho. Os princípios da agroecologia são adotados nos organopônicos com a preparação e uso de adubação verde, barreiras ecológicas, estabelecimento de preços acessíveis aos consumidores, redução de terrenos com potenciais vetores de doenças (roedores e insetos) etc.
81Por fim, mas não menos importante, a agricultura urbana cubana, pautada nos princípios da agroecologia, possibilita disseminar experiências quanto ao respeito ao meio ambiente, a busca da qualidade de vida (saúde), a valorização dos conhecimentos e dos sujeitos inseridos na diversificação da produção. A política de agricultura urbana e periurbana não é isolada de outras ações estatais, como o planejamento urbano e a área da saúde, ou seja, há uma articulação com gestores de diversas instituições.