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Contrarracionalidade no centro de Campinas: a (sobre)vivência dos trabalhadores da alimentação frente à imposição do planejamento estratégico

Contre-rationalité dans le centre de Campinas: survivance des travailleurs de l'alimentation face à l'imposition de la planification stratégique
The Counter-Rationality at Campinas city center: the survival of workers at the food industry facing the strategic planning imposition.
Livia Cangiano Antipon

Résumés

Le centre de Campinas, qui abrite un circuit alimentaire dense et populaire, joue un rôle important pour les pauvres du lieu : là, leurs économies peuvent être établies en garantissant la survie de cette partie des travailleurs de la ville. Sur la base d'une enquête bibliographique et d'informations recueillies sur le terrain, nous abordons à la fois les liens entre le projet de revitalisation de l'Avenue Francisco Glicério et les trajectoires quotidiennes des différents sujets qui composent ce circuit, ainsi que les innombrables moyens de survie das la métropole inégale. Il s'agit d'aborder la problématique étayée par le choc entre la planification stratégique imposée aux lieux et la réponse de leurs sujets, combinant des alternatives et résistant à l'abandon des modes de vie et de survie dans la ville. L'analyse des espaces populaires du marché alimentaire s'est montrée un élément essentiel pour la réflexion de la crise urbaine elle-même établie à Campinas, mettant en évidence la faim cachée dans la ville et les gestes de contre-rationalité des pauvres sujets sociaux, qui organisent leur propre espaces économiques.

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Texte intégral

  • 1 Artigo oriundo de pesquisa de mestrado com financiamento do CNPq no período de abril de 2014 à març (...)
  • 2 Município do estado de São Paulo com 1.1173.370 habitantes (IBGE, 2016).

11Campinas2, no período atual, vivencia um aprofundamento da pobreza urbana e, consequentemente, o crescimento de suas periferias. O seu centro, ao abrigar um denso circuito popular de alimentação, exerce uma função importante para os sujeitos pobres do lugar: ali suas economias podem se instaurar garantindo a sobrevivência dessa parcela de trabalhadores da cidade.

  • 3 Entre os anos 2013 e 2016 foram realizadas diversas saídas para trabalho de campo no centro de Camp (...)

2Baseados em um levantamento bibliográfico e em informações reunidas em trabalho de campo3, no presente artigo, abordamos os nexos entre o projeto de revitalização da Avenida Francisco Glicério, uma das vias mais populares do centro da cidade, e as trajetórias cotidianas dos diversos sujeitos que compõem o circuito popular de alimentação, evidenciando um movimento de resistência desses trabalhadores para a permanência e a restauração na urbe campineira.

3Sabe-se que a pobreza e o desenvolvimento desigual nas formações socioespaciais dos países periféricos estão intimamente associadas ao papel desempenhado pelo planejamento urbano – por excelência a serviço do capital (Santos, 1979b).

4Afirma-se, portanto, que essas intervenções são norteadas pelos grupos sociais interessados em promover a inserção do capital no espaço urbano – seja o empresariado ou o próprio poder público (Frúgoli, Jr., 2006) – e acabam por afetar na maioria das vezes o “modo de vida das classes populares, em geral as mais atingidas por tais processos” (Frúgoli, jr., 2006, p. 26): expulsão, silenciamento, desmobilização, desarticulação, fragmentação, entre outros, são corriqueiramente condições e resultados dessas operações urbanas.

5Buscando contribuir para o aclaramento desse estado de coisas, organizamos o artigo do seguinte modo: primeiramente, tratamos como o planejamento estratégico da cidade – apresentado por meio do projeto de revitalização da Avenida Francisco Glicério – vem servindo como instrumento de atraso e agravamento das disparidades socioespaciais, além de exacerbar a alienação e a miséria dos sujeitos pobres nos países periféricos (Santos, 1979b). Assim, o cotidiano da cidade como mercadoria e a presença da fome na urbe são colocados em questão.

6Em um segundo momento, destacamos que no sentido oposto do exercício da racionalidade, no Centro de Campinas, observa-se uma miríade de trabalhadores que, ao organizarem suas economias em torno da comercialização de alimentos, configuram lugares no qual o circuito inferior da economia urbana (Santos, 1979a) representa outras formas de se produzir o espaço: criatividade, espontaneidade e resistência revelam-se, assim, nos interstícios da metrópole.

7Trata-se do olhar para a problemática substanciada pelo embate entre o planejamento imposto aos lugares e a resposta desses e de seus sujeitos, alinhavando alternativas, resistindo ao esgarçamento das formas de viver e sobreviver na urbe.

Planejando a fome em Campinas: o projeto “Revitalização da Glicério”

8Uma das principais vias de circulação de trabalhadores e comercialização popular de alimentos no centro de Campinas – a Avenida Francisco Glicério –, entre os anos de 2014 e 2016, passou por um processo de renovação de suas materialidades, sob coordenação da Prefeitura Municipal de Campinas (mandato do prefeito Jonas Donizette) e do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB).

9O chamado projeto de “Revitalização da Glicério”, interviu urbanisticamente nesta via, reformando-a e impondo regras, entre outras, de padronização às bancas e carrinhos que comercializam alimentos em sua calçada. Tal medida acabou por afetar, em sua grande maioria, uma miríade de vendedores ambulantes de alimentação, trazendo à tona, uma vez mais, um planejamento estratégico, pois, identificado com a parcela dominante da cidade, e a serviço do capital (Lima-Junior, 2010).

10Tal higienização do centro teve como principal consequência a expulsão de parte dos sujeitos existentes desse lugar: salientam-se as informações de que alguns trabalhadores entrevistados anteriormente às obras, não estão mais em seus pontos de venda, já que a modificação inicial da avenida em questão inviabilizou suas fixações. Assim, ao expulsar os pobres de seus lugares de reprodução econômica e, consequentemente, da vida, a cidade acaba por produzir um mecanismo de uma cada vez maior “(...) alienação e miséria dos oprimidos” (Santos, 1979b, p. 33).

11Boa parte dos trabalhadores da alimentação entrevistados admite que, mesmo conseguindo pagar a quantia pedida para a instalação de suas atividades nessas “barracas padrões”, obrigatoriamente tiveram de aumentar o valor cobrado pelas refeições, impedindo o consumo de muitos trabalhadores consumidores desses lugares, já que a busca principal por esses mercados são, sobretudo, as refeições mais baratas.

12Assim denuncia E.:

Meu tio conseguiu comprar esse espaço novo: vendeu o carro que tinha para manter aqui no centro a barraquinha de lanche. Mas você vê, né? Olha aí... Dá pra contar nos dedos as pessoas que ficaram. Teve gente que não conseguiu não. Foram embora, procuraram outros pontos. Teve gente que vendeu apartamento. Teve gente que até tá trabalhando de empregado em outras dessas barracas. E tem que estar tudo dentro do que eles pedem: cor das paredes, material disso, daquilo. Não teve jeito, ajustar o preço das comidas sempre é a primeira saída para nós (Entrevista realizada em 15 de julho de 2016).

  • 4 Cabe ressaltar a importância de uma leitura crítica do conceito de segurança/insegurança alimentar. (...)
  • 5 Informações retiradas do “Termo de Referência para o Plano Diretor de Campinas: abastecimento e seg (...)

13O aumento dos valores das refeições nesses estabelecimentos populares contraria os objetivos e diretrizes traçados no item Segurança Alimentar4 do Plano Diretor de 2006 da cidade de Campinas: “reduzir o preço dos alimentos comercializados na cidade”, “disseminar espaços de comercialização de produtos alimentícios, a baixo custo” e “interferir na cadeia de intermediação comercial visando à redução de custos em estabelecimentos de pequeno porte” 5, comprovam a ação contraditória que resulta desse planejamento estratégico.

  • 6 É importante pontuar que os gestores da cidade indicam nesse discurso como poluição visual e proble (...)
  • 7 Conforme Chauí (1982, p. 7), “o discurso competente é o discurso constituído. É aquele no qual a li (...)

14A expulsão de tais trabalhadores, em prol da chamada despoluição visual e da padronização dos espaços comerciais6 (Associação Comercial e Industrial de Campinas, 2014), evidencia um projeto pautado na articulação de um “discurso competente” (Chauí, 1982)7 no qual as forças dominantes e hegemônicas transformam a urbe. Ou seja, um planejamento que materializa apenas as falas das frações do capital sobre a cidade, induzindo, assim, a sua transformação em uma mercadoria (Vainer, 2000).

  • 8 Reconhecemos por espaço banal o “espaço de todas as pessoas, de todas as empresas e todas as instit (...)

15Observa-se, portanto, uma negação do espaço banal8 e um “antagonismo à presença popular nos lugares modernizados” (Ribeiro, A., 2013c, p. 83) quando há a substituição das materialidades já existentes, como, por exemplo, as barracas de alimentação presentes nas ruas do centro, por bancas padronizadas de alimentos.

  • 9 Formado majoritariamente por escravos libertos, migrantes e mulheres periféricas, a gênese do merca (...)

16Isto é, tal reestruturação da cidade acaba por menosprezar o latejo urbano de seu centro ao substituir a espontaneidade dos sujeitos populares, as suas formas representativas da diversidade da metrópole, o lugar de comercialização como próprio de realização da vida, por uma imagem de uma cidade ‘limpa’, na qual o seu espaço evidencia um território econômico em detrimento do social. Uma imagem de cidade que nega o abrigo histórico9 e vivo que é o mercado popular.

17Logo, tal reforma urbana amplia cada vez mais a dificuldade dos trabalhadores que circulam a região de consumirem num mercado efetivamente popular ou, ainda, a redução de seu consumo de alimentos, devido ao aumento no preço das refeições. Dessa maneira, destacamos a existência de um planejamento da cidade que acaba por produzir uma fome oculta (Castro, 1946) como característica das contradições da metrópole; uma fome pulsante nesta linha tênue entre as variações de salários dos trabalhadores, o acesso ao emprego na cidade e o encarecimento das refeições como resultado de um projeto político reprodutor de uma cidade corporativa.

18Assim afirma Ribeiro Junior (2016, p. 55): “Quando não se podem colocar em risco os termos em que se dá a acumulação de capital, a erradicação da fome como prioridade parece ficar apenas no discurso”.

19Ou seja, a cidade a serviço do capital é, por princípio, a cidade reprodutora da escassez, bem como ressalta Santos (1996a, p. 308, grifo nosso):

Os novos objetos custam caro. Chamado a implantá-los, em nome da modernidade e das necessidades da globalização da economia, o poder publico acaba aceitando uma ordem de prioridades que privilegia alguns poucos atores, relegando a um segundo plano todo o resto: empresas menores, instituições menos estruturadas, pessoas, agravando a problemática social. Assim, enquanto alguns atores, graças aos recursos públicos, encontram as condições de sua plena realização (fluidez, adequação às novas necessidades técnicas da produção), os demais, isto é, a maioria, não têm resposta adequada para as suas necessidades essenciais. Há, desse modo, uma produção limitada de racionalidade, associada a uma produção ampla de escassez.

20Nesse sentido, A. Ribeiro (2005, p. 421) argumenta:

Pode ser dito (...) que a ampliação das fraturas sociais resulta da hegemonia conquistada por uma ação estratégica que se volta preferencialmente para ambientes exclusivos, nichos de oportunidades e contextos onde se concentram as oportunidades de lucro excepcional.

21Podemos, então, afirmar que não há um compromisso com o lugar – inclui-se aqui a tentativa de erradicação da fome na urbe – quando o que está em jogo é a visão empresarial da cidade. Dessa maneira, não possuindo uma real responsabilidade com os sujeitos sociais do lugar, a cidade, que busca a eficiência dos negócios renovando suas materialidades, tem a sua população dividida: entre os que possuem o acesso à comida e os que, cotidianamente, contam os centavos para suas restaurações. Estaria o direito à alimentação vinculado ao direito à cidade? (Lefebvre, 1969).

22Entretanto, os trabalhos de campo evidenciam um processo espacial em que há “a realização compulsória de tarefas comuns, mesmo que o projeto não seja comum” (Santos, 1996a, p. 166). Em outras palavras, no mesmo lugar há uma reprodução de riqueza e pobreza, de abundância e escassez – ambos pares dialéticos resultantes das relações capitalistas no espaço.

  • 10 Relações de horizontalidades no espaço podem ser lidas como “ações localmente constituídas, uma bas (...)
  • 11 As relações de verticalidades nos espaços são resultantes “das ordens e da informação provenientes (...)

23Assim, a cidade vive ao mesmo tempo aconteceres lidos como homólogos, ou seja, regidos pela co-presença de atores e objetos sociais e pela contiguidade do território, traduzindo, assim, uma relação de horizontalidades10 no espaço; e aconteceres identificados como hierárquicos, ou seja, “um dos resultados da tendência à racionalização das atividades e (que) se faz sob um comando, uma organização” (Santos, 1996a, p. 167) distantes e alheios ao lugar. Este último acontecer, da “presença de corpos ausentes” (Santos, 1996a, p. 167) traduz nos lugares outro recorte espacial, o qual conhecemos por verticalidades11.

24A presença simultânea desses aconteceres no lugar e a concepção de que as grandes cidades podem ser pensadas como os espaços da prosperidade e subsistência dos pobres (Santos, 1996a), instiga a análise de Campinas, sobretudo do seu centro – que passa por esse processo de renovação das materialidades –, como um espaço significativo do conflito. Em conjunção com a tentativa de reestruturação de uma cidade, há as mais “diversas manifestações da espontaneidade e da criatividade” (Santos, 1996a, p. 322) de determinados sujeitos resistentes e aspirantes a um futuro em que possam existir melhores condições no lugar.

  • 12 Conforme Santos (1996a, p. 309), “o que muitos consideram, adjetivamente, como ‘irracionalidade’ e, (...)

25Ainda que um espaço da racionalidade hegemônica, a cidade é capaz de acolher outras atividades, realizadas segundo os mais diversos níveis técnicos, de capital e organização. Santos (1996a, p. 308) admite que “É esta, aliás, sua riqueza”. Assim, podemos falar de contrarracionalidades12 na cidade, as quais

se localizam, de um ponto de vista social, entre os pobres, os migrantes, os excluídos, as minorias; de um ponto de vista econômico, entre as atividades marginais, tradicional ou recentemente marginalizadas; e, de um ponto de vista geográfico, nas áreas menos modernas e mais ‘opacas’, tornadas irracionais para usos hegemônicos. Todas essas situações se definem pela sua incapacidade de subordinação completa às racionalidades dominantes, já que não dispõem dos meios para ter acesso à modernidade material contemporânea. Essa experiência da escassez é a base de uma adaptação criadora à realidade existente (Santos, 1996a, p. 309, grifo nosso).

26O estudo empírico que continuaremos apresentando a seguir, contribui para revelar no lugar esse “cotidiano compartido entre as mais diversas pessoas, firmas e instituições” (Santos, 1996a, p. 322). Há, dessa maneira, nesta quinta dimensão do espaço – o cotidiano – a copresença, a cooperação e os conflitos entre sujeitos e agentes desse espaço compartido.

A contrarracionalidade no centro de Campinas: a (sobre)vivência dos trabalhadores da alimentação

27Há no centro de Campinas uma gama de trabalhadores participantes de um circuito espacial produtivo da alimentação que fornece à outra parcela trabalhadora – que transita entre seus locais de trabalho e lares – um comércio barato de refeições: trata-se dos sujeitos componentes do circuito inferior da economia urbana (Santos, 1979a) atrelados ao ato da restauração.

28Resultado de uma cidade desigual, tal circuito comercial popular de alimentação é aqui compreendido por estabelecimentos fixos e móveis. Ambos, encontrados nos interstícios do tecido urbano e nos locais mais degradados do centro de Campinas, evidenciam espaços criados e mantidos pelos pobres.

29A tipologia do recorte analítico dos estabelecimentos alimentares é referenciada pela Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), do IBGE, a qual possui como uma de suas subclasses os “Restaurantes e outros Estabelecimentos de Serviços de Alimentação e Bebida”, que podem ser divididos em: (i) estabelecimentos fixos de comércio alimentar, reconhecidos como “Restaurantes e Similares”, compreendendo as atividades de vender e servir comida preparada, com ou sem bebidas alcoólicas, ao público em geral, com serviço completo ou não, incorporando lanchonetes, fast-food, pastelarias, casas de sucos, botequins, restaurantes self-service, restaurantes e bares com embarcações exploradas por terceiros e sorveterias; e (ii) mercado de alimentos ambulantes das ruas, reconhecido como “Serviços Ambulantes de Alimentação”, compreendendo o serviço de alimentação de comida para o público em geral, em locais abertos, permanentes ou não, tais como trailers, carrocinhas, bancas, quiosques e bancas do tipo desmontáveis que comercializam alimentos para consumo imediato.

  • 13 Esses são os únicos dados secundários fornecidos sobre a quantidade de estabelecimentos alimentício (...)
  • 14 Nesse valor apenas estão computados os estabelecimentos alimentícios que são regularizados pela SET (...)

30No que se refere aos “Serviços Ambulantes de Alimentação”13, a cidade de Campinas possui atualmente 342 estabelecimentos localizados em suas praças e calçadas. Ao todo são 93 bancas (Mapa 1), 72 trailers (Mapa 2), 149 quiosques (Mapa 3) e 28 bancas do tipo desmontável (Mapa 4) 14.

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Mapa 1

Mapa 1

Fonte: Prefeitura Municipal de Campinas, 2015. Elaboração: Cristiano Nunes Alves, 2018

Fonte: Prefeitura Municipal de Campinas, 2015. Elaboração: Cristiano Nunes Alves, 2018

Mapa 3

Mapa 3

Fonte: Prefeitura Municipal de Campinas, 2015.Elaboração: Cristiano Nunes Alves, 2018

Mapa 4

Mapa 4

Fonte: Prefeitura Municipal de Campinas, 2015. Elaboração: Cristiano Nunes Alves, 2018

32As maiores concentrações de estabelecimentos regularizados pela SETEC e classificados como móveis, no centro de Campinas, estão representadas pelos Mapa 1 (bancas) e Mapa 3 (quiosques). Essas representações demonstram uma forte incidência no centro (25 bancas e 14 quiosques) e no distrito de Barão Geraldo (7 bancas e 5 quiosques). Embora as outras duas representações, Mapa 2 (trailers) e Mapa 4 (bancas desmontáveis) não demonstrem um forte agrupamento dos estabelecimentos no centro de Campinas, vale ressaltar a existência dos mesmos nessa região da cidade. Tanto os trailers quanto as bancas desmontáveis servem como meios em que os sujeitos pobres conseguem viabilizar a sua permanência no centro da cidade, uma vez que esses “fixos” são os únicos possíveis de serem movimentados na urbe, permitindo, portanto, seu uso mesmo que não regularizado pelos órgãos municipais. Ou seja, ainda que “informais” – e por essa razão não tabulados pela SETEC –, esses estabelecimentos concentram-se no centro da cidade e possuem função fundamental para a restauração dos transeuntes da mesma.

  • 15 Informações retiradas do relatório de permissionários da cidade de Campinas para o ano de 2014. Doc (...)

33Todos os 342 estabelecimentos tabulados pela SETEC vendem bebidas em geral como, por exemplo, água, água de coco, cervejas, refrigerantes e sucos, além de alimentos do tipo “rápido” que atendem em sua grande maioria os trabalhadores que estão de passagem em avenidas e ruas com um fluxo mais intenso. Dentre os alimentos, temos: salgados fritos e assados, caseiros e industrializados, cachorro quente, hortifrútis, lanches e sorvetes15.

34No que concerne ao tamanho dos estabelecimentos, temos uma metragem que varia aproximadamente entre 3m² e 65m², sendo que a maioria é de porte muito pequeno, entre 3m² e 15m². O tamanho desses estabelecimentos evidencia os estoques reduzidos e a sua renovação diária, característica peculiar do circuito inferior da economia urbana: “compra-se pouco e compra-se todos os dias” (Santos, 1979a, p. 215).

35Logo, pode-se afirmar que a economia pobre segue uma lógica específica, a qual indica que “a rapidez da renovação dos estoques é tanto maior quanto menor for o capital investido” (Santos, 1979a, p. 216) e é, também, dependente da mobilidade estabelecida dentro da própria cidade: muitos dos sujeitos entrevistados, por não possuírem automóveis próprios, são obrigados a renovar seus estoques a pé, o que evidencia outro tempo e outra escala dessas renovações: de maneira lenta e no próprio entorno dos estabelecimentos.

36Assim salienta J., proprietária de um pequeno restaurante no Terminal Central, no qual os pratos de comida são vendidos entre R$ 6,00 e R$ 8,00:

Eu faço as coisas simples, como diz, simples, mas boas. Eu compro todos os dias meus produtos, aqui nada é armazenado. Todo dia, todo dia, todo dia! Eu não tenho estoque, é todo dia. A carne eu compro no açougue aqui do lado, o arroz e feijão eu compro no Zepi, esse atacadão aqui do centro. Tudo a pé, porque eu não tenho carro. No muque mesmo! Eu sou guerreira, graças a Deus. Aí as verduras eu compro aqui no Terminal mesmo. Todas as minhas coisas eu compro por aqui, tudo sozinha (Entrevista realizada em 27 de novembro de 2015).

37N., proprietária de um pequeno restaurante na Avenida Francisco Glicério, também expõe essa condição:

Eu venho de casa para cá, no centro, de ônibus: não tenho carro. Nem eu, nem os meus sócios. Pego só um ônibus e desço na rodoviária. Do caminho de lá para cá, que faço à pé, eu já vou vendo as coisas que preciso comprar para o restaurante. Trago tudo a pé. Então, o estoque funciona de duas maneiras: eu tenho uma parte que entregam aqui e outras que eu mesma vou buscar. Bebida e algumas carnes nós conseguimos alguém para entregar, o resto nós mesmo que buscamos. Então, como a gente não tem carro, buscamos tudo a pé e isso faz com que a gente busque as coisas da redondeza mesmo. E o mais importante: compramos tudo que usamos no mesmo dia. Nada de estoque, nada de guardar nada, a gente não utiliza nada para o outro dia, entendeu? Não temos espaço para isso, então fazemos uma quantidade certa, às vezes vem gente querendo comer, mas a comida acaba; às vezes 14h não sobra nada e a gente acaba fechando ou corre rapidinho: faz um ovinho e vai comprar uma carninha aqui no açougue do lado ou lá no (supermercado) Dia da Orosimbo (Entrevista realizada em 16 de abril de 2015).

38A capacidade de estocagem dos estabelecimentos, a possibilidade dos produtos serem ou não estocados, as condições de abastecimento dos vendedores e as formas de relações estabelecidas com a clientela são definidores fundamentais das condições de preço das refeições e, consequentemente, do lucro (Santos, 1979a) no circuito inferior da economia urbana.

39Os agentes que realizam diariamente a renovação dos estoques a pé, obrigados a comprarem os insumos em locais próximos aos seus trajetos, como por exemplo, em supermercado da rede Dia, localizado na Avenida Orosimbo Maia, adquirem um estoque inicial mais caro do que aquele obtido em grandes redes atacadistas, localizadas, geralmente, distantes do centro da cidade e de difícil acesso através dos transportes coletivos, aumentando as dificuldades enfrentadas pelo circuito inferior para garantir a sobrevivência de seus estabelecimentos, conforme afirma B., proprietária de um pequeno restaurante da Avenida Francisco Glicério:

O fato de a gente não ter um lugarzinho maior para o estoque das comidas e de não ter um carro, atrapalha muito. Porque essas compras diárias acabam por aumentar os nossos custos. O arroz, o feijão, todas essas coisas nós somos obrigados a comprar no Dia aqui do lado, que é o supermercado mais perto. Mas ele não é mais barato, né? Nós estamos com um projeto de conseguir ir fazer essas compras no Atacadão ou no Higa, mas pra isso precisamos de um carro. Estamos pedindo ajuda para os familiares, para ver se conseguimos. Porque aí pagamos mais barato e ganhamos mais com os pratos. Por enquanto não sobra um dinheiro para contratar um ajudante, nem para ajudar na limpeza. Temos que nos virar para manter isso aqui. Só eu e meu marido (Entrevista realizada em 16 de abril de 2015).

40É evidente que essa impossibilidade de acesso, por parte de alguns sujeitos, às grandes redes atacadistas de alimentos, encarece a produção das refeições e força esses vendedores a duas saídas: uma é a possibilidade de aumento do preço da mercadoria para a manutenção do lucro ou, o caso mais comum encontrado, a manutenção de um preço baixo das refeições, o qual impede uma margem de lucro um pouco maior e faz com que os trabalhadores aumentem as suas jornadas de trabalho, garantindo o ganho nas quantidades de refeições vendidas. P., vendedor de lanches em um trailer na Avenida Francisco Glicério, esclarece essa situação:

Cara, eu vivo fazendo contas para conseguir manter isso aqui. Você viu o preço da batata e do tomate? Eu tinha que aumentar o preço desses lanches aqui. Mas não posso, se eu faço os clientes não volta. Você acha que esse povo vai pagar nove, dez reais em um lanche? Mas não vai, não podem. Eu alimento os esfomeados que passam aqui contando os centavos. A saída que eu encontrei para poder continuar com isso aqui foi de trabalhar mais horas. Antes eu começava, no turno da noite, das 19 horas às 2 horas, agora eu fico das 19 horas às 4 horas da manhã, assim eu vendo mais e consigo sobreviver. Você tá vendo né? Já são 2 horas da madrugada, você viu a quantidade de gente que parou aqui. Eu trabalho muito, mas só dá para sobreviver (Entrevista realizada em 2 de abril de 2015).

41M., proprietária de um pequeno restaurante na Rua Álvares Machado, ao contrário, aumentou o valor de suas refeições e relata a perda de parte da clientela:

Aqui eu faço comida, panqueca e pastel. Um prato de panqueca com arroz e salada saia por cinco reais. Agora eu precisei subir pra seis. Teve reclamação e migração de cliente. Aqui só tem trabalhador, sabe? Daí fica difícil para eles, para nós. Ás vezes não temos saída (Entrevista realizada em 27 de novembro de 2015).

42Mesmo sendo o lucro, em princípio, “o motor da atividade comercial, nos escalões inferiores a maior preocupação é, antes de tudo, a sobrevivência” (Santos, 1979a, p. 246). Ou seja,

(...) no inferior, a acumulação de capital não constitui o objetivo mais importante; na verdade, frequentemente nem existe. A sobrevivência e a garantia de satisfação das necessidades da família no dia a dia é a preocupação mais importante (Santos, 1978, p. 51, grifo nosso).

43Isso significa que, aumentar o preço das refeições destinadas, em grande parte, aos trabalhadores das regiões, é assumir o risco destes diminuírem a frequência nos estabelecimentos populares, cuja busca é instituída, sobretudo, pelos preços mais baixos desses estabelecimentos. Por isso, aumentar o valor das refeições é, na maior parte das vezes, a última opção dos vendedores dependentes dessa parcela de consumidores pobres.

44Proprietária de um pequeno restaurante da Rua Costa Aguiar, R., também narra essa impossibilidade ao salientar o trabalhador de baixa renda dependente desse circuito alimentar:

  • 16 A expressão “quentinha” é a maneira popular de se referir à “marmita”: refeições servidas para viag (...)

Aqui quem come é peão, empregado, trabalhador esfomeado. Como que eu vou aumentar o preço das comidas? Se eu aumentar eles dão um jeito de trazer a quentinha16. Nós não podemos aumentar o valor dos nossos pratos. Olha só, já tem três anos que cobramos sete reais um Prato Feito. Se eu aumentar o preço, eu perco a clientela, eles não vão conseguir pagar para comer (Entrevista realizada em 16 de abril de 2015).

45Ou seja, “para a maioria trata-se de ganhar o pão de cada dia, sendo essa a preocupação primordial, que ultrapassa a preocupação com o lucro como elemento funcional da atividade” (Santos, 1979a, p. 249).

46Nas falas de nossos interlocutores, há uma abundância de discursos travados em torno da questão do trabalho desses sujeitos a garantir apenas a sobrevivência. Evidencia-se, portanto, uma das funções centrais desse circuito econômico: a garantia de uma renda, ainda que baixa, para os pobres integrantes do circuito inferior da economia urbana.

47Vale destacar outro aspecto peculiar ao circuito inferior da economia urbana. Tomando como base empírica a Avenida Orosimbo Maia, chama atenção a existência de imigrantes de origem oriental e famílias de brasileiros trabalhando no mesmo lugar, em busca de uma vida autônoma nesse “empreendedorismo da sobrevivência” (Ribeiro, A., 2013a).

48Segundo A. Ribeiro (2013a), o empreendedorismo faz parte da psicosfera (Santos, 1996) da globalização e, ao atingir o imaginário das pessoas, “sintoniza anseios por autonomia que correspondem, na experiência popular, à histórica experiência do trabalho por conta própria” (Ribeiro, A., 2013b, p. 284). Tem-se como exemplos, (i) P., ex-metalúrgico, abdicou a carteira assinada em 2010 para trabalhar como vendedor de hot dog na avenida supracitada de segunda à sexta-feira e aos sábados e feriados, em uma região periférica de Campinas (Campo Grande, na zona sul da cidade), na qual monta seu carrinho em frente aos bailes funks, atendendo o circuito cultural da madrugada. Ao ser contestado sobre a escolha, responde: “Ah! Agora eu também trabalho muito, eu sei, mas sou feliz. Nada como não ter patrão. E ó, eu ainda consigo sustentar meus três filhos!” (Trabalho de Campo, junho de 2014); e (ii) B., que quando demitido, em 2001, de seus dois trabalhos – pela manhã era segurança de uma das filiais do Banco do Brasil em Campinas e pela noite cuidava da segurança ao redor de um clube também em Campinas – passou a coletar, de 2001 até 2009, latinhas e papelão pela cidade. Antes de assumir o carrinho de hot dog pelas madrugadas no centro de Campinas, a “carrocinha” foi a forma encontrada de obter uma renda para sustentar a esposa e os dois filhos.

49Apesar de o empreendedorismo da sobrevivência surgir na fala dos diversos sujeitos entrevistados como a possiblidade de realização do trabalho de forma menos alienada, cabe aqui uma questão que pode ser aprofundada em futuras pesquisas sobre o circuito inferior da economia urbana: a situação evidente de contínua exploração ainda persiste nas relações de trabalho desses sujeitos, evidenciando, portanto, a manutenção desse quadro de alienação dos trabalhadores da alimentação – muitos apresentam uma jornada de trabalho de mais de 12 horas diárias, não estão regularizados e não possuem um salário garantido no final do mês.

50Tais situações podem ser lidas como as articulações as quais esses sujeitos travam através de uma “luta diária pela sobrevivência à crise urbana” (Ribeiro, A., 2005, p. 418). Essa crise é, por sua vez, uma denúncia à “destruição trazida pelo excesso de racionalização no uso do espaço herdado e os malefícios da competitividade” (Santos, 2000 apud Ribeiro, A., 2005, p. 420).

51A luta pela sobrevivência seria, em verdade, uma luta contra as ações estratégicas na metrópole, resultantes da “expansão incontida da racionalização de todos os gestos e atitudes, que constitui, em grande parte, a ordem proposta por tantas inovações técnicas”. De caráter fragmentador e veiculada pelo pensamento dominante, essa ação estratégica “(...) deixa transparecer que a reprodução sistêmica da vida urbana restringe-se a círculos sociais cada vez mais estreitos, que tendem a ser mutuamente destrutivos” (Ribeiro, A., 2005, p. 420).

52Assim, a (sobre)vivência cotidiana dos pobres na metrópole, através de suas próprias organizações econômicas, afirmam um outro uso do território campineiro, resistente à oligopolização da economia. São exatamente essas resistências (e permanências na urbe) as contrarracionalidades da metrópole, as quais

Em contraste com esses frutos da racionalização fragmentadora e fragmentada, expandem-se, (e permitem) em decorrência da desregulamentação, a ação espontânea, o ato tentativo, a ‘viração’. (Ribeiro, A., 2005, p. 421, grifo nosso).

53Desse modo, nos interstícios do centro da cidade imperam diversas maneiras do que A. Ribeiro (2013d) denominou de “resolver a vida”. Maneiras as quais os sujeitos pobres da metrópole, ao materializarem inúmeras formas de “resistências espontâneas” (Silveira, 2013, p. 70), apontam novas trajetórias contrarracionais, as quais garantem suas permanências e restaurações na urbe campineira.

Conclusão

54O centro de Campinas foi aqui interpretado como o lugar dos aconteceres solidários, o qual, mediante conflitos entre as frações do capital (materializadas em projetos de planejamento estratégico na cidade) e os sujeitos sociais pobres do lugar (em suas lutas diárias de permanência na urbe), configura-se como um espaço de disputa, mas também, e sobretudo, revela-se como abrigo da força de uma classe trabalhadora pobre e precarizada, resistente à escassez com a qual é obrigada a conviver cotidianamente.

55Negar, a partir de um projeto político, a presença popular nas vias de uma metrópole, é desbastar do ambiente construído os pobres e as suas diversas maneiras de improvisar a vida; é retirar o fio condutor da sobrevivência em uma cidade desigual.

56Nesse sentido, é o cotidiano dos trabalhadores e consumidores que revela as particularidades dos espaços populares de Campinas e dos sujeitos produtores deste lugar; que traz à tona a essência do tecido social urbano. Assim, seguir as trajetórias e aprofundar a análise da dinâmica social desses sujeitos, aqui considerados do circuito inferior da economia urbana e, consequentemente, do circuito espacial produtivo do comércio popular de alimentação, permite uma reflexão crítica sobre as contradições de um uso corporativo e seletivo do espaço da cidade.

57O esmiuçar dos espaços de mercado popular de alimentação mostrou-se como um elemento vital para a reflexão da própria crise urbana instaurada em Campinas. As contradições da cidade fragmentada avultam-se com a linha tênue entre os preços das refeições – moldados pelas expulsões em razão de um projeto urbano racional, além dos estoques reduzidos e das dificuldades de mobilidade do pobre na urbe – e os salários baixos dos trabalhadores: revela-se, assim, a fome oculta da cidade.

58No entanto, frente a essas inúmeras fraturas socioespaciais, os sujeitos pobres da metrópole organizam seus próprios espaços econômicos e afirmam um outro uso do território campineiro: um uso contrarracional, por meio do qual o acesso a comida é garantido na cidade.

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Bibliographie

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Notes

1 Artigo oriundo de pesquisa de mestrado com financiamento do CNPq no período de abril de 2014 à março de 2016.

2 Município do estado de São Paulo com 1.1173.370 habitantes (IBGE, 2016).

3 Entre os anos 2013 e 2016 foram realizadas diversas saídas para trabalho de campo no centro de Campinas. Neste período, foram feitas trinta entrevistas semiestruturadas com os sujeitos ligados ao comércio de alimentos, durante a manhã, tarde, noite e madrugada. Diversas formas de diálogos foram travadas com os interlocutores, os quais puderam narrar suas trajetórias na urbe, deflagradas a partir do comércio popular de alimentação.

4 Cabe ressaltar a importância de uma leitura crítica do conceito de segurança/insegurança alimentar. Para a reflexão sobre o tema, recomenda-se a consulta de Ribeiro Junior (2008, 2016). Com base no autor (2008, p. 73), “o entendimento da segurança alimentar construído por essas instituições (FAO, FMI, Banco Mundial) está sempre fundamentado na relação entre a oferta a procura de alimentos. Não importa se o acento está na produção (oferta) ou na renda (demanda solvente); de todo modo prevalece o entendimento de que a insegurança alimentar é provocada por um desequilíbrio na oferta ou na procura, que se manifesta na ausência de estoques alimentares ou na renda insuficiente de parte da população para adquirir os alimentos. O discurso e as ações tomadas por essas instituições tentam fazer crer que seja possível organizar e equilibrar essa relação entre a oferta e a procura de alimentos e que somente assim pode-se garantir a segurança alimentar de todos”.

5 Informações retiradas do “Termo de Referência para o Plano Diretor de Campinas: abastecimento e segurança alimentar” (Prefeitura de Campinas, 2006a).

6 É importante pontuar que os gestores da cidade indicam nesse discurso como poluição visual e problemas de acessibilidade no centro os sujeitos observados e estudados nesta pesquisa; são encarados como “sujeira” o universo de trabalhadores pobres que são dependentes do centro da cidade para sobreviver, pois veem nele o abrigo e o lugar de realização de suas atividades.

7 Conforme Chauí (1982, p. 7), “o discurso competente é o discurso constituído. É aquele no qual a linguagem sofre uma restrição que poderia ser assim resumida: não é qualquer um que pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em qualquer lugar e em qualquer circunstância. O discurso competente confunde-se, pois, com um discurso no qual os interlocutores já foram previamente reconhecidos como tendo o direito de falar e ouvir, no qual os lugares e as circunstâncias já foram predeterminados para que seja permitido falar e ouvir e, enfim, no qual o conteúdo e a forma já foram autorizados segundo os cânones da esfera de sua própria competência”.

8 Reconhecemos por espaço banal o “espaço de todas as pessoas, de todas as empresas e todas as instituições (SANTOS, 1996a, p.283)

9 Formado majoritariamente por escravos libertos, migrantes e mulheres periféricas, a gênese do mercado popular de alimentação no centro de Campinas data desde 1850, concomitantemente às construções dos grandes mercados centrais de comercialização alimentícia da cidade (Martins, 2010, 2011).

10 Relações de horizontalidades no espaço podem ser lidas como “ações localmente constituídas, uma base de vida que amplie a coesão da sociedade civil, a serviço do interesse coletivo” (Santos, 1996a, p. 288).

11 As relações de verticalidades nos espaços são resultantes “das ordens e da informação provenientes de um lugar e realizando-se em outro, como trabalho” (Santos, 1996a, p. 166).

12 Conforme Santos (1996a, p. 309), “o que muitos consideram, adjetivamente, como ‘irracionalidade’ e, dialeticamente, como ‘contrarracionalidade’, constitui, na verdade, e substancialmente, outras formas de racionalidade, racionalidades paralelas, divergentes e convergentes ao mesmo tempo”.

13 Esses são os únicos dados secundários fornecidos sobre a quantidade de estabelecimentos alimentícios na cidade de Campinas. A responsável pelos dados referentes à quantidade de “Estabelecimentos fixos de comércio alimentar”, – o que inclui os restaurantes e os bares – ACIC (Associação Comercial e Industrial de Campinas), não se pronunciou após as nossas tentativas de contato, não disponibilizando, portanto, os dados em questão.

14 Nesse valor apenas estão computados os estabelecimentos alimentícios que são regularizados pela SETEC - Serviços Técnicos Gerais - Autarquia Municipal de Campinas -, que organiza o uso do solo público do município de Campinas e a qual forneceu estes dados. Cabe aqui informar que o universo de “Serviços Ambulantes de Alimentação” é bem maior do que esses dados oficiais. Há uma quantidade de estabelecimentos de “rua” que não foram regularizados pelo órgão municipal, mas que apresentam características específicas que os classificam como um circuito inferior do comércio popular de alimentos, portanto, devem entrar na análise da dimensão desse circuito.

15 Informações retiradas do relatório de permissionários da cidade de Campinas para o ano de 2014. Documento concedido pela SETEC – Serviços Técnicos Gerais - Autarquia da Prefeitura Municipal de Campinas, em uma das visitas técnicas realizadas (Janeiro/2015).

16 A expressão “quentinha” é a maneira popular de se referir à “marmita”: refeições servidas para viagem, em embalagens de alumínio ou isopor para serem mantidas quentes no tempo de deslocamento.

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Pour citer cet article

Référence électronique

Livia Cangiano Antipon, « Contrarracionalidade no centro de Campinas: a (sobre)vivência dos trabalhadores da alimentação frente à imposição do planejamento estratégico  »Confins [En ligne], 45 | 2020, mis en ligne le 30 mai 2020, consulté le 10 décembre 2024. URL : http://0-journals-openedition-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/confins/29662 ; DOI : https://0-doi-org.catalogue.libraries.london.ac.uk/10.4000/confins.29662

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Auteur

Livia Cangiano Antipon

Doutoranda em Geografia, Unicamp, liviacangiano@gmail.com

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