1O crescimento do turismo em importância econômica no mundo é fato amplamente propalado e conhecido, devendo ser considerado no movimento mais amplo de transformações do modo de produção capitalista e de suas subseqüentes crises, que atingem diretamente o setor produtivo. Enquanto um amálgama de atividades produtivas e improdutivas, o turismo, ao converter as viagens em mercadorias, emergiu como um setor estratégico para o enfrentamento dessas crises.
2Daí o interesse – podemos dizer generalizado – dos Estados-nação pelo desenvolvimento do turismo em seus territórios, voltados, especialmente, à atração de fluxos internacionais, o que o caracteriza como uma atividade de exportação, capaz de gerar divisas e de movimentar as economias nacionais.
3É nesse contexto histórico que surgem as primeiras iniciativas do Estado brasileiro no sentido de organizar o setor de turismo, as quais remontam à década de 30 do século XX, durante a chamada “era Vargas”. Nesta fase, as ações do Estado dirigidas ao setor turismo voltavam-se à escala nacional.
4Um marco regulatório decisivo nesse processo foi o Decreto-Lei n. 55, de 1966, que criou o Sistema Nacional de Turismo, envolvendo o Ministério das Relações Exteriores, e a EMBRATUR (então Empresa Brasileira de Turismo) e o CNTur (Conselho Nacional de Turismo, extinto pelo governo Collor de Mello), ambos instituídos pelo referido diploma legal.
- 1 Entre esses fatores, destacamos: os progressos técnicos e científicos, que tornaram a circulação de (...)
5Resultado de uma convergência de fatores sociais, históricos, econômicos, políticos e culturais1, o turismo deve ser compreendido como uma expressão fidedigna das contradições que marcam o mundo do trabalho, ou seja, ao mesmo tempo em que aumenta o chamado tempo livre do trabalhador, consolida-se o controle social sobre o mesmo. Como afirma Lefebvre (2008: 50), “O tempo, bem supremo, mercadoria suprema, se vende e se compra: tempo de trabalho, tempo de consumo, de lazer, de percurso etc”. Neste sentido, continua o autor, “O pretenso “tempo livre” é apenas o tempo separado e mantido como tal nos quadros gerais”.
6Em se tratando do turismo enquanto estratégia para o desenvolvimento regional, vale lembrar que, tal como amplamente discutido por autores como Araujo, (1993; 1999), Costa (1991) e Silva (2014), entre outros, o planejamento regional no Brasil, ou seja, o momento a partir do qual o Estado brasileiro volta-se, diretamente, à formulação de políticas de caráter regional, é datado historicamente da década de 1950, período em que se destacam, entre outras ações, a criação de organismos de fomento ao desenvolvimento regional, como a SUDENE (1959) e a Sudam (1966).
7No referido momento histórico, o turismo torna-se parte constitutiva das estratégias do desenvolvimento regional de forma periférica em relação ao lugar ocupado pelo fomento à industrialização e à modernização da agricultura. Somente mais tarde, na década de 1990, o turismo aparece enquanto política específica voltada ao desenvolvimento regional, do que decorre nossa escolha pela análise dos objetivos gerais das políticas de turismo concebidas entre 1990 e 2010.
8A partir dos anos 1960, o Estado brasileiro modificou e ampliou sensivelmente sua atuação sobre o setor turismo para muito além do campo regulatório, mais foi, sobretudo a partir dos anos 1990, após, portanto, o processo de redemocratização, que sucessivos governos formularam diferentes políticas de turismo, visando orientar e fomentar o planejamento e o desenvolvimento da atividade no Brasil, o que se passou em um contexto mundial de valorização da atividade enquanto estratégia para a acumulação.
9Foi nesse contexto que emergiram políticas como o Programa de Ação para o desenvolvimento do turismo no Nordeste – Prodetur-NE (1991), Programa Nacional de Municipalização do Turismo (1994), Diretrizes para uma Política Nacional de Ecoturismo (1994), Política Nacional de Turismo (1996-1999), PROECOTUR (1999), Programa de Regionalização do Turismo (2004), Planos Nacionais de Turismo (2003-2007 e 2007-2010); e, mais recentemente, os PNT 2013-2016 e 2018-2022), além do Documento Referencial Turismo no Brasil (2011-2014).
10Uma breve contextualização das políticas de turismo do período 1990-2010 é o primeiro passo na busca por apreender/compreender sua inserção no processo conflituoso e contraditório de produção do espaço brasileiro pelo e para o turismo. Nesse sentido, apresentamos, a seguir, um quadro síntese com informações gerais sobre cada uma delas, destacando seus objetivos norteadores. O comparativo entre os objetivos gerais das políticas de turismo desse período, como se pode ver no Quadro 1, revela um certo padrão de atuação do Estado brasileiro no setor e, ao mesmo tempo, uma certa negligência com o território (CRUZ, 2005), o que resulta, na prática, em uma baixa competência dessas políticas para ordenar o território brasileiro para o uso turístico.
Quadro 1 - Síntese dos objetivos das Políticas de Turismo no Brasil (1990-2010)
Fonte: www.turismo.gov.br. Organização: Rita de Cássia Ariza da Cruz (2019)
11Excetuando-se Prodetur-NE, voltado especialmente para a Região Nordeste, e PROECOTUR, um Programa dirigido à Amazônia Legal, as políticas de turismo mencionadas recaem sobre todo o território brasileiro. Como políticas públicas, remetem-nos ao espaço concebido, nos termos colocados por Lefebvre, o espaço do planejamento e da racionalidade burocrática. Nos dizeres do autor:
Os lugares de lazeres, assim como as cidades novas são dissociados da produção, a ponto dos espaços de lazeres parecerem independentes do trabalho e “livres”. Mas eles encontram-se ligados aos setores do trabalho no consumo organizado, no consumo dominado. [...] São precisamente lugares nos quais se reproduzem as relações de produção, o que não exclui, mas inclui, a reprodução pura e simples da força de trabalho (Lefebvre, 2008: p. 50).
12Para Carlos (1999, 178-179) “o espaço produzido serve cada vez mais à necessidade da acumulação” e o “turismo representa a conquista de uma importante parcela do espaço que se transforma em mercadoria (e que entra no circuito da troca)...”.
13Por outro lado, a análise dos objetivos dessas políticas revela aspectos interessantes do universo de políticas de turismo emanadas do governo federal pós anos 1990. O primeiro deles é a pequena convergência entre as políticas em si, considerando o fato de que, em um conjunto de mais de cinco dezenas de objetivos listados, apenas dois deles destacam-se por estarem presentes em pelo menos 50% das políticas analisadas, denotando sua importância para o setor. Esses objetivos dizem respeito à indução de investimentos em infraestrutura ou à sua ampliação/melhoria e à geração de emprego e renda. Outros objetivos que revelam alguma convergência entre essas políticas dizem respeito ao aumento da permanência ou dos gastos dos turistas e à melhoria da inserção do Brasil no mercado mundial.
14Alem disso, ressalte-se, ainda, que entre as onze políticas federais voltadas ao desenvolvimento do turismo no país no período, apenas duas delas têm um recorte regional e se dirigem às duas regiões “clássicas” do planejamento regional brasileiro, quais sejam, Amazônia Legal e Nordeste, replicando, portanto, em certa medida, pressupostos do planejamento regional praticado desde a passagem da década de 1950 para 1960, em que essas regiões aparecem como prioritárias. Vale lembrar que, não obstante o planejamento regional brasileiro ter priorizado essas regiões, as mesmas abrigam, até os dias de hoje, alguns dos piores indicadores socioeconômicos do país, tal como apontam Arretche (2015) e Pochmann, Guerra e Silva (2014). Segundo Arrecth:
...dois fenômenos coexistem na trajetória da distribuição espacial dos pobres no Brasil de 1970 a 2010. A pobreza foi expressivamente reduzida, porque caiu sistematicamente o porcentual de pobres em todas as regiões. Entretanto, de um ponto de partida caracterizado pela baixa desigualdade territorial na pobreza em 1970, chega-se em 2010 a uma situação de alta desigualdade territorial: as mais altas taxas de pobreza estão concentradas na região Nordeste e em parte das regiões Norte e Sudeste (2015: 202-4).
15Aspecto digno de nota diz respeito à natureza dos objetivos dessas políticas. Parte significativa deles situa-se no que chamaremos de dimensões econômica (como aumentar o turismo receptivo e a permanência e gasto do turista; gerar divisas; melhorar a inserção do Brasil no mercado mundial, entre outros) e de gestão (como descentralizar a gestão; estimular a relação entre Estado e iniciativa privada; consolidar a gestão turística; promover a articulação institucional e inter-setorial, entre outros).
16A dimensão cultural é aquela menos lembrada por essas políticas, ressaltando-se o fato de que as palavras cultura ou cultural sequer aparecem entre seus objetivos, contrariando, consequentemente, um discurso oficial corrente de valorização da cultura brasileira pelo turismo.
17No que tange à dimensão social propriamente dita, esta aparece, sobretudo, na geração de empregos e de renda, na promoção da “qualidade de vida” e numa restrita preocupação em “estimular o envolvimento das comunidades locais” e “potencializar os benefícios da atividade para as populações locais”.
18Por fim, no que consideramos como dimensão territorial propriamente dita, destaca-se a preocupação com o provimento ou a melhoria da infraestrutura, buscando “dar qualidade ao produto turístico” assim como “diversificar a oferta”. Além disso, aparece, também, uma preocupação com a proteção do meio ambiente.
19Essas diferentes dimensões do turismo – econômica, de gestão, cultural, social e territorial – devem, necessariamente, ser consideradas como partes de uma totalidade em movimento cujas determinações encontram-se na relação dialética entre as partes e o todo, pressuposto que nos conduz à relativização dos papéis em geral atribuídos ao turismo enquanto dinamizador das economias locais e regionais ou, ainda, enquanto gerador de empregos, por exemplo.
20A incorporação de um discurso de proteção ambiental por parte das políticas de turismo desse período, também a título de exemplo, é um resultado direto da consolidação do paradigma ambiental e das pressões internacionais pela preservação/conservação da natureza em todos os setores de atividade e as “Diretrizes para uma Política Nacional de Ecoturismo” (1994) e o Programa para o Desenvolvimento do Ecoturismo na Amazônia – PROECOTUR (1999) são claras expressões desse momento histórico.
21Para além da retórica contida nos objetivos dessas políticas de turismo, interessa-nos, entretanto, saber de sua efetividade no que diz respeito à produção do espaço brasileiro pelo e para o turismo, tema sobre o qual nos debruçamos no tópico a seguir.
22Primeiramente, devemos pontuar aqui que não temos a pretensão de realizar uma análise extensiva acerca da participação das políticas estudadas na produção do espaço brasileiro, o que demandaria pesquisas as quais não realizamos. Assim, em verdade, buscamos, a partir de estudos que vimos empreendendo, nos últimos anos, sobre a relação entre desenvolvimento geográfico desigual e turismo no Brasil, interpretar o conjunto dos objetivos norteadores das políticas federais de turismo do período em questão e, portanto, os propósitos de que são portadores, na busca por pistas sobre os efeitos dessas políticas no processo social e histórico de produção do espaço para o turismo no país.
23Iniciamos este percurso analítico abordando uma questão que compreendemos ser um pano de fundo sobre o qual se gestam possíveis desconexões entre o que os objetivos das políticas públicas anunciam e aquilo que, efetivamente, é concretizado no espaço. Trata-se de um olhar sobre o ciclo das políticas e a terceirização destas.
24Conforme apontado por Todesco (2013, 104-5), o “modelo do ciclo”, envolvendo definição de problemas, estabelecimento da agenda política, elaboração da política, decisão, implementação, avaliação e eventual correção constitui um dos paradigmas da Ciência Política. Ressalta a autora, também, que pesquisas de avaliação de políticas se desenvolveram no Brasil a partir dos anos 1980, sendo rara, ainda, a fase de correção da ação (2013, 113).
- 2 RODRIGUES, Marta M. Assumpção. “Políticas Públicas”. São Paulo: Publifolha, 2010; SARAVIA, Enriq (...)
25Embora o modelo do ciclo da política pública seja diversamente tratado por diferentes autores, a fase de avaliação parece ser um consenso entre eles, como encontramos em Macêdo, ao expor, em sua tese de doutorado os ciclos de Heidemann (2014), Rodrigues (2010) e Saravia (2006)2.
26Ao tratarmos das políticas públicas de turismo nos deparamos com a quase completa ausência de avaliação das mesmas, sendo uma exceção o Prodetur-NE, avaliado após sua Fase I, por meio de Relatórios elaborados pelo Banco do Nordeste e encaminhados ao BID, instituição que financiou parcialmente o Programa.
27Uma busca refinada no sitio do Ministério do Turismo, por sua vez, faz-nos crer que o órgão máximo responsável pelo desenvolvimento do turismo no país tem restrito o ciclo da política às primeiras fases até a implementação e abortado, consequentemente, as fases de avaliação e possível correção de problemas.
28Naturalmente, isto, por si só, já nos diz muito sobre a relação entre políticas de turismo e produção do espaço, sobretudo em se considerando a baixa tradição no Brasil no que tange à própria formulação de políticas públicas de turismo. O período analisado é o mais pujante em termos da formulação dessas políticas para o setor em toda a história, mas cada uma delas parece ter uma existência autônoma, ou seja, cada qual como um fim em si mesmo; isto, diga-se, a despeito de a partir de 1996 a Política Nacional de Turismo 1996-1999, o documento Avança Brasil 1999-2002, o Plano Nacional de Turismo 2003-2007 e o Plano Nacional de Turismo 2007-2010 serem documentos integradores do desenvolvimento no setor.
29Partindo do pressuposto de que a produção do espaço não se restringe à sua produção material, mas sim também à sua dimensão intangível, faz-se necessário reconhecer que o discurso oficial do Estado brasileiro nas últimas décadas, reproduzido pelas políticas de turismo em questão, contribuiu, de forma indelével, para criar uma aura positiva em torno do turismo, sobretudo no que tange à sua dimensão de atividade econômica geradora de emprego e renda.
30Por outro lado, mudanças institucionais importantes, envolvendo a capacitação do Estado para a gestão pública do turismo não foram suficientes para evitar que, por exemplo, a terceirização nas políticas públicas federais de turismo (tal como apontado por Todesco, 2013 e Macêdo, 2017) pelo uso de consultorias privadas fosse eventualmente minimizada. O que se evidencia, no âmbito federal, é a reprodução de um círculo vicioso (Todesco, 2013) segundo o qual o Estado terceiriza a política pública porque não tem, supostamente, um staff preparado para a elaboração das mesmas e, em razão disso, ou seja, da contratação de consultorias privadas e, portanto, do alijamento de seu staff do processo de criação de planos de turismo, retroalimenta sua incapacidade administrativa para a gestão da atividade.
31Quanto à produção material do espaço, excetuando-se o Prodetur-NE, o maior Programa de infraestruturas voltadas ao desenvolvimento da atividade turística no país, nenhuma outra entre as políticas analisadas teve efeito tão incisivo na produção de transformações espaciais para o turismo em território nacional. Interessante lembrar que pelo Prodetur-NE, todos os grandes aeroportos nordestinos foram reformados, ampliados ou modernizados, novas vias de circulação terrestre foram construídas e outras pavimentadas ou modeernizadas, assim como muitas infraestruturas urbanas, atingindo diversas localidades litorâneas e outras pelo interior da região, em um exemplo claro de desvalorização do capital promovida pelo Estado.
- 3 Informação disponível em http://www.turismo.gov.br/últimas-not%C3%ADcias/8135-novo-mapa-do-turismo- (...)
32Entretanto, de acordo com o ‘Mapa do Turismo Brasileiro’, 740 municípios concentram 93% do fluxo do turismo doméstico e 100% do fluxo do turismo internacional. Mais que isso, cerca de 80% desses municípios está distribuído por estados litorâneos e Minas Gerais, todos localizados na porção mais oriental do território, aquela que também concentra pessoas, riqueza, renda e infraestruturas. Ressalte-se o fato de que o referido mapa identifica 328 regiões turísticas envolvendo 3285 municípios3.
33Uma análise centrada no turismo de massa e na forma como o mesmo usa e se apropria do espaço brasileiro reforça o que os números acima já estão indicando, ou seja, uma geografia reveladora de processos de concentração e centralização do capital, dos quais o turismo é também um tributário.
34A forte concentração espacial do turismo de massa na porção oriental do Brasil (formada por estados litorâneos, do Pará ao Rio Grande do Sul e excetuando-se o Amapá), simultaneamente causa e consequência desses processos, é o exemplo mais didático do que afirmamos acima, o que está denotado nas Figuras 1, 2, 3 e 4 e que interpretamos como resultado direto do desenvolvimento geográfico desigual no Brasil.
35Como se pode ver nas Figuras a seguir, serviços diretamente relacionados ao setor turismo, como hospedagem, assim como a geografia produzida pelas Operadoras de turismo concentram-se, juntamente com os empregos no setor, no que temos chamado de “porção oriental” do território nacional, com nítida vantagem para estados das regiões Sudeste e Sul.
36Essas figuras expressam, assim, cartograficamente, o que o Mapa do Turismo Brasileiro revela em números, ou seja, que, por exemplo, cerca de 13% dos municípios (740, segundo o Mapa do Turismo Brasileiro) detêm 93% do fluxo doméstico. Consequentemente, uma quantidade pequena de localidades fica com a maior “fatia” desse mercado, o que resulta de uma convergência de fatores históricos, sociais, políticos e econômicos, os quais a somatória de mais de uma dezena de políticas públicas de turismo atuantes no período compreendido entre 1990 e 2010 não foi e não seria capaz de mudar, dadas as limitações intrínsecas a toda e qualquer política setorial.
Fig. 1: Brasil – Estabelecimentos prestadores de serviços de hospedagem (IBGE, 2016)
Fig. 2 – Brasil – número de empregos no turismo por estado
Fonte: Santos (2018)
Figura 3 - Brasil – Operadoras turísticas por Unidade da Federação
Fonte: Cruz, 2018
Figura 4- Brasil – Lugares comercializados por grandes Operadoras turísticas
Fonte: Cruz, 201837O desenvolvimento geográfico desigual é um axioma em relação ao modo de produção capitalista e as condições históricas, políticas e econômicas que engendraram a desigualdade geográfica em território brasileiro se impõem em uma relação dialética com o desenvolvimento do turismo de massa no país, dadas as demandas do setor por infraestruturas de circulação e infraestruturas e serviços urbanos em geral.
38Assim, ao mesmo tempo em que essas condições históricas acumuladas no território influenciaram e influenciam o desenvolvimento do turismo de massa, este, por sua vez, reforça essa desigualdade territorial tão marcante da realidade brasileira (Cruz, 2018).
39Embora o discurso corrente no Brasil atribua ao turismo papel relevante na produção de desenvolvimento regional, análises empreendidas por pesquisadores como Arretche (2015) e Guerra, Pochmann e Silva (2014), entre outros, dão conta de que o desenvolvimento regional resulta de um complexo feixe de fatores os quais escapam ao domínio de uma política setorial.
40Além disso, há que se ressaltar que o turismo de massa apresenta uma forte dependência em relação a economias externas, destacando-se infraestruturas de circulação e urbanas, o que, no caso brasileiro, tem, em grande medida, condicionado as geografias desenhadas pela atividade no território nacional. Sem que as políticas de turismo possam superar as ausências herdadas de outras políticas setoriais, impo-se sua concentração na porção oriental do território nacional.
41Como se pode inferir por meio das Figuras 1,2, 3 e 4, a desigualdade regional, tão marcante no território brasileiro, tem sido, na prática, reforçada pelo turismo dada sua “preferência” pelas porções do território melhor dotadas das externalidades demandadas pela atividade.
42Em se considerando os objetivos mais importantes das políticas nacionais de turismo do período analisado, quais sejam, a produção de infraestruturas para a atividade e a geração de empregos no setor, os resultados são tímidos, prevalecendo a concentração de serviços e de fluxos turísticos em algo em torno de uma centena de localidades.
- 4 Fonte: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/150317_estimativas_ocupacao-2015.pdf.
- 5 Fonte: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/150317_estimativas_ocupacao-2015.pdf.
43No que tange à geração de emprego e renda, por exemplo, dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada-PEA para 2013 dão conta de que considerando a ocupação formal e informal, o setor turismo representa apenas 2,2% da ocupação da economia como um todo no país, sendo 2,5% se considerados os empregos formais e 1,9% se considerados também os postos de trabalho na informalidade4. A título de comparação, podemos trazer o exemplo de Portugal, onde, segundo dados de 2017, a população empregada em setores como “Alojamento, Restauração e Similares” correspondeu a 6,8% do total da economia5. Além disso, como indicado anteriormente, os empregos no setor concentram-se, majoritariamente, em estados das regiões brasileiras economicamente mais dinâmicas.
44Quanto à inserção do Brasil no mercado internacional do turismo, a despeito do aumento das chegadas internacionais (cerca de 6,6 milhões de visitantes estrangeiros em 2018), o país segue ocupando uma posição periférica na “Divisão Internacional do Consumo Turístico”, considerando-se, por exemplo, os mais de 80 milhões de turistas estrangeiros recebidos anualmente pela França e os quase 80 milhões recebidos pelos Estados Unidos.
45Embora o Estado brasileiro, seguindo uma orientação da Constituição Federal de 1988, venha promovendo, desde os anos 1990, uma importante descentralização administrativa do turismo no país, envolvendo diretamente estados e municípios na gestão pública da atividade, essa descentralização não encontra paralelo no que diz respeito à espacialização da atividade, considerando sua alta concentração em estados litorâneos e sua restrição a um pequeno número de localidades e regiões reconhecidas como turísticas.