1A estimativa populacional é um tema recorrente nos estudos de saúde, sobretudo, no que concerne às doenças transmissíveis, pois quantificar esse dado pode contribuir para a compreensão da dinâmica das doenças, a identificação e quantificação das populações sob risco (AZAR et al., 2010).
2Guimarães e Ribeiro (2010) apontam a contribuição da cartografia e das ferramentas de SIG e sensoriamento remoto para o mapeamento das doenças, com ênfase na aproximação das abordagens qualitativas e quantitativas tão importantes na compreensão da dinâmica espaço-temporal. Barrozo (2014) afirma que a distribuição espacial das populações condiciona a ocorrência da doença, pois não existe doença humana onde não há pessoas.
3No entanto, desafios se interpõem ao pesquisador em estudos de saúde. Um deles, ocorre quando se deseja calcular taxas sobre determinada doença, cujo uma das variáveis é o total da população existente em determinado recorte espaço-temporal. Às vezes, não há dados disponíveis, seja por ausência de levantamentos censitários ou por existência de um dado em outro nível de agregação. Adin et al. (2018), por exemplo, demonstram a dificuldade de elaborar um modelo de risco para dengue em Bucaramanga (Colômbia), ao trabalhar com dados de população em diferentes níveis de agregação.
4Assim, o uso de métodos auxiliares aos levantamentos censitários, para complementar as informações nos períodos intercensitários, permite avaliar o crescimento anual da população e como isso interage com a dinâmica das doenças. Além disso, esses métodos podem contribuir na estimativa populacional em unidades espaciais, onde não estão disponíveis de forma nativa o total da população residente, principalmente no contexto da gestão em saúde.
5Entre os métodos de estimativa populacional, o método dasimétrico é um dos mais antigos e ainda utilizado atualmente. Desenvolvido por Shansky (1928), consiste em medir a densidade da população a partir de cartas topográficas representando onde as populações se situavam. Com o advento do sensoriamento remoto, essa técnica foi resgatada e foram realizadas algumas adaptações (PETROV, 2008).
6Um método inspirado nos estudos dasimétricos foi desenvolvido por Cruz et al. (2007), o denominado people in pixel e tem como base o uso de imagens Landsat. Segundo os autores, o modelo tem como potencialidades analisar áreas que sofreram significativas alterações em sua divisão político-administrativa ao longo do tempo; permitir a estimativa em escalas diferentes e identificar diferentes níveis de densidade de ocupação. Apesar das limitações, como a subjetividade e a imprecisão ao mapear algumas áreas habitadas, autores como Maantay et al.(2008) e Requia et al.(2018), que desenvolveram estudos de estimativa populacional, inclusive na geografia da saúde, recomendam o uso de métodos baseados em mapas dasimétricos para espacialização da população com maior acurácia.
7No Brasil, a dengue é uma das doenças que mais cresceu no território nacional e se difunde de forma rápida nas unidades federativas, em especial, no Distrito Federal (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2018). Dados do Instituto Brasileiro Geografia e Estatística (IBGE, 2017) mostram que, entre 2007 e 2014, a população do Distrito Federal (DF) passou de 2 milhões e 400 mil para mais de 2 milhões e 800 mil habitantes. Nesse período, o Distrito Federal também experimentou um aumento significativo dos casos de dengue com registros de epidemias. Segundo dados da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF, 2015), entre 2010 e 2014, foram registradas epidemias com mais de 10 mil casos durante os anos de 2010, 2013 e 2014.
8Um dos problemas em analisar a dengue no maior grau de detalhamento que são os registros dos casos por endereço, está na dificuldade em georreferenciá-los (SIQUEIRA et al., 2017). Isto ocorre por diversos problemas existentes na base de dados de dengue, como endereço incompleto, preenchimento equivocado da ficha de notificação; além do fato de muitas regiões do Distrito Federal terem sido convertidas de área rural para urbana; porém, conservaram o endereço antigo. É comum encontrar, em uma antiga chácara, várias casas, com o endereço único.
9Embora seja um fator limitante, a agregação de dados de dengue em zonas definidas pela Secretaria de Saúde, é um meio que permite o georreferenciamento dos casos de forma plausível; porém, nessas unidades, não consta o número de pessoas que ali vivem.
10Além disso, os estudos sobre a dinâmica da dengue no DF utilizam como referência a população do Censo (2000 ou 2010), mesmo se a pesquisa tiver como recorte temporal um ano intercensitário.
11Dessa forma, o objetivo do artigo é apresentar a estimativa da população do Distrito Federal no período de 2007 a 2014, por meio do método people in pixel adaptado e, com isso, calcular a taxa de incidência de dengue, subsidiando assim as análises sobre a dinâmica da dengue no Distrito Federal a uma resolução espacial compatível com as unidades espaciais, adotadas pela Secretaria de Saúde local. Ressalta-se que as adaptações efetuadas consistiram na simplificação de algumas etapas de execução, em relação ao método original, de modo a melhorar estimações populacionais e facilitar a replicação do método.
12O Distrito Federal é a menor unidade federativa do Brasil, possuindo uma área 5.779,999 km², organizada atualmente em 31 regiões administrativas. Segundo o IBGE, o Distrito Federal tem atualmente 3.039 milhões de habitantes e uma taxa de crescimento médio anual da população da 2,09 % ao ano (Figura 1).
Figura 1 - Localização do Distrito Federal e sua organização político-administrativa
Fonte: Elaborada pelos autores
13Apesar de ter uma das maiores renda per capita mensal do país e um dos maiores valores do índice de desenvolvimento humano (IDH-0,824), o DF apresenta diversas regiões com problemas de infraestrutura e saneamento, como na coleta de lixo e rede de esgoto, como é caso da Estrutural e Itapoã (PAVIANI, 2007).
14Em relação às doenças transmissíveis no DF, as arboviroses (dengue, Zika e Chikungunya) tiveram um expressivo crescimento nos últimos anos. Em 2007, foram registrados pouco mais de 1 mil casos dengue e, em 2014, mais de 11 mil casos. A partir de 2014, foram registrados os primeiros casos de Chikungunya no DF, sendo registrados 363 e 180 casos notificados em 2017 e 2018, respectivamente. Com relação à Zika, os primeiros casos no DF foram registrados em 2015, sendo apenas casos importados. Já, em 2017, foram notificados 222 casos e em 2018 possui o registro de 180 casos notificados (SES-DF, 2019).
15Como essas doenças não ocorrem de forma homogênea no território, algumas regiões do DF apresentam uma concentração de casos em diversos anos, como por exemplo, em São Sebastião, e Planaltina. Apesar de fatores como a qualidade e cobertura dos serviços públicos não estarem diretamente ligados a maior ou menor ocorrência de arboviroses, também são observados nas regiões mencionadas deficiências dos serviços públicos (ANJOS, 2012).
16A metodologia desenvolvida (figura 2) tem como base a estimativa populacional através método people in pixel. Para a execução é necessário utilizar mapas de densidade urbana, que são obtidos dos mapas de uso do solo e dos dados censitários. Com esses mapas, são realizadas as etapas do método, resultando na estimativa da população das unidades espaciais estudadas.
17Com a obtenção dos dados de população e dos dados epidemiológicos de dengue, é efetuado o cálculo da taxa de incidência para os anos do recorte temporal estudado.
Figura 2 - Fluxograma da metodologia
Fonte: Elaborada pelos autores
18Nos subtópicos seguintes, são detalhadas as características espaciais dos dados epidemiológicos, os processos de mapeamento do uso e cobertura do solo e densidade urbana, os dados censitários utilizados, a execução do método people in pixel e o cálculo da taxa de incidência de dengue.
19Os dados utilizados são os casos notificados e confirmados de dengue no período de 2007 a 2014, disponibilizados pela SES-DF, os quais se integram ao Sistema Nacional de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). No SINAN, a localização das residências dos casos de dengue é indicada com diferentes níveis de precisão; permitindo diferentes níveis de agregação dos dados: unidade federativa, município, distrito, bairro e endereço (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2018).
20No DF, trabalhar com os dados agregados revelou-se necessário devido à dificuldade de georreferenciar os casos de dengue por endereço. De fato, muitas inconsistências foram encontradas na base de dados, como endereços incompletos, além de o DF utilizar uma maneira muito particular de endereçamento, dificultando a utilização de serviços de geocodificação de endereços ou a base dos correios (CEP).
21Além disso, no DF não existe a categoria” bairro” na estrutura política administrativa, e por isso, a SES-DF criou uma entidade espacial própria, a Zona Bairro SINAN (ZBS), a fim de integrar os dados do DF no SINAN. As ZBS são áreas agregadas, compostas por conjuntos de quadras variando de extensão conforme a região administrativa.
22Convém mencionar que os endereços no Distrito Federal, sobretudo, nas regiões administrativas mais antigas, são do tipo “quadra” e não do tipo “rua”, como ocorre em outros municípios brasileiros. Convém mencionar que as quadras correspondem à conjuntos de lotes. Originalmente, os limites das ZBS estão especificados em uma lista de quadras elaborada pela SES-DF; porém, oficialmente, não há base espacial dessas áreas. Assim, a equipe do Laboratório de Geografia, Ambiente e Saúde (LAGAS-UnB) mapeou as ZBS a partir de uma lista de 2013, disponibilizada pela SES-DF com o software QGIS 2.18.2 e o auxílio de camadas de informações complementares: base vetorial de arruamentos e quadras do DF, fornecida pela Secretaria de habitação e gestão do território do DF (SEGETH-DF); Google Maps® e Wikimapia. Esse trabalho permitiu mapear todas as 111 ZBS que são categorizadas em zonas urbanas e rurais. Para esse estudo, optou-se por trabalhar com os casos de dengue cujos locais de residência pertencessem às ZBS urbanas. Essa escolha aconteceu pelo fato dessas ZBS terem a mancha urbana melhor delimitada, facilitando os mapeamentos dos níveis de densidade urbana, que são utilizados no método people in pixel. Dessa forma, foram analisadas 88 ZBS (figura 3).
Figura 3 - Delimitação das 88 Zonas Bairro SINAN urbanas (ZBS)
23Para aplicação do método people in pixel adaptado, é necessária a utilização de mapas de densidade urbana. Tais mapas podem ser obtidos por meio da exploração de imagens de satélite. Para isso foram utilizadas imagens Landsat 5 TM e Landsat 8 OLI (obtidas do site Earth Explorer, do serviço geológico americano-USGS) para os anos de 2007, 2010 e 2014.
24Esse recorte temporal foi escolhido, pois, representa um período importante para o DF pois nele foram aprovados os planos diretores de ordenamento territorial (PDOT) de 2009 e 2012, quando houve a destinação de novas áreas para uso urbano. A partir destes dois PDOT, foi observado que nas zonas de contenção urbana e nas zonas rurais de uso controlado, houve avanço das áreas urbanas, impulsionado pela especulação imobiliária (MANIÇOBA; OLIVEIRA, 2014).
25Com relação à escolha dos anos de 2007, 2010 e 2014, para classificação das imagens Landsat e elaboração dos mapas de densidade urbana foi pelo fato de nesses anos haver contagem populacional local (2007 e 2014) e o censo em 2010, o que é imprescindível para implementar o método people in pixel.
26As imagens utilizadas são do mês de julho, que corresponde ao início do período seco. Foram realizadas a correção geométrica (a qual foi aplicada para as imagens Landsat 5 TM, utilizando aerofotos ortorreficadas de 2014 da Terracap), pois as imagens Landsat 8 OLI são ortorretificadas); a correção radiométrica e a correção atmosférica. Para esse último tratamento, foi utilizado o algoritmo DOS (Dark Object Subtraction) que é um dos métodos mais antigos e utilizados para realização da correção atmosférica, devido à baixa exigência de informações retiradas da imagem para procedimentos de ajuste digital, na redução dos efeitos de dispersão atmosférica (LU et al. 2002). A caracterização da cobertura do solo foi realizada para toda a extensão do Distrito Federal, sendo o processamento realizado no software ENVI 4.8. O método de classificação adotado foi a classificação manual dos pixels das imagens, a partir da construção e indução de árvores de decisão, baseado no conhecimento da área de estudo pelo analista (BREIMAN et al., 1984; WITTEN et al., 2011; YANG; WANG, 2016). Para discriminar as classes, foram selecionados os seguintes atributos das imagens: brilho da banda 4 - NIR, brilho da banda 3 - vermelha, índice por diferença normalizada para áreas construídas (ZHA et al., 2001), índice de vegetação por diferença normalizada - NDVI (ROUSE et al., 1972) e índice de brilho- BI (NICOLOYANNI, 1990). Também foi utilizado como máscara um arquivo shape das áreas agrícolas do DF, para diminuir a confusão com outras classes de resposta espectral semelhante, como por exemplo, as áreas urbanas de baixa densidade. As classes delimitadas são apresentadas no quadro 1.
Quadro 1 - Classes de uso e cobertura do solo utilizadas
Fonte: Extraído do software ENVI 4.8 e adaptado pelos autores
27A separação das classes ocorreu a partir dos testes com os limiares dos atributos espectrais ou texturais que melhor discriminaram os alvos correspondentes. A escolha desses limiares se deu através de análise visual dos atributos utilizados nas árvores de decisão. A figura 4 demonstra um exemplo da árvore de decisão construída. O quadro 2 mostra os valores dos limiares adotados para os atributos discriminantes das classes.
Figura 4 - Árvore de decisão das classificações de imagem
Fonte: Extraído do software ENVI 4.8 e adaptado pelos autores
Quadro 2 - Limiares dos atributos discriminantes das classes de uso do solo
Fonte: Extraído do software ENVI 4.8 e organizado pelos autores
28Quanto maior a compacidade e homogeneidade dos pixels de área construída e menor presença de pixels de vegetação, maior é a densidade urbana. O oposto ocorre quando os pixels de área construída se distribuem na superfície de forma pontual. O quadro 3 aponta uma breve descrição dos níveis de densidade urbana. As amostras constadas no quadro 3 foram extraídas das imagens Landsat e das aerofotos do ano de 2014, fornecidas pela Companhia Imobiliária de Brasília – Terracap.
29A partir das classificações de uso do solo, para a aplicação no método people in pixel, foram utilizadas as classes dos níveis de densidade urbana (urbano de baixa, média e alta densidade e urbano vertical). As demais classes foram agregadas e denominadas como “sem ocupação”.
Quadro 3 - Descrição das classes de densidade de áreas urbanas no Distrito Federal
Fonte: Elaborado pelos autores
30Para avaliar a acurácia das classificações, foram coletadas amostras de todas as classes, as quais tiveram como referência aerofotos da Terracap do ano de 2014. Estas foram utilizadas pelo fato de terem altíssima resolução espacial (24 centímetros). Tomou-se o cuidado de coletar os pontos de áreas onde não houve mudanças de uso na série temporal estudada.
31Para isso, foi realizada uma detecção de mudança por pré-classificação, cujas imagens de satélite são comparadas, sem classificação prévia e as áreas onde houve mudanças, ficam destacadas devido à diferença de radiância. Com isso, após essa análise, foram comparadas as áreas imutáveis de 2007, 2010 e 2014 das imagens Landsat, com as aerofotos de 2014, realizando-se assim a coleta das amostras de validação das classificações (WECKMÜLLER; VICENS, 2016).
32Para calcular o número de amostras com significância estatística para avaliar a acurácia das classificações, a coleta foi baseada na proposta de Adami et al. (2012).
33Os autores propõem uma fórmula que se baseia na proporção de área de cada classe, para quantificar um número ideal de amostras.
34n=(z)² x p x q / e²
35Em que: n = tamanho da amostra, z = valor do grau de confiança desejado (99%), p = proporção populacional de indivíduos que pertence à determinada classe, q= proporção populacional de indivíduos que não pertence à determinada classe (1- p) e= margem de erro (foi adotado 2,5% conforme recomendam Adami et al., 2012).
36Foi coletado um total de 2729 amostras para cada ano, sendo coletados os seguintes números de amostras por classe: água (46), área queimada (61), agricultura (186), solo exposto agrícola (196), solo exposto (44), urbano de alta densidade (54), urbano de média densidade (119), urbano de baixa densidade (81), urbano vertical (15), vegetação de alto porte (338), vegetação de médio porte (523), vegetação de baixo porte (518), vegetação mista (541).
37Foi feita a validação cruzada para gerar as matrizes de confusão e calcular o índice Kappa. Para o ano de 2007, o Kappa foi de 0.70; em 2010, o índice foi de 0.66; e, em 2014, o valor foi 0.63. Para avaliar a acurácia das classificações, foi tomada como referência a classificação de qualidade dos produtos de sensoriamento remoto de Landis e Koch (1977), na qual o nível de qualidade é analisado em função do índice Kappa, variando entre: ruim (<0.0); fraca (entre 0.0 e 0.2); regular (entre 0.2 e 0.4); moderada (entre 0.4 e 0.6); boa (entre 0.6 e 0.8) e excelente (entre 0.8 e 1.0). Com isso, os três mapas de uso de solo elaborados foram classificados como qualidade “boa”.
38A classificação com os níveis de densidade urbana aplicada na entrada do modelo people in pixel é exemplificada na figura 5.
Figura 5 - Mapa das classes de densidade urbana para área central do Distrito Federal em 2010
39Para calcular a população das ZBS, foram utilizados dados do total de população por setor censitário para o ano de 2010, quando foi realizado o CENSO-IBGE. Para o ano de 2014, também foram utilizados o total da população, fornecidos pela Pesquisa Distrital de amostras por domicílio da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (PDAD-CODEPLAN). Esse levantamento é realizado por biênios e tem como unidade amostral os setores censitários do IBGE.
40No de 2007 verificou-se que não foi realizada a contagem da população do IBGE no DF e não foram encontrados dados da PDAD-CODEPLAN.
41Para contornar essa dificuldade, foram utilizados os dados do censo de 2000, ano do censo anterior ao censo de 2010, sendo realizada uma comparação entre os setores de ambos os anos, pois, em 2010, houve a desagregação de alguns setores censitários, se comparados ao censo de 2000.
42Com essa verificação, alguns setores censitários de 2010 foram agrupados, procedendo-se então à realização de uma interpolação linear por setor censitário, entre 2000 e 2010. Dessa forma, a população de 2007, nessa unidade espacial, foi estimada.
43A interpolação linear é uma função polinomial de primeira ordem, expressa pela equação:
44f (x) = A + Bx
45Esta equação ajusta uma reta que passa por dois pontos conhecidos (HIRYE et al., 2015). Com esses procedimentos, procedeu-se a implementação do modelo people in pixel.
46O método people in pixel consiste na aplicação de relações de proporcionalidade definida para cada classe de densidade urbana (CRUZ et al., 2007). Para facilitar a compreensão, a figura 6 mostra o fluxo das etapas de execução do método.
Figura 6 - Fluxograma com detalhamento das etapas de execução do modelo people in pixel
Fonte: Elaborada pelos autores
47A etapa mais importante do método consiste na estimação da densidade de habitantes por pixel, para cada classe de densidade urbana (CDU). Então, a primeira etapa do método consiste na seleção de amostras para cada CDU, tendo como unidade amostral os setores censitários. De acordo com Cruz et al. (2007), as amostras coletadas devem ser homogêneas, ou seja, em cada setor censitário coletado como amostra, deve-se evitar mistura de diferentes classes de densidade urbanas (CDU). Os autores recomendam um mínimo de 70% de cobertura dos pixels de uma única CDU na extensão do setor censitário. Com isso, foram coletadas 100 amostras para cada CDU em cada um dos anos para os quais foram elaborados os mapas de densidade urbana (2007, 2010 e 2014).
48A segunda etapa do método consiste em relacionar o número de pixels de cada CDU com a população dos setores censitários, para obter o número de habitantes por pixel (Nhabpx) para cada amostra coletada. Dessa forma, a obtenção do número de habitantes por pixel, para cada amostra, é dada por:
49Nhabpx= Nhabj / Npixij
50Em que Npixij é o número de pixels da classe i (CDU) no setor censitário j; Nhabj é o número de habitantes no setor censitário j
51Em seguida, foi realizada a média aritmética dos números de habitantes por pixel para cada CDU. Para cada CDU, esse valor médio é considerado como o valor de referência da densidade de habitantes por pixel. Com isso, foi aplicada a seguinte fórmula para calcular o total da população por ZBS (etapa 3).
52Popk = ∑i | CDUi∈ZBSkNhabpxi x Npixik
53Em que Popk é o número de habitantes da área (ZBS) k; Nhabpxi é o número de habitantes por pixel da classe i (CDUi); Npixik é o número de pixels da classei (CDU) na área k (ZBSk)
54A partir do cálculo da população para as ZBS, foi calculada a taxa de incidência anual. A incidência é o número de casos novos proporcionais por determinado grupo de habitantes para um período específico. Para isso, foi calculada a taxa de incidência anual que é dada pela seguinte fórmula:
55Inc= (Ncd/Pt) * 100.000
56Em que Inc é a taxa de incidência, expressa em número de casos novos para cada 100.000 pessoas por um período e uma unidade espacial específica (neste estudo, por ano e ZBS, respectivamente); Ncd = número de novos casos da doença durante o período e na unidade espacial considerada; Pt= População total da área de estudo.
57O quadro 4 exemplifica os resultados das estimativas populacionais das 6 zonas com maior taxa de crescimento populacional médio entre 2007 e 2014. Ressalta-se que após a aplicação do método people in pixel para 2007, 2010 e 2014, foi calculada a população residente das ZBS. Em seguida, para os anos sem levantamento populacional (2008, 2009, 2011, 2012 e 2013) foi realizada a interpolação linear para estimar a população das ZBS nestes anos. Após a estimativa de população das ZBS, foi calculada a média da taxa de crescimento entre dois anos consecutivos no período 2007-2014.
Quadro 4 - Amostra da população estimada para as ZBS do Distrito Federal pelo modelo people in pixel
Fonte: Elaborado pelos autores
58As seis zonas apresentadas na figura 7 possuem características em comum como: a localização em áreas de renda média-baixa e locais em que houve a rápida conversão das áreas de chácaras ou terras para especulação, entre 2007 e 2014. Além disso, com exceção da ZBS 77, as demais situam-se na parte leste do Distrito Federal, área de maior expansão urbana nos últimos anos. Nessa porção, surgiram vários condomínios irregulares, alguns com problemas de infraestrutura e saneamento. Também foram criados diversos projetos habitacionais pelo governo do Distrito Federal (MANIÇOBA; OLIVEIRA, 2014).
Figura 7 - Localização das seis ZBS com maior taxa de crescimento populacional
Figura 8 - Evolução do somatório da população das ZBS do Distrito Federal entre 2007 e 2014
59Em relação ao total de ZBS estudadas, 69% tiveram um crescimento populacional médio inferior a 5%, indicando um quadro de estabilidade. Considerando o somatório da população de todas as ZBS, a figura 8 mostra a evolução do crescimento da população abrangida pelas ZBS entre 2007 e 2014.
Fonte: Elaborada pelos autores
60Através da figura 8, nota-se que o crescimento populacional é contínuo; porém, a partir de 2011, há uma diminuição desse ritmo. As razões que podem contribuir para essa diminuição são o envelhecimento da população, redução da taxa de natalidade no DF e as migrações para o DF. Segundo o IBGE (2019), a população com mais de 65 anos, passou de 7,32% em 2010 para 9,52% em 2019 e a taxa de natalidade caiu de 15% para 14% no mesmo período. A taxa de imigração para o DF foi caiu de 20% no censo de 2000, para 14% no censo de 2010. Considerando o período estudado (2007 a 2014), a taxa de crescimento da população das ZBS foi de 35%.
61Uma dificuldade encontrada na aplicação do método people in pixel diz respeito à seleção de amostras. Não é tarefa simples selecionar amostras com alta taxa de homogeneidade para cada CDU. Verifica-se que, em muitos setores censitários, há a ocorrência concomitante de diversas classes que dificultam o processo de seleção.
62A avaliação quantitativa das estimativas populacionais com o método people in pixel também não é simples de ser realizada. Ao nosso conhecimento, não há um método de referência de estimativa da população com o qual os resultados poderiam ser comparados.
63Como não se tem acesso aos dados desagregados por setor censitário nos anos intercensitários; pelo menos os anos censitários se tornam a referência mais viável para comparar com os resultados estimados pelo people in pixel.
64Se pode considerar que esse método traz vantagem aos estudos de Siqueira et al. (2017), que apenas soma os números de habitantes dos setores censitários, cujos centroides pertencem à uma determinada ZBS. Embora o método aplicado por Siqueira et al. (2017) e o people in pixel apresentem resultados comparáveis, pois, uma regressão linear entre os resultados dos dois métodos apontou um coeficiente de determinação (R2) de 0.92, o método people in pixel permite distribuir os habitantes de um setor censitário sobreposto em diversas ZBS, demonstrando as áreas efetivamente ocupadas. Assim, o método people in pixel apresenta melhores resultados.
65Devido à necessidade de estimar o dado de população, encontram-se na literatura diversos métodos de estimativa populacional; no entanto, a escolha de um método depende de fatores como a escala do objeto de estudo e a disponibilidade de dados.
66Dessa forma, embora o people in pixel apresente limitações em comparação com outras técnicas; nesta área de estudo, é um método que se apresentou com melhor viabilidade de implementação. Por exemplo, Bagan e Yamagata (2015) realizaram um estudo de estimativa populacional espacializada do Japão, de 1991 a 2006, utilizando as imagens de luzes noturnas (DMSP-OLS) da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA), o uso e cobertura do solo por imagens Landsat e os dados censitários. Contudo, a desvantagem do uso de imagens DMSP-OLS é a baixa resolução espacial da imagem DMSP (2.7 km).
67Um serviço de dados populacionais espacializados que convém citar é o worldpop (TATEM, 2017).Ele foi iniciado em 2011 e um dos focos é melhorar e complementar os dados demográficos por meio da integração e da desagregação de dados, com base em dados censitários, imagens de satélite, telefone celular, entre outros recursos para produzir uma grade consistente de dados populacionais. O programa fornece imagens da população espacializada em vários continentes. Uma ressalva é a resolução espacial da grade, que é de 100 m x 100 m; com isso, pode não ser aplicável o seu uso em determinadas escalas de análise (TATEM, 2017).
68Ao comparar o método aplicado neste estudo, com outros métodos de estimativa populacional, que têm como base o método dasimétrico ─ como é o caso do people in pixel, encontra-se o trabalho de Azar et al. (2010), no qual os autores aplicaram o método dasimétrico para estimar as populações rurais e urbanas nos anos em que não houve censo no Haiti. Os autores propõem um método para obtenção de uma acurácia melhor e maior correlação estatística, ao utilizar como variáveis, além da classificação Landsat, o uso de imagens Quickbird, as quais foram classificadas em conjunto com a Landsat por meio de árvore de decisão e orientação a objeto. Na metodologia, eles organizaram a classificação em grades de 100 m X 100m e compararam os resultados com as estimativas dadas pelo programa Landscan e GRUMP. O modelo aplicado para as províncias teve um R² médio de 0.7. Ao comparar os resultados com os programas Landscan e GRUMP, a correlação foi respectivamente de 0.92 e 0,77. Neste estudo aplicado ao DF não foram comparados os resultados com o Landscan e o GRUMP, porém em estudos futuros é um viés que pode ser seguido.
69No Brasil, França et al. (2014) aplicaram o método dasimétrico inteligente na mesorregião metropolitana de Belém. Esse método proposto por Mennis e Hultgren (2013) utiliza uma estimativa do percentual da densidade populacional por meio de classes auxiliares, que podem ser pré-definidas pelo analista ou obtidas por amostragem.
70Assim, os resultados obtidos neste estudo vão ao encontro do que outros estudos apontam, como o percentual de erro baixo na estimativa e a dificuldade em espacializar e obter o total da população em áreas urbanas desagregadas com maior acurácia.
71Dessa forma, a resolução espacial da imagem pode dificultar a classificação de áreas construídas isoladas; podendo generalizar e classificar uma área com construções desse tipo como não ocupada, por exemplo.
72Além disso, a acurácia da classificação é importante; se não for bem executada, pode gerar informações equivocadas. Com isso, entende-se que o uso de imagens de alta resolução espacial, como Sentinel 2, Planetscope e Plêiades, pode contribuir para classificações com maior precisão.
73Apesar dessas ressalvas, autores como Requia et al. (2018) apontam que esse tipo de método faz parte de importantes métodos nos estudos de saúde, uma vez que permite registrar informações espacialmente explícitas sobre a distribuição e estimativa da população, apresentando bons resultados.
74A fim de demonstrar a importância do método people in pixel para análise espacial de eventos em saúde, podem-se observar, na figura 9, os mapeamentos da incidência de dengue para os anos da série temporal em cada ZBS. Para melhor visualização, os círculos em azul, presentes nas figuras, visam demonstrar as áreas que destacaram no que concerne às taxas de incidência mais elevadas. A área 1 corresponde à porção centro-oeste do DF; as áreas 2, 3 e 4 correspondem às porções leste, norte e sul respectivamente.
Figura 9 - Incidência anual da dengue entre 2007 e 2014
75Na análise da dengue, a identificação de anos epidêmicos e não epidêmicos é importante. Para a detecção de anos epidêmicos, utilizou-se o diagrama de controle do método do 3º quartil. Os limites de controle, inferior e superior, são construídos a partir do primeiro e do terceiro quartil (Q1 e Q3), metodologia recomendada pela Organização Mundial de Saúde (BRAZ et al., 2006). Baseado nessa metodologia, os anos de 2010, 2013 e 2014 são considerados anos epidêmicos e os anos de 2007, 2008, 2009, 2011 e 2012 são anos não epidêmicos.
76Nos anos não epidêmicos, as zonas que tiveram maior incidência foram pontuais. Em 2007 e 2008, essas zonas são: Taguatinga Norte, Estrutural e Vicente Pires (norte da área 1); São Sebastião (sul da área 2); Jardim Botânico (norte da área 2); Planaltina e Sobradinho (leste e oeste da área 3, respectivamente). Em 2009, apenas as zonas de Planaltina (zonas da área 3 em cor laranja) tiveram a taxa de incidência entre 300 e 600 casos para cada 100 mil habitantes, principalmente a oeste.
77O ano de 2011 foi diferenciado, se comparado aos padrões dos outros anos não epidêmicos; pois se notam diversas zonas com maior incidência. Entre elas, além das zonas São Sebastião (sul da área 2), Planaltina e Sobradinho (leste e oeste da área 3, respectivamente), setor M Norte e núcleo Cana do Reino em Taguatinga (norte da área 1), Vila Planalto (ao centro); as zonas de Samambaia (sudoeste da área 1); Gama e Santa Maria (oeste e leste da área 4, respectivamente). No ano de 2012, as mesmas áreas destacadas em 2011 se destacaram (exceto área 4); porém, com menor intensidade que no ano anterior.
78Quanto aos anos epidêmicos, em 2010, algumas zonas tiveram uma taxa de incidência elevada (acima de 600 casos para cada 100 mil habitantes); porém, em algumas zonas foram registradas taxas acima de 1.000 casos por 100 mil habitantes. As zonas que tiveram as mais altas taxas de incidência foram: São Sebastião (sul da área 2), Planaltina (leste da área 3), Sobradinho 1 e 2 (oeste da área 3), Vila Planalto (ao centro), Paranoá e Itapoã (sul da área 3), setor M Norte e Núcleo Cana do Reino em Taguatinga (norte da área 1); Samambaia e Recanto das Emas (sudoeste da área 1); Gama e Santa Maria (oeste e leste da área 4).
79Nos anos de 2013 e 2014, o padrão foi semelhante ao ano de 2010, quando não foram observadas zonas com alta incidência na área central. Em 2013, as zonas de São Sebastião (sul da área 2), Paranoá e Itapoã (sul da área 3), Planaltina (leste da área 3), Samambaia (sudoeste da área 1) e Ceilândia Norte (noroeste da área 1), Vicente Pires, Setor M Norte (norte da área 1) e setor sul do Gama (oeste da área 4) tiveram incidência acima de 600 casos por 100 mil habitantes. No ano de 2014, as zonas que se destacaram seguiram o padrão de 2013.
80Portanto, por meio dos mapas de taxa de incidência é possível identificar as zonas onde a atuação da dengue é mais intensa. As zonas de maior intensidade foram as ZBS de São Sebastião, Itapoã, parte de Planaltina, parte do Recanto das Emas, Estrutural, Brazlândia, Vila Planalto, Sobradinho I e II, Guará I, Samambaia e a porção sul do Gama. Nota-se que, em vários anos, as ZBS dessas localidades figuram com elevadas taxas de incidência.
81Ao comparar as figuras 7 e 9, pode-se observar que, nas zonas com altas taxas de crescimento populacional, boa parte delas apresentaram altas taxas de incidência de dengue; principalmente nos anos epidêmicos. Isso pode ser um indicativo de que fatores como os deslocamentos populacionais para essas localidades e o adensamento populacional podem ter contribuído para a disseminação da doença; contudo, outros fatores ambientais e sociais devem ser considerados na análise. Horta et al. (2013), no estudo sobre a expansão da dengue em Coronel Fabriciano (Minas Gerais), apontaram que as áreas com maior incidência de dengue coincidiram com as localidades onde houve uma expansão das áreas urbanas e que apresentaram maior taxa de crescimento populacional.
82Este estudo buscou demonstrar como a utilização do método people in pixel para estimar a população pode ser útil em análises de saúde e da dinâmica das doenças vetoriais, como a dengue. Notou-se que o método é uma alternativa plausível na estimativa da população em anos intercensitários; podendo ser aplicado em diferentes recortes espaciais.
83Além disso, ele permite analisar a organização urbana e a densidade populacional, oferecendo a possibilidade de aprofundar a investigação sobre como ocorre a dispersão de uma doença em determinada localidade.
84Como contribuições do método nos estudos em saúde, pode-se destacar o fato de que permite estimar a população em unidades espaciais, que não apresentam dados de população, como é o caso das ZBS; permitindo, assim, realizar uma abordagem específica. Ou seja, o método permite, associado a técnicas estatísticas, acompanhar a evolução da população, subsidiando as análises em saúde, como a taxa de incidência, a partir de recortes espaciais diferenciados e específicos, possibilitando uma adaptação às realidades locais.
85No caso do Distrito Federal, o método contribuiu eficazmente para levantamento dos dados populacionais em um recorte espacial não tradicional, com um baixo percentual de erro e preenchendo lacunas nos anos sem levantamento populacional. No entanto, é importante frisar que acurácia das classificações de imagens influencia na qualidade final da estimativa pelo método people in pixel. Dessa forma, um melhor índice Kappa das classificações obtidas, poderia reduzir ainda mais o percentual de erro.
86Com relação ao cálculo de taxa de incidência, o método auxiliou realizar o mapeamento anual da incidência de dengue no período estudado, além de apontar as localidades com maior incidência de dengue. Assim, tantos os órgãos competentes de controle da dengue, como as instituições que pesquisam a dengue no DF, precisam priorizar algumas regiões como São Sebastião, Planaltina e Itapoã.
87Além disso, o método pode ser aplicado nos estudos de outras doenças que envolvam grupos populacionais, como as não transmissíveis.
88Ressalta-se, mais uma vez, que o método é de implementação simples, podendo ser utilizados dados públicos e gratuitos, como as imagens Landsat e dados censitários. Também é importante reforçar que a representação espacial pode ser melhorada com uso de imagens de alta resolução espacial, como Sentinel 2, Planetscope e Plêiades.
89Por fim, apesar dos diferentes tipos de métodos ou modelos de estimativa populacional existente, o método people in pixel, mesmo com melhorias que podem ser efetuadas, é uma opção viável para aperfeiçoar os estudos de saúde que envolvem análises de população, uma vez que possibilita avaliar a dinâmica da população de forma espacializada, podendo contribuir para as estratégias de vigilância em saúde.
90O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. Assim como do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Agradecemos à coordenação dos projetos RELAIS e JEAI-GITES, resultantes da parceria entre o Laboratório de Geografia, Ambiente e Saúde, da Universidade de Brasília (LAGAS-UnB) e a UMR Espace-DEV, do Institut de Recherche pour le Développement (IRD). Este trabalho também faz parte das atividades do Laboratório Misto Internacional (LMI) Sentinela – IRD, Fiocruz e UnB.