1Ao longo da história, a fronteira do Brasil teve como principais funções a segurança e a defesa do território nacional. Essa noção só veio a sofrer alterações no final do século XX, dentro de um contexto de regionalização mundial e de emergência e consolidação de blocos de países. Naquele momento, a fronteira passou a receber novos enfoques e ser tratada como ponto de integração e cooperação entre diferentes Estados. A concepção da fronteira-separação passou a conviver, então, com uma nova função de integração e contato dentro da realidade de blocos regionais como o MERCOSUL.
2Na América do Sul essa nova função da fronteira passou a receber grandes impulsos, não apenas com a implementação do MERCOSUL (1991), mas também com a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana – IIRSA (2000). A partir do governo Lula da Silva o Brasil passou a implementar medidas concernentes ao desenvolvimento da faixa de fronteira, que envolviam o fortalecimento das conexões com os países vizinhos. Nesse sentido, o Programa de Desenvolvimento Social da Faixa de Fronteira (PDFF) foi um marco para as políticas públicas em zona de fronteira.
3Scherma (2016) destaca que o PDFF sobressai-se entre todas as demais políticas públicas para a faixa de fronteira já realizadas pelo Brasil. O autor lembra que o programa abarca aspectos muito pouco explorados em iniciativas anteriores, ao dar ênfase à cooperação com os países fronteiriços. Entendimento corroborado por Silva (2008), que lembra que a fronteira política passou a receber, durante o governo Lula da Silva, nova forma de visibilidade que se consolidou tanto em territórios centrais como em periféricos, por meio de acordos que alteraram, naquele período, alguns dos tradicionais significados da fronteira.
4A implantação do PDFF ocorreu por meio da atuação do Ministério da Integração Nacional, após um estudo encomendado ao Grupo Retis/URFJ, que levantou um conjunto de informações demográficas, econômicas, sociais e geográficas acerca da faixa de fronteira do Brasil. Até o advento do estudo denominado “Proposta de Reestruturação do Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira” (que resultaria posteriormente na remodelação do PDFF, em 2009), não havia sido realizado nenhum trabalho semelhante que envolvesse uma parceria entre o Ministério da Integração Nacional e a academia. Tal estudo, ainda hoje, é a base de muitas iniciativas voltadas à criação de programas de desenvolvimento da fronteira que se sucederam após o PDFF. Dentre tais iniciativas, a Comissão Permanente para o Desenvolvimento e a Integração da Faixa de Fronteira (CDIF), também ligada ao Ministério da Integração Nacional, configura hoje a mais relevante contribuição para o aperfeiçoamento da gestão das políticas públicas para o desenvolvimento da faixa de fronteira. Embora sejam de enorme relevância para os municípios de fronteira (que ocupam 27% do território brasileiro), o PDFF e a CDIF são pouco difundidos na sociedade brasileira, na mídia e mesmo na academia.
5Outro ponto que merece destaque é o fato de as políticas públicas para a fronteira sofrerem com a interrupção de programas decorrentes de mudanças de governo. Essa falta de continuidade é um dos principais obstáculos para programas que efetivamente não trouxeram melhorias na qualidade de vida e não alteraram a situação de vulnerabilidade das populações da faixa de fronteira. Nesse sentido, é importante ressaltar que mesmo o órgão responsável por orientar o presidente da república quanto às questões de segurança na faixa de fronteira, o Conselho de Defesa Nacional (CDN), possui uma atuação aquém do ideal.
6Cabe destacar que não existe uma base de dados organizada, unificada e atualizada em nenhum ministério ou órgão do governo brasileiro acerca do tema. Face ao contexto exposto, o presente trabalho se dedica a aferir se as limitações e a pouca eficácia das iniciativas governamentais voltadas às fronteiras do Brasil implementadas no início do século XXI ocorrem em virtude da forma pela qual as iniciativas são idealizadas e geridas – projetos criados a partir dos centros nacionais de poder, sem a participação da população fronteiriça e sofrendo com a descontinuidade. Trata-se de que uma pesquisa qualitativa, pautada em análise bibliográfica e documental, realizada sob a ótica das Relações Internacionais e da Geografia Política, cujo recorte temporal abrange o período entre o ano 2000 e 2019.
7Criado em 2009, o Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira é o principal estudo já realizado sobre a faixa de fronteira do Brasil, abrangendo dados referentes à economia, demografia, cultura, geografia e à realidade social de uma área que corresponde a 27% do território nacional. O estudo foi implementado dentro de um contexto de aproximação dos países sul-americanos, em um momento no qual coexistiam governos progressistas em diversos países do subcontinente. Essa realidade possibilitou o advento de uma nova função de integração e contato atribuída à fronteira (BRASIL, 2009). É importante lembrar que o programa teve diversos nomes ao longo do tempo e recebeu diferentes enfoques.
8A zona de fronteira é composta pelas áreas territoriais de cada lado do limite internacional entre dois Estados. Sua largura varia de díade para díade. Na realidade sul-americana, quando previstas na legislação, as faixas de fronteiras dos países abrangem algumas dezenas de quilômetros (FURTADO, 2011), sendo a mais extensa a brasileira, que atualmente equivale a 27% do território nacional e abrange uma área de 150 quilômetros paralela ao limite internacional terrestre do país (mapa 1).
9A legislação brasileira referente à faixa de fronteira impõe uma série de restrições ao uso e propriedade do solo. Cabe destacar que até a elaboração da lei n. 601, de 1850, a ocupação de terras no Brasil era pouco controlada. A referida lei proibiu a aquisição de terras devolutas por outro título que não o de compra. Tal proibição, porém, não era absoluta, pois na faixa de fronteira tais terras poderiam ser concedidas gratuitamente pelo governo (FALCÃO, 1995).
10Desde o período imperial sob o comando de D. Pedro II, já estava prevista uma zona de segurança na fronteira do Brasil de dez léguas (o que equivale a 66 quilômetros). Com o tempo, esse limite passou a aumentar e com as mudanças na legislação passou para os 150 quilômetros atuais (CDIF, 2018).
11É importante ressaltar também a diferença entre os termos “faixa de fronteira” e “faixa de segurança nacional”. Esta última foi criada pela Constituição Federal de 1934 para proibir que fossem concedidos títulos de terra sem anuência do Conselho Superior de Segurança Nacional.
12Inicialmente a faixa de segurança nacional abrangia 100 quilômetros de extensão, mas essa distância foi alterada em 1937, quando passou para 150 quilômetros. Nos dois momentos houve uma sobreposição das duas referidas faixas. A faixa de fronteira, ainda com 66 quilômetros de extensão, era compreendida pela de segurança nacional (FALCÃO, 1995). Esse fato, pouco conhecido, muitas vezes gera confusão e é mal interpretado pelos pesquisadores dos temas de fronteira, que frequentemente pensam se tratar de uma única faixa com diferentes denominações.
13Posteriormente, a faixa de fronteira brasileira passou a ser regulamentada pela lei n. 6.634, de 1979, que a qualificou como uma região formada pelos municípios que estão parcial ou integralmente na faixa de 150 quilômetros de largura a partir do limite internacional terrestre.
14A partir do século XXI, por meio de acordos bilaterais, o Brasil passou a estabelecer bases jurídicas para um maior processo de integração e desenvolvimento da zona de fronteira. Todavia, a política de integração do Brasil com os países limítrofes, sobretudo nos anos do governo Lula da Silva, quando ela recebeu maior impulso, ocorreu de forma segmentada.
- 1 As cidades gêmeas podem ser compreendidas como aquelas cuja sede se localiza no limite internaciona (...)
15No governo Lula da Silva, o desenvolvimento da faixa de fronteira foi uma das metas do Programa de Desenvolvimento Social da Faixa de Fronteira, implementado pelo Ministério da Integração Nacional, cujo objetivo foi buscar medidas que promovessem uma integração planejada do país com seus vizinhos a partir das cidades gêmeas1 de fronteira (Mapa 1). A implantação de infraestruturas nessas cidades constituiu um aspecto novo referente às políticas públicas até então voltadas à zona de fronteira (PEREIRA CARNEIRO, 2008).
Mapa 1 – Principais cidades gêmeas na faixa de fronteira do Brasil
Fonte: Elaborado pelos autores (2019).
- 2 Em que pese a ocorrência de exceções como a região oeste do Paraná.
16Historicamente, as cidades de fronteira se caracterizam por uma escassa infraestrutura de transportes e comunicações, que marca seu cotidiano e aprofunda o seu isolamento em relação aos centros de poder nacionais. Nesse sentido, Machado (2005) destaca que o isolamento das cidades de fronteira decorre da ausência de redes de transporte e comunicação em zonas de fronteira, bem como do peso econômico e político diminuto das mesmas e do isolamento formal face aos Estados limítrofes, em virtude do papel disjuntor dos limites internacionais. Dados do Ipea (2016) atestam que os municípios da faixa de fronteira do Brasil possuem os piores índices de renda e educação de seus respectivos estados2 (Figuras 1 e 2). A escassez de dados estatísticos sobre diferentes aspectos da faixa de fronteira é atestada por estudos recentes de órgãos governamentais, que recorrem a censos elaborados há muitos anos.
17A fronteira do Brasil com o Paraguai, por exemplo, abriga um conjunto de cidades gêmeas que possuem índices de educação considerados baixos ou muito baixos. No caso dos municípios de Ponta Porã (Brasil) e Pedro Juan Caballero (Paraguai) as taxas de analfabetismo são respectivamente 9,54% e 13,47%, como pode ser visto na figura 1. Esses números são resultado de políticas públicas insuficientes realizadas por parte das prefeituras e dos entes governamentais de outras escalas, problema agravado pelo contexto de pobreza. Ponta Porã registra 34% de sua população abaixo da linha da pobreza, enquanto Pedro Juan Caballero possui 37,87% de seus habitantes nesta condição (SEBRAE/MS, 2010).
Figura 1 – Faixa de fronteira: índices de educação em 2010
Fonte: IPEA (2016). Organizado pelos autores (2019).
18Por sua vez, o arco Norte da fronteira brasileira possui algumas cidades gêmeas com os piores índices de renda da zona de fronteira, caso de Pacaraima (Brasil) e Santa Elena de Uairén (Venezuela), como atesta a figura 2. Tais municípios são considerados pontos vulneráveis pelo governo brasileiro, sendo impactados por problemas decorrentes de imigração ilegal, garimpos clandestinos, evasão de divisas, problemas indígenas, crimes ambientais, conflitos fundiários, além do contrabando e de diversos tipos de tráfico (armas, drogas, pessoas) (IPEA, 2016).
- 3 Criado em 1927, chegou a ser denominado Conselho de Segurança Nacional com a Constituição de 1934, (...)
19É importante lembrar que nas duas primeiras décadas após a delimitação da faixa de fronteira, ratificada pela Constituição Federal de 1988, as políticas públicas concernentes mantiveram o tradicional enfoque em segurança e defesa, tendo o Conselho de Defesa Nacional3 como um dos principais órgãos responsáveis pelo tema.
Figura 2 – Faixa de fronteira: índices de renda em 2010
Fonte: IPEA (2016). Organizado pelos autores (2019).
20Não obstante, a partir da década de 1990, diante das novas condições de abertura comercial e integração regional, o enfoque do governo federal sobre a faixa de fronteira passou a assumir um caráter distinto e até então inédito, com ênfase no desenvolvimento regional (SCHERMA, 2016). No âmbito do desenvolvimento da fronteira, a primeira iniciativa de apoio federal aos municípios fronteiriços foi instituída pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e tratou-se do Programa de Auxílio Financeiro dos Municípios da Faixa de Fronteira (PAFMFF), cujo impacto foi aquém do planejado. Este foi substituído a partir de 1999, quando foi estruturado o Programa Social da Faixa de Fronteira, iniciativa da Secretaria de Desenvolvimento Regional do Ministério da Integração Nacional (BRASIL, 2010).
21A avaliação dos primeiros quatro anos do Programa (1999-2002) indicou que as verbas e convênios estiveram concentrados em poucas regiões (Acre, Roraima e noroeste do Rio Grande do Sul), com ênfase em infraestrutura urbana e pequenas obras públicas. Não houve um planejamento de prioridades setoriais e os repasses eram distribuídos de maneira inadequada (BRASIL, 2005). Após 2003, o programa assumiu o nome de Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira e, posteriormente, foi batizado como Programa de Promoção do Desenvolvimento da Faixa de Fronteira, todos identificados pela sigla PDFF.
22Diante do diagnóstico apresentado, o Plano Plurianual 2004-2007 (Brasil de
Todos) buscou reformular o Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira. Para tanto, contratou uma pesquisa para a elaboração da Proposta de Reestruturação do PDFF, desenvolvida pelo Grupo Retis/UFRJ e finalizada em 2005. Tal proposta orientou os novos rumos dos investimentos federais na faixa de fronteira ao consolidar: a) uma regionalização específica (dividida em Arcos e Sub-regiões) e; b) uma agenda política com estratégias baseadas na centralidade das cidades gêmeas e em arranjos produtivos locais transfronteiriços (BRASIL, 2005).
23A Proposta de Reestruturação do PDFF estabeleceu ainda novos parâmetros para a atuação estatal na faixa de fronteira. Sugeriu-se: a renovação da base conceitual relativa ao tema, visto que a vigente encontrava-se obsoleta; a regionalização da faixa de fronteira, ao dividi-la em três arcos; a definição do conceito de cidades gêmeas, os principais nós da articulação na fronteira; e uma caracterização dos diversos segmentos fronteiriços, com vistas a especificar suas distinções. Com relação à base conceitual renovada, foram modificados os seguintes conceitos: território, territorialidade, rede, região e regionalização, além do principal conceito, de zona de fronteira.
24A nova regionalização proposta para a faixa de fronteira contava com três arcos (Norte, Central e Sul) e 17 sub-regiões, as quais foram definidas a partir de critérios de desenvolvimento econômico regional e identidade cultural (mapa 2). No que tange à segurança e defesa das fronteiras, o trabalho do Ipea (2016) identificou 16 pontos vulneráveis ao longo da faixa de fronteira (seis no Arco Norte, sete no Arco Central e três no Arco Sul).
Mapa 2 – Arcos de fronteira do Brasil
Fonte: Elaborado pelos autores (2019).
25Em 2009, o orçamento do PDFF totalizou um montante de R$ 337.766.462,00, o que representava apenas 2,6% do orçamento do Ministério da Integração Nacional. 90% desses recursos eram originários de emendas parlamentares e sua distribuição nem sempre ocorria de forma equitativa. Com exceção de alguns municípios de grande porte situados na faixa de fronteira, os municípios fronteiriços possuem dificuldades institucionais para a formulação de projetos e para se habilitarem a participar dos convênios federais.
26A análise das verbas destinadas ao PDFF entre 2006 e 2013 demonstra a dificuldade na execução do programa, ao observar a diferença entre a Dotação Inicial do PDFF e os valores pagos (Gráfico 1). Entre 2006 e 2011, foram R$ 923 milhões de Dotação Inicial, com 75,3% Autorizado e 42,9% Empenhado/Liquidado. O que consta como Pago ou Restos a Pagar Pago (RP Pago) entre 2006 e 2013 é o valor de R$70.178.999,00 (7,6% da Dotação Inicial) (MONTEIRO, 2014).
Gráfico 1 – Investimentos do governo federal no PDFF
Fonte: Lício Monteiro (2014).
27Em dezembro de 2008, a resolução n° 8 do Comitê de Articulação Federativa (CAF) criou o Grupo de Trabalho Interfederativo (GTI) para efetivar uma gestão integrada da faixa de fronteira, o que viria a ser o embrião da CDIF. Em 2010, o Grupo de Trabalho Interfederativo de Integração Fronteiriça, formado por oito órgãos federais e seis entidades da sociedade civil, elaborou um novo documento para orientar as políticas federais para a zona de fronteira, as Bases para uma Proposta de Desenvolvimento e Integração da Faixa de Fronteira (conhecido como “Bases”), o qual retoma os fundamentos da Proposta de Reestruturação (2005), atualizando alguns dados (BRASIL, 2018a).
28O documento “Bases” sintetiza o debate ocorrido no legislativo sobre a redução da largura da faixa de fronteira (de 150 km para 50 km), relacionada à diminuição de restrições ao capital estrangeiro nessa região, que se encerrou com a manutenção da faixa de 150 km, e introduziu um novo modelo de gestão, cujo principal articulador viria a ser a Comissão Permanente para o Desenvolvimento e a Integração da Faixa de Fronteira (CDIF, 2018).
29A CDIF, criada por decreto em 2010, teve como objetivo original a integração de diferentes atores relacionados à fronteira para a convergência de esforços, políticas e investimentos em prol do desenvolvimento de uma das áreas mais carentes do país. Nesse sentido, a Comissão previu a criação de Núcleos Estaduais de Fronteira, em que atores locais e regionais estariam engajados nas discussões dos temas afetos às suas fronteiras específicas e em auxiliar a CDIF na construção de planos regionais que atendam às necessidades de seus respectivos territórios (CDIF, 2018).
30Oito anos após sua implementação, a CDIF enfrenta um grande desafio para sua consolidação enquanto instituição central de formulação e coordenação de políticas públicas para o desenvolvimento e a integração da faixa de fronteira. Uma das maiores dificuldades da Comissão é o mau funcionamento dos Núcleos Estaduais de Fronteira, instituições que deveriam fazer o diálogo entre os atores locais e a CDIF, algo que tem ocorrido de maneira precária.
31A CDIF representa uma continuação das políticas de desenvolvimento regional originadas no PDFF – mas também o encerramento do PDFF como um programa, haja vista a interrupção na distribuição das verbas – ao buscar se consolidar como instituição central da formulação e coordenação das políticas para a faixa de fronteira. Sua criação vai ao encontro da agenda de fortalecimento institucional proposta em 2005, mas com algumas adaptações: ao invés de fóruns e planos de desenvolvimento sub-regionais, optou-se por núcleos e planos estaduais, com o intuito de estimular a articulação com os governantes em escalas local e regional.
32Foram convidadas a integrar a CDIF as seguintes entidades: Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE; Associação Brasileira de Municípios; Confederação Nacional dos Municípios – CNM; Frente Nacional de Prefeitos – FNP; Conselho de Desenvolvimento dos Municípios Lindeiros ao Lago de Itaipu; Conselho de Desenvolvimento e Integração Sul – CODESUL; e Fórum de Governadores da Amazônia Legal. Apesar de no site da instituição constar que oito entidades convidadas fazem parte do Conselho, só estão listadas expressamente as sete entidades aqui mencionadas. Estas possuem diferenças em termos de composição, origem e alcance de atuação.
33O SEBRAE configura uma entidade privada sem fins lucrativos, que desde 1972 trabalha para estimular o empreendedorismo e possibilitar a competitividade e a sustentabilidade dos empreendimentos de micro e pequeno porte. Por meio de capacitação e de promoção do desenvolvimento, este agente foi criado para dar apoio aos pequenos negócios de todo o país. Para garantir o atendimento aos pequenos negócios, o SEBRAE atua em todo o território nacional e, além da sede nacional, em Brasília, a instituição conta com pontos de atendimento nos 26 estados (SEBRAE, 2018).
34Por sua vez, a Associação Brasileira de Municípios foi fundada na cidade do Rio de Janeiro, em 1946. É uma sociedade civil, de âmbito nacional, hoje com sede e foro em Brasília. Opera em regime de cooperação com municipalidades, instituições congêneres e afins, além de entidades estaduais, federais e internacionais (ABM, 2018).
35Outra organização que representa municípios brasileiros é a CNM, uma organização independente, apartidária e sem fins lucrativos, fundada em 1980. Seu objetivo maior é consolidar o movimento municipalista, fortalecer a autonomia dos municípios e transformar a entidade em referência mundial na representação municipal, ao atuar por meio de iniciativas políticas e técnicas voltadas para a excelência na gestão e na qualidade de vida da população (CNM, 2018).
36Já a FNP, fundada em 1989, configura a única entidade municipalista nacional dirigida exclusivamente por prefeitos em exercício dos seus mandatos. Tem como foco de atuação os 400 municípios com mais de 80 mil habitantes (critério indicador de cidades médias, segundo estudo da CGLU e IPEA), recorte que abrange 100% das capitais, 60% dos habitantes e 75% do PIB do Brasil. A FNP é organizada em diretoria executiva, vice-presidências temáticas, por faixa populacional, estaduais e um conselho fiscal (FNP, 2018).
- 4 Os membros do Conselho de Desenvolvimento dos Municípios Lindeiros ao Lago de Itaipu são: Mundo Nov (...)
37No que tange às organizações de âmbito regional, o Conselho de Desenvolvimento dos Municípios Lindeiros ao Lago de Itaipu4 surgiu com o objetivo de estimular o desenvolvimento do turismo sustentável nos 16 municípios banhados pelo Lago de Itaipu. Fundado em parceria com a Itaipu Binacional, conta com representantes das prefeituras municipais, câmaras de vereadores e associações comerciais dos municípios ribeirinhos e promove o desenvolvimento socioeconômico urbano e rural da região. Entre as parcerias desenvolvidas está o programa “Caminhos do Turismo Integrado ao Lago de Itaipu” (LINDEIROS, 2018).
38Já o sistema Conselho de Desenvolvimento e Integração Sul – Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (CODESUL-BRDE) foi criado em 1961, por meio de um convênio entre os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Com o objetivo de encontrar alternativas aos desequilíbrios regionais, como a concentração do crescimento no centro do país, o CODESUL constitui-se num foro privilegiado à coordenação e à potencialização em torno de questões comuns aos estados-membros, além de objetivar o desenvolvimento social e a integração de seus membros aos departamentos e províncias de países vizinhos do MERCOSUL. Em 1992, o Mato Grosso do Sul passou a integrar o CODESUL (CODESUL, 2018).
39No norte do país, o Fórum de Governadores da Amazônia Legal, criado em 2008, tem como objetivo criar uma estratégia que pense de forma conjunta o desenvolvimento sustentável na região. Nos últimos anos, se configurou como um bloco que discute e propõe ações integradas a problemas comuns aos nove estados da Amazônia Legal: Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, Maranhão, Mato Grosso, que correspondem a 61% do território brasileiro. O conceito é definido com base em um viés sociopolítico e não geográfico e tal concepção surgiu com a Lei 1.806, de 1953, com a incorporação à Amazônia Brasileira de parte do Maranhão, Mato Grosso e Goiás (terras que hoje pertencem ao Tocantins). Os limites da Amazônia Legal foram estendidos no decorrer dos anos, sobretudo após a criação do estado do Tocantins e a transformação dos territórios federais de Roraima e do Amapá em estados federados (FALA, 2017).
40Em meio à pluralidade de organizações, foi elaborada uma extensa agenda de ações estruturantes propostas para os diferentes órgãos federais, contudo, o avanço maior obtido desde 2010 se deu na consolidação desse novo modelo, no qual a CDIF passou a ser o principal instrumento de articulação das políticas para a zona de fronteira. Não obstante, a falta de cooperação efetiva entre as diferentes entidades que a compõem viria a reduzir relativamente sua eficácia (COSTA, 2017).
41Uma das iniciativas trazidas pela CDIF foi a organização dos atores locais dos municípios e estados fronteiriços em Núcleos Estaduais de Fronteira. Em 2012 já haviam sido formados 11 Núcleos, um por estado. A CDIF incentivou a elaboração de Planos Estaduais de Desenvolvimento e Integração da Faixa de Fronteira (PDIF), os quais 9 dos 11 previstos foram concretizados no ano de 2012 (os PDIFs do Acre e do Paraná não foram concretizados até a presente data). O Núcleo Estadual tem o papel de ser o interlocutor da CDIF no estado; sistematizar as demandas locais; analisar as propostas de ação; elaborar os planos regionalizados (PDIF) e; pactuar uma “Agenda de Compromisso”, combinando ações do governo federal e contrapartidas das outras esferas de governo. Sua composição deve incluir representantes do governo e da sociedade civil.
42Entretanto, o funcionamento dos núcleos não tem sido efetivo. Um exemplo é o Núcleo de Fronteira do Mato Grosso do Sul, o qual, apesar de ter formulado o plano de desenvolvimento e integração da faixa de fronteira, está inserido na Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico e, Produção e Agricultura Familiar (SEMAGRO), possuindo baixa autonomia. Por sua vez, o Núcleo de Fronteira do Paraná está localizado nas instalações da Itaipu Binacional, o que dificulta o acesso e corrobora o funcionamento inadequado dessas entidades. No Rio Grande do Sul, a mais recente atividade do Núcleo de Fronteira foi um seminário organizado, em 2018, dentro da Feira Internacional do Milho (Fenamilho), o que demonstra um esvaziamento da função original do núcleo.
43A nova visão atribuída à fronteira a partir do governo Lula da Silva (2003), com a integração em destaque, não deixou de dar enfoque para a defesa, afinal, “as fronteiras sempre serão alvos de ações de defesa” (SCHERMA, 2016, p. 73). Mas o fato de haver pela primeira vez programas exclusivos para o desenvolvimento da faixa de fronteira denota uma compreensão acerca da necessidade da parceria entre o desenvolvimento e a defesa nessas regiões. A melhoria nos índices sociais e econômicos, durante os mandatos de Lula da Silva (2003-2010), confirmam a efetividade das políticas públicas empreendidas (SCHERMA, 2016).
44A partir de 2011, com a eleição de Dilma Rousseff, o olhar sobre as fronteiras brasileiras foi novamente repensado. Apesar de ter havido uma continuidade do partido no poder, o Partido dos Trabalhadores (PT), a nova gestão voltou a priorizar o âmbito da defesa para as fronteiras ao lançar o Plano Estratégico de Fronteiras (PEF), a Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras (Enafron) e o Sistema Integrado de Monitoramento das Fronteiras (Sisfron).
45O PEF repercute ainda nas operações ligadas à proteção da fronteira, a saber: Operação Ágata, Operação Fronteira Blindada e Operação Sentinela (SENASP, 2016). Tendo sido instituído em 2011 sob o decreto nº 7.496, o PEF tem o objetivo de “fortalecer a prevenção, controle, fiscalização e repressão dos delitos transfronteiriços e dos delitos praticados na faixa de fronteira brasileira” (BRASIL, Decreto nº 7.946, 2011). Sua importância se deu pela articulação de diferentes instâncias (União, estados e municípios) no combate aos problemas de segurança fronteiriços e pela coordenação conjunta do Plano, exercida pelos ministros de Estado da Justiça, da Defesa e da Fazenda. Entretanto, essa articulação não tem se mostrado eficiente, principalmente por não especificar quais atores devem estar envolvidos na atuação do PEF, o que demonstra os prejuízos de uma baixa institucionalização. O resultado tem sido a falta de continuidade das ações desenvolvidas (COSTA, 2017).
46Por sua vez, a Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras, de 2011, é uma criação técnica que visa colocar em prática as determinações estabelecidas com a instituição do PEF. Trata-se de uma política pública criada para funcionar vinculada a outros programas específicos para a fronteira, como o PDFF e o Sistema Integrado de Saúde das Fronteiras (SIS-Fronteira), mas na prática tal vínculo não tem ocorrido. Suas duas principais frentes de atuação são o combate à criminalidade e a defesa do território brasileiro (ALMEIDA, 2015).
47Já o Sisfron, criado em 2012 pelo Ministério da Defesa, é um projeto que prevê a ampliação da capacidade de monitoramento e mobilidade na faixa de fronteira. Desenvolvido pelo Exército, o projeto objetiva implementar recursos tecnológicos em diversos níveis em um prazo de dez anos (BRASIL, 2018b).
48As Operações Ágata são de responsabilidade do Ministério da Defesa e são ações conjuntas do Exército, Marinha e Aeronáutica, com o principal objetivo de reforçar a presença e a proteção na fronteira brasileira. Em virtude de articular as três Forças Armadas sob a coordenação do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas consegue atingir um alto grau de vigilância, ao fiscalizar o espaço terrestre, fluvial e aéreo relativo à faixa de fronteira. As operações ocorrem em períodos pré-determinados, não sendo de caráter permanente (ZAIA, 2013). Por fim, a Operação Sentinela é realizada pela Polícia Federal em parceria com diversos órgãos, envolvendo os 11 estados fronteiriços. É uma operação de caráter permanente, baseia suas ações na repressão aos crimes praticados na faixa de fronteira, não possuindo uma estratégia de funcionamento única (ALMEIDA, 2015).
49Ainda que nos últimos anos novas legislações tenham sido criadas com o enfoque na segurança e controle das fronteiras, estas não têm sido suficientes para solucionar os problemas. Os recursos destinados ao combate aos crimes na fronteira ainda são escassos. Entre 2016 e 2017, em virtude da crise fiscal, o orçamento disponível foi diminuído de R$ 118 milhões previstos para R$ 85 milhões. Atualmente, cerca de 2.600 homens são empregados no controle aduaneiro e nas atividades de fiscalização em aeroportos, portos e rodovias na fronteira brasileira (ROLLI, 2018).
50O cenário de relativo abandono das zonas de fronteira propicia a instalação de organizações criminosas como o PCC, que já possui ramificações em cidades de fronteira com o Paraguai. Em algumas dessas localidades em que a população é amplamente dependente do contrabando e descaminho, a taxa de homicídios chega a ser superior à média nacional. É o caso de localidades como Paranhos e Coronel Sapucaia, dois dos municípios mais pobres de Mato Grosso do Sul – com taxas de 109,7 e 67 assassinatos por 100 mil habitantes, respectivamente. As duas cidades possuem deficientes estruturas de educação e de saúde, além de oferecerem menos oportunidades de empregos formais (IDESF, 2018).
51Além da questão da violência, a carência de políticas públicas de desenvolvimento na fronteira potencializa o contrabando e o descaminho, que geram enormes prejuízos em termos de arrecadação aos cofres públicos brasileiros, sobretudo em setores como o industrial. Rolli (2018) afirma que em apenas 15 setores da indústria o prejuízo alcançou mais de R$ 100 bilhões de reais em 2017.
- 5 O cigarro paraguaio representa pouco menos de 70% de tudo que entra ilegalmente pela fronteira Bras (...)
52Por fim, o combate ao contrabando ainda encontra um componente diplomático, por envolver autoridades do Paraguai e de outros países vizinhos. No caso do cigarro5, o principal acionista da Tabacaria Del Este (TABESA), maior fabricante dos cigarros que entram de maneira ilícita no Brasil, é o ex-presidente paraguaio Horacio Cartes, que governou o país entre 2013 e 2018 (IDESF, 2016).
53A falta de continuidade nas políticas públicas para a fronteira pode ser observada na revogação, em 2016, do decreto que instituiu o PEF e a sua substituição pelo Programa de Proteção Integrada de Fronteiras (PPIF). O novo programa, no geral, possui as mesmas diretrizes do anterior, entretanto constam mais detalhes no que diz respeito à participação da União nas ações por meio da criação do Comitê Executivo do PPIF, composto, entre outros, por um representante do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência. As competências do comitê também estão especificadas no decreto, além da previsão de reuniões periódicas. Observa-se ainda que o novo programa propõe uma integração com o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), o que demonstra a intenção do Estado em aumentar sua presença na faixa de fronteira (BRASIL, Decreto nº 8.903, 2016).
54Os atuais programas do governo federal voltados para a fronteira corroboram com o entendimento de que o Estado tem ignorado as condições de vida na fronteira, fazendo com que esse espaço se converta em um espaço de exclusão. Ao não pensar a fronteira de forma integrada o Estado compromete todo um contexto social (KLEINSCHMITT, 2016).
55O espaço fronteiriço é caracterizado pelo grau de permeabilidade que permite o fluxo constante, tanto legal como ilegal, de mercadorias e pessoas. Tal permeabilidade faz com que o habitante da fronteira organize seu espaço em função de dois sistemas jurídicos diferentes. Nesse contexto, o contrabando e o descaminho acabam por ser uma consequência da condição de fronteira econômica, se materializando por meio de atores não governamentais de diferentes escalas (PEREIRA CARNEIRO, 2016).
56Cardin (2006) afirma que os trabalhadores que atuam em atividades de descaminho e contrabando vivenciam uma dura realidade. Para a grande maioria desses trabalhadores esta é a única forma de obtenção de renda possível. Em seu trabalho, o autor relata a história de “sacoleiros” e “laranjas” que começaram a trabalhar como cigarreiros na fronteira, passando caixas de cigarro. Para Grimson (2005), esses trabalhadores configuram peça chave de uma rede transfronteiriça complexa que, em seus extremos, começa e termina nas grandes cidades dos países limítrofes e em algumas cidades globais. Um circuito que envolve desde vendedores ambulantes, a comércios importantes e funcionários do Estado.
57Face ao contexto complexo da realidade fronteiriça, Kleinschmitt (2016) sustenta que as políticas públicas devem ter propostas integradoras que contemplem diferentes setores sociais e transnacionais, no que chama de modelo de segurança cidadã. A autora defende ainda que as iniciativas devem contemplar todos os lados envolvidos (governo, sociedade, empresas, organizações, etc.) de forma integrada.
58A questão fronteiriça no Brasil passou por um importante momento de ressignificação durante o governo Lula da Silva, ao serem priorizadas questões relativas ao desenvolvimento da faixa de fronteira. Contudo, outro viés foi imposto a este tema a partir do governo Dilma, que voltou a priorizar o âmbito da defesa por meio de programas específicos, dando ênfase a operações de segurança e defesa como as Operações Ágata e Sentinela.
59Nesse sentido, observa-se um ponto de inflexão entre os conceitos de segurança e defesa, ao serem atribuídas questões de segurança, como o combate ao tráfico de drogas e contrabando, às Forças Armadas, que deveriam ocupar-se de problemas de defesa. Há que se considerar ainda que as questões de segurança na fronteira derivam de problemáticas sociais, como a desigualdade, o que torna ainda mais evidente a carência da zona de fronteira em termos de políticas públicas que abarquem o desenvolvimento.
60Por outro lado, a descontinuidade das políticas públicas e programas governamentais tem resultado em poucos efeitos positivos na temática social das fronteiras, que seguem marcadas por baixos índices de educação, emprego e renda. É mister o fator tempo no âmbito da implantação de tais políticas, de forma a permitir que a região absorva os benefícios que podem ser gerados a partir de um olhar social. Assim, percebe-se que apesar dos esforços já realizados no âmbito do desenvolvimento das fronteiras brasileiras, a problemática social não constitui o cerne de tais esforços, o que colabora com a permanente marginalização destes espaços.