1O Estado de Sergipe exibe um elevado potencial produtivo e atualmente se destaca na produção de diversos alimentos. A economia sergipana historicamente se assentou na criação de gado, como ressaltou Freire (1977), a pecuária sobreveio como primeira atividade, posteriormente suplantada em termos de importância econômica pelo cultivo da cana-de-açúcar, situada sobretudo, no Vale do Rio Cotinguiba. Para além desses cultivos, atualmente outras culturas se destacam em diferentes territórios sergipanos: a produção de laranja, nos territórios do Sul, Centro-Sul; o abacaxi no Centro-sul e Médio Sertão; o coco-da-baía, no Leste e Baixo São Francisco; o milho, no Centro-Sul, Agreste-Central, Médio e Alto Sertão; o arroz, no Baixo São Francisco; a mandioca, no Centro-Sul e no Agreste-Central, a criação do gado bovino para produção de leite, queijos e os suínos estão concentrados no Alto Sertão sergipano.
2A heterogeneidade de alimentos cultivados em Sergipe está assentada na intrínseca relação com a agricultura familiar, porém, alguns produtos também são cultivados nos estabelecimentos rurais de médio e grande porte. As ações do Estado brasileiro, por meio das políticas públicas de crédito e fomento no uso de tecnologias agrícolas, em consonância com a política de assistência técnica e extensão rural de órgãos governamentais de Sergipe, influenciaram diretamente no fortalecimento dos distintos ramos produtores de alimentos. A elaboração de Planos Estaduais para o fomento da agricultura, seminários, visitas técnicas de campo, experiências laboratoriais, distribuição de mudas e sementes, somaram-se para que a dinâmica da produção de alimentos fosse alterada, adquirindo novas configurações espaciais, em Sergipe.
3O objetivo deste artigo é analisar a atual configuração da produção de alimentos, tendo como foco os principais gêneros alimentícios produzidos em Sergipe. Para tanto, iremos analisar a dinâmica atual da produção de frutas, tubérculos, grãos, leite, queijo e suínos, além de identificar a distribuição espacial desses alimentos no território sergipano. Para que este objetivo seja alcançado, o artigo se baseará nas pesquisas realizadas pelo IBGE, teses de doutorado e dissertações de mestrado, realização do mapeamento dos municípios que produzem os alimentos elencados e, por fim, na reflexão sobre a atual configuração espacial da Geografia dos alimentos em Sergipe.
4A presente análise fundamenta-se nos debates teóricos e nas pesquisas de campo desenvolvidas pelo GRUPAM, no âmbito de Sergipe. Além disso, realizar-se-á a busca de dados secundários no Plano Estadual de Agricultura de Sergipe, nos relatórios e Projetos Institucionais da Empresa de Desenolvimento Agropecuário de Sergipe - EMDAGRO, no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, na Secretaria de Planejamento de Sergipe - SEPLAN, no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe – INHG e nas Secretarias de Agricultura dos municípios pesquisados.
5Para facilitar a compreensão deste artigo, dividimo-lo em três partes. Na primeira seção, faremos uma análise da fruticultura, demonstrando o histórico, os desafios e as perspectivas atuais no contexto sergipano. Na segunda parte do texto construímos um debate sobre a atual configuração da produção de grãos e tubérculos, com seus reflexos no estado. Em seguida, analisamos os cenários históricos e atuais da produção de leite, queijo e suínos, em Sergipe.
6Nos últimos dez anos a fruticultura brasileira destacou-se como um dos setores promissores do agronegócio. A análise feita pela Associação Brasileira de Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados (2018) apontou que as estatísticas setoriais mostraram que no período de janeiro-maio de 2018, houve um crescimento de 16,41% e 11,86% respectivamente para valor em US$ e volume (toneladas) nas exportações brasileiras de frutas frescas.
7O Plano Nacional de Desenvolvimento da Fruticultura, criado no início de 2018, pelo Ministério da Agricultura, vem contribuindo para alavancar a produtividade das frutas e seus derivados e, por conseguinte, ampliar o volume de exportação e conquistar mercado em países asiáticos. Conforme os dados da Organização de Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO), o Brasil (41.023.611 T) é o terceiro maior produtor de frutas frescas do mundo, ficando atrás da China (227.492.666 T) e da Índia (72.472.580 T)
8Os cultivos que mais se destacam na produção brasileira são a laranja, uva, coco-da-baía e abacaxi, correspondendo a mais da metade da produção frutícola brasileira. Conforme os dados da Produção agrícola do IBGE, em 2017, foram produzidas 17.459.908 toneladas de laranja, 1.561.961 de coco-da-baía e 1.502.598 de abacaxi, em todo o território Nacional. A utilização de tecnologias influenciou no aumento da produtividade destes cultivos, o uso de herbicidas, fungicidas, pesticidas, inseticidas, adubos artificiais, além da inserção da micropropagação de mudas frutíferas resistentes às pragas e aos efeitos das estiagens.
9Seguindo a tendência da fruticultura nacional, o Estado de Sergipe se destaca na produção desses três gêneros agrícolas: cultura da laranja (421.353 T) concentrada no território Centro-Sul, o coco-da-baía (234.332 T) no Leste e Baixo São Francisco e o abacaxi (28.401 T) no Médio-Sertão, Sul e Centro-Sul sergipano.
10Os municípios sergipanos com maiores índices produtivos de laranja são Cristinápolis, Itabaianinha, Umbaúba, Indiaroba, Tomar do Geru, Itaporanga D’Ajuda, Lagarto, Arauá, Santa Luzia do Itanhy e Estância. A produção de abacaxi se concentra nos municípios de Aquidabã, Riachão do Dantas e Japaratuba. O cultivo de coco predomina nos municípios de Barra dos Coqueiros, Japoatã, Neópolis, Santana do São Francisco, Estância, Brejo Grande, Pirambu, Pacatuba, Japaratuba e Santo Amaro das Brotas, conforme Mapa 1.
Mapa 1 – Produção de Frutas no Estado de Sergipe, 2017
Fonte: Censo Agropecuário 2017; Atlas SRH 2012. Elaboração: Os autores 2019.
11De acordo com Diniz dos Santos (2009), a atividade citrícola em Sergipe teve início na década de 1960, monopolizando a produção que se consolidou na região Centro-sul do estado. Essa atividade atraiu grandes investimentos dos setores público e privado, propiciando o crescimento da área plantada na década de 1980. Entretanto, no final da década de 1990 e início da década de 2000, a produção de laranja em Sergipe estagnou e passou a apresentar quedas de produtividade, em decorrência da infestação de pragas como a gomose e ortésia, e também em por meio do envelhecimento dos laranjais, que passavam dos 10 anos de idade em algumas propriedades (Andrade; Lima; Lima, 2017).
12Diante da problemática, no ano de 2004, os governos federal e estadual adotaram políticas de revitalização da citricultura no estado, com o objetivo de substituição dos laranjais antigos por novas mudas, a fim de contornar as quedas de produção e aumentar a produtividade (Diniz dos Santos, 2009). Apesar dos incentivos governamentais, a produtividade da laranja continuou apresentando redução após 2004, em virtude do endividamento dos produtores, redução dos preços no mercado internacional, saturação dos pomares e das estiagens prolongadas. Entretanto, de acordo com o IBGE, Sergipe continua sendo o terceiro maior produtor do fruto.
13No início da década de 2000, ocorreu uma ampliação da área cultivada de frutas, com ênfase para o abacaxi. No ano de 2001, a Secretaria de Estado da Agricultura, do Abastecimento e da Irrigação - SEAGRI, através do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Plano Estratégico da Fruticultura, elaborou o projeto contendo as principais ações para o desenvolvimento e fortalecimento desse ramo no estado, propiciando o aumento das áreas plantadas (Gráfico 1) no estado.
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15Os dados acima revelam que a produção de abacaxi apresentou variação positiva nos últimos anos. Mesmo com oscilações negativas, em virtude da escassez de chuvas, os dados de área plantada apresentam-se superior ao ano 2000, alterando de 280 para 1500 hectares, em 2017, com um percentual de crescimento de 435,71%. Durante este mesmo período, também constatamos um crescimento nos índices de produtividade, que passou de 20.827 no ano de 2000, para 24.963 quilogramas por hectares, em 2017. Enquanto isso, a produção de laranja e coco têm apresentado oscilações que indicam redução das áreas cultivadas, sobretudo a partir do ano de 2012, conforme podemos analisar no Gráfico 2.
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17Assim como em todo o litoral nordestino, o coco, fruto exótico, foi inserido em Sergipe aliado ao seu secular processo de ocupação territorial. O fruto, desvalorizado, servia principalmente para a alimentação das populações mais pobres que residiam no litoral. Com a valorização internacional do produto, a cocoicultura passou a ser implementada no litoral sergipano ainda na segunda metade do século XIX.
18Com base em Costa e Gebara (2001, p. 181), «a construção da agroindústria do coco em Sergipe foi exclusiva no Brasil. Na década de 30, por exemplo, Sergipe era o único estado produtor de derivados de coco, e toda produção era concentrada em apenas uma fábrica». O ineditismo sergipano na criação da cadeia produtiva do coco, contribuiu para rápida expansão da cocoicultura, tornando-se uma cultura estratégica para a economia estadual.
19De acordo com Costa (1999), o período de maior produtividade compreendeu-se entre os anos de 1955 e 1967, atingindo o seu ápice, uma vez que Sergipe se consolidou como o maior produtor e exportador nacional do fruto e seus derivados, como coco ralado, óleo de coco, leite de coco, sabão, dentre outros. Nas décadas seguintes, a atividade econômica entra em crise e declina em decorrência do aumento da concorrência nacional. Atualmente Sergipe é o sexto maior produtor do fruto, ficando atrás da Bahia, Ceará, Pará, Espírito Santo e Pernambuco, respectivamente.
20No período compreendido entre 2000 e 2017 (gráfico 02), observamos que a cocoicultura continua declinando, passando de 45.720 para 36.894 hectares de área plantada entre os anos de 2001 e 2017. Essa redução decorre de problemas relacionados à saturação dos cultivos, alteração no uso da terra na região litorânea e da especulação imobiliária.
21Quanto à comercialização desses frutos, os atravessadores são os principais responsáveis pela circulação dos mesmos. Diniz (1996) afirma que na comercialização os atravessadores (intermediários) constituem os principais responsáveis pela circulação de alimentos em Sergipe. O abacaxi e a laranja são adquiridos pelos intermediários e, posteriormente são revendidos a atacadistas residentes no local e em outras regiões. O outro canal de comercialização consiste na venda direta às indústrias, para a produção de sucos, com o objetivo de comercializar nos mercados nacional e internacional. O coco-da-baía é destinado ao abastecimento de bares e restaurantes, especialmente nas praias do litoral nordestino; além disso, é possível observar a comercialização da água do fruto nos centros urbanos do estado.
22Apesar da redução dos níveis de produção de laranja e de coco, afirmamos que essas ações se somaram para que a produção de frutas alavancasse em diversos estabelecimentos rurais, durante muitos anos. Entretanto, esse avanço da produção está permeado por contradições: subordinação no processo de comercialização; o alto índice de endividamento; e o uso indiscriminado de agrotóxicos. De forma semelhante à fruticultura, o cultivo de milho tem se expandido com a inserção dos pacotes tecnológicos possibilitando o aumento significativo nos índices de produtividade, resultando na redução dos cultivos de outros gêneros alimentícios.
23O segmento do agronegócio que mais cresceu, na última década, foi a produção de milho, tornando-se o segundo grão mais produzido no país. Em 2017, foi responsável por mais de 40% da produção nacional e se constituiu como base fundamental na alimentação de outros setores do agronegócio, a exemplo da avicultura, suinocultura e bovinocultura.
24Sob o domínio dos transgênicos, o cultivo de milho tem crescido vertiginosamente. De acordo com o Censo Agropecuário, do IBGE, embora o maior volume de produção se concentre nas regiões Sul, Sudeste e, sobretudo no Centro-Oeste, o cultivo de milho vem crescendo expressivamente no Nordeste. Esta região foi responsável pela produção de 5.555.181 milhões de toneladas de milho, em 2017.
25Até os anos 1990, os agricultores sergipanos usavam técnicas tradicionais de cultivos, com a utilização prioritária de sementes crioulas, reduzido uso de sementes modificadas e insumos químicos nas lavouras de milho. O cultivo era consorciado com o feijão, fava, feijão de corda - base alimentar da população - e o algodão, o seu produto comercial (Oliveira, 2010).
26A expansão da produção de milho no estado ocorreu na segunda metade da década passada, através de ações governamentais, que promoveu atividades nas áreas rurais sergipanas em parceria com as secretarias de agricultura dos municípios e a EMDAGRO, para consolidar a cultura no seguimento de mercado. O governo de Sergipe elaborou o Programa Estadual de Distribuição de Sementes e Mecanização Agrícola, para fomentar atividades agrícolas com viabilidade produtiva no estado.
27Os dados da Pesquisa Agrícola Municipal, do IBGE, revelam que a produção de milho saltou de 86.595 toneladas colhidas em 2003, para 843.762 em 2017, mesmo diante da seca vivenciada entre 2011 a 2016, que afetou as demais lavouras do estado. Dos setenta e cinco municípios sergipanos, apenas oito não produzem milho. Os municípios com maiores índices produtivos são Carira, Simão Dias, Poço Verde, Lagarto, Frei Paulo, Pinhão, Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora da Glória, Macambira, Feira Nova, Graccho Cardoso e Gararu. Em 2017, o estado apresentou uma produção recorde. Como podemos analisar no gráfico 3, além da ampliação na área plantada, Sergipe apresentou aumento na produtividade do milho. O Estado apresentou um rendimento médio de 4.985 quilogramas por hectare, em uma área de 169.462 hectares, ao passo que, em 2003, o rendimento médio da produção de milho era de 1.103 quilogramas por hectare, em uma área de 131.080 hectares. Ou seja, um percentual de aumento de produtividade de 351,95%.
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29Seguindo os trilhos de agronegócio, a profissionalização da agricultura sergipana, consolidou o Estado como um dos maiores produtores de milho do Nordeste. A incorporação da biotecnologia por meio das manipulações genéticas, tem provocado impactos negativos à saúde humana, animal, ao meio ambiente, e, sobretudo, para a soberania e reprodução social da população (Cunha, 2015). A consolidação do agronegócio no estado, ocasionou a redução da produção de alimentos para autoconsumo, modificações da estrutura econômica, as relações de trabalho e o modo de vida dos homens e mulheres que vivem no campo sergipano.
30Com o avanço da produção de milho, ocorreu uma redução significativa em área plantada dos cultivos de feijão, da mandioca e nas áreas destinadas às pastagens para a criação de gado bovino. O crescente processo de desertificação e a alteração da fertilidade do solo, devido ao uso recorrente de agrotóxicos e fertilizantes, são fatores que impedem o plantio do milho de forma consorciada com outros alimentos, a exemplo do feijão, realizado outrora (Gráfico 4).
31Em Sergipe, o cultivo de feijão sofreu redução em relação aos anos de 2006 a 2017. Esse produto era cultivado em consórcio e, juntamente com o milho e a mandioca, conformava o trinômio da agricultura familiar. Entretanto, com a expansão das pastagens no sertão sergipano nos anos de 1990, o grão praticamente deixa de ser cultivado nesse território. Atualmente o cultivo do feijão concentra-se nos municípios de Poço Verde e Simão Dias. Entretanto a expansão do cultivo do milho nesses municípios possibilitou a redução exponencial da produção de feijão. Em consequência, os preços desse gênero alimentício têm alcançado índices elevados, tendo em vista que, para suprir a demanda interna, o produto é adquirido de outras regiões brasileiras.
32Esses dados revelam uma nova configuração no espaço rural sergipano. O milho transgênico expandiu em detrimento de culturas importantes para a alimentação e reprodução do modo de vida no campo sergipano. Situação semelhante é analisada por Carvalho (2013), que afirma que essa imersão do mercado capitalista rompeu com valores e com comportamentos que configuravam o jeito de ser e de viver dos pequenos produtores.
33Outro alimento básico - o arroz - apresenta redução na área de cultivo. De acordo com Andrade (1963), o Rio São Francisco sempre influenciou na vida econômica das cidades do seu baixo curso, as condições ambientais das proximidades com a foz possibilitaram a formação de planícies alagadas, onde se cultiva o arroz, desde o século XVII, tornando-se a principal atividade econômica da região. Durante décadas, o baixo São Francisco Sergipano foi responsável por elevadas taxas de produtividade da rizicultura. A atividade econômica propiciava geração de emprego e renda para famílias sergipanas e alagoanas.
34Entretanto, nas últimas décadas, a produtividade do arroz tem sido afetada por fatores ambientais, econômicos e políticos, que resultou na redução sucessiva das áreas cultivadas. A construção das usinas hidrelétricas, com a alteração no regime das águas dos rios, resultou na diminuição do número de lagoas de arroz. Além disso, a crescente salinização do Rio São Francisco, provocada pela baixa vazão das águas fluviais e penetração da agua marítima, é um problema que afeta diretamente as planícies alagadas onde se concentra a rizicultura, tornando-a economicamente inviável para alguns municípios.
35Políticas públicas direcionadas para o avanço da cultura do arroz no sul do Brasil, possibilitaram a valorização de espécies transgênicas, uso de produtos químicos e tecnologia que provocaram o aumento da produtividade desse produto e a circulação desse alimento oriundo dessa região, em nível nacional. Os produtores de Sergipe não conseguem concorrer com a produção nacional.
36No Mapa 2, podemos analisar a espacialização da produção do milho, feijão e arroz, em Sergipe.
Mapa 2 – Produção de grãos em Sergipe, 2017
Fonte: Censo Agropecuário 2017; Atlas SRH 2012. Elaboração: Os autores 2019.
37De acordo com os dados do Censo Agropecuário de 2017 em Sergipe, 03 municípios se destacam na produção de arroz com casca, a saber: Ilha das Flores, Neópolis, Propriá. Ainda produzem esse grão com quantidade inferior a 1800 toneladas os seguintes municípios: Japoatã, Telha, Cedro de São João e Pacatuba.
38A produção dos tubérculos mandioca e batata-doce está assentada nos municípios do agreste sergipano (Mapa 3). A mandioca até os idos dos anos 1980, também era produzida nos municípios sertanejos, juntamente com o milho e feijão. Entretanto, com o avanço das secas frequentes e a expansão das pastagens resultante das ações motivadas por políticas públicas, esse cultivo foi reduzido. Embora continue a ocorrer uma demanda expressiva pelos derivados da mandioca no sertão, a farinha e as iguarias como os beijus são produzidos pelos municípios agrestinos como São Domingos, Lagarto e Campo do Brito (Menezes, 2015).
Mapa 3 – Produção de Tubérculos em Sergipe 2017
Fonte: Produção Agrícola Municipal 2017, Atlas SRH 2016. Organização: Os autores.
39Entretanto, constatamos que a despeito da redução do consumo da farinha, a produção das iguarias derivadas da mandioca é expandida. Nas últimas décadas há uma demanda expressiva do polvilho ou da goma da mandioca, tendo em vista a demanda do mercado fitness ou de alimentos saudáveis (Barbosa, 2016). Deste modo, as casas de farinha passam a produzir esse derivado em lugar da farinha. Em Sergipe, a produção de farinha e da goma da tapioca é realizada de forma semelhante às discussões abordadas por Velthem (2007) sobre a produção de farinha em Cruzeiro do Sul, no Acre.
40Os processos de elaboração das iguarias se iniciavam com a colheita da mandioca e, em seguida, realizam o pubamento: deixar a mandioca fermentar em um recipiente, antes nas gamelas feitas de madeira e, atualmente, nas bombonas plásticas adquiridas no mercado. Os resíduos da mandioca –a manipueira- é utilizada para combate às pragas em alguns estabelecimentos rurais e em outros é escoada até recipientes para descarte posteriormente. Diferentemente de outrora, quando a “farinhada”, atividade com objetivo de beneficiar a mandioca para a produção de farinha, constituía um evento repleto de significado. Atualmente, constatamos que na elaboração da farinha e dos derivados - que acontece durante todo o ano -, utiliza-se a matéria-prima local e, quando da não existência nas cercanias, esse produto é obtido nos estados do Paraná, Minas Gerais e São Paulo. Nesse processo predomina a mão de obra familiar, porém, percebemos um elevado número de trabalhadores diaristas nas casas de farinha e as funções são divididas de acordo com o sexo e a faixa etária. O sexo masculino é responsável pelas atividades que requerem maior força, como a lida com o forno, a moagem das raízes da mandioca e a prensagem da massa. As mulheres são responsáveis pelo trabalho de raspagem dos bulbos.
41As bacias leiteiras nordestinas, até a década de 1970, localizavam-se no entorno das capitais dos Estados. Em Sergipe, a bacia leiteira, assentada nas proximidades de Aracaju, desloca-se, inicialmente, para as áreas agrestinas e, posteriormente, para o Sertão Sergipano, motivadas por fatores naturais e políticos. A partir da década de 1970, a pecuária em Sergipe, localizada principalmente no Agreste e Sertão, tem seu crescimento acelerado. Esse crescimento é uma consequência de alguns fatores favoráveis como melhores estradas, clima propício às pastagens, menor incidência de doenças no rebanho bovino e uma política de crédito agrícola voltada principalmente para a região semiárida.
42O Projeto SERTANEJO – Programa Especial de Apoio ao Desenvolvimento da Região Semiárida do Nordeste - foi criado em agosto de 1976 e vigorou até 1986. Esse projeto contribuiu para o crescimento da pecuária, atuando na viabilização das reservas alimentícias para os animais nos períodos de estiagem, funcionando como linha de crédito destinada a investimentos fixos, semifixos e de custeio. Assim, de forma crescente, foram introduzidas na área sementes selecionadas como a do buffel (Cenchrus ciliaris), pangola (Digitaria decumbens S) e a braquiária (Brachiaria decumbens), além da utilização de máquinas agrícolas modernas (como tratores) na aração das terras (Menezes, 2015).
43Com a inserção dessas mudanças na agricultura e o incremento da pecuária, os proprietários rurais utilizavam reduzida mão de obra no trato com o gado e na formação das pastagens plantadas; recorriam à renda-trabalho para semear o capim, cedendo a terra por um a dois anos aos agricultores familiares sem-terra. Por sua vez, os agricultores cultivavam suas roças e deixavam, em troca do uso da terra, o pasto formado (Diniz, 1996). Em meio ao avanço da pecuária, observou-se o declínio do poder do setor primário e, no tocante ao agricultor familiar, ocorre a derrocada do cultivo do algodão, devido à praga do bicudo - Anthono-musgandis – que teve reflexos na perda do seu produto de valor comercial. Contraditoriamente, verificou-se o crescimento da pecuária, nos estabelecimentos pertencentes aos agricultores familiares do Sertão Sergipano, alicerçados pelo leite, produto com inserção no mercado.
44O pequeno estabelecimento rural (com até 50 hectares), ocupado anteriormente com a lavoura de milho, feijão, mandioca e algodão, consorciados, transformou-se com a inserção das pastagens direcionadas para o gado leiteiro. A permuta do cultivo agrícola pela pastagem decorreu do rendimento mais estável e seguro da pecuária e viabilizava a persistência familiar, criando, dessa forma, uma estratégia de reprodução social.
45A execução de políticas públicas, financiamentos, abertura e melhoramento das estradas, infraestrutura e ampliação dos serviços de energia elétrica e construção de redes de abastecimento de água repercutiram na valorização das terras do semiárido sergipano. Os agricultores, com o seu saber, criam estratégias conduzidas pela sua identidade sociocultural, caracterizada pela sua concepção sobre a terra como um lugar de vida e do trabalho (Wanderley, 2001). Esta estratégia de reprodução contribuiu, também, para a expansão da atividade pecuarista e corrobora a tradição sertaneja da criação de gado.
46A (re)configuração dos estabelecimentos dos agricultores familiares e a demanda do mercado urbano repercutiram na expansão da produção de leite e de derivados e o queijo que anteriormente apresentava, exclusivamente, valor de uso, transforma-se em valor de troca. Retoma-se o saber-fazer e esse queijo deixa de estar geograficamente limitado aos espaços circunscritos das residências, como no passado, constituindo nas duas últimas décadas como uma estratégia de reprodução social, impressa em um gênero de vida autônomo. Na produção do queijo caseiro o restolho da produção – o soro – é revertido exclusivamente para a alimentação dos suínos; a comercialização desse animal é considerada como uma poupança da família (Menezes, 2009). Nesse contexto, despontam como maiores produtores desses animais os municípios de: Nossa Senhora da Glória, Porto da Folha e Gararu, de igual modo, à produção artesanal de queijos. Portanto, constatamos que o trinômio leite-queijo-suíno estão integrados e localizados no sertão sergipano.
47O município de Poço Redondo, em 2017, alcançou a segunda posição na produção de leite, entretanto, não se destaca como produtor de queijo e de suíno, tendo em vista que o leite produzido nesse local tem como destino os laticínios localizados no município de Nossa Senhora da Glória. Para além das três indústrias beneficiadoras de leite existentes nesse município, são encontradas cerca de 22 fabriquetas de queijo que elaboram queijo pré-cozido, mussarela, requeijão, queijo de coalho e manteiga. Já o município de Porto da Folha conta com dois laticínios e cerca de 21 fabriquetas de queijo, predominando a produção do queijo de coalho, requeijão, mussarela e manteiga. Enquanto isso, o município de Gararu dispõe de 19 fabriquetas e produz queijo de coalho, requeijão mussarela e manteiga. Elementos que contribuíram para a formação do Sistema Agroalimentar Localizado: Leite, Queijo, Suíno, conforme observamos no Mapa 4.
Mapa 04 – Sistema Agroalimentar Localizado: Leite, Queijo, Suíno, 2017
Fonte: Produção Agrícola Municipal 2017, Atlas SRH 2016. Organização: Os autores.
48O valor da renda utilizada para pagamento do leite nas fabriquetas é superior ao do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) das citadas municipalidades. Portanto, com o avanço da pecuária, o comércio, sobretudo o de Nossa Senhora da Glória, tem se expandido; uma vez que o pagamento da produção de leite é semanal, logo, o capital gerado pela aquisição do leite e a venda do queijo é revertido para os agricultores locais, o que repercute no crescimento do comércio local.
49Neste artigo apresentamos a distribuição espacial da produção de alimentos no Estado de Sergipe e observamos os investimentos realizados pelo Estado para a configuração espacial da fritucultura, de alguns tipos de grãos(milho), do leite, em detrimento de outros alimentos como o feijão, arroz, tubercúlos que tem sua produção reduzida ou excluída de vários territórios. Essa reorganização produtiva dos gêneros alimentícios tem provocado como impacto a escassez dos citados alimentos ou a dependência da oferta da produção de outras regiões e o acentuado crescimento no valor desses produtos nas feiras e demais espaços de comercialização nos municípios sergipanos que não os produzem. Esses alimentos produzidos em outras regiões brasileiras são transportados pelas rodovias até o mercado consumidor local, e, apresentam valores elevados.
50Os investimentos de capital e a mecanização no espaço rural sergipano é crescente, atua no processo de produção agrícola, em contraposição o agricultor familiar perde a autonomia na produzir os alimentos.
51Com essas transformações operadas, sobretudo com o aval do Estado, a configuração socio-espacial dos alimentos é alterada e, atualmente, Sergipe produz comoditties, em detrimento da produção dos gêneros alimentícios essenciais aos sergipanos, como o arroz e o feijão. A substituição dos cultivos tradicionais por commodities contribuiu para o enfraquecimento da autonomia produtiva, da soberania alimentar e o aumento da dependência da alimentação imposta pelas empresas fornecedoras de alimentos industrializados. A alteração da dinâmica produtiva da agricultura familiar, que transformou o alimento em commoditie, reduziu às práticas tradicionais campesinas, eliminou a heterogeneidade alimentar dessas comunidades, e paulatinamente reduziu a possibilidade da sua reprodução autônoma.
52Em contraposição ao agronegócio, observamos a consolidação da produção de mandioca e batata doce no agreste sergipano e do trinômio leite-queijos-suíno no sertão sergipano, produtos estes sob a responsabilidade sobretudo, dos agricultores familiares. A análise dos produtos selecionados permite dimensionar a importância do leite, da mandioca e seus derivados elaborados de forma artesanal, alicerçados pela demanda acentuada no mercado consumidor que legitima, proporciona a expansão da produção e contribui para a reprodução social dos grupos familiares nos espaços rural e urbano.