1A questão da segregação urbana tem uma longa tradição na história da sociedade, pois, desde a antiguidade, a sociedade já conhecia formas urbanas de segregação sócio espacial (Negri, 2010). Cidades gregas, romanas e chinesas tinham divisões sociais, políticas e econômicas bem definidas no espaço das cidades (Marcuse, 2004), contudo, essa problemática emerge com maior intensidade na história recente, em especial, a partir dos anos 1950, quando inicia um processo intenso de urbanização da população mundial (Sjoberg, 1965).
2Tal processo despertou o interesse dos cientistas de diversas áreas de conhecimento em produzir métodos para analisar, medir e quantificar a segregação espacial. Como o trabalho de Duncan & Duncan (1955), que mediu e avaliou a distribuição da população entre as unidades de área considerando a pluralidade populacional e a interação potencial dentro dessas unidades. Esse método foi chamado de índice de dissimilaridade D, que segundo White (1983), foi a principal abordagem estatística utilizada no contexto da medida de segregação, particularmente a segregação residencial urbana.
3Nas décadas que se seguiram, diversas pesquisas vieram adicionar contribuições na perspectiva analítica do índice de dissimilaridade D, são exemplos disso os trabalhos de Taeuber & Taeuber (1965), Van Valey et al. (1977), Jakubs (1981) e James & Taeuber (1985) entre outros. A partir dos anos 1990, a interpretação da segregação espacial urbana por meio de índices foi remodelada em função da incorporação de uma grande quantidade de dados espaciais (Reardon & O'Sullivan, 2004). Atualmente, os índices de segregação urbana são desenvolvidos a partir de uma concepção baseada na estatística espacial (Wong ,2016).
4ara Lungo & Baires (2001), o fenômeno da segregação espacial urbana não ocorre de forma uniforme em todas as cidades do mundo, mas sim a partir de dois grupos principais: as cidades dos países considerados desenvolvidos e em desenvolvimento, sendo associado para cada um deles processos característicos e fatores distintos. No primeiro grupo, as bases das explicações da segregação espacial social estão ligadas principalmente às relações étnicas, religiosas e raciais, e, no segundo grupo, relacionadas às diferenças sociais e econômicas (Greenstein et at. 2000).
5Em particular, no caso do Brasil, há distintas regiões socioeconômicas e demográficas em função dos diferentes processos de desenvolvimento, isso reflete no padrão de segregação social das cidades, sendo a origem dessas diferenças atribuída a processos históricos de urbanização no país (Santos, 2005). Essa disparidade social e econômica dentro das cidades está presente em todo o país, e a mistura de diferentes grupos socioeconômicos na mesma localização, indica a importância de caracterizar os índices de segregação social de acordo com os diferentes cenários e níveis de desenvolvimento das cidades (De Loyola Hummell et al., 2016). O padrão da segregação espacial mais recorrente nas grandes cidades brasileiras aparece na divisão centro versus periferia, onde o centro dispõe de mais serviços urbanos, públicos e privados e é ocupado pelas classes de mais alta renda, e a periferia que é subequipada e distante do centro, sendo ocupada pelas classes de mais baixa renda (Villaça, 1998).
6No contexto das cidades, os estudos da segregação espacial devem levar em conta as proporções relativas das variáveis sociais e ambientais que estão relacionadas aos grupos sociais, que residem nas parcelas geográficas que compõem o espaço urbano (White, 1983). Cunico & Oka-Fiori (2014) acrescentam que o estudo da distribuição espacial da população em grupos socioeconômicos e demográficos possibilita a compreensão e análise da conjuntura em que uma população está submetida, do mesmo modo, da condição ambiental e sua expressão no espaço geográfico. As características de um indivíduo ou grupo são relevantes para determinar um índice, os critérios econômicos, demográficos e sociais (idade, renda, gênero, educação, etc.) podem ser medidos em diferentes escalas espaciais, resultando em dados que carregam informações pertinentes à análise geográfica e aos aspectos socioeconômicos de uma população (Goerl et al., 2012).
7Este trabalho teve como objetivo elaborar um índice de segregação espacial urbana por meio da análise de dados demográficos, econômicos e ambientais. Caracteriza-se como pesquisa do âmbito da Ciência da Informação Geográfica, com aplicações de métodos estatísticos e do geoprocessamento. Segue o método empírico-analítico, fazendo uso de dados de diversas fontes. Essa proposta se alinha as considerações de Wong (2016), que considera importante a incorporação de métodos de análise de estatística espacial na abordagem da segregação espacial, pois contribui para o desenvolvimento da temática.
8Nesta perspectiva, esta pesquisa fundamenta-se na seguinte questão: um índice espacial urbano construído com base na correlação de fatores demográficos, econômicos e ambientais é representativo para a análise da segregação espacial urbana em uma cidade média brasileira? Com base nesse questionamento, o trabalho correlaciona um conjunto de indicadores e propõe um índice de segregação espacial urbana para a cidade de Uberlândia, na região do Triângulo Mineiro, Minas Gerais e o valida por meio de métodos estatísticos.
9O estudo utilizou variáveis do censo demográfico do ano de 2010 (IBGE, 2010), com um recorte espacial referente ao setor censitário e imagens dos satélites Sentinel-2A e 3. As variáveis demográficas adotadas foram: responsável por domicílio entre 10 e 29 anos; responsável por domicílio alfabetizados; responsável por domicílio acima de 60 anos e crianças entre 0 e 5 anos de idade. As variáveis econômicas foram: rendimento nominal do responsável pelo domicílio e número de domicílios quitados. As variáveis ambientais foram: domicílios com abastecimento da rede geral de água, coleta de esgoto, coleta de Lixo, temperatura de superfície e índice de vegetação.
10As variáveis foram integradas em um banco de dados geográficos projetado em coordenadas UTM, fuso 22, datum SIRGAS, 2000, hemisfério Sul. As feições geométricas dos dados censitários foram ligadas a tabelas de atributos com dados demográficos, econômicos e ambientais, e os valores originais foram normalizados para a escala numérica de 0 a 1. Em seguida, construiu-se um índice de segregação espacial urbana, seu agrupamento em faixa de valores e sua tradução em classes ordenadas qualitativas. Por fim, fez-se a validação do procedimento, submetendo os agrupamentos das classes temáticas a testes estatísticos, verificando assim, sua significância para a construção do modelo. O resultado é um mapa da distribuição espacial do índice de segregação espacial para as áreas urbanas do município de Uberlândia.
11O município de Uberlândia está localizado na região do Triângulo Mineiro, Estado de Minas Gerais, sudeste do Brasil (Figura 1). Caracteriza-se por ser uma cidade média com 683.247 habitantes, segundo estimativas do IGBE para 2018, sendo a segunda maior cidade do Estado e a 30ª do Brasil. Situa-se a 537 km de distância da capital do Estado de Minas Gerais e constitui-se num importante polo de atração econômica e populacional.
Figura 1 – Localização da área de estudo, município de Uberlândia, estado de Minas Gerais.
12A unidade espacial de análise considerada na pesquisa foi a dos setores censitários, definidos geometricamente no censo IBGE de 2010. Uberlândia possui 633 setores censitários da Base de Informações do Censo Demográfico de 2010.
13O IBGE (2010) considera os setores censitários como a menor unidade territorial municipal. Porém, dentro de um mesmo setor censitário podem ser observados diferentes padrões de uso urbano e até mesmo a mistura de usos urbano e/ou rural. Assim, com o objetivo de restringir a análise para o espaço urbano, as feições territoriais dos setores censitários foram redefinidas utilizando-se como base a mancha urbana de Uberlândia do ano de 2019, por meio do método dasimétrico (Wright, 1936). A dasimetria é um tipo específico de interpolação zonal, baseada em uma técnica cartográfica que utiliza informações auxiliares para desagregar variáveis demográficas como população total e densidade populacional (Strauch et al., 2014). Considerando que a mancha urbana sofreu uma expansão ao longo da década, novas áreas foram adicionadas na análise, com destaque para o setor Sudoeste da cidade.
14Tipificar uma parcela da sociedade com base em dados que à qualifiquem pode ser um exercício muito complexo. O fato de não existir um Índice universal capaz de medir, em sua totalidade, a intensidade dos fatores socioeconômicos e ambientais, torna a proposição de um método voltado à construção de um índice que concorre para a interpretação simplificada das particularidades fundamentais da sociedade.
15ara a elaboração do índice de segregação espacial urbana foram definidas 11 variáveis. O Quadro 1 apresenta as variáveis 1 a 9 para o perfil demográfico e econômico, e as variáveis 10 e 11 como atributos ambientais. As variáveis ambientais foram selecionadas por sua importância nos ecossistemas urbanos e justificam-se pela importância na proteção da qualidade das águas, diminuição da poeira em suspensão na área urbana, organização e composição de espaços para desenvolvimento de atividades humanas, umidade do ar e regulação térmica (Nucci, 2001; Amato-Lourenço et al., 2016). Porém, para o aproveitamento dessas qualidades é necessário estudar sua distribuição espacial nas áreas urbanas (Milano, 1990), pois existe uma relação entre esses fatores e a qualidade de vida (Luchiari, 2001).
16A presente proposta considerou como fator determinante a disponibilidade de dados para a composição do índice, pois desta forma a proposta de adéqua para a aplicação do método em diferentes realidades urbanas brasileiras. Neste sentido, os dados do Censo IBGE (2010) e produtos de sensoriamento remoto aqui indicados são de acesso livre.
Quadro 1. Variáveis utilizadas para compor o índice de segregação espacial urbana.
Variáveis
|
Nome
|
Descrição
|
V1
|
Crianças entre 0 e 5 anos por setor censitário
|
Razão obtida pelo somatório das pessoas entre 0 e 5 anos e o número total de pessoas. Esses dados capturam a proporção de crianças dentro dos setores censitários
|
V2
|
Rendimento nominal do responsável pelo domicílio
|
Razão entre o valor do rendimento nominal médio mensal de responsáveis por domicílios particulares permanentes pelo número total de responsáveis por domicílio
|
V3
|
Domicílios quitados
|
Razão do número de domicílio integralmente pago pelo número total de domicílios no mesmo setor censitário
|
V4
|
Domicílios com abastecimento da rede geral de água
|
Proporção de domicílios dos setores censitários que estão ligados à rede. É a razão entre o número de domicílios ligados a rede geral de água de um dado setor censitário e o total de domicílios no mesmo setor
|
V5
|
Coleta de esgoto por setor
|
Razão entre o total de domicílios com banheiro de uso exclusivo dos moradores e esgotamento sanitário via rede geral de um dado setor censitário e o total de domicílios no mesmo setor
|
V6
|
Coleta de Lixo por setor
|
Razão entre o somatório de todos os domicílios de um dado setor censitário que tem coleta de lixo por serviço de empresa pública ou privada; ou coleta feita por algum serviço de limpeza público ou privado (caçamba, tanque ou depósito) fora do domicílio e o total de domicílios no mesmo setor
|
V7
|
Responsável por domicílio entre 10 e 29 anos por setor
|
Razão obtida através do somatório das pessoas de 10 a 29 anos responsáveis pelos domicílios e o total de pessoas do setor censitário. Esses dados expressam a proporção dos jovens que ocupam a posição de chefes de família
|
V8
|
Responsável por domicílio alfabetizados por setor
|
Razão entre o número total de pessoas responsáveis alfabetizadas por setor, pelo número total de pessoas responsáveis pelo domicílio
|
V9
|
Responsável por domicílio acima de 60 anos e mais
|
Razão entre o número total de pessoas responsáveis por setor com mais de 60 anos pelo número total de pessoas responsáveis pelo domicílio
|
V10
|
Média zonal da Temperatura de Superfície por setor
|
Foram utilizadas imagens do Sentinel 3 do programa Copernicus da Agência Espacial Europeia (ESA) da União Europeia. Esse satélite permite o monitoramento de ecossistemas marinhos, além de apoiar o estudo da vegetação, condições de colheita e monitoramento de águas interiores, bem como fornecer estimativas de aerossóis na atmosfera e nuvens. O satélite tem a bordo os instrumentos: o SLSTR (Sea and Land Surface Temperature Radiometer), o OLCI (Ocean e Land Colour Instrument), o SRAL (SAR Altimeter, para aquisição de dados em radar), o DORIS (Doppler Orbitography and Radiopositioning Integrated by Satellite) e o MWR (Microwave Radiometer). Neste trabalho foi utilizada a imagem da Land Surface Temperature Radiometer do dia 15/3/2019. O valor foi normalizado entre 0 e 1 e calculou-se os valores médios de temperatura de superfície para cada setor censitário. O quesito desconforto térmico aumenta com o valor próximo a 1 normalizado
|
V11
|
Média zonal da Temperatura de vegetação por setor
|
Foi representada pelo o NDVI (Normalized Difference Vegetation Index). Índice calculado com base na refletância no espectro eletromagnético vermelho (636-673nm) e infravermelho próximo (851-879nm) (Rouse et al., 1974) e foi feito com uso das bandas 4 e 8 do Satélite Sentinel-2A que é uma missão imageadora multispectral do Programa GMES (Global Monitoring for Environment and Security), conjuntamente administrada pela Comunidade Europeia e a ESA, para observação da Terra, realizando coleta de dados sobre a vegetação, solos e umidade, rios e áreas costeiras, e dados para correção atmosférica (absorção e distorção) em alta resolução (10 m) (15/3/2019). Em seguida, aplicou-se o método de análise espacial Média Zonal para definir os valores médios de NDVI para cada um dos setores censitários. Os valores do NDVI foram normalizados entre 0 e 1, sendo os altos valores indicativos de melhor condição ambiental
|
17Os atributos demográficos, econômicos e ambientais aqui utilizados foram representados por diferentes grandezas numéricas, assim, os mesmos foram padronizados para uma escala numérica de 0 a 1, de modo a construir um índice sintético (equação 1) (Martines et al., 2017). Os setores censitários com valores próximos a 1 revelaram as melhores condições de cada indicador e vice-versa.
18Var = ((v-v1))/((v2-v1)) (Eq 1)
19Sendo que:
20Var = Valor resultado da normalização por setor censitário;
21v = valor da variável a ser normalizada;
22v1 = menor valor da variável considerada;
23v2 = maior valor da variável considerada;
24ara a variável da temperatura foi aplicada a equação 2, normalizando o valores mais baixos para 1 e a temperatura mais alta para 0 (zero).
25Var = (1 - ((v-v1))/((v2-v1))) (Eq 2)
26Sendo que:
27Var = Valor resultado da normalização por setor censitário;
28v = valor da variável a ser normalizada;
29v1 = menor valor da variável considerada;
30v2 = maior valor da variável considerada.
31Com a definição da normalização das variáveis, foi aplicado a soma linear para o cálculo do índice de segregação espacial urbana por setor censitário através da equação 3.
32IJA = ∑ (Var) (Eq 3)
33Sendo que:
34IJA = valor do índice de segregação urbana ambiental por setor censitário;
35Var = variável selecionada normalizada.
36O resultado da equação 3 também foi normalizado para o intervalo entre 0 e 1 e aplicou-se a fórmula de Sturges (Scott, 2009) para determinar o número de classes temáticas que seriam representativas em função do total de observações obtidas (Falco, 2008) (Equação 4).
37K = 1 + 3,3.log n (Eq 4)
38Sendo que:
39K= número de classes;
40N = número total de informações.
41Com a aplicação da equação 4 obteve-se a indicação de cinco classes temáticas para a representação cartográfica do índice de segregação espacial urbana. O método adotado para agrupamento destas cinco classes foi o de quebras naturais (Jenks, 1967), que identifica as grandes lacunas no conjunto de valores, ou as pausas naturais, maximiza a diferença entre as classes e minimiza as diferenças dentro das classes. Para essas classes foi atribuída a nomenclatura qualitativa: Muito alta, Alta, Média, Baixa, Muito baixa.
42A elaboração do índice aqui proposto é um procedimento que organiza em uma base numérica sintética um conjunto de critérios demográficos, econômicos e ambientais previamente estabelecidos, no entanto, os resultados requerem passar por um processo de verificação e validação, de modo a identificar possíveis inconsistências entre as variáveis, ou ainda, a existência de critérios determinantes para a composição do índice. Desta forma, empregaram-se os seguintes procedimentos estatísticos:
43Análise descritiva por boxplot e jitterplot, para avaliar a distribuição empírica dos dados e a distribuição dos valores de cada parâmetro em relação aos grupos de variáveis estabelecidos.
44Teste de hipótese pela Multiple Analysis Of Variance (MANOVA), para revelar possíveis diferenças entre o conjunto de variáveis utilizados na composição e no próprio índice de segregação espacial urbana. Para isso, o teste calcula o lamdba (Λ) de Wilks, que é uma estatística de teste relatada nos resultados da MANOVA. O teste define se existem diferenças entre médias de grupo para uma combinação particular de variáveis dependentes e se materializa no teste F, que deve ser maior que 1, e o valor-p (same) deve ser menor que 0,05 (Todorov & Filzmoser, 2010).
45or último foi realizada uma análise multivariada de componentes principais (PCA), para avaliar a importância de cada parâmetro em relação à classificação temática dos grupos definidos a partir do índice de segregação espacial urbana. A PCA permitiu analisar o conjunto de variáveis utilizados no índice e reduzir as sobreposições dos parâmetros adotados na composição do índice.
46O mapeamento do índice de segregação espacial urbana do município de Uberlândia possibilitou tipificar os setores censitários com base nos parâmetros definidos. A Tabela 1 apresenta a distribuição da frequência do índice por classes temáticas em função da ocorrência dos setores censitários. Observa-se que há concentração de 5,21% deles nas classes entre “Muito baixa e Baixa”, o que corresponde a 33 setores censitários classificados como situação com menor segregação espacial urbana. Por outro lado, as classes “Muito alta e Alta”, apresentam 35,23% dos setores censitários, totalizando 223 setores do total do universo analisado e classificados como pertencentes ao grupo com maior segregação espacial. A maior parte dos setores censitários 59,56% está na faixa da classe de mediana segregação espacial, contabilizados em 377 setores.
Tabela 1 – Distribuição da Frequência por classes temáticas nos setores censitários.
Classe
|
Interlavo
|
Frequência
|
%
|
Muita alta
|
0,72
|
100
|
15,80
|
Alta
|
0,75
|
123
|
19,43
|
Média
|
0,82
|
377
|
59,56
|
Baixa
|
0,89
|
28
|
4,42
|
Muito baixa
|
1,00
|
5
|
0,79
|
Total
|
|
633
|
100,00%
|
47A Figura 2 apresenta o histograma da distribuição dos setores censitários pelas classes temáticas e o espalhamento de cada intervalo. É possível verificar que as classes “Muito alta e Muito baixa” apresentam a maior variabilidade dentro dos intervalos considerados, configurando uma dissimilaridade tipológica entre os setores censitários dentro dessas classes. Por outro lado, as classes “Baixa, Média e Alta” apresentam-se em intervalos mais simétricos, descrevendo uma maior uniformidade entre os setores censitários dentro das classes estabelecidas.
Figura 2 – Histograma da distribuição por classes temáticas estabelecidas para compor o índice de segregação espacial urbana.
48A classificação dos setores censitários na mancha urbana do município de Uberlândia em função do índice de segregação espacial urbana é apresentada na Figura 3. Foi identificado um gradiente de variação de intensidade do índice a partir do Sul da mancha urbana para o sentido Sudeste, Norte, Oeste e Sudoeste, sendo que as regiões mais periféricas apresentam os mais baixos índices, ou seja, com maior segregação espacial, considerando os fatores demográficos, econômicos e ambientais.
49Em 2016 a cidade de Uberlândia apresentava 27,2 % da população com rendimento nominal mensal per capita de até 1/2 salário mínimo em (IBGE-Cidades). Essa porção da população de mais baixa renda está representada pelo índice de segregação espacial urbana nas porções periféricas, o que pode ser interpretado como um padrão de segregação espacial de centro versus periferia, sendo este o padrão mais recorrente nas grandes cidades brasileiras. Isso pode indicar que o processo de desenvolvimento econômico e social da cidade de Uberlândia reflete o padrão das grandes metrópoles brasileiras, para a avaliação da segregação espacial urbana.
50Este desenvolvimento socioeconômico e ambiental urbano está inserido dentro dos processos econômicos de transformação de cidades médias (Carlos, 2015), como o caso de Uberlândia. Nessa dinamização do espaço urbano, a valorização espacial desigual e segregada encontra-se no cerne deste desenvolvimento, o que acaba por acarretar o processo de precarização com a ocupação de áreas irregulares na cidade, além da falta de políticas públicas de habitação (Comitre & Ortigoza , 2013).
51ortanto, estes fenômenos podem estar relacionados ao gradiente de variação da segregação espacial urbana que foi constatado pelo mapeamento do índice, principalmente, sobre as diferenças registradas entre a região Sul e as porções Sudoeste e Nordeste da mancha urbana, onde se localizam os principais contrastes entre os grupos de variáveis demográficas, econômicas e ambientais classificados na pesquisa.
Figura 3 – Índice de segregação espacial urbana dos setores censitários do município de Uberlândia.
52O teste da MANOVA mostrou diferenças significativas entre os parâmetros das classes do índice de segregação urbana (Wilks’lambda de p(same)= 0,0003804; F = 36,23). Os valores de F acima de 1 e o de p indicam que está abaixo do nível de significância de 0,05 (5%), definindo estatisticamente que existe pelo menos uma diferença significativa entre os grupos de variáveis demográficas, econômicas e ambiental que compõe as classes do índice de segregação urbana.
53ara a variável Renda (v2), o boxplot mostra uma baixa dispersão dos dados e uma alta amplitude dos valores de assimetria positiva (Figura 4A), elucidando a grande diferença no universo dos dados dessa variável. A variável de situação econômica de moradia (v3) demonstra a melhor assimetria entre os dados, e a variável de alfabetização é destacada em função de sua assimetria negativa, o que demonstra que é grande o número de chefes de famílias não alfabetizados.
54As concentrações e dispersões das variáveis normalizadas são apresentadas no jitterplot (Figura 4B). Destacamos que as maiores concentrações, próximo ao máximo valor, se correlacionam com as seguintes variáveis: abastecimento de água (v4), coleta de esgoto (v5) e coleta de lixo (v6). Esse resultado indica que embora essas variáveis apresentem bons índices de cobertura para todos os setores censitários, ainda existem áreas com ausência desses serviços básicos.
55or outro lado, nota-se que a variável renda, medida pelo rendimento nominal do responsável pelo domicílio, apresenta a maior dispersão entre as variáveis analisadas, com uma concentração nos valores mais baixos pelos setores censitários classificados em Muito Alta e Alta segregação, e uma grande dispersão nos mais altos valores abrangendo as classes de Baixa e Muito baixa segregação. Esse resultado indica que há uma grande disparidade entre os setores censitários para essa variável.
Figura 4 – A) Boxplot dos parâmetros utilizados para composição do índice de Segregação Espacial Urbana; B - Jitterplot dos parâmetros utilizados para composição do índice de Segregação Espacial Urbana (ver Quadro 1 para a descrição das variáveis).
56A PCA permitiu identificar um gradiente de transição entre os parâmetros considerados associados às diferentes classes do índice de segregação espacial urbana (Figura 5). Esse arranjo aponta, principalmente, para a influência da variável rendimento nominal do responsável pelo domicílio (v2) como um importante critério para explicar o gradiente entre os agrupamentos das classes Muito alta e Alta segregação. Para as classes de Muito baixa e Baixa, as características de alta alfabetização (v8), infraestrutura básica (v4,v5,v6) e a característica demográfica do baixo número de filhos nas famílias (v1) são os vetores mais significantes que justifica o agrupamentos dos setores censitários nessas classes. A variável ambiental temperatura apareceu com um fator significativo para a classe Média, e a significância dessa variável para essa classe pode estar condicionada pela influência da superfície impermeável na área urbana. Essas superfícies absorvem parte da energia solar aumentando a temperatura no ambiente (Tucci, 2001). Em estudo sobre a cidade de Maceió-Al (Almeida, 2015), constatou-se que a urbanização e baixos índices de vegetação são responsáveis pela distribuição de elevados temperaturas, gerando ilhas de calor em alguns bairros, e, ainda, outros trabalhos também corroboram com o efeito da urbanização e o aumento da temperatura em cidades brasileiras (Amorim, 2005; Afonso, 2006; Gomes & Lamberts, 2009; SILVA et al. 2011, Callejas et al., 2011).
Figura 5 – Análise das Componentes Principais da classificação do indicador de Segregação Espacial Urbana (ver Quadro 1 para a descrição das variáveis).
57De modo geral, praticamente todos os parâmetros utilizados para compor o índice explicam a similaridade entre essas classes mais críticas e as menos críticas, demonstrando um comportamento assimétrico para o índice de segregação urbana elaborado. Com relação aos vetores principais nas classes, observa-se que a infraestrutura urbana e condição socioambiental são os condicionantes do agrupamento dos setores censitários das classes de maior renda, por outro lado, as classes com maior segregação espacial são explicadas pela variável renda.
58O grupo de variáveis demográfica e socioambientais permitiu estabelecer um índice baseado no conceito segregação espacial urbana, e também permitiu identificar a distribuição espacial da classificação do tema nas áreas urbanas em seus setores censitários para uma cidade média brasileira. Os resultados permitiram identificar uma assimetria na distribuição espacial dos parâmetros analisados, revelando uma desigualdade entre as variáveis selecionadas na área urbana de Uberlândia.
59Os agrupamentos das classes do índice de segregação urbana foram influenciados principalmente pela renda, configurando um arranjo que estabeleceu um gradiente entre as classes mais críticas (Muito Alta, Alta) até as menos críticas com um padrão de centro versus perifeira. Os aspectos ambientais, principalmente a temperatura, demonstraram ser significantes para as classes de Média segregação espacial, o que pode estar relacionado à impermeabilização urbana e baixa cobertura vegetal nessas áreas.
60Finalmente, a análise da distribuição dos agrupamentos espaciais do índice de segregação espacial urbana permitiu a identificação de um padrão espacial, elucidando as diferenças entre as áreas menos segregadas, na região Sul da mancha urbana, e as áreas mais segregadas nas periferias Sudoeste, Norte, Sudeste. Isso evidencia que a distribuição espacial do índice não acontece de forma aleatória no espaço, mas sim a partir de um arranjo espacial, consequentemente, indicando um ordenamento territorial desigual e ambientalmente segregador na mancha urbana estudada.