1Associada ao processo de crescimento acelerado e concentrado da economia brasileira, que aprofundou as desigualdades regionais no país, a migração de nordestinos para a Região Sudeste entre os anos 1930 e 1970 foi um dos maiores fenômenos da dinâmica demográfica no Brasil. O estabelecimento do processo de urbanização que se seguiu - quase que simultaneamente - ao processo de metropolização, acarretou fortes desequilíbrios socioeconômicos no território brasileiro, estimulando a saída de populações de locais economicamente menos dinâmicos em busca das regiões mais prósperas.
2A metrópole paulista, já consolidada como local de destino dos mais volumosos fluxos migratórios, cresceu com o impulso proveniente da força de trabalho de outros estados. Este crescimento é representado tanto pelo contingente populacional quanto pela ocupação do espaço na cidade. Aos poucos, esses migrantes foram estabelecendo suas residências, relações sociais e reproduções culturais, além de impulsionarem os efeitos indiretos da migração, a exemplo dos filhos destes migrantes que nasceram na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) (Ribeiro, Carvalho, Wong, 1996).
3Após a divulgação dos resultados do Censo Demográfico de 1980, alguns estudos apontaram a redução nos fluxos migratórios em direção a metrópole paulista (Baeninger,2005; Brito e Carvalho, 2006). Na década seguinte, foram os movimentos de retorno à Região Nordeste, tradicional expulsora de população, que se ampliaram e ganharam destaque (Baeninger, 2008). Esses fluxos eram compostos, em parte, por uma população que não tinha mais condições de arcar com altos custos de vida ou que simplesmente experimentou o insucesso na inserção no mercado de trabalho, que estava em contração e, ao mesmo tempo, era altamente competitivo e seletivo. Tal redução no volume no estoque de migrantes acompanhava a queda do ritmo do crescimento econômico no centro dinâmico do país, decorrente da crise do modelo de desenvolvimento (Novy e Fernandes, 2002).
4Nas décadas que se seguiram, a RMSP sofreu diversas mudanças nos padrões econômicos, e já não apresentava o mesmo bom desempenho na criação de empregos até então registrado, acompanhado de forte elevação no custo de habitação. Esses fatores, dentre outros, estavam associados à redistribuição de parte da população em busca de moradia mais adequadas nas cidades médias que compõem a região metropolitana (Cunha, Silva, Alonso, 2015). Não obstante, os migrantes nordestinos que se estabeleceram e que permanecem na RMSP – os quais, no Censo 2010, já contabilizavam mais de 3 milhões de pessoas, cerca de 15% do total da população da região metropolitana (IBGE, 2012) – sofrem as consequências dos desequilíbrios socioespaciais, e o seu perfil apresenta correspondências com estes rearranjos.
5Com o objetivo de identificar mudanças e continuidades nas tendências de distribuição espacial e nos perfis destes migrantes, foram investigadas suas características sociodemográficas, tais como sexo, faixa etária, níveis de escolaridade e renda e ainda o perfil ocupacional, considerando os principais setores de atividade econômica. Foram investigados ainda os espaços de residência, explorando a distribuição espacial nos municípios da RMSP e suas concentrações. Os dados tem como base os resultados da amostra dos Censos Demográficos de 2000 e de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para este estudo, foram considerados os migrantes acumulados (lifetime migrants), ou seja, os indivíduos residentes na RMSP e nascidos em um dos estados da Região Nordeste, independentemente do tempo de residência.
6A expansão agrícola, particularmente aquela relacionada ao cultivo de café no estado de São Paulo, tornou-se o grande divisor de águas na história das migrações no país, representando um enorme espaço de atração econômica e populacional. Entre 1887 e 1930 São Paulo recebeu cerca de 2,5 milhões de imigrantes, principalmente de países da Europa e do Japão. Nesse contexto, os oriundos do Nordeste e de Minas Gerais foram estimados em cerca de 280 mil pessoas. (Cano, 1975).
7 Diversos fatores de expulsão e atração podem ser atribuídos aos estados de origem e destino, respectivamente. Na Região Nordeste– até primeira metade do século XX – predominavam os movimentos no sentido rural-rural e rural-urbano, estimulados pela forte concentração fundiária e a consequente dificuldade no acesso à propriedade rural de pequenos produtores, situação agravada pela inserção de máquinas na agricultura e pelo fenômeno das secas periódicas que assolavam a região nordestina no período (Seplan/PR,1994).
8 O desemprego e subemprego nas áreas urbanas também representariam importantes fatores de expulsão de mão de obra da Região Nordeste para as regiões mais dinâmicas do país, tendo São Paulo como seu maior expoente. Os fatores de atração até 1950 eram basicamente o nível salarial mais elevado em São Paulo, a expansão do emprego rural e urbano, especialmente pela oferta de trabalho nos setores de construção civil e na indústria nos grandes núcleos urbanos.
9 Nas décadas seguintes – de 1950 e 1960 – o saldo de nordestinos fora da sua região de nascimento praticamente dobra (Moura, 1972), fato que pode ser explicado pela ocasião da construção de Brasília (o que demandou grande volume de trabalhadores, particularmente para o setor de construção), além da expansão da fronteira agrícola cafeeira, do crescimento do setor de construção civil no Rio de Janeiro, das fortes secas que atingiram a região semiárida nordestina, da melhoria no sistema viário e, ainda, do intenso crescimento industrial de São Paulo.
10A expansão da fronteira agrícola do Paraná, do Centro-Oeste e do Maranhão amorteceram, em parte, o crescimento populacional urbano e o fenômeno do êxodo rural no país, fazendo escoar parte dos fluxos migratórios para estas áreas. No entanto, a crise de 1962/1966 e as mudanças na estrutura econômica impostas pelo golpe militar serviram para alterar este cenário, resultando num quadro de queda salarial, recessão e aumento do desemprego urbano. Estes entraves seriam enfrentados mais a frente com reformas institucionais (1967) que estimularam o desenvolvimento regional, propiciando a criação de novos amortecedores sociais (Cano, 1998).
11A lenta dinâmica econômica dos estados do Nordeste foi agravada pelo direcionamento dos incentivos do governo para as regiões de maior desenvolvimento econômico, estimulando a saída de parte da população em busca de melhores condições de vida e trabalho. Segundo Moura (1972), Pernambuco revelou-se como um dos estados que mais perdeu população para o estado de São Paulo até 1970, ficando atrás apenas do estado da Bahia.
12Até 1970, o Censo Demográfico não contemplava questões que permitissem calcular diretamente o saldo migratório ou a direção dos fluxos. Por esse motivo, as estimativas e projeções produzidas por Hélio Moura, em diversos estudos, são particularmente valiosas. Na tabela 1 pode ser observada a estimativa do total de naturais do Nordeste que se encontravam ausentes do lugar de nascimento, para os anos de 1940, 1950 e 1970, segundo estado de nascimento. Na última coluna é apresentada a participação relativa do número de ausentes do estado no agregado da Região Nordeste. Destaca-se o aumento crescente e intenso do número total de nordestinos ausentes da região ao longo das décadas.
13A partir da década de 1970, tanto o processo de concentração urbana quanto o da interiorização do desenvolvimento econômico começaram a se intensificar. Entre 1975 e 1985, uma série de ações que visavam a modernização dos setores produtivos e da infraestrutura passou a ser priorizada, bem como a diversificação da economia para o interior. O processo de desconcentração produtiva – a partir de São Paulo – estimulou a demanda por um contingente de mão de obra habilitada, além de empresários, direcionando fluxos migratórios de regiões mais dinâmicas em direção as regiões periféricas (Cano, 2008).
Tabela 1 – Naturais ausentes segundo estado de nascimento (1940-1970)
Estado
|
1940
|
1950
|
1970
|
Ausentes em 1970
|
Alagoas
|
52.800
|
100.900
|
327.100
|
8,6
|
Bahia
|
305.700
|
397.300
|
1.266.100
|
33,4
|
Ceará
|
102.700
|
126.800
|
433.800
|
11,4
|
Maranhão
|
61.400
|
78.800
|
226.200
|
6,0
|
Paraíba
|
27.000
|
52.400
|
344.200
|
9,1
|
Pernambuco
|
79.000
|
141.500
|
690.000
|
18,2
|
Piauí
|
19.300
|
28.200
|
124.100
|
3,3
|
Rio Grande do Norte
|
29.600
|
42.600
|
181.400
|
4,8
|
Sergipe
|
32.900
|
56.200
|
202.300
|
5,3
|
Nordeste
|
710.400
|
1.024.700
|
3.795.100
|
100
|
Fonte: Moura, 1972 (Adaptado)
14O aceleramento da urbanização após a consolidação da indústria pesada e o aumento das camadas populacionais mais pobres em São Paulo geraram problemas de crescimento na metrópole, o que fortaleceu os movimentos de interiorização da indústria, alterando, posteriormente, os fluxos migratórios oriundos tanto da Região Nordeste quanto da Grande São Paulo em direção ao interior paulista, o que estimulou o crescimento da urbanização de áreas como Campinas, Sorocaba e Vale do Paraíba (Cano, 1998).
15A prolongada crise da década de 1980 acarretou mudanças na configuração dos fluxos migratórios que passaram a perder intensidade em direção às grandes áreas receptoras de migração. O mercado de trabalho paulistano perdeu atratividade – oferecendo cada vez menos postos de trabalho – além de aumentar a seletividade na mão de obra (Jannuzzi, 2000). A influência da desconcentração produtiva começou a mostrar efeitos mais evidentes, tornando cada vez maiores os fluxos migratórios em direção às novas áreas industriais e às cidades médias que agora são catalizadoras de investimento nas áreas de construção civil e comércio, estimuladas pelo crescimento urbano.
16Em síntese, a década de 1980 foi cenário de diversas mudanças na configuração socioeconômica do país e, consequentemente, dos fluxos migratórios, sendo as mais evidentes: a inversão das correntes migratórias de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, a redução do fluxo de saída da população da Região Nordeste, o esgotamento das fronteiras agrícolas, o arrefecimento da dinâmica econômica do estado de São Paulo e a consequente redução na sua atratividade migratória, o aumento dos fluxos migratórios em direção às cidades médias, e o aumento dos deslocamentos pendulares e da migração de retorno (Oliveira e Oliveira, 2011).
17Os anos 2000 foram palco de diversas alterações nos padrões da economia e da política no Brasil, esta última tendo um peso bastante considerável, uma vez que guiou o país a uma nova dinâmica econômica. Políticas de aceleração do crescimento, controle da inflação, auxílios governamentais com fins de incentivo à educação e desenvolvimento (Bolsa Escola e Bolsa Família), valorização do salário mínimo, desoneração tributária, entre outros fatores, resultaram numa maior estabilidade econômica, ainda que com grande disparidade de renda (Pereira, 2013).
18Nessa nova configuração, a população adquiriu maior poder de compra, estimulando o crescimento do setor de serviços e a obtenção de bens duráveis, o que aqueceu as indústrias e o mercado. Como consequência, registrou-se entre 1998 e 2002 o crescimento do Produto Interno Bruto, em média, a 1,7% a.a., enquanto que entre os anos de 2003 a 2010 esse crescimento esteve, em média, a 4,0% a.a. (Brasil,2010).
19Esse conjunto de mudanças afetou todos os níveis da vida social e econômica, a começar pelos grandes aglomerados metropolitanos, em especial a RMSP. A forte especulação fiscal e imobiliária e, ainda, as complicações no acesso e distribuição das mercadorias, em função do caos urbano identificado nas maiores metrópoles, tornaram-se fatores que impulsionaram a dispersão das atividades produtivas para fora do eixo metropolitano. A indústria se interiorizou, estabelecendo-se em localidades mais próximas de grandes e médias cidades, aproveitando uma já consolidada rede de transporte e infraestrutura (Matos, 2007).
20O Censo Demográfico de 2000 revelou a consolidação do processo de redução dos fluxos migratórios para a RMSP e o aumento significativo da migração de retorno. Vê-se no gráfico 1 que a RMSP contava com uma população de aproximadamente 17,8 milhões de habitantes, dos quais cerca de 3,6 milhões eram nascidos nos estados do Nordeste.
Gráfico 1 – População total residente na RMSP e população de nascidos no Nordeste residentes na RMSP
Fonte: Censos Demográficos de 2000 e 2010 (IBGE). Tabulação própria.
21Seguindo o processo de redução do crescimento das grandes metrópoles, a RMSP contabilizou no censo 2010 uma população total de 19,6 milhões de habitantes, equivalente a um crescimento médio anual de 0,97% na década, mais baixo que o crescimento médio do país. Por sua vez, o estoque de migrantes nascidos no Nordeste cai para cerca de 3,1 milhões, dado que pode ser justificado em grande parte pela migração de retorno e pela procura por cidades médias fora da RMSP.
22Segundo a tabela 2, é possível perceber que a participação dos migrantes varia, para mais ou para menos, em função do estado nordestino de nascimento.
Tabela 2 – Distribuição proporcional dos migrantes nordestinos na RMSP segundo estado nordestino de nascimento. 2000 e 2010.
Fonte: Censos Demográficos de 2000 e 2010 (IBGE). Tabulação própria.
23Os estados fornecedores de população por xcelência são: Bahia, Pernambuco e Ceará. São estes os estados do Nordeste que possuem os maiores contingentes populacionais e que, a princípio, têm maior probabilidade de registrar mais emigrantes. A Bahia representa, tanto segundo o censo de 2000 (36,6%) quanto o de 2010 (37,5%), o estado de nascimento do maior grupo dentre os nordestinos residentes na RMSP, o que também pode ser explicado pela maior proximidade geográfica à região que os demais estados. Ademais, o grupo dos baianos é o único entre os maiores que apresenta um pequeno incremento na proporção de migrantes.
24Pernambuco e Ceará registraram redução na participação de migrantes acumulados, o que remete mais uma vez para o referido fenômeno da migração de retorno nos dois estados1. Dos demais estados, apenas o Maranhão e o Piauí apresentaram um pequeno crescimento na proporção de migrantes na RMSP. Mais adiante, na análise desagregada por município, será possível observar que as populações de migrantes nordestinos, grosso modo, diminuíram em cerca de 80% dos municípios da RMSP.
25Os gráficos 2 e 3 correspondem a pirâmides etárias da população migrante nordestina residente na RMSP, segundo os censos de 2000 e de 2010. Ambas as pirâmides apresentam as características comuns de população migrante: topo e base estreitos e grande número de pessoas em idade ativa. No entanto, é possível visualizar os efeitos da queda da fecundidade entre os dois censos (Moreira e Fusco, 2017). De um lado, o maior estreitamento da base, de outro, o alargamento do topo, em função do maior peso dos idosos nesse grupo. Essa realidade é contrastante com o rápido crescimento populacional observado nas décadas da urbanização (1950-1960), o qual sofreu um processo de arrefecimento que se iniciou a partir dos últimos anos da década de 1960. Segundo Carvalho & Wong (2008, p. 598):
A partir do final da década de 60, a redução da fecundidade, que se iniciou nos grupos populacionais mais privilegiados e nas regiões mais desenvolvidas, generalizou-se rapidamente e desencadeou o processo de transição da estrutura etária, que levará, provavelmente, a uma nova população quase-estável, mas, desta vez, com um perfil envelhecido e ritmo de crescimento baixíssimo, talvez negativo.
26Além do impacto da forte queda da fecundidade (a qual se encontra atualmente abaixo da taxa de reposição), destaca-se que os efeitos indiretos da migração - como os filhos dos migrantes nascidos na RMSP - não são contabilizados, já que não são, de fato, nordestinos.
Gráfico 2 – Pirâmide etária dos migrantes nordestinos residentes na RMSP segundo o Censo 2000
Fonte: Censo Demográfico de 2000 (IBGE). Tabulação própria.
Gráfico 3 – Pirâmide etária dos migrantes nordestinos residentes na RMSP segundo o Censo 2010
Fonte: Censo Demográfico de 2010(IBGE). Tabulação própria.
27Para auxiliar na localização e compreensão dos dados espacialmente ilustrados sobre os migrantes nordestinos na RMSP, foi elaborada a figura 1 que expõe um mapa indicativo de todos os municípios que compõe a região.
Figura 1 – Municípios da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP)
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Elaborado com o software ArcGis.
28Os cartogramas 1 e 2, que podem ser analisados com o apoio dos cartogramas 3 e 4, representam mapas dos municípios da RMSP em relação a concentração dos migrantes nordestinos nos anos de 2000 e 2010. Os tons mais escuros marcam uma maior proporção de migrantes em determinado município, e as esferas maiores representam o contingente populacional total dos municípios (quanto maior a esfera, maior a população).
Cartogramas 1 e 2 – Mapas das concentrações gerais dos migrantes nordestinos residentes na RMSP. (Censos 2000 e 2010)
29Mais uma vez, é preciso levar em consideração a redução no contingente populacional dos migrantes nordestinos identificado em ambos os censos. Esta redução acarretou na diminuição de nordestinos frente a população total e, como já mencionado, pode ser explicada pela migração de retorno e pela dispersão da população em busca dos municípios não-metropolitanos, além da mortalidade.
30A redistribuição da população é perceptível nos municípios de São Bernardo do Campo, Caieiras e Juquitiba, que apresentam um aumento da proporção de migrantes. No entanto é importante observar que esse resultado não corresponde a aumento absoluto - salvo o município de Caieiras, que registrou aumento real na população. O que ocorre, de fato, é que esses municípios apresentam tons mais escuros em 2010 do em 2000 por conta somente da variação proporcional de migrantes.
Cartogramas 3 e 4 – Proporção de pessoas nascidas no Nordeste nos municípios da RMSP em relação a sua respectiva população total.
Fonte: Censos Demográficos de 2000 e 2010 - IBGE. Elaborado com o software PHILCARTO.
31Observado mais detalhadamente o mapa do Censo 2000, percebe-se que São Bernardo do Campo apresentava uma participação na distribuição dos nascidos no Nordeste e residentes nos municípios da RMSP de 20,6%. Em 2010 este percentual fica em 17,6%, com a redução no número absoluto de migrantes nordestinos neste município a proporção frente à população total diminui. Portanto, é importante ficar atento a tais questões, que serão retomadas mais adiante. De fato, os únicos municípios que apresentaram aumento absoluto no estoque de migrantes foram: Caieiras, Cotia, Embu Guaçu, Guararema e Santa Isabel, todos os demais apresentaram redução.
32Para a análise do perfil socioeconômico dos migrantes têm-se as tabelas 3 e 4, que apresentam, respectivamente, as informações sobre renda e nível de instrução dos migrantes. Escolaridade e renda são duas variáveis que podem ser analisadas em conjunto, tendo em vista a estreita relação entre elas– mais especificamente o efeito do nível de instrução sobre a renda – principalmente em países emergentes, que se ressentem da falta de ensino público de qualidade. Assim, enquanto poucos podem se beneficiar da melhor qualidade da educação privada, a maioria da população sofre com as, em geral, precárias condições de formação proporcionadas pelo Estado.
33Com as transformações ocorridas no período intercensitário, observou-se que parte dos brasileiros obteve melhoria na qualidade de vida, começando pela valorização do salário mínimo, além das políticas de assistência do governo - como o Bolsa Família e o Bolsa Escola - possibilitando que uma parcela da população pudesse arcar com os custos da saúde e educação privada, e parte pudesse garantir a permanência integral nas escolas públicas.
34A análise de renda foi feita por faixas de salário mínimo, respeitando a distinção dos valores nominais para os anos de 2000 e 2010 (R$151,00 reais e R$510,00 reais, respectivamente). Para a elaboração das faixas de salário mínimo (tabela 3) foi realizada padronização para os valores utilizando para o cálculo da inflação o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), calculado pelo IBGE.
Tabela 3 – Rendimento total (salário mínimo) dos migrantes nordestinos residentes na RMSP, segundo os Censos de 2000 e 2010.
Rendimento total (salário mínimo)
|
2000 (%)
|
2010 (%)
|
Até 1 salário mínimo
|
21,1
|
3,1
|
Mais que 1 até 3 salários mínimos
|
64,6
|
54,6
|
Mais que 3 até 6 salários mínimos
|
10,1
|
31,0
|
Mais que 6 até 10 salários mínimos
|
2,5
|
6,8
|
Mais que 10 até 15 salários mínimos
|
1,0
|
2,6
|
Mais que 15 salários mínimos
|
0,8
|
1,9
|
Total
|
100
|
100
|
Fonte: Censos Demográficos de 2000 e 2010 (IBGE). Tabulação própria.
35A priori, pode-se perceber o incremento da participação dos migrantes em 2010 nas faixas entre 3 e 10 salários mínimos, e, em contrapartida, a redução da proporção da população de nordestinos que ganhava desde menos de 1 a até 3 salários mínimos, indicando a clara melhora na renda. Ademais, é possível observar também o aumento nas maiores faixas (desde 10 até mais que 15 salários mínimos). É possível observar o aumento no nível de renda da população dos migrantes nordestinos residentes na RMSP que ascenderam em conjunto com a nova classe média, tendo em vista o tempo de existência deste fluxo, que registra migrantes já estabelecidos há décadas, além de levar-se em conta a seletividade positiva da migração no que diz respeito a renda (Santos Jr., Ferreira, Menezes Filho, 2005).
36Em relação aos níveis de escolaridade (tabela 4), nota-se que diminuiu a proporção em 2010 daqueles que tinham apenas o ensino fundamental completo, equivalente a uma redução de 10 pontos percentuais. Em contrapartida, mais migrantes respondem que conseguiram completar o ensino médio, característica cada vez mais presente em aglomerados urbanos que possuem um importante setor de serviços, o qual demanda, cada vez mais, indivíduos com melhor qualificação para desempenhar cargos de maior complexidade intelectual.
Tabela 4 – Nível de instrução dos migrantes nordestinos residentes na RMSP, segundo os Censos de 2000 e 2010.
Nível de Instrução
|
Censo 2000
|
Censo 2010
|
Ensino Fundamental
|
76,6
|
66,1
|
Ensino Médio
|
20,4
|
28,2
|
Ensino Superior
|
2,7
|
3,8
|
Superior - mestrado ou doutorado
|
0,1
|
0,2
|
Alfabetização de adultos
|
0,2
|
1,7
|
Total
|
100,0
|
100,0
|
Fonte: Censos Demográficos de 2000 e 2010 (IBGE). Tabulação própria.
37Outro resultado importante foi o aumento dos migrantes que concluíram o nível superior e pós-graduação, intensificando, assim, a maior competitividade no mercado de trabalho local, e até mesmo podendo levar de volta para os estados de origem migrantes mais especializados, no caso da migração de retorno.
38Depois de observados os níveis de renda e escolaridade, analisou-se a distribuição espacial dos migrantes nordestinos na RMSP em função dos seus setores de atividade. Foram selecionados os setores que mais contabilizavam a participação de nordestinos: comércio, construção, e serviços domésticos (todos identificados em 2000 e 2010), os quais podem ser observados nos cartogramas de 5 a 10.
39Segundo o Censo 2000, o setor de comércio era um dos que mais contava com migrantes nordestinos, registrando concentrações de até 20% da população de nascidos no Nordeste empregados neste setor. Os dados do Censo 2010 registram redução na proporção de nordestinos empregados no setor (contando com cerca de 11%), especialmente em função do surgimento de novas atividades, e o crescimento da oferta de empregos na atividade de comércio em municípios de fora da RMSP (cartogramas 5 e 6). Apesar da diferença mais que evidente da proporção de pessoas empregadas no setor de comércio, os seus locais de residência permaneceram os mesmos, sendo estas localidades as que possuem um setor de serviços mais dinâmico, como São Paulo e municípios limítrofes à capital paulista. A concentração observada no município de Santa Isabel a nordeste da RMSP deve ser analisada com cuidado, em função do pequeno tamanho da população.
Cartogramas 5 e 6 – Mapas das concentrações dos migrantes nordestinos residentes na RMSP em relação ao setor de atividade de Comércio (Censos 2000 e 2010).
Fonte: Censos Demográficos de 2000 e 2010 - IBGE. Elaborado com o software PHILCARTO.
40Outro setor em destaque é o de construção (cartogramas 7 e 8), que contava com uma concentração de cerca de 18% de nordestinos em 2000. Em 2010, o setor continua a abrigar parte importante dessa população, mesmo com a queda observada, contando com cerca de 11%. Também se observa uma mudança na distribuição desses migrantes nos municípios da RMSP. Segundo o Censo 2000, grande parte dessas pessoas residia nos municípios de Mogi das Cruzes, Suzano (a leste da RMSP), Itapevi e Vargem Grande Paulista (a oeste da RMSP), além da concentração notada nos municípios ao norte, como Francisco Morato. Em 2010 pode-se observar certa redistribuição dessa população para os municípios mais periféricos, além dos municípios que faziam fronteira com os que possuíam maior concentração nesse setor em 2000.
41A partir dos cartogramas é possível perceber que nas áreas de mais forte urbanização, como a capital, os municípios do ABCD paulista, bem como em alguns municípios de maior contingente populacional, a exemplo de Guarulhos e Osasco, o setor de construção já não possuía em 2000 a mesma representatividade, provavelmente em virtude da procura por novas áreas de expansão urbana.
Cartogramas 7 e 8 – Mapas das concentrações dos migrantes nordestinos residentes na RMSP em relação ao setor de atividade de Construção (Censos 2000 e 2010)
Fonte: Censos Demográficos de 2000 e 2010 - IBGE. Elaborado com o software PHILCARTO.
42O setor de serviços domésticos abriga a maior parte dos migrantes nordestinos que residiam na RMSP (cartogramas 9 e 10). Deve-se ressaltar que, proporcionalmente, este foi o setor que obteve a maior queda na participação de migrantes.
43Segundo o Censo de 2000, mais de 35% da população migrante declarava que estava empregada no setor de serviços domésticos, localizada mais especificamente nos municípios mais próximos à capital, onde a atividade do setor é maior. Em 2010, a participação caiu para 15%, no máximo.
44Mais uma vez, admite-se a hipótese de tendências de dispersão na redistribuição da população. Esse processo é explicado, em parte, pelo aumento na procura das cidades não metropolitanas pelas classes sociais que mais se inserem nesse setor, em virtude do custo de vida (principalmente de moradia) nas localidades da capital e entorno.
45Cartogramas 9 e 10 – Mapas das concentrações dos migrantes nordestinos residentes na RMSP em relação ao setor de atividade de Serviços Domésticos (Censos 2000 e 2010).
Fonte: Censos Demográficos de 2000 e 2010 - IBGE. Elaborado com o software PHILCARTO.
46Além destes fatores, tem-se o incremento da migração de retorno (Ojima e Fusco, 2015), que corresponde em parte à redução desta concentração em toda a RMSP, e a melhoria das condições de escolaridade da população migrante, que a torna mais competitiva, estimulando-a a buscar emprego em setores de atividade mais prósperos.
47Observa-se outro caso que merece atenção, que é a suposta queda na concentração no setor de serviços domésticos nos municípios de Salesópolis, Guararema e Biritiba Mirim, no extremo leste na RMSP. Pelo fato de serem município com populações muito pequenas, e com pequeno número de migrantes, a desagregação dos dados amostrais resulta em dificuldade para se fazer afirmações mais sólidas.
48Desde o início de seu processo de industrialização e consequente urbanização, a RMSP atraiu volumosos fluxos migratórios compostos por populações provenientes de regiões economicamente menos dinâmicas do país. A Região Nordeste - típica exportadora de mão-de-obra -, neste contexto, foi o seu expoente. No ano 2000, mais de 3 milhões de nordestinos residiam na RMSP. No entanto, já se identificavam substanciais reduções no volume desse fluxo migratório, assim como registros da migração de retorno aos estados de origem. Todavia, boa parte destes migrantes permaneceu na RMSP.
49As mudanças na política econômica do país desencadearam uma série de alterações no perfil socioeconômico da população como um todo. A ascensão de uma nova classe média, o aumento do acesso ao crédito doméstico, a valorização do salário mínimo, e a dinâmica demográfica, entre outros fatores, foram responsáveis por importantes alterações no perfil da população.
50Algumas das principais mudanças puderam ser observadas no nível de instrução e renda da população nordestina residente na RMSP, bem como pela inserção em setores de atividade específicos. A melhoria nos índices de instrução e renda deveu-se, ao menos em parte, à combinação das políticas públicas aplicadas na década em nível nacional com a seletividade própria da população migrante, a qual se traduz, neste caso, na busca por melhores condições de vida. A diminuição de concentração dos nascidos no Nordeste em atividades que demandam pouca qualificação, da mesma forma, está associada à maior dispersão da população ocupada em busca de novas oportunidades no mercado de trabalho, provavelmente com a possibilidade de aproveitar a melhoria obtida em termos educacionais.
51Observou-se, também, a tendência à descentralização e à dispersão da população em direção aos municípios que se encontram fora dos limites da RMSP, ainda que não apresentada neste estudo.Por um lado, essa dispersão é identificada em primeiro lugar nas aglomerações produtivas, que buscam novos espaços de produção, impulsionadas pelos incentivos fiscais, especulação imobiliária e valor da força de trabalho especializada. Por outro lado, é também provável que essa migração para fora dos limites da metrópole encontre correspondência com o aumento da mobilidade pendular da população que trabalha e/ou estuda em algum município da RMSP. A escolha do local de habitação fora da metrópole, em razão de condicionantes próprios do mercado imobiliário e os deslocamentos diários para trabalho ou estudo na RMSP é uma estratégia possível em função das oportunidades crescentes em termos de meios de transporte e infraestrutura viária na região.
52Além disso, já se encontram fora da RMSP vários centros universitários responsáveis por atrair cada vez mais indivíduos em busca de uma formação superior especializada, bem como de melhoria na qualidade de vida fora das grandes metrópoles. O setor de serviços cresce a passos largos nas áreas mais afastadas da capital, bem com o setor de construção, em consonância com Baeninger (1998).
53Por essa razão, torna-se interessante a ampliação do recorte espacial, em trabalhos futuros, com o objetivo de analisar o estado de São Paulo como um todo, e, também, e avaliar a situação desta redistribuição populacional em toda a Região Sudeste, considerando os efeitos da dinâmica econômica no processo de deslocamento da população.